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IMPACTOS DA INSTALAÇÃO DE LINHAS DE TRANSMISSÃO SOBRE ECOSSISTEMAS FLORESTAIS

IMPACTS OF TRANSMISSION LINES INSTALLATION OVER FOREST ECOSYSTEMS

RESUMO

São ponderadas as formas de instalação e operação de linhas de transmissão de energia elétrica em relação às resultantes ecológicas advindas da sua utilização em áreas florestadas. Alterações físicas e biológicas são abordadas a partir da discussão de aspectos ecológicos como a fragmentação das áreas florestadas e os efeitos provenientes do contato das áreas alteradas com a floresta (efeitos de borda).

Palavras-chaves:
Transmissão de energia elétrica; impacto ambiental; floresta.

ABSTRACT

In this article the ways of installation and operation of energy transmission lines are pondered in relation to the ecological consequences of its utilization in forest areas. Physical and biological alterations are treated by the discussion of ecological aspects as fragmentation of forested areas and the effects of altered areas in contact with the forest (board effects).

Key words:
Electric energy transmission lines; environmental impact; forest.

INTRODUÇÃO

Dois problemas ligados à geração de energia, a sua conservação e transmissão - atravessam décadas, sem que surjam soluções tecnologicamente mais eficientes. O problema da transmissão à distância de energia elétrica apresenta um componente à parte no caso da energia gerada por meio de hidroelétricas: a sua grande maioria encontra-se situada muito afastada dos centros consumidores. Levando-se em conta o alto custo operacional do uso da energia termoelétrica com a utilização de combustível fóssil, é fácil prever-se um crescimento no uso da energia hidroelétrica. Somente para a Amazônia brasileira existem 79 barragens sendo instaladas e projetadas, com um total de 85900 MW. (Seva, 1990 in Fearnside, 1995FEARNSIDE, P. M. Hydroelectric dams in the brazilian Amazon as sources of “greenhouse” gases. Environmental Conservation, 22(1): 7-19. 1995). A viabilidade econômica destes projetos é aumentada pelo fato de que seus custos ecológicos geralmente não são computados ou socializados.

Recentemente somou-se mais um problema ambiental àqueles causados pelas usinas hidroelétricas - sua contribuição ao “efeito estufa’’. Fearnside (1995)FEARNSIDE, P. M. Hydroelectric dams in the brazilian Amazon as sources of “greenhouse” gases. Environmental Conservation, 22(1): 7-19. 1995 demonstrou que a vegetação submersa pode contribuir de forma significativa para o tamponamento da atmosfera em função das altas emissões de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), chegando a sua contribuição a ser muito superior à das usinas termoelétricas.

O problema da transmissão de energia à distância deve também ser considerado não só no conjunto da problemática ambiental dos reservatórios, como também da situação energética do país como um todo. É sabido que quanto mais unidades produtoras de energia estiverem interligadas, maior será a eficiência do sistema, sem que para tanto haja necessidade do aumento da capacidade instalada. Isto se deve ao fato de que as unidades que se encontrarem em época de estiagem ou submetidas a um regime de pico poderão ter suas demandas supridas por usinas trabalhando com superávit de energia. Assim sendo, a questão da interligação de usinas hidroelétricas por linhas de transmissão deve ser considerada como uma alternativa à construção de novas estações. A contabilização dos impactos ambientais deve se adequar, portanto, às alternativas de menor custo económico-ambiental. O presente trabalho tem como proposta discutir alguns dos impactos advindos da abertura de linhas de transmissão de energia elétrica (LT) sobre ecossistemas florestais.

CARACTERÍSTICAS DAS LINHAS DE TRANSMISSÃO

A transmissão de energia por cabos aéreos é uma solução que data do início do século e, dadas as tensões enviadas, não existe, até o momento, outras alternativas viáveis. No caso de longas distâncias, a solução clássica, que já perdura por mais de 80 anos, é a sua transmissão por meio de cabos suspensos por torres metálicas. A alternativa à esta forma seria o enterramento dos cabos, o que apresenta pouca segurança ambiental. A passagem de cabos de alta tensão pela superfície do solo somente é viável em cabos submarinos, como é o caso do existente na Ilha Grande (RJ). Desta forma, é grande o número de variáveis envolvidas na escolha do melhor traçado das linhas de transmissão. Geralmente a linha reta é o trajeto menos utilizado, em função de obstáculos físicos e de elementos da paisagem. Para linhas de alta tensão são utilizadas torres metálicas, que podem ser autoportantes ou estafadas e sua altura é condicionada pela tensão transmitida ou por características da paisagem. No caso da LT Itaperebá-Tijuco Preto, que transmite a energia gerada em Itaipú, as torres autoportantes atingem até 60 m e as estaiadas 45 m (FURNAS, 1987FURNAS Centrais Elétricas S.A. Linha de transmissão de 759 kV Itaperebá - Tijuco Preto II. Relatório dos Estudos de Avaliação de Impacto Ambiental. Promon Engenharia S. A. 320p. 1985.).

