Acessibilidade / Reportar erro

POTENCIAL ALELOPÁTICO DO EXTRATO AQUOSO DE FOLHAS DE ALGUMAS LEGUMINOSAS ARBÓREAS BRASILEIRAS

ALLELOPATHIC POTENTIAL OF LEAF AQUEOUS EXTRACTS OF BRAZILIAN LEGUMINOSAE TREES

RESUMO

Esse trabalho descreve o efeito dos extratos aquosos de algumas leguminosas arbóreas brasileiras sobre a germinação e o desenvolvimento radicial de alface (Lactuca sativa L. cv. “Grand Rapids”). Os extratos foram obtidos por maceração estática das folhas com água destilada e os testes de germinação foram efetuados com os extratos aquosos ou destes isentos de fenólicos pela filtração em polivinilpirrolidona (PVP). A maioria das espécies testadas inibiu o desenvolvimento radicial de alface, mas apenas Mimosa artemisiana afetou sua germinação. A filtragem em PVP anulou apenas o efeito de M. artemisiana sobre a germinação, sugerindo neste caso, a natureza fenólica das toxinas envolvidas.

Palavras-chaves
Leguminosas; fitotoxidez; potencial alelopático

ABSTRACT

This work describes the effect of the aqueous extracts obtained from leaves of some Brazilian leguminous trees on germination and root growth of lettuce (Lactuca sativa L. cv. “Grand Rapids”). The extracts were obtained by static maceration with distilled water and the germination assays were performed with these extracts with and without phenolics, which was obtained by filtering through polivinylpirrolidone (PVP). The majority of the tested species inhibited the growth of lettuce root radicle, but only Mimosa artemisiana inhibited lettuce seed germination. The inhibition of seed germination did not occur with PVP filtered extracts, suggesting the phenolic nature of phytotoxins present in this extract.

Key words
Leguminosae; phytotoxicity; allelopathic potential

INTRODUÇÃO

Devido o uso inadequado das formações naturais vários ecossistemas brasileiros encontram-se ameaçados pela degradação, o que torna a sua recuperação uma necessidade eminente. Segundo Rodrigues & Gandolfi (2000)RODRIGUES, R.R.; GANDOLFI, S. Conceitos, Tendências e Ações para a Recuperação de Florestas Ciliares. RODRIGUES, R.R.; LEITÃO Fo, H.F. (Eds.). Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. p.235-247. as causas da degradação de tais ecossistemas estão geralmente associadas à expansão da fronteira agrícola ou ao uso de práticas agrícolas inadequadas, como a descarga de sedimentos e águas superficiais, a fragmentação de remanescentes florestais e o uso inadequado do fogo. Podem ainda ser citadas as atividades de exploração florestal, o garimpo, a construção de reservatórios, a expansão de áreas urbanas e peri-urbanas e a poluição industrial.

Atualmente, os programas de recuperação de áreas degradadas não se restringem apenas a um conjunto de práticas agronômicas ou silviculturais de plantio de espécies perenes objetivando somente a re-introdução de espécies arbóreas nativas numa determinada área. Observa-se cada vez mais a tentativa de recompor as complexas interações da comunidade vegetal, respeitando suas características intrínsecas, de forma a garantir a perpetuação e a evolução da comunidade no espaço e no tempo (Rodrigues & Gandolfi, 2000RODRIGUES, R.R.; GANDOLFI, S. Conceitos, Tendências e Ações para a Recuperação de Florestas Ciliares. RODRIGUES, R.R.; LEITÃO Fo, H.F. (Eds.). Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. p.235-247.).

As questões referentes à diversidade de espécies, da regeneração natural nas plantações, da interação planta x animal e da representatividade das espécies nas suas populações são alguns dos pontos importantes que vêm sendo abordados nos atuais modelos de restauração de comunidades vegetais. A partir dos anos 90, foi observado um aumento acentuado das iniciativas de restauração de áreas degradadas, e este aumento deveu-se basicamente a dois fatores: conscientização da sociedade e exigência legal (Kageyama & Gandara, 2000KAGEYAMA, P., GANDARA, F.B. Recuperação de Áreas Ciliares. In: RODRIGUES, R.R.; LEITÃO Fo, H.F. (Eds.). Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. p.249-269.).

