Acessibilidade / Reportar erro

Direito, poder, ideologia: discurso jurídico como narrativa cultural

Law, power, ideology: legal discourse as cultural narrative

Resumo

Este artigo aborda um aspecto importante do debate atual sobre ações afirmativas que permanece invisível aos olhos de muitos de seus participantes: embora o discurso jurídico seja representado como uma expressão da operação de parâmetros racionais e universais, ele pode ser usado para disseminar ideologias que pretendem legitimar projetos de dominação. Apesar de serem formuladas como manifestações do interesse comum, elas almejam promover o poder hegemônico de determinados grupos por meio da associação entre princípios jurídicos abstratos e narrativas culturais particulares.

Palavras-chave:
direito; narrativa; ideologia

Abstract

This article addresses an important aspect of the current debate about affirmative action that remains invisible to many of its participants: despite the traditional representation of legal discourse as an expression of the operation of rational and universal parameters, it can actually function as an ideological devise that seeks to reproduce processes of domination that, although formulated as manifestations of the common good, advance the interests of hegemonic groups through the association between abstract legal principles and particular cultural narratives.

Keywords:
law; narrative; ideology

Introdução

O debate sobre ações afirmativas revela que seus participantes raramente discutem um tema relevante para a sua devida contextualização: o discurso jurídico pode funcionar como um veículo de disseminação de ideologias e como uma instância de disputa de poder. Esses atores sociais formulam argumentos que articulam interpretações do princípio da igualdade, concepções de raça, definições de racismo, representações da nação brasileira e teorias sobre o papel do Estado. Embora esses temas sejam igualmente tratados pelas partes envolvidas, eles são associados a partir de perspectivas distintas, sendo que cada uma delas afirma que a interpretação por elas defendida melhor representa os interesses da Nação. Tendo em vista o fato de que os tribunais têm a última palavra na determinação dos sentidos das normas constitucionais, eles se tornaram no passado recente um espaço de batalhas entre posições favoráveis e contrárias à manutenção de certas hierarquias sociais. O aspecto político dessas controvérsias jurídicas nos convida a analisar decisões judiciais a partir de um ponto de vista diferenciado como sugerem autores ligados à tradição crítica do direito1 1 FREEMAN, 1977, 1049 - 1060; DUNCAN, 1999. .

Muitos operadores do direito consideram ações judiciais meros procedimentos formais nos quais um juiz avalia os argumentos e fatos trazidos pelas partes e então utiliza uma norma para decidir a disputa em questão. O ideal de justiça é alcançado na medida em que o magistrado escolhe a norma mais adequada para a solução da querela jurídica. Para os que defendem essa posição, normas legais e princípios interpretativos são os parâmetros fundamentais a partir dos quais o julgador pauta sua atividade. O formalismo jurídico parte do pressuposto de que juiz deve aplicar uma norma que possui um sentido objetivo a um fato social concreto. Entretanto, certas transformações na teoria hermenêutica demonstram que a atividade interpretativa tem um caráter significativamente mais complexo. Essas mudanças nos mostram que o intérprete também pode atuar como um agente ideológico. Isso significa que o seu ofício não é necessariamente guiado pelo princípio da neutralidade. Tendo em vista o fato que as normas jurídicas são produto de um jogo político entre forças sociais que possuem peso distinto dentro do processo decisório, a hermenêutica também deve incluir uma apreciação adequada da realidade social na qual os sujeitos estão situados2 2 MINDA, 1996, p. 13 - 61; MOORE, 1988, p. 874 - 905. . Verificamos a importância dessa posição principalmente quando analisamos questões relativas à interpretação do princípio da igualdade. Autores que enfatizam seu caráter transformador afirmam que sua compreensão, sem a devida contextualização, pode reproduzir processos de estratificação social3 3 SIEGEL, 2013; FISS, 1976; CRENSHAW, 1987. . Essa ótica nos parece interessante, tendo em vista a importância da questão racial no Brasil. Assim, sua complexidade exige que examinemos com atenção os diferentes meios pelos quais ideologias influenciam o processo de interpretação jurídica.

Em tempos recentes, o interesse pela análise do uso de argumentos sociológicos no processo hermenêutico motivou alguns estudiosos ligados à teoria crítica do direito a classificar decisões judiciais como narrativas culturais4 4 ESKRIDGE, 1993; COVER, 1983; HOFFER, 1991. . A noção de narrativa expressa a tendência humana de conferir sentidos aos diversos fatos que constituem a experiência pessoal e coletiva. Essa atribuição de significados acontece em função da associação desses acontecimentos por meio de parâmetros que expressam certos valores, fazendo com que eventos adquiram significações a partir da forma como são apresentados. Assim, o interesse na compreensão de decisões judiciais como narrativas culturais adquiriu grande importância em função da dimensão política do discurso jurídico. Esse fator é responsável pela refutação de uma posição que via nas noções de neutralidade e objetividade os princípios centrais da atividade interpretativa. Uma ação judicial não se restringe a um mero exercício no qual partes opostas apresentam teses que procuram demonstrar que eles retratam os fatos da forma mais correta. Na verdade, um processo judicial pode ser um meio a partir do qual grupos sociais tentam universalizar seus projetos ideológicos. Isso se aplica principalmente aos casos nos quais se discute o sentido de normas constitucionais, processos cujos resultados determinarão os parâmetros que regularão relações sociais e orientarão políticas públicas5 5 ROSS, 1989, p. 381 - 385; DELGADO, 1989. . Tendo em vista o fato de que a realidade social pode ser interpretada a partir de perspectivas distintas para produzir sentidos específicos, a narrativa deve também ser entendida a partir de uma de suas dimensões principais que é o discurso. Esse é o meio pelo qual nexos culturais são construídos dentro de uma sociedade por diferentes grupos. O discurso possui, assim, uma dimensão ideológica: ele expressa a compreensão que um grupo formula da experiência social. Ele passa a reger a as relações entre as pessoas na medida em que seus membros conseguem transformá-lo em uma referência cultural6 6 BARTHES, 1975, 239 - 244. .

Certos autores do movimento intelectual chamado de Teoria Racial Crítica (Critical Race Theory) como Thomas Ross e Richard Delgado argumentam que decisões judiciais são também narrativas culturais porque as partes de um determinado caso contam histórias. Elas fazem sentido porque conectam fatos, princípios jurídicos, normas interpretativas, teses sociológicas e dados históricos de forma coerente. Do mesmo modo que outras narrativas culturais, decisões judiciais também são estruturadas a partir de discursos que atribuem sentidos a fatos e normas. O próprio juiz produzirá outra narrativa que associará os elementos trazidos pelas partes. Como nos diz Susan Silbey, a sucessão de decisões em uma determinada direção forma um entendimento que designa como uma sociedade interpretará acontecimentos futuros que guardam semelhança com uma situação particular. Percebemos que uma decisão judicial estabelecerá uma articulação específica de elementos que possivelmente regularão todo um aspecto das relações sociais. Essa narrativa jurídica estabelecerá, portanto, os parâmetros para o debate público sobre um tema e também a maneira como atores estatais devem atuar7 7 SILBEY, 2010, p. 471 - 479. .

Para demonstrar a dimensão narrativa do discurso jurídico, este artigo examina duas posições dentro do debate sobre a constitucionalidade de ações afirmativas. Analisaremos duas peças judiciais que fazem parte da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186: a petição inicial interposta pelo Partido dos Democratas8 8 BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial. Argumentação de Descumprimento Fundamental no. 186. Brasília, 20.07.2009. e o voto do ministro relator Ricardo Lewandowski, aprovado por unanimidade pelos ministros do Supremo Tribunal Federal9 9 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandowski. 26.04.2012. . Embora sejam construídas a partir dos mesmos elementos, quais sejam, concepções de raça, de igualdade, de nação, de justiça e do papel do Estado, elas os relacionam de forma distinta. Procuraremos com isso demonstrar que o estudo do discurso jurídico como uma narrativa cultural nos permite identificar as ideologias sociais que estruturam decisões judiciais. A influência dessas narrativas pode fazer com que o direito seja um instrumento de preservação de desigualdades ou de transformação social. Resta então explicar como o processo de universalização de projetos políticos acontece no funcionamento do sistema jurídico e como sua identificação pode nos ajudar a realizar o projeto de transformação social presente no texto constitucional. Assim, a análise do discurso jurídico na forma de narrativa cultural enfatiza a importância de investigarmos a natureza de argumentos que, embora embasados na Constituição Federal, desvirtuam o caráter emancipatório desse documento político.

