Acessibilidade / Reportar erro

Democracia, Liberdade de expressão e Black Blocs

Democracy, Freedom of Expression and Black Blocs

Resumo

O presente artigo tem por objetivo problematizar o direito à liberdade de expressão como elemento concretizador do Estado Democrático de Direito, num contexto social de manifestações populares ocorridas no Brasil a partir de junho de 2013. Para tanto, a análise pretende apontar uma possível relação entre a ação específica de um dos grupos presentes nos episódios de ocupação das ruas – os Black Blocs – e a consequente reação legislativa proibindo o uso de máscaras em manifestações em espaços públicos.

Democracia; Liberdade de Expressão; Black Blocs

Abstract

This paper’s purpose is to discuss the civil right of freedom of expression as an element of implementation of Democratic Rule of Law, in a social context of popular demonstrations occurred in Brazil since June 2013. With that in mind, the analysis intends to present one possible relation between the action of one specific group taking part at episodes of street occupation – the Black Blocs – and the immediate legislative reaction prohibiting the use of masks during demonstrations in public areas.

Democracy; Freedom of expression; Black Blocs

1. Roteiro de cena ou “notas introdutórias”

“Vem pra rua”. “Não é por 20 centavos”. Esses foram alguns dos slogans mais comuns entoados por centenas de milhares de pessoas que foram às ruas, simultaneamente e em várias cidades brasileiras, em junho de 2013. O mote inicial de tais manifestações foi o aumento da tarifa do transporte público, mas novas (e não tão bem definidas, tampouco universalmente compartilhadas) pautas foram sendo agregadas.

Neste universo heterogêneo de pautas e pessoas, um grupo teve sua participação destacada – os Black Blocs. Com características muito próprias tanto de apresentar-se publicamente (todos vestidos e mascarados de preto) quanto de atuação propriamente dita (diversidade tática, incluindo ações pacíficas e violentas), tal grupo passou a chamar a atenção de quem acompanhou as manifestações. A mídia teve papel importante nesse “desvio de olhar” para tais manifestantes, pois adotou a postura de tratá-los genérica e generalizadamente como “vândalos” e, em certa medida, acabou por adiantar as justificativas para a adoção a posteriori de medidas legislativas de natureza proibitória em relação ao uso de máscaras.

Tomando-se o protagonismo do referido grupo neste cenário de manifestações que ocorreram a partir de junho de 2013 como objeto de análise, apresenta-se a problemática do presente texto: a relação entre a forma de apresentação e atuação dos Black Blocs e a consequente reação legislativa proibindo o uso de máscaras nas manifestações em espaços públicos. Postulando-se que os membros do grupo valem-se da máscara como um elemento identitário de sua atuação, apresentam-se argumentos que visam à defesa de tal postura como uma forma de expressão e, ainda, incluída no rol das categorias de possibilidades de fruição do direito à liberdade de expressão. Defende-se, ainda, que a proibição do uso de máscaras resulta em um mecanismo de vedação e de criminalização da liberdade de expressão, ainda que se valha do argumento legal da vedação do anonimato.

Para melhor enfrentamento da temática ora proposta, dividiu-se o artigo em quatro itens. O primeiro destina-se a estabelecer um retrato das manifestações ocorridas em 2013, apontando algumas de suas características. Na sequência, apresentam-se um breve histórico sobre as origens e as motivações políticas dos Black Blocs e da sua participação nas manifestações aqui no Brasil, focando, em especial, na análise dos sentidos que podem ter o uso das máscaras e a atitude violenta de alguns desses manifestantes, e como isso acabou por influenciar e gerar debates públicos e reações institucionais. É também neste momento que se pretende apresentar o que se toma por liberdade de expressão e qual a relação que tal liberdade tem com a tática black bloc. O terceiro item visa ao mapeamento das legislações municipais e estaduais que foram produzidas no período pós manifestações de 2013 e que resultaram na proibição do uso de máscaras, tendo como objetivo postular a existência de uma relação entre repressão e legalidade neste contexto. A título de “últimas palavras”, encerra-se o artigo trabalhando o conceito beckeriano de outsider, com vistas a apresentar, como resultados analíticos, que as referidas normas proibitivas, quando postulam o uso das máscaras como ato ilegal (ou desviante) com fulcro na vedação do anonimato, vestem de institucional um processo que é, de fato, o de cerceamento da liberdade de expressão e de criminalização de movimentos populares.

Como critério metodológico, vale-se de abordagem hermenêutico-linguística como forma de empoderamento da literatura (multidisciplinar) e dos documentos legislativos coletados e interpretados ao longo da pesquisa, procurando estabelecer, não um sentido “unívoco”, mas um sentido originário que estabeleça as condições de possibilidade para um processo de compreensão sobre a relação entre o protagonismo “mascarado” dos Black Blocs durante as manifestações ocorridas a partir de junho de 2013 no Brasil e a consequente criminalização do uso das máscaras. Como técnica de pesquisa, o presente texto vale-se da utilização de fontes primárias, debruçando-se sobre os atos legislativos municipais e/ou estaduais que instituíram a proibição do uso das máscaras em manifestações dadas em espaços públicos, e, de fontes secundárias, com base em literatura multidisciplinar que viabilize o embasamento teórico dos conceitos operacionais pertinentes ao tema.

Com fulcro na problemática e na organização das ideias a serem apresentadas, tomando-se a atuação dos Black Blocs como convite a um repensar a liberdade de expressão, pretende o presente texto contribuir teoricamente com a discussão em torno da definição de tal liberdade e dos limites de atuação jurídica do Estado no que diz respeito à proteção e/ou restrição dessa liberdade dentro de uma sociedade democrática.

2. Primeiro ato ou da “montagem do palco”: as manifestações de 2013 e suas características

Em junho de 2013 desvela-se, em 12 capitais brasileiras e em muitas outras cidades de médio porte, uma onda de manifestações populares que reuniu mais de um milhão de pessoas, cujos com similares em apenas três momentos da história do país: em 1992, no impeachment do ex-presidente Collor de Melo; em 1984, no movimento Diretas Já, no período do regime militar, em luta pelo retorno à democracia; e nos anos de 1960, nas greves e paralizações pré-golpe militar de 1964, e nas passeatas estudantis de 68. De acordo com Gohn, os movimentos foram denominados pela mídia e outros como “manifestações”. Segundo a autora, de fato, eles foram, na maioria das vezes,

manifestações que expressam estados de indignação face à conjuntura política nacional. As manifestações adquiriram, nesses eventos, um caráter de movimento de massa, de protesto, de revolta coletiva, aglutinando a indignação de diferentes classes e camadas sociais, predominando a classe média propriamente dita, e diferentes faixas etárias, destacando-se os jovens1 1 GOHN, Maria da Glória. A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v.27, n.71, p.431-441, Maio/Ago.2014. p. 431. .

A mobilização para tais manifestações teve como elemento propulsor o anúncio de reajuste das passagens de transporte público feito pelas prefeituras e governos das principais cidades do país. O primeiro destes protestos foi organizado em São Paulo, focando os organizadores na pressão junto ao prefeito Fernando Haddad e ao governador Geraldo Alckmin para que voltassem atrás no aumento em 20 centavos na tarifa do ônibus, metrô e trens. Nesse mesmo dia, ocorreu uma manifestação no Rio de Janeiro, em frente à Assembleia Legislativa, para também impedir o reajuste da tarifa em 20 centavos. Diante da falta de resposta das prefeituras e dos governos estaduais, novas manifestações foram agendadas, atraindo público cada vez maior. O segundo protesto em São Paulo, realizado em frente ao Teatro Municipal, três dias depois, contou ao menos duas mil pessoas e terminou com depredações, pessoas detidas e feridas. Em poucos dias, os protestos foram ganhando cada vez mais adeptos e alcançaram outras capitais. Já no dia 16 de junho, cem mil pessoas participaram de uma manifestação no Rio de Janeiro. No dia 20, foi a vez de cem mil manifestantes ocuparem a Avenida Paulista. Em Brasília, cidade onde os transportes não foram reajustados, manifestantes ocuparam a Praça dos Três Poderes e a rampa do Congresso Nacional em uma das cenas mais marcantes da série de protestos em todo o período, houve manifestações em 438 cidades do país, com uma participação estimada de dois milhões de pessoas e ampla cobertura jornalística2 2 SANTOS, Eduardo Heleno de Jesus. Crise de representação política no Brasil e os protestos de junho de 2013. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.86-95, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 28.10.2015. p. 86-87. Ainda que uma análise pormenorizada do porquê um aumento de vinte centavos na tarifa tenha provocado protestos em tão grande escala fuja dos propósitos desse artigo, por questões de delimitação temática, um possível caminho é levantado por Santos. O autor propõe uma análise do aspecto econômico da medida e, para tanto, traz dois estudos do IPEA como referencial. O primeiro, realizado em 2011, traz dados que indicam que nas capitais brasileiras a tarifa de ônibus teve um aumento de cerca de 60% acima da inflação ao longo dos 16 anos, usando como referência os dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano de 1995. O segundo estudo, de 2012, destaca que em que pese o crescimento da renda, as classes mais baixas, que correspondem a 60% da população metropolitana, são as que mais sofriam com os reajustes da tarifa (IPEA, 2012). Sua conclusão, a partir da análise desses e de outros dados, é que “embora o salário-mínimo tenha, durante 19 anos, sido reajustado acima da inflação, o impacto das tarifas de transporte público ainda era alto no bolso desse padrão de trabalhador”. .

