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Modelo experimental para placas vulneráveis

Experimental model for vulnerable plaques

EDITORIAL

Modelo experimental para placas vulneráveis

Experimental model for vulnerable plaques

Eulógio Emílio Martinez Filho

Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Eulógio Emílio Martinez Filho Instituto do Coração. Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 - Bloco I - 3º andar São Paulo, SP - CEP 05403-900 Tel.: (11) 3069-5212 - Fax: (11) 3069-5286 E-mail: eulogio@incor.usp.br

O trabalho de Echeverri et al.1 traz informações originais obtidas em modelo experimental extremamente sofisticado. Coelhos foram submetidos a períodos de dieta suplementada por colesterol, alternados por períodos de dieta habitual, mantidos em biotério e acompanhados durante pelo menos quatro anos, e após esse período foram anestesiados e submetidos a implantes de stents na aorta, sendo então sacrificados após 28 dias.

Curiosamente, o modelo resultou no aparecimento freqüente de placas aórticas com aspecto anatomopatológico que se assemelha ao das lesões culpadas observadas em necropsias realizadas em pacientes que apresentam morte súbita ou falecem na fase aguda de infarto do miocárdio. Especificamente, os coelhos desenvolveram placas com cápsula fibrótica delgada, englobando grandes áreas lipídicas parcialmente ocupadas por material necrótico, com cristais de colesterol, infiltração de macrófagos e até hemorragias intraplaca. Não raro foram observadas placas calcificadas, característica da doença aterosclerótica crônica. Em comparação a estudos experimentais de indução de lesões arteriais por dietas hipercolesterolêmicas, além do prolongado período de acompanhamento, no modelo utilizado por Echeverri et al.1, a dieta, proporcionalmente mais rica em colesterol, era administrada intermitentemente durante oito meses, ao invés do período de 16 semanas habitualmente utilizado.

Em material obtido em necropsias, a cápsula fibrosa delgada é a característica mais freqüentemente identificada como substrato para a ocorrência de trombose coronária e infarto do miocárdio2. Observações semelhantes foram obtidas in vivo pela comparação das características ultra-sonográficas de placas culpadas de síndromes coronárias agudas às de placas observadas em pacientes portadores de angina estável3.

O interesse pela identificação de placas ateroscleróticas com potencial de ruptura ("vulneráveis") resulta de dois fatores principais: a ocorrência freqüente de ruptura de placas, desencadeando síndromes coronárias agudas em pacientes adequadamente tratados com estatinas, betabloqueadores e terapêutica antiagregante, e a disponibilidade de stents farmacológicos, que permitiriam a estabilização ("selagem") de tais placas, com baixíssimos índices de reestenose e/ou de complicações. Em estudos recentes que envolveram grande número de pacientes, observou-se expressiva ocorrência de síndromes coronárias agudas, mesmo quando da obtenção de níveis ideais de LDL colesterol pela administração de altas doses de estatinas4-6.

É a nosso ver razoável admitirmos que, diante desses fatos, o implante de stents possa vir a ser introduzido como método adjunto eficaz ao tratamento farmacológico da doença coronária a partir do momento em que se consiga identificar com precisão as características das placas vulneráveis, o que possivelmente ocorrerá após os resultados de estudos já em andamento, como, por exemplo, o estudo PROSPECT (Providing Regional Observations to Study Predictors of Events in the Coronary Tree). Nesse estudo, com a utilização de várias técnicas de obtenção de imagens, serão provavelmente identificadas as características das placas que se associam a maior risco de ruptura e desencadeamento de síndromes agudas - placas vulneráveis. Tal conquista certamente será seguida de estudos randomizados em que se compararão as evoluções de pacientes portadores de placas vulneráveis mantidos apenas em tratamento farmacológico às de pacientes que, além do tratamento clínico, sejam submetidos a implante de stents farmacológicos profiláticos.