A escolha adequada de espécies é um dos aspectos fundamentais para a formulação e implantação corretas de programas de recuperação. Tal escolha deve considerar a adaptabilidade diferencial das espécies para cada condição ambiental identificada, respeitando-se suas particularidades nas diferentes regiões fitogeográficas (Salis et al., 1995SALIS, S.M.; SHEPHERD, G.J.; JOLY, C.A. Floristic Comparasion of mesophytic Semideciduos Forests of the Interior of State of São Paulo, Southeast Brazil. Vegetatio, Dordrecht, V.119, n.2, p. 155-164, 1995.; Silva Jr. et al., 1998SILVA JR., M.C.; NOGUEIRA, P.E.; FELLIPE, J.M. Flora Lenhosa das Matas de Galeria do Brasil Central. Boletim do Herbário Ezechias Paulo Heringer, Brasília, V. 5, n.1, p. 57-76. 1998.).

As espécies florestais nativas são fundamentais na integração e na manutenção da biodiversidade, na estrutura dos ecossistemas e nas interações com a fauna, além de apresentarem funções relacionadas com a conservação hidrológica e geológica do local. Contudo, atualmente é possível verificar que muitos projetos de reflorestamento heterogêneo com espécies nativas fracassam devido ao pouco conhecimento dos técnicos e empreendedores sobre a biologia das espécies utilizadas e de seu comportamento em reflorestamentos artificiais (Barbosa, 2000BARBOSA, L.M. Considerações Gerais e Modelos de Recuperação de Formações Ciliares. In: RODRIGUES, R.R.; LEITÃO Fo, H.F. (Eds.). Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. p.289-312.). Neste contexto, podemos citar as espécies arbóreas nativas de Leguminosas como um dos mais importantes componentes de um modelo de restauração de áreas degradadas, onde assumem diferentes categorias dos estágios sucessionais (Lorenzi, 1992LORENZI, H. Árvores Brasileiras, Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil. V.1, 1a ed., Nova Odes-sa:Editora Plantarum Ltda.., 1992. 368p.).

De acordo com Judd et al. (1999)JUDD, W.S.; CAMPBELLL, C.S.; KELLOG, E.A.; STEVENS, P.F. Plant Systematics: A Phylo-genetic Approach. Sunderland: Sinauer Associates, Inc., 1999. 464p., as Leguminosae (Fabaceae sensu lato) compreendem cerca de 630 gêneros e aproximadamente 18.000 espécies, sendo a terceira maior família de angiospermas em número de espécies, superada apenas por Asteraceae e por Orchidaceae. Segundo Barroso (1984)BARROSO, G.M. Sistemática de Angiospermas do Brasil. V.2, Viçosa: Imprensa Universitária-UFV, 1984. p. 15-100., as Caesalpinaceae e Mimosaceae são principalmente tropicais, enquanto que as Fabaceae encontram-se mais freqüentemente nas regiões temperadas. Gentry (1993)GENTRY, A.H. A Field Guide to the Families and Genera of Woody Plants of Northwest South America (Colombia, Ecuador, Peru) with Suplementary Notes on Herbaceous Taxa. Chicago: University of Chicago Press., 1993. p.503-513. considerou Leguminosae como sendo a família arbórea neotropical mais importante da região noroeste da América do Sul.