As convocações para os atos foram feitas através das redes sociais, e a grande mídia contribuiu para a adesão da população ao noticiar a agenda, os locais e a hora das manifestações.

Contudo, ainda que a motivação inicial dessas manifestações tenha sido o aumento em vinte centavos da tarifa, eles não foram completamente reduzidos após o anúncio da redução da passagem. Dessa forma, a dinâmica das mobilizações tomou um rumo surpreendentemente diferente do esperado, atraindo os mais diversos grupos políticos e, de maneira espontânea, parte da população foi aderindo – e propondo uma multiplicidade de pautas. “Os vinte centavos passaram a significar uma luta por direitos”3 3 SANTOS, Eduardo Heleno de Jesus. Crise de representação política no Brasil e os protestos de junho de 2013. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.86-95, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 28.10.2015. p. 87. .

Há quem defenda que as manifestações trasvestiram-se de uma estética particular. Sob o ponto de vista de Gohn há pontos que indicam tal estética: a) em cima da demanda-foco, sem carros de som, o batuque ou as palmas eram instrumentos no percurso das marchas; ainda, b) os jovens organizadores das chamadas para as manifestações atuam em coletivos organizados na última década; c) muitos dos jovens que responderam às convocações e foram às manifestações estavam “em fase de batismo na política”, ou seja, encontravam-se, pela primeira vez, em mo(vi)mento de protagonismo político coletivo e de exercício de cidadania crítica; d) os coletivos inspiravam-se em fontes diversificadas, de acordo com o pertencimento individual; e) porque rejeitavam lideranças verticalizadas, centralizadoras, também não havia hegemonia de apenas uma ideologia ou utopia; f) a motivação estava num sentimento de descontentamento; desencantamento e indignação contra a conjuntura ético-política de dirigentes e representantes civis eleitos nas estruturas de poder estatal, bem como as prioridades nas obras e ações selecionadas e seus efeitos na sociedade; g) não havia grandes planos de organização; h) havia processos de subjetivação na construção dos sujeitos em ação – cada um com sua cartolina e sua mensagem; i) na estética individual, predominaram o preto, as máscaras (de gás e outras); j) os ativistas também construíram seu “capital militante” antes, durante e depois das ações4 4 GOHN, Maria da Glória. A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v.27, n.71, p.431-441, Maio/Ago.2014. p. 432. (grifado). .

Independente de tais elementos caracterizarem, de fato, um desenho particular (novo?) de “militância”, se por um lado, num primeiro momento, pareciam ser os manifestantes, seus gritos entoados, sua forma de agir, suas demandas, o que convocava a atenção de quem não estivesse nas ruas, num segundo momento passou também a ter protagonismo a violência. Uma violência que entra em cena nas manifestações de rua por duas vias:

a policial, várias vezes de forma brutal, tratando os manifestantes tal como enfrentam uma ocupação de marginais em uma favela, com todo aparato de repressão; e a violência no comportamento de alas dos manifestantes, apresentada como violência simbólica, como tática de movimento (Black Blocs), uma ala pequena e ativa no conjunto mais geral dos manifestantes. Embora os Black Blocs não se denominem movimento, mas tática, sua visibilidade performática domina a cena quando eles se manifestam5 5 GOHN, Maria da Glória. A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v.27, n.71, p.431-441, Maio/Ago.2014. p. 433. .

Desta forma, pode-se dizer que as notícias nada favoráveis sobre o comportamento dos policiais militares ajudaram, de certo modo, a ampliar a adesão e a formar esse outro importante componente nos protestos de junho de 2013, a inserção das táticas blacks blocs por parte de manifestantes isolados e de grupos constituídos. No entanto, em análise crítica da efetividade dessas técnicas, há quem entenda que os resultados sejam muito discutíveis. Para Santos, embora tenha havido certa simpatia no início de suas aparições, ao impor mais violência aos protestos, os militantes que adotaram a referida tática “acabaram contribuindo para que a polícia e os governos estaduais respondessem com mais rigor, dando inclusive uma razão de ser para os abusos policiais”6 6 SANTOS, Eduardo Heleno de Jesus. Crise de representação política no Brasil e os protestos de junho de 2013. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.86-95, Maio.2014. p. 88. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 28.10.2015. .

Diante desse cenário (de posturas e posicionamentos diversos e muitas vezes contrapostos), determina-se como ponto de partida para a discussão proposta no presente artigo o seguinte questionamento: podendo e devendo ser a violência considerada como um ato de fala que simboliza, de modo pragmático, “aquilo que não se manifesta pelas palavras e que se recusa à razoabilidade da ordem do discurso, como analisá-la no calor dos acontecimentos e quais sentidos a ela atribuir em termos políticos”7 7 CAPELLER, Ivan. A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. p. 127. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 12.11.2015. ? Ainda, de que modo a tática “mascarada” dos Black Blocs pode ser definida nesse contexto: como uma ação violenta, anônima, naqueles termos em que o Estado de Direito, detentor do monopólio do uso da força, o faz; ou, como uma forma de expressão da própria rejeição desse Estado de Direito e de seu modus operandi?

Com os olhos e a crítica voltados para estes questionamentos aponta-se, não para a análise do sentido político concreto das manifestações8 8 Sob o ponto de vista de Capeller, o problema do sentido político concreto que se pode atribuir à onda de manifestações que ocorreram no Brasil (e seguem ocorrendo, ainda que com pautas e mobilizações de grupos distintos) ainda está em aberto e se constitui no objeto de discussão mais importante por elas gerado. O autor problematiza a questão nos seguintes termos: “À esquerda do espectro político configuram-se duas posições simetricamente opostas no que diz respeito tanto ao valor político das manifestações quanto ao valor simbólico de suas representações e narrativas midiáticas: ou se considera positivamente o seu valor político, bem como o dos novos meios de divulgação, arregimentação e transmissão desses eventos, ou se faz a crítica acerca tanto dos manifestantes e de seus valores político-ideológicos quanto de seus métodos on line de agitação e de propaganda, considerados inadequados na medida em que propensos a todo tipo de fraude e manipulação” CAPELLER, Ivan. A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. p. 125. , mas para uma tentativa de identificar a reação, em especial através de atos legislativos, tendo em vista a atuação de um dos protagonistas dessas manifestações – os mascarados Black Blocs, e a consequente relação entre liberdade de expressão, vigilância e visibilidade e Estado de Direito.

3. Segundo ato ou do “figurino”: das “máscaras” (e) dos Black Blocs

Quem são os mascarados que prenderam os mais diversos olhares e levaram a múltiplas reações – desde a simpatia até a violência – diante de suas ações durante as manifestações?

Surgida nos anos 1980 na Alemanha no âmbito dos movimentos de contracultura e em defesa dos squats, a tática de protesto black bloc – expressão lançada pela polícia alemã – originalmente pode ou não usar a violência e tem alvos específicos, tais como agências bancárias. Da década de 1990 em diante, a tática se espalhou pelas cenas anarquistas, punk, antifacistas e ecológicas, ganhando força em mobilizações contra o neoliberalismo e o capitalismo, como na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1999, em Seattle, em 2001, em Roma, ou durante a reunião do G20 em Toronto, em 2010.

Segundo Dupuis-Déri, cientista politico e estudioso há mais de dez anos da tática, os Black Blocs são, em geral, indivíduos com ativa participação política no dia a dia. O Black Bloc não é uma organização permanente e é preferível falar dos Black Blocs (no plural). Antes e depois de uma manifestação, um Black Bloc não existe. Eles se apresentam vestidos e mascarados de preto. A primeira função de um Black Bloc é expressar uma presença anarquista e uma crítica radical no coração de uma manifestação9 9 DUPUIS-DÉRI, Francis. Black Bloc: bas les masques. Mouvements, Belgique/France, n.25, p.74-80, 2003/1. p. 74-75. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-mouvements-2003-1-page-74.htm. Acesso em: 21.11.2015; DUPUIS-DÉRI, Francis. Black Blocs et carré rouge. Le Devoir, Montreal, edition du samedi, 28.avril, 2012, page B5 – idées. Disponível em: http://www.ledevoir.com/societe/education/348759/black-bloc-et-carre-rouge#. Acesso em: 21.11.2015. .