As chamadas faixas de servidão (faixas de uso restritivo situadas embaixo das LT) apresentam cobertura vegetal, dimensões e contornos muito variados em função de características do terreno, da tensão transmitida e da técnica utilizada. Dependendo da altura das torres, a vegetação pode variar do corte raso da vegetação até a sua completa “conservação”. A LT que vem da usina atômica de Angra dos Reis segue um trecho considerável da BR 101 (Rio-Santos) apresentando a sua faixa de servidão (de aproximadamente 50 m) com a vegetação mantida em corte raso. Já a LT Itaperebá-Tijuco Preto apresenta uma faixa de servidão de 175 m com as seguintes restrições: a faixa central da servidão, em uma largura de 70 m, deve apresentar um vão livre de 12 m em relação à catenária dos cabos. Nas faixas limítrofes de 9 m para cada lado, a vegetação deverá ser de 6 m e, nos 10 m restantes para cada lado, a altura das árvores poderá ser igual à da catenária dos cabos (FURNAS, 1987FURNAS Centrais Elétricas S.A. Linha de transmissão de 759 kV Itaperebá - Tijuco Preto II. Relatório dos Estudos de Avaliação de Impacto Ambiental. Promon Engenharia S. A. 320p. 1985.). Finalmente temos o caso em que a vegetação na faixa de servidão é mantida inalterada, como pode ser visto na LT que cruza o Maciço da Pedra Branca no sentido Pau da Fome - Recreio dos Bandeirantes.

A integração das LT às paisagens é difícil em função da necessidade de se escolher trajetos que resultem em menor impacto visual possível. Existem normas técnicas que tentam associar um certo manejo de sua trajetória de forma a reduzir a sua percepção visual, como poda seletiva de árvores da borda das faixas de servidão, cruzamento de estradas em diagonal e adoção de torres mais baixas quando a LT se destaca no horizonte (FURNAS, 1987FURNAS Centrais Elétricas S.A. Linha de transmissão de 759 kV Itaperebá - Tijuco Preto II. Relatório dos Estudos de Avaliação de Impacto Ambiental. Promon Engenharia S. A. 320p. 1985.).

TIPOS DE IMPACTO DAS LT

De uma maneira geral, são vários os impactos que as LT causam potencialmente ao meio ambiente, dos quais destacamos:

  1. impactos devidos ao campo elétrico: a energização da linha produz um campo elétrico nas imediações da faixa de servidão, e seu principal efeito está ligado à indução de cargas elétricas sobre pessoas ou objetos situados nesta área. O gradiente de potencial em torno dos condutores é responsável por descargas parciais em torno dos mesmos em presença de gotículas de água ou partículas de terra ou poeira. Este fenômeno é denominado efeito corona e é responsável pela emissão de ruído contínuo e pela produção de gases (ozônio e NO2) (FURNAS, 1987FURNAS Centrais Elétricas S.A. Linha de transmissão de 759 kV Itaperebá - Tijuco Preto II. Relatório dos Estudos de Avaliação de Impacto Ambiental. Promon Engenharia S. A. 320p. 1985.).

  2. Quanto aos efeitos diretos do campo elétrico sobre pessoas e animais não existe ainda consenso, embora existam várias pesquisas sobre o assunto e até mesmo o estabelecimento de normas de exposição de seres humanos aos campos elétricos formados nas proximidades das linhas de transmissão (EDWARDS, 1987EDWARDS, D. Electric fields: the current controversy. Science News, 131(1): 12-15. 1987.).

Tal fato tem gerado bastante preocupação à comunidade universitária da UFRRJ em função da passagem da linha de transmissão de 500 KV. Esta ligará Angra dos Reis a São José / Grajaú e, pelo traçado proposto por Furnas Centrais Elétricas, passa através do campus da UFRRJ.