O trabalho de Echeverri et al.1 fornece importantes informações originais relativas aos mecanismos de ação de diferentes tipos de stents, quando implantados em placas de ateroma com cápsula fibrótica delgada e várias outras características habitualmente encontradas em estudos anatomopatológicos de lesões culpadas de infartos fatais.

Os três tipos de stents utilizados (stents não-farmacológicos, eluidores de everolimus e eluidores de beta-estradiol) promoveram reduções na área lipídica e aumentos na espessura da cápsula fibrosa, o que é teoricamente coerente com o conceito de estabilização de placas.

Curiosamente, placas com cápsulas delgadas rotas por hastes de stents metálicos comuns apresentaram proliferação neo-intimal mais intensa que placas que mantiveram cápsulas fibrosas íntegras. Em contraposição, não houve diferença no grau de proliferação neo-intimal quando se compararam placas com cápsula delgada íntegra ou rota por hastes de stents eluidores, quer de everolimus quer de beta-estradiol.

A disponibilidade de um modelo experimental que leve ao desenvolvimento de placas ateroscleróticas com características semelhantes às atualmente identificadas como placas vulneráveis representa uma importante contribuição. No entanto, necessitamos ainda de outros modelos experimentais, uma vez que pelo menos um terço das lesões responsáveis pela formação de grandes trombos obstrutivos na circulação coronária não apresentam cápsula delgada, grande alma gordurosa ou manifestações inflamatórias à análise anatomopatológica7. Em tais casos, o quadro agudo é aparentemente desencadeado por erosões de placas comuns em pacientes portadores de estados de hipercoagulabilidade sanguínea.

Finalizando, acreditamos que a submissão de trabalho de tão alto nível científico e tecnológico realizado no exterior reflita a alta expressão internacional da Cardiologia Intervencionista brasileira e o prestígio crescente da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva.

Recebido em: 2/6/2008

Aceito em: 6/6/2008

  • 1. Echeverri D, Purushothaman K-R, Kilpatrick D, O'Connor WN, Moreno PR. Estabilização da placa aterosclerótica por stents farmacológicos e não-farmacológicos em modelo experimental de fibroateroma de capa fina em coelhos. Rev Bras Cardiol Invas. 2008;16(2):170-7.
  • 2. Virmani R, Burke AP, Farb A, Kolodgie FD. Pathology of the vulnerable plaque. J Am Coll Cardiol. 2006;47(8 Suppl):C13-8.
  • 3. Rodriguez-Granillo GA, García-García HM, Mc Fadden EP, Valgimigli M, Aoki J, de Feyter P, et al. In vivo intravascular ultrasound-derived-thin-cap fibroatheroma detection using ultrasound radiofrequency data analysis. J Am Coll Cardiol. 2005;46(11):2038-42.
  • 4. Heart Protection Study Collaboration Group. MRC/BHF Heart Protection Study of cholesterol lowering with simvastatin in 20,536 high-risk individuals: a randomized placebo-controlled trial. Lancet. 2002;360(9326):7-22.
  • 5. Cannon CP, Braunwald E, McCabe CH, Rader DJ, Rouleau JL, Belder R, et al. Intensive versus moderate lipid lowering with statins after acute coronary syndromes. Pravastatin or Atorvastatin Evaluation and Infection Therapy-Thrombolysis in Myocardial Infarction 22 Investigators. N Engl J Med. 2004;350(15):1495-504.
  • 6. LaRosa JC, Grundy SM, Waters DD, Shear C, Barter P, Fruchart JC, et al. Intensive lipid lowering with atorvastatin in patients with stable coronary disease. N Engl J Med. 2005;352(14):1425-35.
  • 7. Farb A, Burke AP, Tang AL, Liang TY, Mannan P, Smialek J, et al. Coronary plaque erosion without rupture into a lipid core. A frequent cause of coronary thrombosis in sudden coronary death. Circulation. 1996;93(7):1354-63.
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    Eulógio Emílio Martinez Filho
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2008
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