Este artigo examina um dos temas centrais da Teoria Racial Crítica, escola de pensamento jurídico que adquiriu grande influência nos Estados Unidos nas últimas décadas, mas que permanece amplamente desconhecida entre operadores do direito no Brasil. Essa teoria investiga os meios a partir dos quais o discurso jurídico confere significados à raça e ao racismo, entendimentos que determinam a relevância que eles devem ter na apreciação de questões relativas à justiça social. Seus fundadores procuram identificar os meios pelos quais o direito pode ser um instrumento de emancipação, o que seria uma contraposição às formas que ele tem sido utilizado para manter hierarquias raciais. Eles afirmam então que a compreensão do discurso jurídico como uma narrativa cultural permite a identificação de ideologias responsáveis pela reprodução de relações assimétricas de poder10 10 DELGADO & STEFANCIC, 2001, p. 331 - 49. .

Essa teoria oferece elementos essenciais para examinarmos o direito a partir de uma posição distinta daquela defendida por agentes que concentram poder social: ela pode ser um meio para a construção de uma perspectiva jurídica que expressa os interesses dos que estão em uma condição subalterna e que não têm os mesmos mecanismos para fazer frente à influência de grupos majoritários no processo decisório11 11 BELL, 1989; DELGADO, 1989. . Examinaremos na primeira parte deste artigo a dimensão narrativa do discurso jurídico, estudo que será desenvolvido em três partes: a análise da noção de narrativa, a caracterização de decisões judiciais como narrativas culturais e a análise das chamadas narrativas jurídicas raciais. Escrutinaremos depois as estratégias discursivas utilizadas pelo Partido dos Democratas e pelo ministro Ricardo Lewandowski nas peças que formularam narrativas jurídicas raciais baseadas nas noções de raça, racismo, igualdade, justiça e nação. Queremos deixar claro que não reivindicamos autoria de muitos dos argumentos aqui desenvolvidos; pretendemos apresentar ao público brasileiro alguns pressupostos centrais da Teoria Racial Crítica. Acreditamos que ela pode contribuir de forma significativa para o estudo das relações entre raça e direito, um campo ainda pouquíssimo explorado entre nós, um dos motivos da reprodução de padrões de exclusão na nossa sociedade.

1 - Decisões Judiciais Como Narrativas Culturais

1.1 - A Narrativa Como Forma de Produção de Sentidos Culturais

Os tribunais que classificam programas de ação afirmativa como iniciativas que violam o princípio da igualdade utilizam uma série de premissas sociológicas que estruturam uma ideologia racial bastante influente no nosso país: eles argumentam que o Brasil é uma sociedade racialmente inclusiva. A noção difundida de que vivemos em uma democracia racial encontra fundamento em teses sociológicas construídas dentro da academia nas primeiras décadas do século passado, argumentos que foram mais tarde transformados em elementos característicos da política cultural do país. Mais do que simples premissas sobre relações raciais, esta ideologia tornou-se um princípio de socialização em função do seu papel na construção da identidade nacional. Como parte do senso comum sobre relações sociais no Brasil, o mito da assimilação racial tem sido uma referência para a descrição da nossa realidade. A oposição a programas de ações afirmativas está largamente fundamentada na ideia que nossa moralidade pública está centrada na premissa da igualdade de tratamento entre grupos raciais. Partindo do pressuposto de que nossa sociedade é essencialmente miscigenada, tribunais brasileiros recorrem à noção de homogeneidade racial para interpretar o princípio da igualdade, o que os leva a defender o tratamento simétrico entre negros e brancos como forma de justiça racial12 12 Ver nesse sentido, BRASIL. Tribunal Federal da Quinta Região. Apelação Cível 469.474, Órgão Julgador: 1ª. Turma, Relator: César Carvalho, 04.08.2011 (classificando ações afirmativas como medidas que violam o objetivo de promoção da igualdade estabelecido pelo legislador constituinte que não permitiu a diferenciação entre pessoas baseadas na raça dos indivíduos em um país que tem uma história diferente dos Estados Unidos); BRASIL. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Agravo Inominado No. 24119004315. Órgão Julgador: 3ª. Câmara Cível, Relator: Alemer Ferraz Moulin, 26.11.2011 (declarando a inconstitucionalidade de um programa de ações afirmativas porque a raça não pode ser utilizada como critério de tratamento diferenciado entre pessoas que estão em igualdade de situação); BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho - 10ª. Região, RO No. 00936-2005-012-10-00-9, Órgão Julgador: 1ª. Turma, Relator: Oswaldo Florêncio Neme Júnior, 21.03.2007 (indeferindo pedido de implementação de ações afirmativas em um banco privado porque estatísticas de disparidades entre negros e brancos não indicam práticas discriminatórias). .

Uma análise do desenvolvimento histórico das relações entre negros e brancos no Brasil evidencia o caráter problemático do discurso da transcendência racial, a premissa segundo a qual conseguimos contruir uma moralidade pública na qual a raça não tem relevância. Da mesma forma que em momentos históricos anteriores, o privilégio branco ainda estrutura nossa organização social, um fator preponderante na produção de desigualdades de status cultural e desigualdades de status material entre negros e brancos13 13 ALVES, 2010; CARONE & BENTO, 2002. . Enquanto o primeiro indica a forma como certas classes de indivíduos são valorizadas na sociedade, o segundo está relacionado com as condições materiais da existência14 14 FRASER, 2001; FREDMAN, 2003; YOUNG, 1990, p. 48 - 63. . A ideia de transcendência racial e a sua noção correlata da homogeneidade racial formam a base de uma narrativa cultural que desempenha um papel significativo na apreensão da realidade. Este último, baseado na ideia segundo a qual não existem grupos raciais claramente distintos na nossa Nação em função do alto índice de miscigenação, exerce uma influência considerável na sociedade brasileira. É uma representação mental que condiciona a percepção social dos membros das nossas elites jurídicas. Assim, para entendermos adequadamente esse processo que transforma as ideias de transcendência e de homogeneidade racial em uma avaliação normativa da realidade, precisamos investigar as várias articulações entre teses sociológicas e normas legais no processo de argumentação jurídica.

A construção paralela da subjetividade e da objetividade como duas instâncias do conhecimento racional implica uma posição epistemológica fundada nas idéias de neutralidade e transparência. De acordo com essa perspectiva, o conhecimento adequado do mundo acontece quando o sujeito apreende o objeto, o que requer o uso de meios racionais. A fim de alcançar uma percepção precisa da realidade que está à sua frente, o sujeito pensante deve eliminar suas particularidades porque elas impedem o funcionamento adequado de processos mentais. Embora o discurso jurídico tenha seguido a mesma orientação epistemológica durante décadas, ela acabou sendo desacreditada, embora continue sendo usada de forma estratégica. Recentemente, autores ligados à teoria crítica do direito como James Boyle e Jeanne Schroeder argumentam que ela esconde um fato importante. Intérpretes realmente constroem textos jurídicos como objetos de conhecimento em função das categorias mentais internalizadas no processo de socialização15 15 BOLYLE, 1991; SCHROEDER, 1992. . Mais do que simplesmente ignorar esse dado fundamental, o formalismo jurídico encobre os diferentes processos sociais que formam a subjetividade humana. Os autores acima mencionados rejeitam a imagem do sujeito autônomo e afirmam que ele é um produto de sistemas sociais. Esses estudiosos criticam a idéia de interpretação jurídica como uma produção racional objetiva de significados; afinal, as normas sociais mediam a produção de conhecimento16 16 BOYLE, 1991, p. 494, - 499; ABRAMS, 2002. .