No que toca aos impactos nos ecossistemas naturais há que se destacar, conforme citado anteriormente que os efeitos provocados pelas usinas hidroelétricas são intensificados pelo fato destas se encontrarem quase sempre distante de centros consumidores e muitas vezes em áreas de paisagens pouco alteradas como é o caso dos reservatórios de São Gabriel, Balbina e Santa Isabel, localizados na Amazônia. Assim sendo, os problemas derivados da ampliação, instalação e operação das LT são intimamente ligados à geração de energia hidroelétrica.

O impacto construção e operação das LT sobre os solos, cursos de água e drenagem superficial articulam-se, formando um sistema interdependente, onde os processos são retroalimentados simultaneamente. Os impactos provocados pelas LT sobre os solos, estão ligados ao desmatamento necessário à abertura de praças, servidões, estradas de acesso, e os movimentos de terra relativos às fundações e às próprias estradas de acesso, além da circulação de equipamentos pesados. O papel do desmatamento no desencadeamento de processos impactantes sobre o solo, diz respeito aos efeitos de desproteção da cobertura vegetal sobre estes. Os efeitos advindos são fundamentalmente aqueles ligados aos processos erosivos e de desestruturação dos solos provenientes do impacto direto das gotas de chuva (DUNNE, 1982DUNNE, T. Models of runoff processes and their significance. In. Scientific Basis of Water-Resource Management, National Academy Press - Washington D.C.: 17-30. 1982.).

a) A fase de implantação das LT

Deve-se separar os impactos ambientais das LT provocados pelas obras de sua instalação daqueles oriundos de sua operação. Os principais, ligados às obras de instalação são: abertura de estradas de acesso e de áreas para finalidades diversas (limpeza seletiva de faixas, instalação de torres, praças para lançamento de cabos etc), transporte das estruturas e equipamentos, fundação das torres e implantação dos canteiros de obras (FURNAS, 1987FURNAS Centrais Elétricas S.A. Linha de transmissão de 759 kV Itaperebá - Tijuco Preto II. Relatório dos Estudos de Avaliação de Impacto Ambiental. Promon Engenharia S. A. 320p. 1985.). Neste quadro, as obras de terraplenagem provocam intensos processos erosivos, que poderão evoluir e culminar na instabilização de encestas. De forma resumida, as consequências diretas desta forma de desmatamento são a alteração na drenagem natural, compactarão do solo, erosão e desestabilização de encostas, assoreamento dos cursos de água e sua conseqüente degradação. Dependendo dos condicionantes geológicos e geomorfológicos locais, o avanço das frentes de erosão poderá redundar na formação ou ampliação de vossorocas. Finalmente, os formigueiros constituem um problema sério nas proximidades das torres, pois estas se proliferam mais intensamente em regiões desmatadas (FURNAS, 1987FURNAS Centrais Elétricas S.A. Linha de transmissão de 759 kV Itaperebá - Tijuco Preto II. Relatório dos Estudos de Avaliação de Impacto Ambiental. Promon Engenharia S. A. 320p. 1985.) ou ainda em trilhas no interior da mata (ZAÚ, 1994).

Muitos destes impactos são, temporários, sendo, portanto, esperada uma regeneração natural das áreas impactadas após o período das obras. Embora a retomada de matas secundárias se dê em velocidades e processos muito rápidos, muitas vezes a destruição de mecanismos e estruturas ecológicas pode levar à chamada sucessão desviada (ODUM, 1969ODUM, E.P. The strategy of ecosystem development. Science, 164: 262-269. 1969.), que se caracteriza por um estágio de não retorno às condições semelhantes ao do pré-distúrbio. Isto é particularmente freqüente em áreas frágeis como linhas de cumeada, que são justamente o trajeto preferencial das LT.

B) A FASE DE OPERAÇÃO DAS LT

Além dos prováveis efeitos que os campos eletromagnéticos exercem sobre os organismos, temos a destacar aqueles decorrentes das alterações provocadas pelo desmatamento das faixas de servidão sobre os processos bióticos e abióticos dos ecossistemas. Estes impactos podem ser resumidos em dois aspectos básicos, quais sejam: nos impactos diretos do desmatamento propriamente dito, que se configura na destruição da flora e da fauna e no efeito indireto deste, o chamado efeito de borda, sobre as áreas de mata adjacentes (KAPOS, 1989Kapos, V. Effects of isolation on the water status of forest patches in brazilian Amazon. Jour. Trop. Ecol., 5: 173:185. 1989.; LAURANCE & YENSEN, 1991LAURANCE, W. F. & YENSEN, E. Predicting the impacts of edge effects in fragmented habitats. Biol. Conserv., 55(1): 77-92. 1991.).