Os Black Blocs que participaram dos protestos de 2012 no Quèbéc, Canadá, se disseram "estudantes, trabalhadores, desempregados e revoltados", no "Manifeste du Carré Noir", que fizeram circular na internet. Recentemente, grupos Black Blocs atuaram em diferentes protestos contra os governos na Grécia, na Turquia, no Chile e no México10 10 MONTENEGRO, Carolina. Black Blocs cativam e assustam manifestantes mundo afora. BBC Brasil, 8.out.2013. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130822_black_block_protestos_mm. Acesso em 21.nov.2015. .

Para Dupuis-Déri, os anarquistas e os Black Blocs, em particular, não são os instigadores do movimento “antimundialização”, mas participam da dinâmica desse movimento e expressam sua crítica ao capitalismo e ao Estado Liberal. Assim, o fenômeno Black Bloc, nas palavras do autor, aparece como um “epifenômeno” de um movimento antiautoritário amplo, consciente ou inconscientemente “anarquista” que participa de uma tradição ocidental ao lado dos “sans-culottes” e dos “enragés” da Revolução Francesa, dos socialistas utópicos do início do século XIX, dos niilistas do fim do século XIX, dos sovietes, dos conselhos dos trabalhadores e anarquistas do início do século XX, dos estudantes de meio de 68 e daqueles que os sociólogos têm chamado "Novos Movimentos Sociais" (feministas, ambientalistas, jovens, gays) que quiseram quebrar, nos anos 1960-1970, com o ativismo partidário ou sindical, e se organizarem de modo horizontal, igualitário e consensual11 11 DUPUIS-DÉRI, Francis. Penser l'action directe des Black Blocs. Politix, vol. 17, no 68, 2004, p. 1-45. p. 7. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/contemporains/dupuis_deri_francis/penser_action_black_blocs/penser_action_black_blocs.pdf. Acesso em: 15.01.2016. .

Desse ângulo, um Black Bloc, assim como os grupos de afinidade que o compõem, não possui um “chefe” que designa papéis a cada um e impõe os objetivos coletivos. É no curso de um processo deliberativo que os membros discutem os riscos que eles identificam e decidem que tipo de ação desejam utilizar12 12 DUPUIS-DÉRI, Francis. Black Bloc: bas les masques. Mouvements, Belgique/France, n.25, p.74-80, 2003/1. p. 74-75. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-mouvements-2003-1-page-74.htm. Acesso em: 21.11.2015. p. 76. .

Os Black Blocs nem sempre recorrem à força. Eles optam pelo respeito à diversidade de táticas e julgam apropriado que, sob a sensibilidade e a lógica de cada um, alguns se manifestem pacificamente e outros se expressem pela força. Contudo, a violência em um movimento social sempre tende a assustar e afastar as pessoas, isso é senso comum. Mas há casos em que a violência chamou a atenção da mídia, levantou um debate público e denunciou repressões13 13 DUPUIS-DÉRI, Francis. Black Bloc: bas les masques. Mouvements, Belgique/France, n.25, p.74-80, 2003/1. p. 77 e ss. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-mouvements-2003-1-page-74.htm. Acesso em: 21.11.2015. .

De fato, as duas questões que mais chamaram atenção na tática Black Bloc foram, em primeiro lugar, o uso das vestimentas e máscaras pretas, e, num segundo momento, o uso da violência nas manifestações aqui no Brasil.

Assim, para que se possa, em momento posterior, problematizar a proibição legal do uso das máscaras (cuja fundamentação consensual está, conforme será visto em momento oportuno, no princípio constitucional da vedação ao anonimato como desdobramento do direito à liberdade de expressão), importa discutir alguns dos possíveis sentidos que pode ter tal uso em contextos específicos de manifestações populares que não sejam de natureza cultural. Entende-se que tal abordagem tem sentido para este estudo, na medida em que se defende tal atitude como uma das muitas formas livres de se expressar. Na sequência, traz-se em perspectiva a segunda questão que importa para análise da tática Black Bloc que é o lugar que ocupa a violência em suas ações.

Para Albuquerque e Pedro, há três sentidos diferentes para o uso das máscaras. São eles: disfarce e proteção, identidade coletiva, e empoderamento. Sob a primeira perspectiva, mirando na atuação dos Black Blocs, a máscara aparece como uma estratégia de permanecer invisível aos olhos da polícia, já que um ato político pode se tornar um ato criminoso rapidamente, vez que essa fronteira nem sempre é clara. “Ao se tornar um objeto de resistência à vigilância do Estado, ela passa a ser um problema. [...] Então, a máscara se torna um objeto non grato para o Estado, uma vez que atrapalha seu trabalho de vigilância”14 14 ALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. p. 5. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015. .

Além da vigilância digital, já que as redes sociais são o principal vetor de organização da tática Black Bloc, a polícia também se fez presente nas ruas e, como não poderia deixar de ser, as práticas autoritárias herdadas do regime ditatorial acabam se (re)apresentando e o uso da força e da violência serviram para reprimir os manifestantes/vândalos, fazendo surgir outro uso para as máscaras: a proteção contra o gás lacrimogênio, arma não letal, usada massivamente pela polícia para dispersar a multidão15 15 ALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. p. 6. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015. Os autores concluem que, apesar dos embates, parece ter havido um ponto de convergência, a busca por uma invisibilidade que protege. “Enquanto manifestantes procuram usar máscaras, policiais muitas vezes saíram sem identificação, o que gerou outra controvérsia sobre a legalidade dessa prática”. .

Em relação ao elemento de identidade coletiva, os Black blocs criaram uma forma de se apresentar cobrindo os rostos para expressar uma ideia: “justificam o uso das máscaras como uma forma de criar uma identidade coletiva, diluindo o protagonismo individual numa massa”16 16 ALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. p. 7. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015. .

Assim está firmado na página oficial do Black Bloc RJ no Facebook:

As roupas e máscaras negras que dão nome à estratégia são usadas para dificultar ou mesmo impedir qualquer tipo de identificação pelas autoridades, também com a finalidade de parecer uma única massa imensa, promovendo solidariedade entre seus participantes e criando uma clara presença revolucionária17 17 BLACK BLOC RJ. Black Bloc RJ. Página no Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/BlackBlocRJ/info?tab=page_info. Acesso em: 20.out.2015. (grifado) .

Pode-se extrair como leitura analítico-interpretativa do texto acima duas questões. Primeiro a sugestão de uma postura de medo em relação às “autoridades”, que por ironia são quem supostamente deveriam proteger e não causar a desconfiança ou a necessidade de se “disfarçar” para não ser identificado. Segundo, parece ser a máscara não somente uma forma de se manter invisível, mas de criar uma visibilidade própria, num contexto em que os atores se convocam a um posicionamento político. É também uma forma de expressar uma ideia, que se opõe à individualização da ação. E mais uma vez se apresenta como resistência aos mecanismos de vigilância do Estado18 18 ALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. p. 9. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015. .

Em se tratando do empoderamento, o fato de estar ou não com máscara fazia diferença na forma de atuar no mundo, como se a máscara permitisse ao sujeito ser e fazer o que jamais faria sem a máscara. Não exatamente em relação à ação direta (ataque a bancos e grandes corporações), mas a se expressar com mais eloquência e afetividade. O que se opõe à ideia corrente de que o verdadeiro eu aparece ao tirar a máscara. De acordo com Albuquerque e Pedro, nesse caso, “o eu se constrói ao colocar a máscara, ela surge como um elemento que ajuda a compor uma forma de ser e atuar no mundo. Usar a máscara não é uma forma de se esconder, mas de se expressar melhor e com mais vigor”19 19 ALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. p. 10. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015. .

A premissa defendida pelas autoras leva-nos a uma perspectiva interpretativa que diz respeito à conexão manifestante-máscara e a um de seus possíveis sentidos: a máscara pode ser um impulso a provocar transformações naquele que a utiliza, potencializando ideias e ações e, inclusive, potencializando o próprio indivíduo. É, em contrapartida, também uma forma de resistência a uma visibilidade que acabou por se transformar em imperativo no mundo contemporâneo. É, assim, um lugar de disputa política “contracultural”. E daí a pertinência dessa discussão para o texto presente: a máscara tem lugar enquanto forma (livre?) de (se) expressar.

Mas, afinal, o que se toma por liberdade de expressão? Sem entrar, de imediato, na discussão sobre a positivação do direito à liberdade de expressão20 20 A positivação do direito à liberdade de expressão será discutida no item 4 deste texto. , pretende-se aqui firmar posição em relação ao que se toma e ao que se entende como elementos definidores do ato de se expressar em liberdade.