Peter Gabel nos mostra que o formalismo jurídico, ao pressupor uma concepção de subjetividade como uma instância abstrata regida por regras universais da razão, esconde as ligações estruturais entre a subjetividade humana e as relações sociais. Recorrendo a essas categorias a fim de distinguir-se das formas contingentes de conhecimento, o pensamento jurídico cria um mundo no qual a realidade social contém um significado imutável. Nesse sentido, afirma o autor, as formas tradicionais de interpretação jurídica promovem a reificação das categorias de pensamento, projetando representações subjetivas como fatos reais. A alegação de que a lei visa preservar as formas de organização social encontra legitimidade no pressuposto de que a validade da legislação decorre de um processo que segue procedimentos democráticos. Normas jurídicas são válidas porque foram aprovadas por representantes políticos dos diversos segmentos sociais. Muitos considerariam esse argumento formalista problemático porque desconsidera os vários mecanismos que reproduzem desigualdades, uma vez que as próprias normas jurídicas e o processo interpretativo podem perpetuar hierarquias sociais17 17 GABEL, 1980, p. 25 - 51. .

Assim, a percepção de que ideologias influenciam o raciocínio jurídico renovou o interesse dos estudiosos na análise do papel da subjetividade no processo hermenêutico. Enquanto alguns criticam os fundamentos epistemológicos do direito, outros têm procurado metodologias capazes de desvelar as formas pelas quais o discurso jurídico funciona como um tipo de narrativa social. Os autores que desenvolvem novas teorias hermenêuticas preocupam-se com os processos ideológicos, sociológicos e psicológicos por trás da produção do discurso jurídico. Tendo em vista o fato que o sujeito do conchecimento é um produto social, tornou-se importante entender as correlações entre esquemas mentais e processos interpretativos. Ao contrário dos que representam a subjetividade como uma instância que opera de acordo com categorias racionais, as cognições humanas, para esses autores, são produto da imersão do indivíduo na cultura. Como a linguagem impulsiona o a socialização, a percepção individual do mundo é sempre moldada por ideologias que circulam em uma determinada sociedade por meio de vários tipos de narrativa18 18 MINDA, 1985, p. 1152 - 1153; FREEMAN, 1977, p. 1053 - 1070. .

Alguns teóricos interessados nas relações entre direito e idologia afirmam que o conceito de narrativa oferece uma alternativa importante ao uso das categorias tradicionalmente utilizadas para a análise da argumentação jurídica. Ele poder ser empregado como uma ferramenta analítica para revelar as ideologias subjacentes a argumentos jurídicos, o que pode permitir a desestabilização de relações hierárquicas de poder. Essa percepção implica que as narrativas culturais dominantes têm um papel importante nos diversos mecanismos de construção da realidade social. Segundo Roland Barthes, a ideia de narrativa refere-se às várias formas a partir das quais alguém comunica um relato coerente de eventos e personagens de acordo com um processo seletivo que os organizam em uma ordem temporal. Nesse sentido, a idéia de narrativa remete para as várias maneiras a partir das quais as culturas humanas produzem e transmitem significados sociais. Essa perspectiva considera a narrativa um fenômeno universal, já que a produção cultural de sentidos é um aspecto constitutivo da experiência humana. Mais do que uma simples expressão por meio da qual as sociedades transmitem conhecimentos, a narrativa associa uma série de eventos de modo a produzir uma interação coerente entre eles. Essa coerência deriva das várias perspectivas a partir das quais os fatos são contados e isso significa que as narrativas tornam-se significativas porque são portadoras de discursos específicos. Um discurso funciona, assim, como um mecanismo que dá sentido à narrativa, fornecendo padrões de compreensão do mundo. Portanto, a narrativa pode ser um veículo para vários discursos que criam e reproduzem significados culturais19 19 BARTHES, 1974, p. 260 - 272; VAN DIJK, 1993. .

A definição da narrativa como um fenômeno cultural universal significa que ela tem o poder de organizar o processo do conhecimento. Em função do seu papel constitutivo nas culturas humanas, ela produz representações mentais que regulam a percepção individual da realidade social. Essa produção cultural e individual de funções narrativas é o meio pelo qual indivíduos dão coerência às suas experiências. A imersão do ser humano no universo social proporciona o acesso a significados que permitem uma apreensão coerente do mundo. Para Teun van Dijk, narrativas pessoais transmitem muito mais do que simples relatos de experiências individuais, pois seu conteúdo expressa e reproduz normas sociais e convenções culturais. Narrativas ligam, assim, experiências pessoais e sociais por meio de diversas operações simbólicas que organizam o contexto, a produção e a circulação de discursos. Tendo em vista o papel constitutivo de narrativas culturais na construção da percepção individual, a representação abstrata do indivíduo subjacente ao discurso jurídico tem sido criticada. Enfatiza-se atualmente as circunstâncias discursivas e históricas que formam a subjetividade20 20 VAN DIJK, 2009, p. 29 - 86. .

Muitas decisões sobre ações afirmativas sugerem que o discurso jurídico articula cognições sociais na forma de uma narrativa. Pode-se ler um acórdão como uma forma de narrativa no sentido de que ele contém uma descrição coerente de eventos que se torna significativa por meio da articulação de argumentos jurídicos. Mais do que uma simples consideração sobre a aplicação da regra mais adequada a um determinado caso, operadores do direito descrevem eventos legalmente relevantes de acordo com doutrinas jurídicas. Segundo Thomas Ross, a análise dos casos de ações afirmativas demonstra que decisões judiciais contam histórias sobre personagens e fatos que são formulados de acordo com discursos específicos. Operadores do direito frequentemente empregam narrativas como dispositivos retóricos que dão coerência e legitimidade à determinada versão de fatos juridicamente relevantes. Uma vez que eles habitam um universo normativo com significados ancorados em narrativas, a percepção desses fatos recebe a influência de ideologias sociais que funcionam como estruturas cognitivas21 21 ROSS, 1989, p. 388 - 398. . Da mesma forma que um narrador seleciona eventos de acordo com suas inclinações morais, opeadores do direito freqüentemente narram casos de acordo com preferências ideológicas, embora eles geralmente representem as suas decisões como aplicações imparciais de princípios jurídicos. Por esse motivo, Patricia Ewick e Susan SilbeyEWICK, Patricia & SILBEY, Susan. Subversive stories and hegemonic tales: toward a sociology of narrative. Law & Society Review, v. 29, n. 2, p. 197 - 226, 1996. argumentam que as inclinações ideológicas desses atores sociais influenciam as decisões judiciais por meio da aplicação de certas perspectivas interpretativas a um caso particular22 22 EWICK & SILVBEY, 1995. .

Assim, mais do que uma forma de raciocínio que recebe a influência de várias ideologias, a argumentação jurídica funciona como um meio a partir do qual discursos são produzidos e reproduzidos. Discursos jurídicos não só seguem entendimentos tradicionais sobre questões legais, mas têm um papel importante na forma como o direito molda a realidade social. Autores como Willian Eskridge e Lori Beman demonstram a relevância das normas legais na construção de identidades pessoais e coletivas, processo que envolve geralmente a institucionalização dos traços de certos grupos majoritários como requisitos para o pleno gozo da cidadania. Decisões judiciais têm um papel central neste processo porque referendam os interesses desses grupos como objetivos de toda a sociedade23 23 BEAMAN, 1999; ESKRIDGE, 1996. .