Em um trabalho de recuperação de áreas de mata ciliar na Bacia do Jacaré-Pepira, região interiorana do estado de São Paulo, Joly et al. (2000)JOLY, C.A.; SPIGOLON, J.R.; LIEBERG, S.A.; SALIS, S.M.; AIDAR, M.P.M.; MELZZER, J.P.W; ZIECKEL, C.S.,; LOBO, P.C.; SHIMABUKURO, M.T.; MARQUES, M.C.M.; SALINO, A. Projeto Jacaré-Pepira - O desenvolvimento de um modelo de recomposição da mata ciliar com base na florística regional. In: RODRIGUES, R.R.; LEITÃO Fo, H.F. (Eds.). Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. p.271-287. utilizaram espécies nativas escolhidas com base em estudos florísticos e fitossociológicos realizados na área. Dentre as 84 espécies utilizadas nesse trabalho, 26 eram leguminosas, o que corresponde a 30% do total, com destaque para Schizolobium parahyba e Piptadenia gonoacantha. Em outro projeto semelhante desenvolvido por Barbosa (1996)BARBOSA, L.M. Estudos Ecofisiológicos Integrados Visando o Repovoamento Vegetal em Áreas sob Impacto Ambiental. São Paulo, SP. Relatório de Pesquisa. São Paulo: Instituto de Botânica, 1996. 95p. no município de Santa Cruz das Palmeiras (SP), foram utilizadas 31 espécies arbóreas nativas, dentre as quais 11 eram leguminosas, representando aproximadamente 35% do total.

O termo alelopatia define um fenômeno químicoecológico no qual metabólitos secundários produzidos por uma espécie vegetal são liberados e interferem na germinação e/ou no desenvolvimento de outras plantas num mesmo ambiente. Num sentido amplo, os efeitos alelopáticos se referem tanto a inibição quanto ao estímulo de desenvolvimento. (Harborne 1988HARBORNE, J.B. Introdution to Ecological Biochemistry, 3.ed. London:Academic Press, 1988. 382p.; Rice, 1984RICE, E.L. Allelopathy, 2.ed., Orlando: Academic Press, 1984. 422p.). Substâncias alelopáticas podem ser liberadas para o meio ambiente por exudação, lixiviação, decomposição de resíduos vegetais ou volatilização (Rice, 1987RICE, E.L. Allelopathy: an overview. In: WALLER, G.L. (Ed.) Allelochemicals: role in agriculture and forestry. Washington: Americam Chemical Society, 1987. p.7-22.; Withaker & Fenni, 1971WHITTAKER, R.H.; FENNI, PP. Allelochemies: chemical interaction between species. Science, V. 171, 757-770, 1971.).

Dentre os metabólitos secundários potencialmente alelopáticos, os derivados fenólicos se destacam pela sua capacidade de interferir no desenvolvimento vegetal. Essas substâncias são notáveis pela sua capacidade de interferir com a atividade de fitormônios, formando complexos com giberelinas (Nutbeam & Briggs, 1982NUTBEAM, A.R.; BRIGGS, D.E. Gibberellin-phenol interactions in plant extracts Phytochemistry, London, V. 21, n. 9, p.2217-2224, 1982.), exibindo ação antagonista com o ácido abscísico (Ray, 1986RAY, S.D. GA, ABA, Phenol Interaction in the control of growth; Phenolic compounds as effective modulators of GA-ABA interaction in radish seedlings. Biologia Plantarum (Praha), Prague, V.28, n.4, p. 361-369, 1986.) ou inibindo as AIA-oxidases, aumentando assim a ação das auxinas (Méndez & Mato, 1997MÉNDEZ, J.; MATO, M. C. Methyl gallate and related polyphenols as auxin protectors. Phytochemistry, London, V. 44, n.1, 41-43,1997.). Segundo Wheller (1975)WHELLER, H. Plant pathogenesis. Berlin: Springer- Verlag, 1975. 106p. mesmo pequenas mudanças no metabolismo dos fenóis podem interromper muitos processos que são essenciais para o crescimento e desenvolvimento normais da planta.