A liberdade de expressão é tema complexo e gera divergências filosóficas sobre a autonomia dos sujeitos políticos, o estatuto das formas de expressão e a concepção da liberdade. Neste sentido, liberdade de expressão e censura não são, como estabelece Colomb, noções complementares, que se limitam uma à outra, mas sim noções opostas que correspondem a dois regimes jurídicos distintos: o regime repressivo e o regime preventivo. Tais regimes procedem de duas racionalidades diferentes e denotam duas repartições do poder e da autonomia políticos. O regime repressivo é o regime da liberdade de expressão e da racionalidade jurídica, no qual todos os sujeitos de direito participam da mesma racionalidade explicitamente tornada pública pela lei – há uma racionalidade partilhada. Já o regime preventivo, do qual procede propriamente a censura, é, de um certo ponto de vista jurídico, o inverso exato do precedente, no qual prevalece a regra da razão política, onde é o poder político que proíbe e autoriza21 21 COLOMB, Philippe. Liberdade de expressão. CANTO-SPERBER, Monique (org.). Dicionário de Ética e Filosofia Moral. Trad. Ana Maria Ribeiro-Althoff e outros. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2007. vol. 2. p. 63-65. p. 63. .

Opta-se pela racionalidade partilhada contra a racionalidade oculta, fundada na preservação da autonomia individual e numa perspectiva pluralista – que não seja um simples liberalismo. Neste sentido, toma-se a liberdade de expressão como a possibilidade de legitimação de sensibilidades discordantes, vozes em dissenso, visões menos monocolores e menos subservientes ao poder político. Lembrando Hannah Arendt (1987)ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1987., o ser humano, quando privado do espaço público, se retira do mundo do pensamento, lugar onde sua liberdade não pode ser usurpada, a menos que lhe tirem a vida22 22 ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. .

Se a máscara pode traduzir, no seu uso, uma forma de se expressar, poder-se-ia dizer o mesmo de ações violentas? Conforme já se alertou anteriormente, o uso da força não é, necessariamente, elemento da ação dos Black Blocs. Há um processo decisório, em cada situação, por cada membro do coletivo, em relação à estratégia que será adotada. Contudo, não podemos perder de vista que, aqui ou em muitas outras situações mundo afora em que a presença dos Black Blocs esteve identificada, constatou-se uma certa “necessidade” de agir violentamente como resposta à própria ação violenta do aparato estatal em repressão aos manifestantes como um todo, assim como aos “mascarados”. De acordo com Dupuis-Déri, o recurso à força é identificado pelos Black Blocs como um meio “eficaz” de expressar uma dissidência ou crítica, de perturbar a imagem pública de um evento oficial julgado ilegítimo e participar da velha tradição do direito e do dever de contestação da autoridade ilegítima e de resistência23 23 DUPUIS-DÉRI, Francis. Penser l'action directe des Black Blocs. Politix, vol. 17, no 68, 2004, p. 1-45. p. 34. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/contemporains/dupuis_deri_francis/penser_action_black_blocs/penser_action_black_blocs.pdf. Acesso em: 15.01.2016. .

Em contraponto, Capeller traz reflexão crítica em relação à violência e ao monopólio da mesma pelo Estado. Diz ele que, entre o elogio mítico da violência fundadora da história e instauradora da lei e a promessa moderna de uma razão comunicativa isenta de qualquer violência de origem, “transita-se de uma concepção tradicional da violência como processo de repressão e de silenciamento de certas formas de expressão à concepção moderna da violência como aquilo que deve ser silenciado e reprimido do/no próprio processo social de produção da existência de uma vez por todas”.

Neste sentido, o monopólio legal da violência pelas forças do Estado é a proibição violenta do uso da violência pelos demais sujeitos do processo social em um recalque potencialmente disruptivo da violência acumulada ao longo do tempo, já que a típica tomada liberal de posição contrária a toda e qualquer violência, em termos abstratos, não só não oferece alternativa concreta à perpetuação mimética da violência como muitas vezes contribui para o seu reforço [...]24 24 CAPELLER, Ivan. A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. p. 128-129. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso: 12.11.2015. .

Clara está a relação dessa análise com a experiência brasileira do fenômeno dos Black Blocs. Longe de representar algum tipo real de ameaça ao Estado ou à democracia representativa por parte de um suposto movimento anarquista internacional, não se pode negar que ele se traduz como um sintoma muito claro da acumulada impotência dialógica entre os governos e os movimentos sociais, fruto de tomadas de posições daqueles (em seus diversos níveis federativos) em relação às pautas (inicialmente o transporte coletivo, depois agregam-se outras não tão claramente definíveis) destes, tomadas como estopim para as séries de manifestações e protestos que tomaram conta do país desde 2013.

A tática black bloc parece, desse modo, ser a tentativa mais radical de por à prova a referida impotência: paradoxalmente, não mostrar o rosto como uma forma de mostrar a indignação em relação a um modelo individualista de sociedade; desobedecer as regras, em especial aquelas relativas à violação de patrimônio, também como forma de expressar o descontentamento com a inversão na lógica de proteção estatal – priorização da proteção aos lugares símbolos do modelo capitalista (bancos e grandes corporações) em detrimento das pessoas.

Contudo, a despeito de tão marcantes características nas formas de se identificar e de atuar, tanto aqui como fora do Brasil, de acordo com Capeller, os Black Blocs jamais atingiram o estágio organizacional necessário à criação de milícias populares, por exemplo, como modelo organizacional. Porém, inobstante sua presença quantitativa bastante reduzida – algo que salta à percepção minimamente crítica de quem esteve nas ruas e/ou acompanhou os diversos episódios de manifestações pela mídia, se comparada ao todo multifacetado das individualidades e dos grupos que compunham as manifestações; a sua relativa incapacidade de provocar qualquer tipo de ameaça real aos órgãos do Estado e à riqueza privada; e, a despeito de suas táticas de deslocamento veloz através do território urbano em desafio à polícia e às demais forças estatais de repressão, “os Black blocs foram estigmatizados pela mídia e demais representantes da sociedade civil e do estado como os únicos e exclusivos responsáveis por toda a violência das manifestações”25 25 CAPELLER, Ivan. A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. p. 134. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 12.11.2015. .

Dito de outro modo, a liberdade de expressão tem um limite. E esse limite não é a vedação ao anonimato e sim o grau e a forma de questionamento do status quo institucionalizado. Quando a contrariedade em relação ao aumento das passagens é o “grito que ecoa” e leva a população às ruas está-se no exercício tolerável e pertinente à democracia. Quando há performances “mascaradas” que colocam em risco o papel do Estado como guardião de um modelo de sociedade que atende aos interesses patrimoniais mais que aos sociais, invoca-se a legalidade. Essa é a discussão que se pretende desenvolver no item a seguir.

4. Terceiro ato ou “as máscaras caem”: quando a repressão e a legalidade se confundem

Seriam, portanto, as máscaras uma forma de exercício da liberdade de expressão ou uma afronta aos princípios constitucionais? Para tentar dar conta da complexidade deste questionamento que ata toda a discussão feita até então, importa, em breves linhas, apresentar o estado da arte da positivação do direito à liberdade de expressão para, na sequencia, discutir-se especificamente a proibição do uso das máscaras aqui no Brasil, pós 2013, como fulcro na vedação do anonimato.

Tendo já firmado posição em relação ao que se entende por liberdade de expressão, parte-se da premissa de que tal é, ao mesmo tempo, um direito humano fundamental autônomo e um fator de legitimação do próprio princípio democrático. Ao tomar tal postura, por consequência, entende-se que uma verdadeira democracia é aquela sobre a qual se pode dizer que há uma igualdade comunicativa, ou seja, uma igualdade nas formas de se expressar sejam elas quais forem.

Diversos documentos internacionais, por exemplo, cuidam da positivação da liberdade de expressão como um direito humano. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. XIX, estabelece que “todos têm direito à liberdade de opinião e expressão. Este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transferir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. Tal positivação pode ser encontrada de modo similar no art. 4° da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; no art. 19 da Carta das Nações Unidas e no art. 13 do Pacto de San Jose da Costa Rica. No Brasil, a liberdade de expressão está garantida pelo texto constitucional em seu art. 5°, que abre o Capítulo I (Dos direitos e garantias individuais e coletivos) do Título II da CF/88 (Dos Direitos e Garantias Fundamentais).

Reúnem-se aí, em diferentes incisos, os pontos mais relevantes para a necessária compreensão de seu conteúdo. Entre eles, o que interessa mais diretamente, que teria sido objeto de regulação infraconstitucional, o inciso IV, que diz que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Foi com base nesse dispositivo constitucional que vários estados federados e municípios, alegando “combate” à violação dos fundamentos da República, produziram atos legislativos proibindo o uso de máscaras, no período pós manifestações de 2013.

