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India from Latin America – peripherisation, statebuilding and demand-led growth

Gonzalo, Manuel. 2023. India from Latin America – peripherisation, statebuilding and demand-led growth. Nova York, Estados Unidos: Routledge, 268p. 978-0-367-54202-3

A Índia é um gigante em transformação que marcará o Século XXI. Diversas estimativas indicam que a Índia ultrapassou a China em termos populacionais e projetam que a mesma ocupará, com folga, a posição de mais populoso do mundo no século XXI. Tem excepcional dinâmica de crescimento há duas décadas (GONZALO, 2023, pGONZALO, M. India from Latin America: peripherization, statebuilding, and demand-led growth. Nova York: Routledge, 2023.. 178) e, desde 2014, é a que tem maior crescimento econômico entre os países do G20. Sua renda per capita é atualmente aproximadamente 17% da OCDE e 56% da cesta de países composta por Brasil, Índia, Indonésia, China e África do Sul (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2019ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. OECD economic surveys: India. Paris: OECD Publishing, 2019.). Atualmente tem sido apresentada como a quinta maior economia mundial, atrás apenas de Estados Unidos, China, Japão e Alemanha. Uma economia gigante em tão alto crescimento, tão baixo PIB per capita e com tamanha população imprimirá crescentemente suas características à economia mundial. Suas relações com a China e EUA marcam a geopolítica e geoeconomia do século XXI e seu estilo de desenvolvimento será decisivo para o futuro climático do planeta.

“India from Latin America” é ao mesmo tempo um convite tanto para apreender a experiência indiana a partir de um ponto de vista latino-americano, quanto para refletir sobre a nossa própria história material e de pensamento crítico. Finda a leitura, conhecemos não apenas mais sobre a Índia, mas também sobre uma nova forma de articular a economia política latino-americana, a literatura da inovação e a da demanda efetiva. Gonzalo mostra que há paralelos histórico-estruturais entre as regiões que fornecem ricos elementos de aprendizado comum entre as experiências latino-americana e a da Índia.

Na primeira parte do livro, chamada “Peripherisation”, Gonzalo fará um recorte histórico-estrutural de longa duração do subcontinente indiano. A chegada das caravelas europeias teve significados a princípio distintos para ambas as regiões. Enquanto na América Latina os povos originários foram dizimados, substituídos por escravizados trazidos da África e por colonizadores europeus cujos descendentes viriam a ocupar o poder regional, as tensas disputas no subcontinente reorganizaram o poder regional sem aniquilamento dos povos e culturas locais (que constituiriam a base social dos estados no subcontinente e de suas elites dominantes). As caravelas conectaram de maneira indireta ambas as regiões com participações de partida diferenciadas na divisão internacional do trabalho: o ouro e a prata latino-americanas do século XVII e XVIII enriqueceram a Europa e criaram um amplo mercado consumidor para a muito bem desenvolvida manufatura têxtil indiana de então. Os tecidos indianos eram apreciados na Europa tanto pelo seu valor de uso no velho continente quanto pelo seu valor de troca por escravizados na África.

Mas é um duplo movimento da Inglaterra entre meados do século XVIII e a primeira guerra mundial que assemelharia ambas as experiências em torno da noção cepalina de “periferização”: as revoluções industriais e a progressiva colonização do subcontinente indiano (primeiramente “informal” através da Companhia Britânica das Índias Orientais e, depois de 1857, sob colonização formal e direta da coroa britânica). A outrora pujante produção têxtil indiana foi substituída pela produção em massa na Inglaterra, através de mecanismos econômicos e “extra-econômicos”, relegando a região à produção de bens primários na divisão internacional do trabalho, notadamente agrícolas. Embora com questões ligadas à propriedade da terra e organização da produção agrícola sensivelmente distintas entre as regiões, ambas voltaram sua produção ao fornecimento de bens primários exportáveis (a América Latina já desde o século XVI). Os povos do subcontinente acessariam cada vez mais bens de primeira necessidade através de moeda e do trabalho assalariado. Os benefícios dos investimentos ingleses em ferrovias na Índia sob a coroa “vazavam” para a Inglaterra e a obsolescência da manufatura indiana impedia a geração de empregos para a já imensa população à procura de renda monetária. Mudanças na estrutura da produção, mecanismos diversos colonialistas de extração de renda e riqueza (wealth drain, na literatura indiana), oscilações nos termos de troca internacionais e impossibilidade de usufruto dos frutos do progresso técnico foram decisivos para a fome e empobrecimento da região.