Apesar da sua importância, sabe-se muito pouco sobre a ecologia química de leguminosas arbóreas brasileiras. Mas é provável que interações químicas, como a alelopatia interfiram no estabelecimento dessas plantas. A maioria dos trabalhos nesse sentido foi realizado com espécies herbáceas exóticas. Por exemplo, Melilotus messanensis tem sido intensamente estudada desde a última década, o que levou ao isolamento de diversos metabólitos fitotóxicos como triterpenóides (Macias et al., 1994MACIAS, F.A.; SIMONET, A.M.; ESTEBAN, M.D. Potential allelopathic lupane triterpenes from bioactive fractions of Melilotus messanensis. Phytochemistry, London, V.36, n.6, p. 1369-1379, 1994.; Macias et al., 1998MACIAS, F.A.; SIMONET, A.M.; GALINDO, J.C.G; PACHECO, P.C.; SANCHEZ, J.A. Natural products as allelochemicals. Part 7. Bioactive polar triterpenoids from Melilotus messanensis. Phytochemistry, London, V.49, n.3, p.709-717, 1998.), isoflavonóides e pterocarpanos (Macias et al., 1999MACIAS, F.A.; SIMONET, A.M.; GALINDO, J.C.G.; CASTELLANO, D. Bioactive phenolics and polar compounds from Melilotus messanensis. Phytochemistry, London, V.50, n.1, p.35-46, 1999.). Outra leguminosa herbácea da qual foram isolados triterpenóides polares com atividade alelopática é a alfafa, Medicago sativa (Oleszek, 1993OLESZEK, W. Allelopathic potentials of alfalfa (Medicago sativa) saponins - their relation to antifungal and hemolytic activities. Journal of Chemical Ecology, Dordrecht, V. 19, n. 8, p.1063-1074, 1993.).

A ocorrência de efeito alelopático em leguminosas arbóreas pode assumir uma grande importância na área de agrossilvicultura, principalmente no que diz respeito a interferências entre espécies arbóreas e plantas cultivadas (Anthofer et al., 1998ANTHOFER, J.; HANSON, J.; JUTZI, S. Wheat growth as influenced by application of agroforestrytree prunings in ethiopian highlands. Agroforestry Systems, Dordrecht, V. 40, n.1, p.1-18, 1998.). Anthofer et al. (1998)ANTHOFER, J.; HANSON, J.; JUTZI, S. Wheat growth as influenced by application of agroforestrytree prunings in ethiopian highlands. Agroforestry Systems, Dordrecht, V. 40, n.1, p.1-18, 1998. observou ainda os efeitos inibidores de várias espécies arbóreas sobre o trigo. Dentre elas se destacaram três leguminosas: Acacia polyacantha, A. nilotica e Erythrina abyssinica. Outro aspecto interessante das interações planta-planta é o aproveitamento de algumas leguminosas arbóreas no controle de espécies invasoras (Rice, 1984RICE, E.L. Allelopathy, 2.ed., Orlando: Academic Press, 1984. 422p.), como a Cassia uniflora Mill. (= C. sericea Sw.) que apresentou resultados promissores no controle de Parthenium hysterophorus L. (Asteraceae) na Índia (Srikanth & Pushpalatha, 1991SRIKANTH, J.; PUSHPALATHA, N.A. Status of biological-control of Parthenium hysterophorus in India - A review. Insect Science and its Application, Kenya, V. 12, n. 4, p. 347-359, 1991.).

Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo avaliar o efeito de extratos aquosos das folhas de Caesalpinia pluviosa DC. (Caesalpinaceae), Schizolobium parahyba (Vell.) Blake (Caesalpinaceae), Mimosa artemisiana Heringer & Paula (Mimosaceae), Piptadenia gonoacantha (Mart.) Macbr. (Mimosaceae), Clitoria fairchildiana R.A. Howard (Fabaceae) e Erythrina speciosa Andrews (Fabaceae) sobre a germinação e sobre o desenvolvimento radicial de alface (Lactuca sativa cv. Grand Rapids). Segundo Lorenzi (1992)LORENZI, H. Árvores Brasileiras, Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil. V.1, 1a ed., Nova Odes-sa:Editora Plantarum Ltda.., 1992. 368p., todas as leguminosas testadas neste trabalho são pioneiras e apresentam crescimento rápido, sendo indicadas em modelos de plantios mistos para recuperação de áreas degradadas.