Não se entrará na análise do processo formal de produção das legislações, ou seja, se tais legislações infraconstitucionais não estariam reduzindo os efeitos daquilo que já foi disciplinado em norma constitucional de eficácia plena. Analisar-se-á, de um lado, a materialidade dessas legislações26 26 O mapeamento das legislações aqui expostas foi feito através de busca livre de fontes midiáticas (jornalísticas e/ou oficiais) que pudessem confirmar a produção, sanção e vigência dessas legislações ao longo do período pós-manifestações de 2013 até os dias atuais. Para fins de conferir as referidas fontes, alguns dos inúmeros sites consultados foram referenciados ao final desse texto, junto às referências. e como estes dispositivos de normalização fazem as vestes de mecanismos de controle disfarçados sob o discurso em defesa institucionalidade e dos direitos humanos e fundamentais. De outra banda, pretende-se demonstrar que tais normas nada mais são do que mecanismos que se inserem numa perspectiva crescente de criminalização dos movimentos populares. Seguem alguns exemplos.

No Estado de São Paulo, o governador Geraldo Alckmin sanciona lei que proíbe uso de máscaras em manifestações. Oriunda do PL 50/14, proposto por 16 deputados, o argumento em torno da proibição do uso de artigos que dificultem a identificação individual é de que a legislação visa à segurança das pessoas e do patrimônio público ou particular. Pela Lei 15552/2014, publicada no DOE em 30 de agosto de 2014, em seu art. 1° fica estabelecido que o Estado garantirá, nos termos dos incisos IV e XVI do art. 5° da Constituição Federal, a qualquer pessoa o direito à manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato [...]. É o texto do art. 2 que estabelece a proibição do uso de máscara, com o seguinte texto: “Na manifestação e reunião a que se refere o art. 1, com o objetivo de assegurar que ninguém a faça no anonimato, fica proibido o uso de máscara ou qualquer outro paramento que possa ocultar o rosto da pessoa, ou que dificulte ou impeça sua identificação”. Ainda, no município de São Paulo, houve também uma tentativa de restrição ao uso de máscaras, capuz, gorro e demais acessórios que ocultem o rosto no interior de prédios municipais da capital. De autoria dos vereadores Conte Lopes e Laércio Benkomato, o projeto de lei foi proposto no auge dos protestos com participação dos Black Blocs, em 2013. O PL foi aprovado em primeira votação em 2013 e retomado em maio de 2015, quando recebeu aprovação da Câmara em segunda votação. Contudo, o prefeito Haddad, em 18 de junho de 2015, vetou a lei, argumentando que a proibição de uso de máscaras poderia afetar a liberdade de manifestação constitucionalmente assegurada aos indivíduos.

No Rio de Janeiro, o governador do estado, Sérgio Cabral, também sanciona a Lei 6528/13, que proíbe o uso de máscaras ou qualquer outra forma de ocultar o rosto em manifestações no Estado. De autoria do presidente da ALERJ, Paulo Melo, e do deputado Domingos Brazão, a lei foi publicada no DOU no dia 12 de setembro de 2013. O texto da referida legislação vai no mesmo sentido da legislação paulista. O seu art. 1 garante o direito constitucional à reunião pública para manifestação de pensamento e no seu art. 2 fica estabelecida a proibição ao uso de máscara o qualquer outra forma de ocultar o rosto do cidadão com o propósito de impedir-lhe a identificação. O parágrafo único desse mesmo artigo reforça o texto constitucional referindo-se à liberdade de manifestação com vedação ao anonimato. No caso do Rio de Janeiro, foram impetradas duas ações (pela OAB e pelo PR) questionando a constitucionalidade do referido diploma legal, para as quais a resposta do TJ-RJ foi pela improcedência, considerando a Lei 6528/13 constitucional.

No Alagoas, o governador Renan Filho, sancionou a Lei 7692/15, que proíbe o uso de máscaras ou qualquer outra forma que oculte o rosto de uma pessoa com a intenção de impedir a identificação em manifestações públicas. No Mato Grosso, a lei que proíbe o uso de máscaras está em vigor desde novembro de 2014, com texto inspirado na legislação fluminense.

Em Minas Gerais, há exemplos de legislações estadual e municipal. Em junho de 2014, o governador do Estado, Alberto Pinto Coelho, sancionou a Lei 21324, que entrou em vigor no mesmo mês. O texto aprovado determina que a restrição seja aplicada somente em caso de “fundado receio de uso da camuflagem objetivando a prática de depredações ou outros tipos de crime, a juízo da autoridade competente”. Com a legislação, fica restrito o uso de máscara, venda ou qualquer cobertura que oculte a face em eventos que envolvam multidões. Portanto, por tal legislação, o uso da máscara não é proibido, restando ao portador da mesma a obrigação de se identificar caso seja solicitado por policial em serviço ou por servidor público no exercício do poder de polícia. Tem-se, ainda, o exemplo do município de Governador Valadares, que teve a Lei 6566/14 sancionada pela prefeita Elisa Costa, instituindo a proibição do uso de máscaras e outros materiais usados para esconder o rosto durante as manifestações populares. A referida lei está em vigor desde outubro do ano de 2014, e teve origem através do PL 098/14, de autoria do vereador Glêdson Guetão, que teve sua aprovação por unanimidade em reunião extraordinária da Câmara Municipal em agosto de 2014.

Em Porto Alegre, o prefeito José Fortunati sancionou em abril de 2014 a Lei 11596 que proíbe a utilização de máscaras durante protestos em Porto Alegre. A legislação é fruto de projeto de lei de autoria da vereadora Mônica Leal, que teve sua aprovação por 21 votos favoráveis, 10 contrários e 5 abstenções, em fevereiro de 2014.

Em âmbito federal, o ano de 2014 inicia-se com uma fala divulgada em vários canais de informação, do Ministro da Justiça, estabelecendo a necessidade de uma legislação de iniciativa do próprio governo que regulamentasse os protestos. A iniciativa não foi levada adiante. Contudo, em outubro de 2015, o Senado Federal aprovou o texto principal do projeto de lei que define o que é o crime de terrorismo, retirando o trecho já aprovado pelos deputados que dizia que a proposta não se aplica a manifestações sociais, abrindo mais uma porta – para não dizer escancarando – para a criminalização dos movimentos sociais. Aprovada também pela Câmara, em março de 2016, a Lei 13.260 – a chamada de Lei Antiterrorismo – é sancionada pela Presidência da República com oito artigos vetados (dispositivos que relacionavam incendiar, depredar, saquear e sabotar sistemas de informática e bancos de dados como terrorismo, e, ainda, apologia ao terrorismo sendo punida como terrorismo). No texto legal, a tipificação de terrorismo ficou como atos de sabotagem, de violência ou potencialmente violentos por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública (art. 2°). Ainda que a legislação tenha criado a ressalva para manifestações políticas e movimentos sociais (art. 2°, §2°), entende-se que, considerando a amplitude de alguns termos utilizados e a cultura punitivista que está instalada nas estruturas judiciárias no Brasil27 27 Vide exemplo de Rafael Braga Vieira, ex-catador e morador de rua, abordado por policiais durante um grande protesto em junho de 2013 no Rio, que acabou sendo processado e condenado por “possuir artefato explosivo ou incendiário sem autorização”. Rafael portava um frasco de Pinho Sol e, a despeito do laudo pericial concluir que os produtos químicos que ele portava não poderiam ser usados como explosivos, ele foi condenado e sua pena foi agravada por ter antecedentes por duas tentativas de roubo. Durante sua estadia na prisão, Rafael chegou a ser punido com dez dias na solitária após seu advogado ter divulgado em uma rede social, em uma de suas saídas em regime semi-aberto, uma foto dele frente a um muro da prisão com a seguinte mensagem: “Você só olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima para baixo”. A punição foi por “veicular má fé por meio escrito ou oral crítica infundada a Administração Prisional”. Rafael estava em regime aberto desde dezembro de 2015, quando em janeiro deste ano (2016), é preso novamente acusado de tráfico de drogas. Rafael foi preso no caminho quando voltava para casa depois de ter saído de casa com três reais no bolso da bermuda para comprar pão e uma tornozeleira eletrônica à mostra. Os policiais da UPP afirmam ter encontrado uma sacola de mercado com 0,6g de maconha, 9g de cocaína e um morteiro, que Rafael negou estar portando. EL PAÍS. No caso Rafael Braga, depoimento da polícia basta. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/14/politica/1452803872_078619.html. Acesso em: 15.04.2016. , há o risco da lei ser usada para criminalizar manifestações – não como novidade, mas agora com selo de “legitimidade legal”. A pergunta que fica com a aprovação desta lei é a seguinte: O Brasil precisa de uma lei antiterrorismo?