Nesse sentido, Duncan KennedyKENNEDY, Duncan. A critique of adjudication. Fin de siècle. Cambridge: Harvard University Press, 1998. afirma que decisões judiciais universalizam projectos ideológicos porque utilizam argumentos que avançam os interesses de grupos particulares ao identificar suas posições como um projeto legítimo para a comunidade política. Esses projetos são usualmente formulados por intelligentsias ideológicas que têm certos propósitos na definição do sentido de normas jurídicas. A interpretação delas em uma direção ou outra tem um papel importante na definição do status social dos grupos que discutem seus significados. Embora esses projetos ideológicos geralmente utilizem termos universais, eles procuram manter o status dessas intelligentsias ideológicas e daqueles que elas representam. Mais do que um simples conflito entre diferentes visões do mundo, essas controvérsias acompanham interesses materiais que serão protegidos por meio da definição dos sentidos de leis e princípios. Com base nessas considerações, é possível abordar decisões judiciais como veículos ideológicos por meio dos quais certos grupos reproduzem seus interesses na linguagem dos direitos. Por exemplo, a prevalência da igualdade formal ou da igualdade material como parâmetro interpretativo de controle de constitucionalidade tem um papel importante na definição do status de grupos minoritários. Um tribunal constitucional pode legitimar políticas que dispensam tratamento formal entre os indivíduos independentemente de contextos sociais ou pode referendar aquelas que considera as circunstâncias nas quais as pessoas estão inseridas a fim de promover a inclusão. Mais uma vez, a escolha por um ou por outro desses significados da igualdade tem um impacto profundo sobre a posição de diversos segmentos, pois determinará como as instituições devem abordar a questão das desigualdades entre eles24 24 KENNEDY, 1999, p. 39 - 73. .

1.2 - Decisões Judiciais Como Narrativas Raciais

Segundo Carl Gutiérrez-Jones, o conceito de narrativas jurídicas raciais pressupõe a possibilidade de classificarmos decisões judiciais como uma forma particular de discurso sobre raça. Elas institucionalizam os sentidos e a relevância que essa categoria deve ter no espaço público e no espaço privado, motivo pelo qual elas também se tornam uma referência crucial para a sua compreensão25 25 GUTIÉRREZ-JONES, p. 69 - 78. . A evolução da regulação social da raça mostra que essa categoria adquiriu significados distintos em diferentes contextos históricos e sociais. Essas mudanças costumam seguir os interesses materiais dos grupos raciais dominantes, sujeitos que determinam o conteúdo da classificação racial para efeitos de atribuição de privilégios ou restrições de direitos26 26 WELLMAN, 1994, p. 1 - 27. . As sociedades deram significados distintos para categorias como a negritude e a branquitude, parâmetros que estabelecem quais grupos seriam incluídos nestas classificações e, consequentemente, quais teriam acesso aos benefícios ou exclusões associadas a eles. O discurso jurídico pode ser então um projeto de dominação racial, o que é possível por meio de instrumentos legais que articulam diversas formas de narrativas culturais e normas jurídicas27 27 HANEY LOPEZ, 1994. .

Narrativas jurídicas raciais exemplificam a disputa ideológica sobre os significados de normas legais, especialmente o significado do preceito constitucional da igualdade. O debate sobre a constitucionalidade das políticas de inclusão racial constitui um bom exemplo das maneiras como grupos ideológicos buscam afirmar seus interesses na forma de projetos universais. Tendo em vista os parâmetros que regulam os discursos raciais nas sociedades contemporâneas, membros dos grupos raciais majoritários procuram promover a dominação articulando doutrinas raciais e valores liberais. O resultado das ações judiciais que envolvem classificações raciais têm efeitos de longo prazo na organização social, uma vez que ele freqüentemente se torna a avaliação normativa da legalidade de políticas públicas. Da mesma forma que várias ideologias influenciam o processo de interpretação jurídica, narrativas jurídicas raciais incorporam entendimentos culturais de raça e racismo no processo de interpretação das normas legais28 28 WISE, 2010, p. 63 - 140; GUTIÉRREZ-GOMES, 2001, p. 21 - 48. .

Narrativas jurídicas raciais funcionam como uma moralidade social porque possuem dispositivos interpretativos para a avaliação da adequação do uso de classificações raciais. Esse conceito pressume a existência de uma forma abrangente da racionalidade a partir da qual operadores do direito articulam princípios jurídicos e ideologias raciais na interpretação da igualdade. Mais do que a mera discussão sobre os significados de normas legais e suas conexões com ideologias raciais, essas construções intelectuais realmente procuram avançar argumentos normativos sobre os parâmetros fundamentais da organização da ordem política e jurídica. Em suma, a idéia de narrativas jurídicas raciais refere-se às várias formas pelas quais os tribunais articulam princípios jurídicos e teses sociológicas em casos que envolvem classificações raciais. Mais especificamente, este conceito muitas vezes combina uma compreensão da igualdade, uma teoria da justiça, uma ideologia racial, uma representação da nação e uma perspectiva interpretativa. A construção narrativa da raça implica a articulação destes elementos de acordo com as racionalidades coletivas concorrentes que informam uma cultura jurídica particular. Narrativas jurídicas raciais ofereçem diversos argumentos que justificam o entendimento da igualdade de acordo com teses sociológicas e históricas a fim de legitimar a definição destas regras em uma determinada direção ou outra29 29 DESAUTELS-STEIN, 2012 .

Vemos então que o conceito de narrativas jurídicas raciais tem uma natureza ideológica no sentido de que ela expressa as crenças de operadores jurídicos sobre significados das normas legais e também das relações raciais. Dois tipos de epistemologia operam simultaneamente a fim de legitimar uma interpretação particular da igualdade em casos que lidam com a questão da classificação racial. Narrativas jurídicas raciais operam de acordo com as premissas dos paradigmas constitucionais, um parâmetro que influencia as maneiras em que operadores do direito interpretam e articulam normas legais. No contexto da disputa ideológica sobre os significados de igualdade, essa forma de consciência jurídica tem como fundamento uma leitura particular das normas constitucionais. As premissas epistemológicas que informam um paradigma constitucional fornecem a racionalidade através da qual os tribunais interpretam os princípios da igualdade e da justiça. No caso do Brasil, os tribunais que abraçam a ideia da transcedência racial utilizam certos preceitos que informam o constitucionalismo liberal, como as noções de igualdade formal e justiça simétrica. Por outro lado, os que afirmam a constitucionaldiade dessas medidas formulam argumentos a partir de elementos que estruturam o princípio do Estado Democrático de Direito tais como os princípios de justiça social, democracia pluralista e inclusão social30 30 MOREIRA, 2013, p. 236 - 300. .

Além de operar segundo as premissas de paradigmas constitucionais, narrativas jurídicas raciais funcionam de acordo com uma epistemologia social derivada de uma ideologia racial, uma série de crenças que determinam as formas por meio das quais operadores do direito percebem as relações entre negros e brancos. Esse entendimento os leva a formular juízos normativos sobre classificações raciais que buscam transformar esse entendimento em um projeto político universal. Apesar de operar independentemente em alguns casos, essas duas formas de epistemologia convergem para produzir uma narrativa que utiliza princípios jurídicos para interpretar as relações raciais. Ao mesmo tempo, a interpretação delas legitima a aplicação das normas constitucionais31 31 COCHRAN, 1999, p. 1 - 55; DELGADO & STEFANIC , 2001, p. 37 - 48. . Assim como nos Estados Unidos, o debate sobre as políticas de inclusão racial no Brasil representa um conflito entre duas posições ideológicas: a da consciência racial e a da transcendência racial. A primeira defende a importância de políticas de inclusão para a equiparação entre negros e brancos, enquanto a segunda está baseada no pressuposto de que o tratamento igualitário entre todas as pessoas promove a desejada integração de grupos minoritários. Cada uma dessas perspectivas avança um entendimento particular das relações entre igualdade e classificações raciais a fim de justificar uma posição específica sobre a constitucionalidade de ações afirmativas. Embora a discussão jurídica sobre a interpretação das normas legais seja apresentada em termos universais, ela realmente procura manter o status social das intelligentsias ideológicas que estão por trás dessa controvérsia política e jurídica. Como afirmamos anteriormente, mais do que um simples conflito entre diferentes visões do mundo, o confronto ideológico entre grupos sociais acompanha seus interesses materiais. Nesse sentido, o resultado de um caso no qual se busca definir o significado das normas constitucionais tem um efeito legitimador nos arranjos sociais32 32 DUNCAN, 1999; CHO, 2009; ALEINIKOFF, 1991. .