MATERIAL E MÉTODOS

Material Vegetal

As amostras de folhas de leguminosas foram coletadas no Campus da UFJF (Município de Juiz de Fora, MG) em maio de 2001. Exsicatas das espécies testadas estão depositadas no herbário Leopoldo Krieger-UFJF (CESJ) sob os números 32746 (Caesalpinia pluviosa), 33101 (Schizolobium parahyba), 32747 (Mimosa artemisiana), 34763 (Piptadenia gonoacantha), 34736 (Clitoria fairchildiana) e 34764 (Erythrina speciosa).

Teste de atividade Alelopática

Os testes de efeito alelopático basearam-se nas indicações de Rice (1984)RICE, E.L. Allelopathy, 2.ed., Orlando: Academic Press, 1984. 422p. e na metodologia descrita por Soares & Vieira (2000)SOARES, G.L.G.; VIEIRA, T.R. Inibição da germinação e do crescimento radicular de alface (cv. “grand rapids”) por extratos aquosos de cinco espécies de Gleicheniaceae. Floresta e Ambiente, Seropédica, V.7, n.1, p.180-184, 2000. para avaliação do potencial alelopático de espécies da família Gleicheniaceae.

Amostras de 50 sementes de alface (Lactuca sativa cv. Grand Rapids) foram distribuídas em placas de Petri sobre papel filtro umedecido com 5 ml dos extratos de folhas verdes recém coletadas das leguminosas. Os extratos foram obtidos por maceração estática em água destilada por 24 h à temperatura ambiente. Amostras desses extratos foram filtradas com polivinilpirrolidona (PVP) para a eliminação de derivados fenólicos, o que foi confirmado pela reação negativa do extrato com FeCl3 (1%).

Água destilada foi usada como controle e cada tratamento foi realizado em três repetições. Após 72 horas da semeadura, foi feita a contagem do número de sementes germinadas, procedendo-se imediatamente a medição das raízes das plântulas de alface. Diferenças significativas dos tratamentos entre si e entre os tratamentos e o controle foram detectados com o teste HSD de Tukey a 5%.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

De acordo com os resultados obtidos (Tabela 1) apenas o extrato de M. artemisiana apresentou efeito inibidor significativo sobre a germinação de alface. Enquanto observou-se uma média de 94% de germinação no controle, as sementes tratadas com o extrato aquoso dessa leguminosa apresetaram 88% de germinação. Esse favoreceu a manifestação de uma tendência de inibição quando se analisou o efeito médio das espécies de Mimosaceae (Figura 1). Este efeito foi revertido pela filtragem em PVP, o que indica que a atividade inibidora da germinação de M. artemisiana é devida a ação de derivados fenólicos polares. As outras espécies testadas não inibiram a germinação da alface e, em alguns casos, observou-se até uma leve tendência estimuladora.

Tabela 1
Efeito dos extratos aquosos de algumas leguminosas arbóreas sobre a germinação e sobre o crescimento radicial de alface. (Cpluv= C. pluviosa, Spara= S. parahyba, Marte= M. artemisiana, Pgono= P. gonoacantha, Cfair= C. fairchildiana, Espec= E. speciosa, PVP= polivinilpirrolidona. Valores seguidos da mesma letra não diferem entre si pelo teste HSD de Tukey a 5%.).
Table 1
Effect of the aqueous extracts of some leguminosae trees on germination (%) and root length (cm) of lettuce. (Cpluv= C. pluviosa, Spara= S. parahyba, Marte= M. artemisiana, Pgono= P. gonoacantha, Cfair= C. fairchildiana, Espec= E. speciosa, PVP= polivinylpirrolidone. Values followed by same letter does not differ by Tukey’s HSD test at 5%.).

Tal tendência é observada para os tratamentos com extratos das espécies de Fabaceae e no extrato de S. parahyba filtrado em PVP.