Diante desse quadro de análise de contexto, bem como de produção legislativa reagente, passa-se ao ponto final do artigo, permitindo-se colocar em debate a legitimidade e a autoridade para categorizar o uso das máscaras como ato ilegal (ou desviante).

5. Ato final ou “últimas palavras”: como criminalizar manifestantes tratando-os como outsiders

Partindo da abordagem das manifestações de junho de 2013, passando pela caracterização da tática black bloc – na sua origem e aqui no Brasil – durante as manifestações, chegando até a reação institucional de proibição do uso das máscaras, permite-se, neste momento de considerações finais desse texto, propor aqui uma (dentre outras muitas possíveis) construção analítica de tal fenômeno no contexto das manifestações de 2013, tomando-se emprestada a elaboração em torno do conceito de outsider, elaborada por Howard Becker28 28 BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. .

O referido autor é conhecido por seus estudos sociológicos sobre o desvio e desenvolve suas ideias a partir da seguinte proposição: todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em certos momentos e em algumas circunstâncias, impô-las. Assim, regras sociais definem situações e tipos de comportamento a elas apropriados, especificando algumas ações como “certas” e proibindo outras como “erradas”.

Quando uma regra é imposta, aquele que presumivelmente a infringiu pode ser visto como um tipo especial, alguém de quem não se espera viver de acordo com as regras estipuladas pelo grupo. Essa pessoa é encarada como um outsider. Contudo, ainda com amparo em Becker, a pessoa com rótulo de outsider pode ter uma opinião diferente sobre a questão. Ela pode não aceitar a regra pela qual está sendo julgada e pode não encarar aqueles que a julgam competentes ou legitimamente autorizados a fazê-lo. Consequentemente, emerge um segundo significado do termo: aquele que infringe a regra pode pensar que seus juízes são outsiders29 29 BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 15. .

Depreende-se desta discussão que o desvio é menos uma qualidade do ato que a pessoa comete, e mais uma consequência da aplicação por outros de regras e sanções a um infrator. O desviante é alguém a quem esse rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam como tal. Becker alerta, porém, que o grau em que um ato será tratado como desviante depende também de quem o comete e de quem se sente prejudicado por ele; e que as regras tendem a ser aplicadas mais a algumas pessoas que a outras. Logo, o desvio não é uma qualidade que reside no próprio comportamento, mas na interação entre a pessoa que comete um ato e aquelas que reagem a ele30 30 BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 25. .

O autor propõe, ainda, uma reflexão acerca da natureza coletiva do desvio, partindo da premissa de que se a atividade humana pode ser pensada nestes termos, o mesmo seria pertinente em relação àquele. Chamando-a de “interacionista”, a visão geral proposta é a seguinte: em sua forma mais simples, a teoria insiste que se considerem todas as pessoas envolvidas em qualquer episódio de pretenso desvio. Quando se faz isso, descobre-se que essas atividades exigem a cooperação aberta ou tácita de muitas pessoas para ocorrer de tal maneira. Desta forma, quando se considera todas as pessoas e organizações envolvidas num episódio de comportamento potencialmente desviante, descobre-se também que a atividade coletiva em curso consiste em mais do que atos nos quais se alegou a má ação de alguém. Consiste num processo complexo, em que fazer acusações de transgressão é um traço central. A ideia proposta pelo autor é que se faça “o estudo do desvio como essencialmente aquele da construção de reafirmação de significados morais da vida social cotidiana”. Disso resulta que “alguns dos principais atores sociais não se envolvem eles próprios na má ação, aparecendo antes como impositores da lei ou da moralidade, como pessoas que se queixam de que outros atores estão agindo mal, que as prendem, apresentam-nas perante autoridades legais ou lhes administram punições”31 31 BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 184-185. .

Partindo dessa discussão, pode-se construir definições viáveis, seja de ações particulares que as pessoas poderiam cometer, seja de categorias particulares de desvio tal como o mundo (em especial, mas não apenas, as autoridades) as define. Mas não se pode fazer as duas coincidirem completamente, porque elas não coincidem empiricamente. Elas pertencem a dois sistemas distintos, embora em parte sobrepostos, de ação coletiva. Um consiste nas pessoas que cooperam para produzir o ato em questão. O outro, nas pessoas que cooperam no drama da moralidade pelo qual a “transgressão” é descoberta e tratada, quer esse processo seja formal e legal, quer inteiramente informal32 32 BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 186. .

Em linhas gerais, depreendem-se da análise teórica brevemente apresentada em torno do conceito de outsider, três conclusões gerais: 1) o outsider é considerado um “desviante” menos pelo ato e mais pela forma como os outros rotulam seu ato; 2) o outsider não é uma categoria que possa ser definida e compreendida isoladamente, individualmente, ou seja, o desvio o é na medida em que reforça/reafirma os significados morais da vida social cotidiana; 3) existe uma relação de poder que autoriza quem define quem é o outsider e quem, por consequência, é alvo do rótulo.

Por consequência, dizer que alguns manifestantes, pela forma com a qual se comportaram durantes as manifestação, mas especialmente aqueles que se vale(ra)m da tática black bloc, é um desviante, não é cometer uma heresia ou injustiça. Ainda, que os episódios registrados como de autoria dos black blocs foram, em certa medida, violentos, também não se discute. Contudo, o questionamento importante que se pode extrair dessa discussão é a de quem se encaixa na definição de desviante – ou outsider, e quem tem autoridade para definir quem está “dentro” e quem está “fora” da definição.

Em termos gerais, as legislações que se ocuparam em caracterizar o uso das máscaras como ato de desvio não se preocuparam em definir o desviante em si. Ou seja, o ato define o criminoso, podendo sê-lo qualquer pessoa, em qualquer condição que, em manifestações populares organizadas na forma de reunião pacífica, estejam portando máscaras. Entoando, a cada ato, o mantra da proibição do anonimato.

Estabelecendo-se a correlação “mascarado” como outsider, não fica difícil concluir que alguns atores sociais passam a ocupar a (ou a ser colocados na) “vitrine do desvio”, ao mesmo tempo em que quem rotula desvia-se (ironicamente) da condição de partícipe da conduta considerada desviante; e que as relações de poder determinam quem sofre a sanção e quem estabelece a sanção. É como se, decorrente dessa representação, automaticamente, restasse autorizada a tomada de decisões para responder apropriadamente àquele que é o perpetrador da violência – o outsider, não importando por que meios essa investida será feita.

Caracterizada a conduta desviante, poderá haver, conforme o conjunto de regras de trato social adotado, uma sanção. Becker traz uma indagação que merece ser levantada: Em que circunstancias são feitas e impostas regras ex post facto? A investigação empírica mostrará que isso ocorre quando um participante numa relação é desproporcionalmente poderoso, de modo que pode fazer sua vontade prevalecer acima das objeções de outros, mas deseja manter uma aparência de justiça e racionalidade33 33 BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 189. .

Especificamente sobre a reação legislativa e a consequente criminalização, através da proibição do uso das máscaras, dos Black Blocs, Dupuis-Déri traduz a questão de quem define quem está fora e quem está dentro “da linha”. De acordo com o autor, é bem possível estar em desacordo com os Black Blocs e seus aliados, “mas afirmar publicamente que eles não exprimem uma opinião revela na melhor das hipóteses ignorância, na pior mentira. Os Black Blocs são também retratados como “barbáros” e “desagregadores niilistas” ou mesmo como aliados objetivos dos terroristas islamistas [...]”34 34 DUPUIS-DÉRI, Francis. Black Bloc: bas les masques. Mouvements, Belgique/France, n.25, p.74-80, 2003/1. p. 78. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-mouvements-2003-1-page-74.htm. Acesso em: 21.11.2015. .

Por trás disso tudo, há, ainda, uma desconstrução do espaço público como palco democrático. Pois assim como o faz Dussel, entende-se que o privado-público traduz-se nas diversas posições ou modos do exercício da intersubjetividade. A intersubjetividade, desta forma, contém a trama de onde se desenvolve a objetividade das ações e das instituições e, por outro lado, é também um a priori da subjetividade, uma vez que sempre é um momento constitutivo anterior, gênese passiva. Isto posto, a democracia é “uma instituição política objetiva, que origina ao mesmo a intersubjetividade tolerante dos cidadãos desde o berço, como suposto subjetivo”. Ou seja, “toda subjetividade é sempre intersubjetiva”35 35 DUSSEL, Enrique. 20 Teses de Política. Tradução de Rodrigo Rodrigues. Buenos Aires: Consejo Lationamericano de Ciencias Sociales – CLACSO. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 21. .