2 - Neutralidade Racial como Narrativa Jurídica

A afirmação de que o discurso jurídico pode ser interpretado como uma narrativa cultural nos oferece elementos imprescindíveis para examinarmos o substrato ideológico das posições presentes nos debates sobre direitos de minorias no nosso País. Ao lado da questão do reconhecimento de casais homoafetivos como entidades familiares, a discussão sobre a constitucionalidade de ações afirmativas é um dos temas mais contenciosos da pauta política brasileira. Podemos ver de forma clara como peças judiciais sobre esse tema são muito mais do que meras descrições de fatos ou a defesa de teses jurídicas. Identificamos na petição inicial da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186 uma narrativa que atribui certos sentidos a normas constitucionais, entendimentos baseados em teses sociológicas e históricas que fornecem os fundamentos para uma concepção integrada das noções de raça e justiça no Brasil33 33 BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009. . A peça questiona a constitucionalidade da resolução do Conselho Universitário da Universidade de Brasília que implementou cotas raciais para negros e indígenas no vestibular da instituição. Ela foi proposta pelo Partido dos Democratas, uma intelligentsia política que tradicionalmente representa os interesses das elites políticas e econômicas do país. Os autores da ação constitucional afirmaram que essa medida viola uma série de preceitos fundamentais, entre eles os princípios da igualdade, da liberdade, da legalidade, da meritocracia e do acesso universal à educação.

Podemos identificar nessa peça processual uma articulação específica de elementos importantes no debate sobre a legalidade de cotas raciais: representações sobre raça e racismo na sociedade brasileira, uma concepção de igualdade e uma perspectiva interpretativa desse princípio, uma ideia de justiça e também uma imagem particular da nação brasileira. Como afirmamos anteriormente, narrativas jurídicas articulam certos elementos a partir de perspectivas discursivas; elas adquirem sentido na medida em que são associadas a partir de uma determinada ideologia. Verificaremos a seguir como esse processo se desenvolve nessa peça judicial que iniciou uma ação responsável pela adoção de um novo entendimento de raça nos debates jurídicos sobre igualdade racial entre nós.

Podemos identificar claramente qual é o discurso subjacente a essa peça judicial: a representação do Brasil como uma sociedade racialmente inclusiva, noção decorrente da miscigenação racial e cultural presente no País. Os autores da ação reproduzem aqui diversos elementos da ideologia da democracia racial, uma narrativa cultural baseada na ideia de que a raça não tem relevância na nossa sociedade. Esse seria o motivo pelo qual pudemos construir uma moralidade pública que tem como base o tratamento igualitário entre grupos raciais. Não se nega a presença do racismo, mas ele representa apenas o comportamento de certos indivíduos que se desviam do consenso moral sobre relações raciais. Mesmo esses casos expressariam um preconceito de classe e não propriamente de ódio racial, o que seria característico de outras sociedades. Essa ideologia, portanto, enfatiza uma suposta superioridade moral dos brasileiros em relação a outros povos que adotaram políticas oficiais de discriminação racial. A miscigenação presente no Brasil aparece como evidência incontestável dessa realidade, pois demonstra a ausência de barreiras entre negros e brancos também no espaço privado34 34 HANCHARD, 1994; HASENBALG, 2005; GUIMARÃES, 2002. .

Embora tenham sido desenvolvidas dentro da academia, essas teses se tornaram parte do discurso oficial sobre relações raciais, funcionando como um mecanismo eficaz contra a mobilização política em torno da questão da raça. A influência desse discurso na discussão sobre a constitucionalidade de ações afirmativas parece contribuir para esse processo, pois fundamenta uma interpretação da igualdade incompatível com os pressupostos do atual paradigma constitucional. Mais especificamente, ele transforma a raça em uma categoria irrelevante no Brasil, motivo pelo qual minorias raciais não poderiam ser reconhecidas como grupos que merecem tratamento diferenciado. Essa narrativa jurídica defende então a neutralidade racial como parâmetro de interpretação da igualdade, reproduzindo, assim, um movimento transnacional que considera políticas de inclusão racial uma ameaça à democracia. A defesa da neutralidade racial informa muitos argumentos que classificam a mobilização política em torno da raça como um obstáculo à construção de uma forma de cidadania cosmopolita que necessariamente requer a superação de divisões sociais35 35 GILROY, 2001. .

Podemos identificar uma das teses centrais dessa narrativa jurídica racial logo no início da petição inicial. Embora reconheçam a existência da discriminação racial no Brasil, os autores atribuem as disparidades entre negros e brancos à divisões de classe. O Partido dos Democratas argumentou que brancos pobres e negros pobres enfrentam os mesmos obstáculos, motivo pelo qual políticas inclusivas não deveriam ter um recorte racial. Tendo em vista essa constatação, políticas públicas características de um Estado social deveriam priorizar o acesso à educação para todos os que sofrem as injúrias decorrentes das diferenças de classe. Mas a condenação da raça como parâmetro para políticas públicas não se restringe à identificação das disparidades materiais entre grupos raciais como consequência da estrutura de classes. Os autores da ação questionaram a própria existência de negros e ameríndios como grupos sociais distintos, perspectiva baseada na negação da existência da raça como uma categoria jurídica relevante. Primeiro, temos a sua classificação como uma falsa categoria biológica porque ela não encontra base científica. Esse fato indica que a raça não pode ser um critério de tratamento diferenciado entre indivíduos porque não há elementos que sustente a sua existência ou relevância social. Segundo, afirmou o Partido dos Democratas, não há possibilidade de se determinar quem são os beneficiários dessas medidas em função da miscigenação do povo brasileiro. Esse processo tornou brancos, negros e indígenas indistinguíveis do ponto de vista genético; praticamente todos os brasileiros possuem ancestralidade europeia, africana e indígena36 36 BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009, 30 - 32. .

Por causa dos fatores acima mencionados, pessoas que possuem fenótipos distintos podem ter mais traços genéticos em comum com membros de outras raças do que com aquelas que são equivocadamente classificadas como membros do mesmo grupo, argumentou o Partido dos Democratas. Ações afirmativas não satisfariam então a exigência jurídica segundo a qual um grupo que demanda remédios para violação de direitos deve identificar todos os que foram afetados de forma precisa. Tendo em vista a impossibilidade de satisfação desse requisito, quaisquer iniciativas que procurem promover a inclusão racial devem utilizar critérios universais, o que seria o caso de cotas baseadas na classe social. Dessa forma, asseveraram os autores da ação, poderíamos fomentar a inclusão racial sem a promoção de desintegração social. Vemos então que os Democratas ignoram a complexidade da experiência de um grupo que sofre as consequências de diferentes vetores de discriminação: ao contrário do que eles afirmam, a condição subalterna de minorias raciais se deve ao fato de que a discriminação racial e a desvantagem material operam conjuntamente para promover a opressão37 37 BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009, p. 29 - 31. .

Essa narrativa jurídica, além de desqualificar a raça como uma categoria que possa ser um parâmetro para a adoção de políticas públicas, também minimiza a importância do racismo na nossa realidade social. O discurso articulado na petição inicial sob análise parece ser uma continuidade de uma ideologia cultural que surgiu no período anterior à abolição da escravatura. Como demonstram Damião Alves Azevedo e Lilia Schwarcz, por mais estranho que possa parecer, a noção de que negros não são vítimas de discriminação racial já existia desde os tempos da escravidão. Assim, mesmo antes do fim desse sistema de opressão racial, já havia na opinião pública o sentimento de que os brasileiros não distinguem as pessoas pelo critério racial, o que obviamente atesta o interesse dos grupos majoritários em justificar moralmente a opressão. Embora a sociedade estivesse fortemente cindida por um parâmetro racial, os intelectuais da época já sustentavam que não havia racismo no Brasil em plena escravidão africana38 38 SCHWARCZ, 1987, p. 181; AZEVEDO, 2007, p. 83 - 127. . Encontramos os ecos desse discurso na narrativa presente nessa peça judicial quando ela caracteriza o racismo existente no Brasil como algo inteiramente distinto da experiência histórica de outras sociedades. Se o racismo se manifesta entre nós fundamentalmente como preconceito de classe, sugerindo então que ele não tem base racial, ele se apresenta em outras sociedades na sua verdadeira face: discriminação legalmente sancionada contra grupos raciais. Isso significa que cotas para negros seriam inconstitucionais porque teriam lugar apenas em contextos políticos nos quais a segregação entre negros e brancos foi legalmente permitida. Como nunca adotamos práticas semelhantes a essa, disseram os autores da ação, iniciativas dessa natureza poderiam instituir algo que está ausente no país39 39 BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009, p. .