Os impactos diretos do desmatamento consistem na abertura de clareiras ou servidões nas matas que podem variar de intensidade, de acordo com a formação vegetal das áreas atravessadas. É uma característica própria dos ecossistemas tropicais uma distribuição aleatória e/ou agrupada das espécies que compõem a vegetação (ITO-JR. et al. 1996ITO-JR., K.; ZAÚ, A. S. & CASTRO-JUNIOR, E. Distribuição espacial da família Palmae no Parque Nacional da Tijuca - RJ. XLVII Congresso Nacional de Botânica. Resumos, p. 360. Friburgo, Rio de Janeiro. 1996.). Muito facilmente são encontradas espécies endêmicas ou ameaçadas de extinção em áreas extremamente reduzidas. Como um exemplo temos a bromélia Tillandsia reclinata, cuja área natural de ocorrência é o topo de uma única montanha na Serra dos Órgãos. Os critérios para locação de torres não podem ser, portanto, exclusivamente técnicos e econômicos.

Quanto aos impactos indiretos do desmatamento sobre as áreas de matas, o maior é o chamado efeito de borda. Este efeito consiste em uma ampliação (análogo à propagação de uma onda sonora) dos danos provocados às áreas para dentro dos limites das manchas de matas remanescentes (adjacentes) levando, em certos casos, ao comprometimento de unidades mínimas viáveis de conservação. Este efeito se traduz em uma série de pequenos efeitos que, conjugados, modificam os ecossistemas atingidos. A área de clareira fica exposta a uma maior incidência de raios solares, que penetrarão no sub-bosque com maior ou menor grau, variando em função de características da mata, como sua altura e densidade. Como conseqüência principal, podemos citar as alterações microclimáticas do ecossistema, que poden exercer um efeito cascata sobre a constituição da fauna e da flora. HARRIS (1988)HARRIS, L. D. Edge effects and conservation of biotic diversity. Conservation Biology, 2(4): 330-332. 1988. constatou uma alta diversidade de plantas e animais associados com as bordas. No entanto, esta alta diversidade de espécies é devida à características sucessionais, pois o que ocorre de fato é a intercessão de hábitats de espécies típicas de zonas com aquelas de locais pioneiros, ou ainda, a justaposição de espécies heliófilas e umbrófilas. Sem dúvida alguma, a abertura da servidão das LT sobre a floresta é um fator desencadeador das alterações microclimáticas e de todo o processo para formação da borda.

A predição dos impactos dos efeitos de borda levou à elaboração de um protocolo de avaliação dos mesmos por meio do estabelecimento de uma metodologia própria e à formulação de um modelo de simulação com a vegetação (Lawrence & Yensen, 1991). No Brasil, o projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (INPA/WWF) vem desenvolvendo inúmeras pesquisas aplicadas acerca dos efeitos de borda e ao tamanho mínimo dos fragmentos florestais necessário à conservação de um máximo de espécies (LOVEJOY, 1980LOVEJOY, T. E. Discontinuous wilderness: minimum areas for conservation. Parks, 5(2): 13-15. 1980., LOVEJOY et al., 1983LOVEJOY, T. E., BIERREGAARD, R. O., RANKIN, J. M. & SCHUBART, H. O. R. Ecological dynamics of forest fragments. In: Sutton, S.L., Whitmore, T.C. & Chadwick, A.C. (eds.) Tropical rain forest: ecology and management. Blackwell Scientific Publications, Oxford, Inglaterra p.- 377-384. 1983.). Dentre as conclusões tiradas por este grupo, destacamos as seguintes, relacionadas aos efeitos das servidões das LT sobre as florestas:

a mortalidade das árvores aumenta muito nos fragmentos e nas bordas, em função das alterações microclimáticas, sendo que o vento representa importante fator na queda de árvores;

determinados grupos faunísticos sofrem intensa predação com a presença de populações características das clareiras;

a luz determina um aumento de fotossíntese e consequentemente de insetos predadores de plantas, o que redunda em alterações na composição da comunidade vegetal justaposta à borda.