Se os séculos XVIII e XIX aproximaram de forma triste as histórias do subcontinente e da América Latina, Gonzalo também nos mostra nas partes II (statebuilding) e III (demand-led growth) de seu livro como os séculos XX e início de XXI distanciam suas experiências. Durante o século XX, conflitos de independência, entre grupos de poder, culturas, e religiões desmembraram a região em diferentes estados-nação, sendo Índia e Paquistão seus maiores representantes. A “política implícita de inovação” e os “projetos nacionais” (conceitos de Amílcar Herrera) respondem aos desafios interestatais, visões de mundo e conflitos internos com que se deparam os grupos de poder dominantes (que Gonzalo apreende a partir de Fiori, Conceição Tavares e Medeiros) e forjam as principais características do Sistema Nacional de Inovação (SNI) (em versão ampla, a partir de Cassiolato e Lastres). Diferentemente da América Latina, há descendentes de tradição milenar no alto comando do estado e maior senso de auto-determinação guiando as tensões políticas locais. A política de planejamento e visão nehruviana, em oposição à gandhiana, orientaram a política indiana em economia mista durante o restante do “breve século XX”. Assim, a “ciência hindu”, a independência, as tensões com Paquistão e China, produzem um SNI orientado às áreas de defesa, nuclear e espacial. Ainda que de maneira mais limitada, os graves desafios internos sanitários e de subsistência alimentar também produziram programas marcantes e de resultados variados, como a conhecida “revolução verde” (Green Revolution) que prometia modernizar a produção agrícola nos anos 70. Gonzalo retoma a imagem de “The Moon and the Ghetto” para sublinhar o contraste dos projetos nacionais de ciência e tecnologia com a efetiva necessidade da população indiana.

Enquanto a América Latina perde seu dinamismo a partir da crise da dívida dos anos 80, a Índia acelera seu crescimento econômico nos anos 90 e, principalmente, anos 2000. As mudanças de orientação liberal na política econômica dos anos 90 (New Economic Policy) são vistas por Gonzalo não como um grande choque de liberalismo, mas como uma redefinição do estado que mantém participação ativa na economia indiana através das empresas e gastos públicos - que incluem amplos programas de transferência de renda feitas pelo estado. Infelizmente, assim como argumentaram Tavares e Serra para o caso do “milagre” econômico brasileiro, também na Índia a crescente desigualdade parece se articular ao atual estilo de desenvolvimento indiano puxados por gastos autônomos.

O livro de Manuel Gonzalo vem se tornando, com justiça, um estudo incontornável sobre a economia política da Índia. A vastidão temática, informacional e conceitual da obra pode deixar o leitor, por vezes, assombrado e exigem atenção. Como é próprio à boa pesquisa, nem todas as questões abertas podem ser respondidas. São muitas as avenidas abertas pelo autor no diálogo entre tradições distintas, combinando rigor analítico com criatividade bem trabalhada. Isso vale tanto para as diferentes literaturas de economia que Gonzalo mobiliza em sua longa pesquisa, quanto para a relação entre os estudiosos latino-americanos e indianos. O livro é assertivo em sua tese sem, com isso, ignorar os limites das reflexões latino-americanas para dar conta daquela experiência histórica. A pesquisa com referências e autores indianos expande a imaginação crítica latino-americana e dá ao leitor a segurança de um trabalho que se deixa atravessar pelos conhecimentos locais e com base informacional e de dados sólidas. Aprendemos com Gonzalo tanto sobre a Índia quanto com a sua consciente forma de articular a literatura de inovação, a da demanda efetiva e a da economia política latino-americana.

  • Fonte de financiamento: Não há fonte de financiamento.

Referências

  • GONZALO, M. India from Latin America: peripherization, statebuilding, and demand-led growth. Nova York: Routledge, 2023.
  • ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. OECD economic surveys: India. Paris: OECD Publishing, 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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