A comparação entre a história racial do Brasil e a dos Estados Unidos elaborada pelos Democratas pode ser vista como um ponto relevante para a análise das políticas de inclusão racial nessas duas nações. Segmentos sociais contrários a ações afirmativas nos dois países formularam uma narrativa que possui um elemento comum: o discurso da neutralidade racial. Se ele ressurge no Brasil na forma de crítica a ações afirmativas, ele agora aparece nos Estados Unidos como defesa da ideia de que aquela nação também conseguiu transcender o problema do racismo. As duas narrativas exemplificam o que certos autores chamam de colorblind racism: um discurso que mantém a opressão não pela defesa de práticas discriminatórias, mas por meio da abolição de quaisquer tipos de políticas que poderiam reverter as consequências da discriminação racial sistemática. Afirma-se que os órgãos governamentais devem abandonar todo e qualquer uso da raça, o que seria a única forma de superar o problema da estratificação racial. Seus formuladores recorrem ao princípio da neutralidade racial que tem tradicionalmente fundamentado demandas de tratamento igualitário feitas por negros para afirmar que ele deve também ser aplicado às medidas que procuram beneficiar esses grupos. A adoção de ações afirmativas seria uma traição dos próprios princípios defendidos por minorias raciais porque criam uma forma de discriminação reversa. Ações afirmativas seriam então uma prática racista porque prejudicam pessoas brancas que não possuem qualquer tipo de responsabilidade sobre erros históricos40 40 CARR, 1997, p. 107 - 132; WISE, 2010, p. 11 – 35. . Esse argumento levou os propositores da arguição de descumprimento de preceito fundamental a afirmar que qualquer uso da raça é discriminatório, mesmo no caso de políticas públicas que procuram promover a integração racial. Surpreendentemente, a afirmação de que a raça não possui relevância moral em nenhuma circunstância permitiu que os Democratas comparassem ações afirmativas ao genocídio dos Tutsis em Ruanda e aos regimes de segregação racial que existiram na África do Sul, nos Estados Unidos e na Alemanha Nazista.

Assim, o Partido dos Democratas alegou que as cotas raciais são altamente perigosas para a nossa Nação porque criam uma consciência racial entre os brasileiros. As cotas violam o princípio da igualdade e da dignidade humana porque obrigam as pessoas a se identificarem racialmente, algo que, segundo os autores da ação, seria uma prática estranha à nossa cultura. Para os Democratas, nós estamos diante de uma política pública que pode ocasionar a desestruturação social ao promover a classificação racial das pessoas. A comparação com nações nas quais o racismo fomentou formas de violência extrema é utilizada para provar o grande perigo que estaria sendo importado para o nosso País em função da adoção de cotas. A mera prática da classificação racial significa a formação de um tipo de consciência que separa segmentos sociais como grupos naturalmente diferentes, o que impede a formação de uma identidade cultural comum. Segundo o Partido dos Democratas, não é possível construir uma identidade nacional dentro de uma sociedade que promove a segregação por meio da diferenciação infundada entre os membros da comunidade política41 41 BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009, p. 38 - 53. .

Tendo em vista a representação do Brasil como uma nação na qual a raça não possui relevância suficiente para justificar a implementação de ações afirmativas, a petição defende a noção de justiça simétrica, o que seria uma forma de justiça racial, pois negros estão igualmente posicionados e devem ser tratados de forma igual aos brancos. Os autores da ação rejeitaram os argumentos daqueles que justificam ações afirmativas a partir do conceito de justiça compensatória. Eles argumentaram que essa concepção de justiça procura promover a integração de grupos sociais que foram vítimas de processos históricos de exclusão, o caso da escravidão e da segregação. Esse raciocínio mostra-se problemático segundo os propositores da ação porque não se pode culpar as gerações atuais pelos erros cometidos pelos seus antepassados. A miscigenação também cria problemas para essa posição porque ela não permite a identificação precisa dos beneficiários da compensação dessa suposta dívida histórica. Assim, a justiça compensatória beneficiaria aqueles que não sofreram diretamente violações de direitos. Além disso, argumentou o Partido dos Democratas, esse tipo de defesa de ações afirmativas só caberia se tivéssemos uma história social semelhante às dos países que adotaram regimes oficiais de segregação racial. A noção de justiça distributiva também não oferece elementos para a justificação dessa política pública porque desigualdades sociais são os verdadeiros fatores que dificultam ou impedem o acesso à educação. Portanto, cotas raciais são formas ilegítimas de promoção da redistribuição equitativa de oportunidades educacionais, uma vez que as pessoas não são desprovidas delas em função da raça. Os Democratas consideraram que a experiência dos negros seria comparável a de outras minorias raciais, o que justificaria a implementação de ações afirmativas para todas elas, pois seus membros também enfrentaram uma história de discriminação42 42 BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009, p. 31 - 36. .

Dessa forma, remédios contra os diversos tipos de discriminação racial só devem ser aplicados quando seus autores podem ser claramente identificados, quando seus acusadores podem provar a intenção de discriminar e também dentro de uma linha temporal específica. Ignorando o fato de que o racismo estrutura não apenas percepções individuais, mas também práticas institucionais, os autores da ação apenas reconhecem como racismo aqueles comportamentos que podem dar origem a uma demanda judicial contra indivíduos específicos. Sendo o racismo a expressão de um comportamento individual consciente que se dirige a indivíduos específicos ou um tipo de política oficial discriminatória, ele já encontra remédios dentro do sistema jurídico. A suposta presença de uma moralidade baseada no tratamento igualitário e a afirmação da inexistência de negros como um grupo racial diferenciado indica que o racismo só pode ser entendido como uma discriminação contra indivíduos particulares. Ele não possui relevância social suficiente para a criação de políticas públicas que procuram criar uma minoria que não existe biologicamente, nem socialmente. Um ideal de justiça racial só pode ser pensado como um tratamento igualitário dos indivíduos pelas normas jurídicas. Esse entendimento aparece como uma preclusão de políticas que se baseiam em uma suposta influência do pertencimento a certos grupos no exercício de direitos.

Percebemos então a articulação de alguns elementos importantes nessa narrativa jurídica racial formulada pelo Partido dos Democratas: a ideia de que ações afirmativas promovem um processo de racialização da Nação contrário à nossa moralidade pública, a afirmação de que a neutralidade racial tem sido um dos elementos centrais do processo de socialização e da construção da identidade nacional, a articulação da noção de neutralidade racial com o princípio da igualdade formal para atacar ações afirmativas, a caracterização dessas medidas como uma forma de discriminação contra brancos, a representação dessas medidas como uma ameaça à integração nacional em função da separação artificial de grupos a partir de uma categoria que não possui legitimidade, e a noção de que injustiças raciais ocorridas no passado não têm influência na situação atual de minorias raciais. Essas teses sociológicas e históricas estabelecem um princípio específico para a adoção de políticas públicas e para a interpretação da igualdade: a neutralidade racial. Cabe ao Estado manter o consenso cultural sobre as relações raciais no Brasil, o que exige políticas de caráter universal, uma vez que disparidades de classe são a força que impede a integração de minorias raciais. Como brasileiros de origem africana e ameríndia não formam um grupo social específico, a raça não pode ser tomada como base para políticas públicas reparatórias. Assim, a igualdade constitucional deve ser interpretada como um princípio que protege indivíduos, posição baseada na noção de que ser membro de uma minoria racial não influencia a vida dos indivíduos.