Deve-se destacar que o efeito de borda não se circunscreve à faixa imediatamente seguinte à clareira, mas pode propagar-se a distâncias consideráveis. KAPOS (1989)Kapos, V. Effects of isolation on the water status of forest patches in brazilian Amazon. Jour. Trop. Ecol., 5: 173:185. 1989. estudando o efeito de borda na Amazônia brasileira encontrou variações significativas em aspectos abióticos em função do tamanho dos fragmentos. No sub-bosque, até 60 m da borda da mata, a temperatura ambiente era elevada e a umidade reduzida, sendo que a penetração de radiação fotosinteticamente ativa estava aumentada até 60 m em fragmentos ou reservas de 100 ha em período úmido. No período seco as alterações podem propagar-se a maiores distâncias. Alterações maiores foram encontradas em fragmentos menores (10 ha), onde a umidade do solo baixou sensivelmente nos primeiros 20 metros das bordas sendo todo o fragmento alterado. Disto entende-se que a abertura de faixas de servidão pode ter um efeito muito maior do que a faixa desmatada. Deve-se destacar também, que após o desmatamento pode haver um situação de regressão florestal até que o sistema restabeleça a sua “cicatrização”, o que geralmente acontece com o crescimento de cipós e lianas nas beiradas das áreas desnudas. Segundo LUKEN et al. 1991LUKEN, J. O., HINBTON, A. C & BAKER, D. G. Forest edges associated with power-line corridors and implications for corridor sitting. Landscape Urban Plann., 20 (4): 315-324. 1991., para se evitar este espectro de problemas, as faixas de servidão devem ser situadas em áreas não florestadas, em corredores pré-existentes, ou em formações florestais que comprovadamente não apresentem viabilidade ecológica.

As LT podem, portanto, condenar à morte uma área florestada muito mais extensa do que aquela causada pela simples desmatamento da faixa de servidão. Este efeito deletério se intensifica ainda mais quando se tratam de fragmentos florestais. Com as atuais taxas de desmatamento (o Estado do Rio de Janeiro apresenta menos de 10% de sua área coberta por florestas), a vegetação nativa é relegada à condição de fragmentos (ilhas), de diferentes tamanhos e formas. Assim sendo, o seccionamento de um fragmento florestal por uma LT pode redundar, a médio prazo, no desaparecimento das duas metades. Segundo Viana et al. (1992)VIANA, V. M., TABANEZ, A.J.E. & MARTINEZ, J.L.A. Restauração e manejo de fragmentos florestais. II Congresso Nacional sobre Essências Nativas, Anais, p. 400-406. 1992., a combinação de: a) alto percentual de redução da cobertura de vegetação nativa; b) pequena área individual dos fragmentos e/ou seu formato alongado; c) baixa freqüência natural de muitas espécies; d) elevada densidade de cipós e árvores mortas e e) alta vulnerabilidade a perturbações antrópicas resultado do estado atual de abandono dos fragmentos configura um quadro de extrema gravidade para a conservação do que resta de mata atlântica.

A sobrevivência de um fragmento florestal está ainda associada ao seu grau de isolamento e, portanto, a conectividade da paisagem pode ser bastante importante para a sobrevivência das espécies (TURNER, 1989TURNER, M. G. Ecologia da Paisagem: o efeito dos padrões nos processos. Ann. Rev. Ecol. Syst., 20: 171-197. 1989.). A este respeito, outro efeito deletério das LT é justamente o seccionamento (perda de conectividade) entre os fragmentos florestais. A separação de comunidades anteriormente contínuas pode levar à alterações na estrutura das populações, com a eventual eliminação de espécies mais sensíveis e/ou mais raras. KRODSMAN (1987)KRODSMAN, R. L. Edge effect on breeding birds along power-line corridors in east Tennessee. Am. Midl. Nat., 118(2): 275-283. 1987. reporta a ocorrência de alterações drásticas na estrutura de comunidades de pássaros após a abertura de uma faixa de servidão de uma linha de alta tensão. Neste sentido as faixas de servidão podem funcionar como filtros seletivos ou até mesmo como verdadeiras barreiras geográficas. Este efeito pode ser bastante grave para as populações silvestres, especialmente no caso de seccionamento de fragmentos florestais de tamanho reduzido.