Entende-se aqui como privado o agir do sujeito em uma posição intersubjetiva “tal que se encontre protegido da presença, do olhar, do ser agredido pelos outros membros dos múltiplos sistemas intersubjetivos dos quais forma parte”. Seria uma prática externa ao campo político. O público, ao contrário, é o modo que o sujeito adota como posição intersubjetiva em um “campo com outros”, de acordo com Dussel; modo que permite a função de “ator”, cujos “papéis” ou ações se “representam” frente ao olhar de todos os outros atores; papéis definidos do relato ou narrativa fundante de um certo sistema político36 36 DUSSEL, Enrique. 20 Teses de Política. Tradução de Rodrigo Rodrigues. Buenos Aires: Consejo Lationamericano de Ciencias Sociales – CLACSO. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 21-22. .

De acordo com Bittar, o espaço público pressupõe a liberdade de encontros comunicativos, o que, de certa forma, significa que sua espontaneidade não é determinada nem pela mídia, nem pelo governo e nem por outras forças totalizantes. Assim: “[...] A noção de esfera pública é, portanto, incentivadora do pluralismo, do encontro da diversidade, do incremento da politicidade nas sociedades modernas diferenciadas e complexas, pois os critérios de entrada e participação não estão vinculados a pressupostos totalizantes”37 37 BITTAR, Eduardo C.B. A discussão do conceito de direito. In: Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, n.81, 2005, p. 797-826. p. 816-817. .

Na esteira desse raciocínio, no episódio “reprimir a desordem mascarada de modo legal” tem papel fundamental, para além dos agentes públicos, a mídia com seu discurso de reforço do medo e do esvaziamento do espaço público. E o medo ou a insegurança é a chave para que se abram os caminhos para as construções (ou manipulações) estratégicas em torno do ato violento, anônimo, da ação e da reação, estabelecendo-se, por outro lado, de que lado está um e outro, respectivamente, quem viola e quem (o que) está sendo violado (no caso das ações, as propriedades privadas, em sua grande maioria de grandes corporações; no caso da ordem jurídica, o “anonimato”).

E aqui, pode-se dizer, emite-se o passaporte para a (re)afirmação da excepcionalidade como regra – o Estado de Exceção38 38 AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004. (Estado de Sítio). , com o qual a sociedade brasileira lidou durante vinte e um longos, sangrentos, violentos e autoritários anos. E calam-se as vozes, novamente, de quem contesta o poder político.

Parece que as máscaras falam. E o fazem alto demais.