3 - O Supremo Tribunal Federal e o Discurso das Relações Raciais no Brasil

Se, por um lado, podemos classificar a petição inicial dos Democratas como expressão dos interesses de um grupo que pretende preservar uma ordem social específica, a defesa de ações afirmativas, por outro, também representam os objetivos de determinados segmentos que querem universalizar seus interesses. Esse tipo de política pública surgiu entre nós em um momento histórico específico: após o fim de um regime ditatorial que referendou o discurso da neutralidade racial como a concepção oficial das relações raciais no Brasil. O processo de redemocratização, a adoção de um novo regime constitucional, a publicação de novos estudos sobre o caráter estrutural do racismo no País e a rearticulação dos movimentos sociais estabeleceram os parâmetros para a rediscussão da relevância da raça na nossa sociedade. Os programas de ações afirmativas são demandas dos movimentos negros, uma intelligentsia que adquiriu influencia renovada neste novo momento do desenvolvimento histórico da nossa Nação. A luta pela promulgação de leis antidiscriminatórias e por medidas de promoção de integração de grupos raciais obteve sucesso nessa nova realidade política. Isso permitiu a conquista de algo que o discurso da democracia racial sempre tentou eliminar: a mobilização política em torno da raça. Instituições públicas começaram a implementar programas de ações afirmativas nas últimas duas décadas, reconhecendo a validade do argumento segundo o qual o nosso texto constitucional obriga as instituições estatais a promover a justiça racial. Percebemos então o nascimento de uma nova narrativa jurídica racial: uma que reconhece a raça como uma categoria que possui importância central no processo de distribuição de oportunidades sociais e no gozo de direitos43 43 TELLES, 2006, p. 47 - 77; HTUN, 2004; XAVIER & XAVIER, 2009; XAVIER; XAVIER, 2009) .

As várias decisões judiciais que afirmaram a constitucionalidade das medidas de inclusão racial em instituições de ensino superior e em concursos públicos utilizaram uma linha de raciocínio que difere categoricamente do discurso da neutralidade racial. Na verdade, pode-se classificar a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a legalidade de programas de ações afirmativas como uma narrativa contra-hegemônica. Articulando um entendimento progressista de princípios constitucionais e uma interpretação da igualdade que a compreende como um mecanismo emancipatório, a decisão desconstrói os principais elementos do discurso da transcendência racial, narrativa que alguns ministros disseram ser uma estratégia de preservação do status subalterno de minorias raciais. Nesse sentido, a decisão se afasta das representações comuns do país como uma sociedade racialmente inclusiva. Tribunais brasileiros formularam uma noção de cidadania racial que combina teorias de igualdade e de interpretação constitucional, a noção de raça como uma construção social, o reconhecimento do caráter estrutural do racismo, o papel do Estado na transformação do status de grupos minoritários, a afirmação da necessidade do respeito pelo pluralismo e a consequente rejeição do discurso da homogeneidade racial44 44 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012. .

Ao contrário dos tribunais norte-americanos que rejeitaram justificações de ações afirmativas baseadas na necessidade do combate às consequências da história de discriminação, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a opressão racial tem impedido a conquista da igualdade por afrodescendentes. Na opinião do ministro Lewandowski, a raça é um critério legítimo para políticas sociais porque tem sido historicamente utilizada como uma forma de promoção da subordinação de brasileiros de ascendência africana e ameríndia. Embora os cientistas afirmem que esse conceito não possui legitimidade, ela continua a ser socialmente relevante, pois estrutura uma série de práticas que fomentam a estratificação entre negros e brancos. Se a raça não tem relevância na narrativa racial formulada pelos Democratas, o ministro relator a classificou como uma construção social que tem consequências reais na vida das pessoas. Para Lewandowski, o racismo é uma prática que atua independentemente da existência biológica de raça. Na verdade, ele alegou que o racismo utiliza outras categorias para produzir a exclusão como, por exemplo, a classe social, o que atesta sua natureza ideológica, pois adquire significados diferentes em diferentes contextos. A raça pode ser um critério para políticas públicas porque é uma construção social que tem consequências concretas e duradouras, uma categoria que afeta a consciência individual e coletiva. Da mesma forma que o Estado reconhece sua existência quando promulga legislação que proíbe práticas discriminatórias, ele também pode reconhecer sua relevância na adoção de políticas públicas que fomentam a inclusão. Em direção oposta à defesa da igualdade formal como instrumento de justiça social, a decisão reconhece a relevância da justiça distributiva para a apreciação do caso em questão. Ela é um princípio que visa superar as desigualdades por meio da intervenção estatal projetada para realocar recursos e oportunidades que podem produzir a inclusão racial45 45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 63 - 66. .

Ao contrário da narrativa formulada na petição inicial que atribuiu as diferenças sociais entre negros e brancos a disparidades de classe, a decisão do Supremo Tribunal Federal reconheceu que elas são produto de mecanismos discriminatórios que se reproduzem ao longo do tempo e que atuam simultaneamente. Mas além de reconhecer o caráter estrutural e intergeracional da discriminação, vemos que a decisão também admitiu a existência do racismo institucional. O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o acesso aos domínios mais importantes do poder continua inacessível às minorias raciais, o que permite a perpetuação das mesmas elites nas posições de prestígio e poder. Essa afirmação implica claramente o reconhecimento de que o privilégio branco produz a subordinação negra. Na verdade, Lewandowiski mencionou estudos sociológicos que demonstram a correlação entre esses dois processos, o que o motivou a afirmar a importância das ações afirmativas no desmantelamento desse padrão social. No lugar de uma narrativa que nega a existência de um grupo racial majoritário, o ministro reconheceu que esses segmentos têm o poder de conformar estruturas políticas e econômicas de acordo com seus interesses46 46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 59 - 60. .

A decisão admitiu a existência de uma cultura majoritária identificada como parâmetros universais que são referências para o julgamento do valor dos membros de outros grupos. Assim, afirmou o ministro relator, programas de ações afirmativas em sociedade racialmente estratificadas procuram eliminar privilégios sociais que beneficiam pessoas brancas, uma consequência de padrões intrageracionais e intergeracionais de estratificação racial. Brasileiros de fenótipo europeu vivem em uma sociedade que lhes dá privilégios em detrimento do bem-estar das minorias raciais, um argumento que outros tribunais utilizaram para descartar a narrativa de que brancos são vítimas inocentes47 47 BRASIL. Tribunal Federal da Quinta Região. Apelação Cível no. 510.263, Órgão Julgador: Segunda Turma, Relator: Francisco Barros Dias, 01.02.2011 (argumentando que o nosso sistema jurídico tem como objetivo a eliminação da marginalização de grupos tradicionalmente oprimidos, o que mostra a falácia da classificação de ações afirmativas como políticas discriminatórias); BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Representação por Inconstitucionalidade no. 009/2009, Órgão Julgador: Órgão Especial, Relator: Sérgio Cavalieri Filho, 18.11.2009 (afirmando que a Constituição Federal abriga tanto o conceito de igualdade formal como o de igualdade material, sendo que o último tem maior relevância dentro do nosso arcabouço jurídico, o que determina a obrigatoriedade de implementação de ações afirmativas). . Para Lewandowski, a defesa da igualdade formal e da neutralidade racial no Brasil perpetua práticas de exclusão informais que preservam o privilégio branco, o que impede a construção de uma sociedade racialmente igualitária. O estigma social não só perpetua mecanismos que trazem benefícios materiais para os membros do grupo majoritário, mas também gera sentimentos negativos nas mentes daqueles que pertencem a minorias raciais. A exclusão social promovida pela discriminação racial e as desigualdades de classe impedem a criação de uma sociedade inclusiva, uma situação que requer medidas corretivas. Os programas de ações afirmativas são uma resposta a esse problema48 48 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 49 - 61. .