De maneira geral, os extratos aquosos das espécies de leguminosas mostraram forte efeito inibidor do desenvolvimento radicial em plântulas de alface (Tabela 1). Esse efeito foi acompanhado por alterações morfológicas conspícuas nas raízes, tais como: engrossamento, escurecimento e ausência da zona de absorção e coifa. Essas alterações foram especialmente notadas nas plântulas tratadas com os extratos das espécies de Mimosoidae. Enquanto as plântulas controle exibiram um comprimento radicial médio igual á 1,53 cm, as plântulas tratadas pelos extratos de M. artemisiana e P. gonoacantha atingiram 0,56 cm e 0,33 cm, respectivamente. Esses valores correspondem ao maior efeito inibidor médio para Mimosaceae (Figura 1). Efeitos inibidores significativos do crescimento radicial também foram observados nos tratamentos com os extratos de S. parahyba, e E. speciosa (Tabela 1).

Figura 1
Efeito médio dos extratos aquosos de leguminosas arbóreas sobre a germinação (A) e sobre o crescimento radicial (B) de alface. (CAES= Caesalpinaceae, MIMO= Mimosaceae, FABA= Fabaceae, PVP= polivinilpirrolidona)
Figure 1.
Average effect of the aqueous extracts of some leguminosae trees on germination (%) and root length (cm) of lettuce. (CAES= Caesalpinaceae, MIMO= Mimosaceae, FABA= Fabaceae, PVP= polivinylpirrolidone).

Anthofer et al (1998)ANTHOFER, J.; HANSON, J.; JUTZI, S. Wheat growth as influenced by application of agroforestrytree prunings in ethiopian highlands. Agroforestry Systems, Dordrecht, V. 40, n.1, p.1-18, 1998., testando várias espécies arbóreas africanas, detectou efeitos inibidores sobre o desenvolvimento de plântulas de trigo em extratos de duas espécies de Mimosaceae (Acacia polyacantha e A. nilotica). Os resultados obtidos com M. artemisiana e P. gonoacantha permitem supor que seja comum a presença de substâncias fitotóxicas em espécies dessa família de leguminosas. Esse mesmo autor também cita o efeito alelopático de uma espécie do gênero Erythrina (E. abyssinica), mais uma vez corroborando os resultados obtidos no presente estudo, uma vez que E. speciosa exibiu efeito inibidor sobre o desenvolvimento de plântulas de alface.

A filtragem com polivinilpirrolidona alterou de maneiras diversas os efeitos dos extratos sobre o crescimento radicial de alface (Tabela 1). Na maioria das espécies a eliminação dos derivados fenólicos não provocou alteração sobre a fitotoxidez dos extratos das leguminosas. Por outro lado, esse tratamento foi capaz de minimizar o efeito inibidor E. speciosa e estimular a fitotoxidez C. fairchildiana que se torna significativo quando comparado ao controle.

CONCLUSÕES

Pode-se concluir que os derivados fenólicos estão também envolvidos na atividade fitotóxica de E. speciosa. Para C. fairchildiana é possível que a presença de fenólicos minimize o efeito tóxico de algum outro tipo de substância produzida por essa planta. É bem conhecida a capacidade dos derivados fenólicos de complexar algumas substâncias nitrogenadas, como proteínas e aminoácidos (Hemingway & Laks, 1992HEMINGWAY, R.W.; LAKS, P.E. Plant Polyphenols: Synthesis, Properties and Significance. Dordrecht:Kluwer Academic Publishers, 1992. 1066p.; Waterman, 1994WATERMAN, P.G.; MOLE, S. Analysis of Phenolic Plant Metabolites. London: Blackwell Science, 1994. 256p.). Essa atividade dos derivados fenólicos pode fornecer uma pista sobre a natureza química da fitotoxina presente em C. fairchildiana. Schenk. & Werner (1991)SCHENK, S.U.; WERNER D. beta-(3-isoxazolin-5-on- 2-yl)-alanine from Pisum - allelopathic properties and antimycotic bioassay. Phytochemistry, London, V.30, n.2 p. 467-470, 1991. isolaram da ervilha (Pisum sativum - Leguminosae) um aminoácido não protéico, a β-(3-isoxazolin-5-on-2-ila)-alanina, que apresentou efeito inibidor sobre alface e gramíneas. Todas as leguminosas testadas são semi ou caducifólias, o que torna pertinente à avaliação do potencial alelopático dos extratos aquosos de suas folhas. É oportuno salientar que essas espécies arbóreas são recomendadas como espécies pioneiras em modelos de restauração de áreas degradadas. Se os efeitos fitotóxicos observados ocorrerem no campo, essas espécies poderão comprometer o desenvolvimento normal do processo sucessional através da inibição do desenvolvimento radicial das sementes encontradas no banco de sementes natural do local.