Referências bibliográficas

  • 1
    GOHN, Maria da GlóriaGOHN, Maria da Glória. A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v.27, n.71, p.431-441, Maio/Ago.2014.. A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v.27, n.71, p.431-441, Maio/Ago.2014. p. 431.
  • 2
    SANTOS, Eduardo Heleno de JesusSANTOS, Eduardo Heleno de Jesus. Crise de representação política no Brasil e os protestos de junho de 2013. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.86-95, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 28.10.2015.
    http://www.ibict.br/liinc...
    . Crise de representação política no Brasil e os protestos de junho de 2013. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.86-95, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 28.10.2015. p. 86-87. Ainda que uma análise pormenorizada do porquê um aumento de vinte centavos na tarifa tenha provocado protestos em tão grande escala fuja dos propósitos desse artigo, por questões de delimitação temática, um possível caminho é levantado por Santos. O autor propõe uma análise do aspecto econômico da medida e, para tanto, traz dois estudos do IPEA como referencial. O primeiro, realizado em 2011, traz dados que indicam que nas capitais brasileiras a tarifa de ônibus teve um aumento de cerca de 60% acima da inflação ao longo dos 16 anos, usando como referência os dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano de 1995. O segundo estudo, de 2012, destaca que em que pese o crescimento da renda, as classes mais baixas, que correspondem a 60% da população metropolitana, são as que mais sofriam com os reajustes da tarifa (IPEA, 2012). Sua conclusão, a partir da análise desses e de outros dados, é que “embora o salário-mínimo tenha, durante 19 anos, sido reajustado acima da inflação, o impacto das tarifas de transporte público ainda era alto no bolso desse padrão de trabalhador”.
  • 3
    SANTOS, Eduardo Heleno de JesusSANTOS, Eduardo Heleno de Jesus. Crise de representação política no Brasil e os protestos de junho de 2013. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.86-95, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 28.10.2015.
    http://www.ibict.br/liinc...
    . Crise de representação política no Brasil e os protestos de junho de 2013. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.86-95, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 28.10.2015. p. 87.
  • 4
    GOHN, Maria da GlóriaGOHN, Maria da Glória. A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v.27, n.71, p.431-441, Maio/Ago.2014.. A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v.27, n.71, p.431-441, Maio/Ago.2014. p. 432. (grifado).
  • 5
    GOHN, Maria da GlóriaGOHN, Maria da Glória. A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v.27, n.71, p.431-441, Maio/Ago.2014.. A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v.27, n.71, p.431-441, Maio/Ago.2014. p. 433.
  • 6
    SANTOS, Eduardo Heleno de JesusSANTOS, Eduardo Heleno de Jesus. Crise de representação política no Brasil e os protestos de junho de 2013. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.86-95, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 28.10.2015.
    http://www.ibict.br/liinc...
    . Crise de representação política no Brasil e os protestos de junho de 2013. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.86-95, Maio.2014. p. 88. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 28.10.2015.
  • 7
    CAPELLER, IvanCAPELLER, Ivan. A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 12.11.2015.
    http://www.ibict.br/liinc...
    . A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. p. 127. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 12.11.2015.
  • 8
    Sob o ponto de vista de Capeller, o problema do sentido político concreto que se pode atribuir à onda de manifestações que ocorreram no Brasil (e seguem ocorrendo, ainda que com pautas e mobilizações de grupos distintos) ainda está em aberto e se constitui no objeto de discussão mais importante por elas gerado. O autor problematiza a questão nos seguintes termos: “À esquerda do espectro político configuram-se duas posições simetricamente opostas no que diz respeito tanto ao valor político das manifestações quanto ao valor simbólico de suas representações e narrativas midiáticas: ou se considera positivamente o seu valor político, bem como o dos novos meios de divulgação, arregimentação e transmissão desses eventos, ou se faz a crítica acerca tanto dos manifestantes e de seus valores político-ideológicos quanto de seus métodos on line de agitação e de propaganda, considerados inadequados na medida em que propensos a todo tipo de fraude e manipulação” CAPELLER, IvanCAPELLER, Ivan. A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 12.11.2015.
    http://www.ibict.br/liinc...
    . A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. p. 125.
  • 9
    DUPUIS-DÉRI, FrancisDUPUIS-DÉRI, Francis. Penser l'action directe des Black Blocs. Politix, vol. 17, no 68, 2004, p. 79-109. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/contemporains/dupuis_deri_francis/penser_action_black_blocs/penser_action_black_blocs.pdf. Acesso em: 15.01.2016.
    http://classiques.uqac.ca/contemporains/...
    . Black Bloc: bas les masques. Mouvements, Belgique/France, n.25, p.74-80, 2003/1. p. 74-75. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-mouvements-2003-1-page-74.htm. Acesso em: 21.11.2015; DUPUIS-DÉRI, Francis. Black Blocs et carré rouge. Le Devoir, Montreal, edition du samedi, 28.avril, 2012, page B5 – idées. Disponível em: http://www.ledevoir.com/societe/education/348759/black-bloc-et-carre-rouge#. Acesso em: 21.11.2015.
  • 10
    MONTENEGRO, CarolinaMONTENEGRO, Carolina. Black Blocs cativam e assustam manifestantes mundo afora. BBC Brasil, 8.out.2013. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130822_black_block_protestos_mm. Acesso em 21.nov.2015.
    http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2...
    . Black Blocs cativam e assustam manifestantes mundo afora. BBC Brasil, 8.out.2013. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130822_black_block_protestos_mm. Acesso em 21.nov.2015.
  • 11
    DUPUIS-DÉRI, FrancisDUPUIS-DÉRI, Francis. Penser l'action directe des Black Blocs. Politix, vol. 17, no 68, 2004, p. 79-109. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/contemporains/dupuis_deri_francis/penser_action_black_blocs/penser_action_black_blocs.pdf. Acesso em: 15.01.2016.
    http://classiques.uqac.ca/contemporains/...
    . Penser l'action directe des Black Blocs. Politix, vol. 17, no 68, 2004, p. 1-45. p. 7. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/contemporains/dupuis_deri_francis/penser_action_black_blocs/penser_action_black_blocs.pdf. Acesso em: 15.01.2016.
  • 12
    DUPUIS-DÉRI, FrancisDUPUIS-DÉRI, Francis. Penser l'action directe des Black Blocs. Politix, vol. 17, no 68, 2004, p. 79-109. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/contemporains/dupuis_deri_francis/penser_action_black_blocs/penser_action_black_blocs.pdf. Acesso em: 15.01.2016.
    http://classiques.uqac.ca/contemporains/...
    . Black Bloc: bas les masques. Mouvements, Belgique/France, n.25, p.74-80, 2003/1. p. 74-75. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-mouvements-2003-1-page-74.htm. Acesso em: 21.11.2015. p. 76.
  • 13
    DUPUIS-DÉRI, FrancisDUPUIS-DÉRI, Francis. Penser l'action directe des Black Blocs. Politix, vol. 17, no 68, 2004, p. 79-109. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/contemporains/dupuis_deri_francis/penser_action_black_blocs/penser_action_black_blocs.pdf. Acesso em: 15.01.2016.
    http://classiques.uqac.ca/contemporains/...
    . Black Bloc: bas les masques. Mouvements, Belgique/France, n.25, p.74-80, 2003/1. p. 77 e ss. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-mouvements-2003-1-page-74.htm. Acesso em: 21.11.2015.
  • 14
    ALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite RibeiroALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015.
    http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/arti...
    . Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. p. 5. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015.
  • 15
    ALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite RibeiroALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015.
    http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/arti...
    . Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. p. 6. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015. Os autores concluem que, apesar dos embates, parece ter havido um ponto de convergência, a busca por uma invisibilidade que protege. “Enquanto manifestantes procuram usar máscaras, policiais muitas vezes saíram sem identificação, o que gerou outra controvérsia sobre a legalidade dessa prática”.
  • 16
    ALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite RibeiroALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015.
    http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/arti...
    . Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. p. 7. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015.
  • 17
    BLACK BLOC RJBLACK BLOC RJ. Black Bloc RJ. Página no Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/BlackBlocRJ/info?tab=page_info. Acesso em: 20.out.2015.
    https://www.facebook.com/BlackBlocRJ/inf...
    . Black Bloc RJ. Página no Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/BlackBlocRJ/info?tab=page_info. Acesso em: 20.out.2015. (grifado)
  • 18
    ALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite RibeiroALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015.
    http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/arti...
    . Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. p. 9. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015.
  • 19
    ALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite RibeiroALBUQUERQUE, Luciana Santos Guilhon; PEDRO, Rosa Maria Leite Ribeiro. Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015.
    http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/arti...
    . Vigilância e visibilidade nas manifestações de 2013. Anais da ReACT – Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia. Porto Alegre, v.2, n.2, Maio.2015. p. 10. Disponível em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react/article/view/1360. Acesso em: 10.nov.2015.
  • 20
    A positivação do direito à liberdade de expressão será discutida no item 4 deste texto.
  • 21
    COLOMB, PhilippeCOLOMB, Philippe. Liberdade de expressão. CANTO-SPERBER, Monique (org.). Dicionário de Ética e Filosofia Moral. Trad. Ana Maria Ribeiro-Althoff e outros. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2007. vol.2. p.63-65.. Liberdade de expressão. CANTO-SPERBER, Monique (org.). Dicionário de Ética e Filosofia Moral. Trad. Ana Maria Ribeiro-Althoff e outros. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2007. vol. 2. p. 63-65. p. 63.
  • 22
    ARENDT, HannahARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.. Homens em tempos sombrios. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
  • 23
    DUPUIS-DÉRI, FrancisDUPUIS-DÉRI, Francis. Penser l'action directe des Black Blocs. Politix, vol. 17, no 68, 2004, p. 79-109. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/contemporains/dupuis_deri_francis/penser_action_black_blocs/penser_action_black_blocs.pdf. Acesso em: 15.01.2016.
    http://classiques.uqac.ca/contemporains/...
    . Penser l'action directe des Black Blocs. Politix, vol. 17, no 68, 2004, p. 1-45. p. 34. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/contemporains/dupuis_deri_francis/penser_action_black_blocs/penser_action_black_blocs.pdf. Acesso em: 15.01.2016.
  • 24
    CAPELLER, IvanCAPELLER, Ivan. A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 12.11.2015.
    http://www.ibict.br/liinc...
    . A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. p. 128-129. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso: 12.11.2015.
  • 25
    CAPELLER, IvanCAPELLER, Ivan. A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 12.11.2015.
    http://www.ibict.br/liinc...
    . A dupla máscara da anarquia: Black Blocs, Anonymous e outros fenômenos. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.124-137, Maio.2014. p. 134. Disponível em: http://www.ibict.br/liinc. Acesso em: 12.11.2015.
  • 26
    O mapeamento das legislações aqui expostas foi feito através de busca livre de fontes midiáticas (jornalísticas e/ou oficiais) que pudessem confirmar a produção, sanção e vigência dessas legislações ao longo do período pós-manifestações de 2013 até os dias atuais. Para fins de conferir as referidas fontes, alguns dos inúmeros sites consultados foram referenciados ao final desse texto, junto às referências.
  • 27
    Vide exemplo de Rafael Braga Vieira, ex-catador e morador de rua, abordado por policiais durante um grande protesto em junho de 2013 no Rio, que acabou sendo processado e condenado por “possuir artefato explosivo ou incendiário sem autorização”. Rafael portava um frasco de Pinho Sol e, a despeito do laudo pericial concluir que os produtos químicos que ele portava não poderiam ser usados como explosivos, ele foi condenado e sua pena foi agravada por ter antecedentes por duas tentativas de roubo. Durante sua estadia na prisão, Rafael chegou a ser punido com dez dias na solitária após seu advogado ter divulgado em uma rede social, em uma de suas saídas em regime semi-aberto, uma foto dele frente a um muro da prisão com a seguinte mensagem: “Você só olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima para baixo”. A punição foi por “veicular má fé por meio escrito ou oral crítica infundada a Administração Prisional”. Rafael estava em regime aberto desde dezembro de 2015, quando em janeiro deste ano (2016), é preso novamente acusado de tráfico de drogas. Rafael foi preso no caminho quando voltava para casa depois de ter saído de casa com três reais no bolso da bermuda para comprar pão e uma tornozeleira eletrônica à mostra. Os policiais da UPP afirmam ter encontrado uma sacola de mercado com 0,6g de maconha, 9g de cocaína e um morteiro, que Rafael negou estar portando. EL PAÍSEL PAÍS. No caso Rafael Braga, depoimento da polícia basta. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/14/politica/1452803872_078619.html. Acesso em: 15.04.2016.
    http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/...
    . No caso Rafael Braga, depoimento da polícia basta. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/14/politica/1452803872_078619.html. Acesso em: 15.04.2016.
  • 28
    BECKER, Howard SBECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
  • 29
    BECKER, Howard SBECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 15.
  • 30
    BECKER, Howard SBECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 25.
  • 31
    BECKER, Howard SBECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 184-185.
  • 32
    BECKER, Howard SBECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 186.
  • 33
    BECKER, Howard SBECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 189.
  • 34
    DUPUIS-DÉRI, FrancisDUPUIS-DÉRI, Francis. Black Bloc: bas les masques. Mouvements, Belgique/France, n.25, p.74-80, 2003/1. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-mouvements-2003-1-page-74.htm. Acesso em: 21.11.2015.
    http://www.cairn.info/revue-mouvements-2...
    . Black Bloc: bas les masques. Mouvements, Belgique/France, n.25, p.74-80, 2003/1. p. 78. Disponível em: http://www.cairn.info/revue-mouvements-2003-1-page-74.htm. Acesso em: 21.11.2015.
  • 35
    DUSSEL, EnriqueDUSSEL, Enrique. 20 Teses de Política. Tradução de Rodrigo Rodrigues. Buenos Aires: Consejo Lationamericano de Ciencias Sociales – CLACSO. São Paulo: Expressão Popular, 2007.. 20 Teses de Política. Tradução de Rodrigo Rodrigues. Buenos Aires: Consejo Lationamericano de Ciencias Sociales – CLACSO. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 21.
  • 36
    DUSSEL, EnriqueDUSSEL, Enrique. 20 Teses de Política. Tradução de Rodrigo Rodrigues. Buenos Aires: Consejo Lationamericano de Ciencias Sociales – CLACSO. São Paulo: Expressão Popular, 2007.. 20 Teses de Política. Tradução de Rodrigo Rodrigues. Buenos Aires: Consejo Lationamericano de Ciencias Sociales – CLACSO. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 21-22.
  • 37
    BITTAR, Eduardo C.B. A discussão do conceito de direito. In: Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, n.81, 2005, p. 797-826. p. 816-817.
  • 38
    AGAMBEN, GiorgioAGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004. (Estado de Sítio).. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004. (Estado de Sítio).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2016
  • Aceito
    25 Abr 2016
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com