ELEMENTOS PARA A MINIMIZAÇÃO DE IMPACTOS

Em 1964 o Ministério das Minas e Energia baixou decreto desapropriando uma faixa de 70 m que cortava o Parque Nacional da Tijuca (RJ) para permitir a construção de uma LT interligando os bairros de Andaraí e Horto Florestal. Esta faixa serviria como servidão, estando previsto o corte raso da vegetação. Por medida de economia, o trajeto seria praticamente em linha reta, cruzando o Pico da Tijuca. O então diretor do PNT, dr. Alceo Magnanini (que reportou o presente fato) entrou com recurso solicitando a revogação da aludida portaria. Após longas discussões entre Furnas e a equipe técnica do então IBDF conseguiu-se a elaboração de um novo projeto e traçado, que incluía as torres de grande altitude e que até hoje podem ser vistas na subida da Av. Edson Passos. Pela primeira vez no país se utilizou torres de 60 m, com os cabos sendo lançados com o uso de helicópteros, o que manteve intacta a floresta subjacente. Este episódio ilustra a necessidade da integração de equipes de diferentes óticas para o equacionamento de problemas ambientais.

Algumas vezes, as soluções paliativas formuladas por técnicos da área de engenharia carecem de fundamentação biológica, como é o caso da manutenção da faixa livre de vegetação na altura de 12 metros da catenaria dos cabos utilizada na LT Taberebá-Tijuco Preto. Esta solução, se eficaz do ponto de vista de operação da linha, é inviável tecnicamente. A dinâmica de crescimento e desenvolvimento de florestas tropicais impedem por completo podas de tal forma, o que redundaria em prejuízo claro para comunidade florestal.

Assim sendo, a planificação de medidas mitigadoras deve levar em consideração a dinâmica ecológica dos ecossistemas florestais em toda a sua extensão. A virtual inexistência de tratos de florestas primárias na região Sudeste leva à necessidade de se manejar as florestas secundárias com rigor, sob risco de se promover graves depleções em termos de biodiversidade. Assim sendo, soluções hidráulico-florestais deverão ser tentadas principalmente onde, por razões técnicas irremovíveis, houver a necessidade de utilização do corte raso da vegetação. Desta forma vale ressaltar que o estudo das alternativas de trajetórias de LT deve contemplar a pesquisa de um grande número de variáveis. Por exemplo a utilização de corredores ecológicos - passagens mantidas com floresta intacta a intervalos regulares ao longo das servidões - pode permitir a sobrevivência de numerosos grupos faunísticos e florísticos (BAUR & BAUR, 1992BAUR, A. & BAUR, B. Effect of corridor width on animal dispersal: a simulation study. Glob. Ecol. Biogeogr. Let. 2: 52-56. 1992.; NOSS, 1987NOSS, R. F. Corridors in real landscapes: a reply to Simberloff and Cox. Conservation Biology, 1(2): 159-164, 1987.; SIMBERLOFF & COX, 1987SIMBERLOFF, D.; & COX, J. Consequences and costs of conservation corridors. Conservation Biology, 1:63-71. 1987.; CÂNDIDO JUNIOR, 1993CÂNDIDO JUNIOR, J. F. The contribution of community ecology to choice and design of natural reserves. Ciência e Cultura, 45(2): 100-103. 1993; NEWMARK, 1993NEWMARK, W. D. The role and design of wildlife corridors with examples from Tanzania. Ambio, 22(8): 500-504. 1993.; KUPFER, 1995KUPFER, J. A. Landscape ecology and biogeography. Progress in Physical Geography, 19 (1): 18-34. 1995.; CÂMARA, 1996CÂMARA, I. G. Plano de ação para a Mata Atlântica. Roteiro para a conservação de sua biodiversidade. Série Cadernos da Reserva da Biosfera, Caderno nº 4, 34 p. 1996. & ZAÚ, 1997ZAÚ, A. S. A Ecologia da paisagem no planejamento territorial. Floresta e Ambiente, 4: 98-103. Instituto de Florestas, UFRRJ. 1997.). A questão de erosão de solos e instabilidade de encostas também devem ser objeto de pesquisas criteriosas. Existem situações particulares em matas de encosta que, mesmo com a adoção de torres altas com a aparente preservação integral da floresta subjacente, pode ocorrer a desestabilização de encostas em locais com condicionantes geomorfológicos que induzam ao desabamento. Ainda que não sejam abertas servidões, a existência de trilhas destinadas ao trânsito de trabalhadores passando por estes locais pode alterar de maneira crítica as condições de infiltração de água.

Face à atual situação de depleção das florestas tropicais, não há mais espaço para soluções improvisadas, que não levem em consideração os impactos futuros.

LITERATURA CITADA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 1998
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