Os resultados obtidos no presente estudo estimulam a realização de ensaios com outras espécies para detectar aquelas com maior efeito alelopático e evidenciar a tendência taxonômica de manifestação da atividade fitotóxica observada em espécies de Mimosaceae.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ANTHOFER, J.; HANSON, J.; JUTZI, S. Wheat growth as influenced by application of agroforestrytree prunings in ethiopian highlands. Agroforestry Systems, Dordrecht, V. 40, n.1, p.1-18, 1998.
  • BARBOSA, L.M. Considerações Gerais e Modelos de Recuperação de Formações Ciliares. In: RODRIGUES, R.R.; LEITÃO Fo, H.F. (Eds.). Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. p.289-312.
  • BARBOSA, L.M. Estudos Ecofisiológicos Integrados Visando o Repovoamento Vegetal em Áreas sob Impacto Ambiental. São Paulo, SP Relatório de Pesquisa. São Paulo: Instituto de Botânica, 1996. 95p.
  • BARROSO, G.M. Sistemática de Angiospermas do Brasil V.2, Viçosa: Imprensa Universitária-UFV, 1984. p. 15-100.
  • GENTRY, A.H. A Field Guide to the Families and Genera of Woody Plants of Northwest South America (Colombia, Ecuador, Peru) with Suplementary Notes on Herbaceous Taxa Chicago: University of Chicago Press., 1993. p.503-513.
  • HARBORNE, J.B. Introdution to Ecological Biochemistry, 3.ed. London:Academic Press, 1988. 382p.
  • HEMINGWAY, R.W.; LAKS, P.E. Plant Polyphenols: Synthesis, Properties and Significance. Dordrecht:Kluwer Academic Publishers, 1992. 1066p.
  • JOLY, C.A.; SPIGOLON, J.R.; LIEBERG, S.A.; SALIS, S.M.; AIDAR, M.P.M.; MELZZER, J.P.W; ZIECKEL, C.S.,; LOBO, P.C.; SHIMABUKURO, M.T.; MARQUES, M.C.M.; SALINO, A. Projeto Jacaré-Pepira - O desenvolvimento de um modelo de recomposição da mata ciliar com base na florística regional. In: RODRIGUES, R.R.; LEITÃO Fo, H.F. (Eds.). Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. p.271-287.
  • JUDD, W.S.; CAMPBELLL, C.S.; KELLOG, E.A.; STEVENS, P.F. Plant Systematics: A Phylo-genetic Approach Sunderland: Sinauer Associates, Inc., 1999. 464p.
  • KAGEYAMA, P., GANDARA, F.B. Recuperação de Áreas Ciliares. In: RODRIGUES, R.R.; LEITÃO Fo, H.F. (Eds.). Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. p.249-269.
  • LORENZI, H. Árvores Brasileiras, Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil. V.1, 1a ed., Nova Odes-sa:Editora Plantarum Ltda.., 1992. 368p.
  • MACIAS, F.A.; SIMONET, A.M.; ESTEBAN, M.D. Potential allelopathic lupane triterpenes from bioactive fractions of Melilotus messanensis Phytochemistry, London, V.36, n.6, p. 1369-1379, 1994.
  • MACIAS, F.A.; SIMONET, A.M.; GALINDO, J.C.G; PACHECO, P.C.; SANCHEZ, J.A. Natural products as allelochemicals. Part 7. Bioactive polar triterpenoids from Melilotus messanensis Phytochemistry, London, V.49, n.3, p.709-717, 1998.
  • MACIAS, F.A.; SIMONET, A.M.; GALINDO, J.C.G.; CASTELLANO, D. Bioactive phenolics and polar compounds from Melilotus messanensis Phytochemistry, London, V.50, n.1, p.35-46, 1999.
  • MÉNDEZ, J.; MATO, M. C. Methyl gallate and related polyphenols as auxin protectors. Phytochemistry, London, V. 44, n.1, 41-43,1997.
  • NUTBEAM, A.R.; BRIGGS, D.E. Gibberellin-phenol interactions in plant extracts Phytochemistry, London, V. 21, n. 9, p.2217-2224, 1982.
  • OLESZEK, W. Allelopathic potentials of alfalfa (Medicago sativa) saponins - their relation to antifungal and hemolytic activities. Journal of Chemical Ecology, Dordrecht, V. 19, n. 8, p.1063-1074, 1993.
  • RAY, S.D. GA, ABA, Phenol Interaction in the control of growth; Phenolic compounds as effective modulators of GA-ABA interaction in radish seedlings. Biologia Plantarum (Praha), Prague, V.28, n.4, p. 361-369, 1986.
  • RICE, E.L. Allelopathy, 2.ed., Orlando: Academic Press, 1984. 422p.
  • RICE, E.L. Allelopathy: an overview. In: WALLER, G.L. (Ed.) Allelochemicals: role in agriculture and forestry. Washington: Americam Chemical Society, 1987. p.7-22.
  • RODRIGUES, R.R.; GANDOLFI, S. Conceitos, Tendências e Ações para a Recuperação de Florestas Ciliares. RODRIGUES, R.R.; LEITÃO Fo, H.F. (Eds.). Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2000. p.235-247.
  • SALIS, S.M.; SHEPHERD, G.J.; JOLY, C.A. Floristic Comparasion of mesophytic Semideciduos Forests of the Interior of State of São Paulo, Southeast Brazil. Vegetatio, Dordrecht, V.119, n.2, p. 155-164, 1995.
  • SCHENK, S.U.; WERNER D. beta-(3-isoxazolin-5-on- 2-yl)-alanine from Pisum - allelopathic properties and antimycotic bioassay. Phytochemistry, London, V.30, n.2 p. 467-470, 1991.
  • SILVA JR., M.C.; NOGUEIRA, P.E.; FELLIPE, J.M. Flora Lenhosa das Matas de Galeria do Brasil Central. Boletim do Herbário Ezechias Paulo Heringer, Brasília, V. 5, n.1, p. 57-76. 1998.
  • SOARES, G.L.G.; VIEIRA, T.R. Inibição da germinação e do crescimento radicular de alface (cv. “grand rapids”) por extratos aquosos de cinco espécies de Gleicheniaceae. Floresta e Ambiente, Seropédica, V.7, n.1, p.180-184, 2000.
  • SRIKANTH, J.; PUSHPALATHA, N.A. Status of biological-control of Parthenium hysterophorus in India - A review. Insect Science and its Application, Kenya, V. 12, n. 4, p. 347-359, 1991.
  • WATERMAN, P.G.; MOLE, S. Analysis of Phenolic Plant Metabolites. London: Blackwell Science, 1994. 256p.
  • WHELLER, H. Plant pathogenesis Berlin: Springer- Verlag, 1975. 106p.
  • WHITTAKER, R.H.; FENNI, PP. Allelochemies: chemical interaction between species. Science, V. 171, 757-770, 1971.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2002
Instituto de Florestas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Rodovia BR 465 Km 7, CEP 23897-000, Tel.: (21) 2682 0558 | (21) 3787-4033 - Seropédica - RJ - Brazil
E-mail: floram@ufrrj.br