Se os Democratas sugeriram que a homogeneidade cultural é um requisito necessário para a promoção de valores liberais, a decisão em análise afirmou a importância do pluralismo social. Se na narrativa dos Democratas a homogeneidade racial é uma premissa de interpretação da igualdade, o que implica o uso de tratamento simétrico entre os indivíduos, o pluralismo aparece aqui como um elemento para o reconhecimento da experiência social distinta das minorias raciais. Para o ministro Lewandowski, esse princípio tem considerável importância em uma sociedade que historicamente tem escondido a estratificação racial sob o disfarce de uma identidade racial e cultural comum a todos as pessoas. Seguindo as orientações de juristas influentes, ele afirmou que a consciência racial não é necessariamente um fator de desintegração; ao contrário, ela deve ser uma referência para a discussão sobre justiça social. A decisão argumenta que as políticas racialmente inclusivas procuram atingir dois objetivos centrais da nossa ordem constitucional: redistribuição e reconhecimento. Medidas redistributivas promovem alocações mais justas dos recursos sociais, enquanto reconhecimento do pluralismo cultural afirma a legitimidade das demandas de inclusão de grupos minoritários, além da dignidade dos membros dessas comunidades. Nesse sentido, essa compreensão de justiça visa eliminar práticas que impedem a igualdade de acesso às oportunidades materiais e ao respeito mútuo. Citando teóricos contemporâneos como Axel Honneth e Nancy Fraser, o ministro sustentou que a identidade racial funciona como um poderoso critério de diferenciação, uma instância que também regula relações assimétricas de poder. Para ele, esses segmentos, cuja identidade foi negada e desprezada, não tem sido capazes de lutar contra os estereótipos negativos que reproduzem estigmatização racial e, consequentemente, a desvantagem material49 49 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 72. .

No lugar de uma posição que retrata a uniformidade social como uma condição necessária para a preservação de princípios liberais, muitos tribunais brasileiros enfatizam a relevância política do pluralismo cultural. Com base no reconhecimento constitucional desse princípio, muitas dessas instituições rejeitam a posição segundo a qual a defesa do multiculturalismo ameaça a identidade da nação brasileira. Lewandowski alegou que o Estado pode atingir a meta constitucional de promover a emancipação por meio de políticas universais, mas em certos casos esse ideal deve considerar a situação específica de vários grupos sociais porque essas medidas não podem promover a emancipação real isoladamente. Na sua opinião, diferentes padrões de exclusão operaram simultaneamente para promover a estratificação, o que requer políticas que visam a situação particular da população negra. O compromisso constitucional com a igualdade substantiva rejeita uma compreensão puramente processual desse princípio e afirma suas conexões com a democracia. Uma democracia protege os indivíduos de práticas que desrespeitam diferentes experiências em nome de um entendimento abstrato da igualdade. Lewandowski alegou que os entendimentos atuais do princípio democrático desfavorecerem uma aplicação mecânica da igualdade. Ao invés de concebê-la apenas como um direito das pessoas que vivem em uma democracia, devemos considerar seu potencial para produzir inclusão social. Assim, a igualdade exige esforços que visam eliminar disparidadees estruturais, uma situação que impede os indivíduos de competir em condições justas por causa de discriminaçaões sistêmicas. Por conseguinte, a Constituição autoriza uma aplicação assimétrica da igualdade quando se trata de casos de desigualdade generalizada50 50 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 65 - 67. .

Significativamente, a decisão abraçou uma interpretação da igualdade que compreende grupos sociais como objetos de proteção jurídica no lugar da sua definição liberal associada com a proteção de indivíduos. Os ministros observaram que a Constituição estabelece a erradicação da marginalização como um objetivo político fundamental, problema afeta indivíduos em função do pertencimento a grupos específicos. Decorre daí que políticas universais não serão capazes de resolver o problema das desigualdades entre negros e brancos. Da mesma forma que em outros casos, a decisão reconheceu afrodescendentes como um grupo que possui uma história social específica, pois eles têm sido submetidos a práticas discriminatórias que transformaram o Brasil em uma das sociedades mais racialmente estratificadas do mundo. Essa compreensão da interpretação da igualdade orientada para a proteção de grupos implica uma crítica indireta da articulação entre a igualdade formal e o princípio da neutralidade racial formulada em outros casos de ações afirmativas. Na verdade, o autor do voto majoritário criticou essa abordagem liberal e afirmou que medidas universais têm mantido o sistema de castas raciais brasileiro completamente intacto ao longo do tempo51 51 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 67 - 68. .

Como mencionado anteriormente, a decisão que afirmou a constitucionalidade de cotas raciais em instituições de ensino superior segue uma interpretação da igualdade de caráter progressista que contém muitos elementos de uma teoria chamada de antisssubordinação. Ela afirma o compromisso com a justiça substantiva e a compreensão da igualdade como um mecanismo de emancipação social52 52 KOPPELMAN, 1998 . De forma similar aos tribunais inferiores que apoiaram medidas racialmente inclusivas, a decisão afirmou que o atual paradigma constitucional contém uma concepção transformadora da igualdade. O acórdão começou com uma consideração de interpretações contemporâneas desse mandado constitucional, alegando que os constituintes previram esse princípio como uma garantia que possui uma dimensão formal e outra material. Lewandowski classificou a justiça social como um objetivo político importante que requer a consideração das disparidades a fim de equalizar efetivamente os indivíduos. Segundo seu entendimento, somente políticas públicas que visam erradicar a marginalização podem elevar os indivíduos a uma situação equitativa no mundo social. O princípio da igualdade material tem importância instrumental para o alcance desse objetivo porque impõe uma obrigação ao Estado de eliminar as disparidades entre grupos raciais. A ação afirmativa tem o potencial de atingir o objetivo de promover os ideais de emancipação consagrados na Constituição Brasileira, pois esses programas tentam corrigir injustiças históricas. Na oferta de educação e de oportunidades profissionais para afrodescendentes e ameríndios, essas iniciativas materializam a cidadania entre grupos raciais no Brasil53 53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 74 - 88. .

4 - Conclusão

Este artigo procurou demonstrar que a compreensão do discurso jurídico como uma forma de narrativa nos permite identificar as ideologias que estruturam argumentos utilizados pelas partes em uma ação judicial. As decisões desses embates jurídicos podem ter consequências significativas para toda a sociedade porque elas atribuem sentidos particulares a normas constitucionais. Isso significa que elas condicionam a atuação de agentes públicos e privados, motivo pelo qual grupos sociais utilizam ações judiciais para universalizar seus projetos ideológicos. O caso que analisamos neste trabalho oferece um exemplo claro desse processo: um partido político que representa elites econômicas e políticas pediu ao Supremo Tribunal Federal não apenas para que seus ministros determinassem a ilegalidade de cotas raciais, mas também para que eles defendessem um sentido particular da raça e da igualdade na nossa Nação. Uma posição favorável a esse grupo teria impedido que instituições públicas pudessem adotar ações afirmativas baseadas na raça dos indivíduos, o que teria contribuído para a manutenção da estratificação racial no Brasil. A narrativa jurídica racial articulada por eles pode então ser vista como um projeto ideológico que perde legitimidade na nossa sociedade em função da influência cada vez maior de outra narrativa jurídica que reconhece o papel da raça na manutenção do privilégio branco e da opressão negra. Vemos então que conceber o discurso jurídico como uma forma de narrativa cultural nos permite identificar estratégias ideológicas que articulam princípios jurídicos e teses sociológicas para avançar interesses setoriais. A validade desses discursos deve então ser medida em função do potencial que eles têm de promover o ideal da justiça social.

  • 1
    FREEMAN, 1977, 1049 - 1060; DUNCAN, 1999.
  • 2
    MINDA, 1996, p. 13 - 61; MOORE, 1988MOORE, Michael S. “The interpretive turn in modern theory: a turn for the worse?”. Stanford Law Review, v. 41, p. 871 – 956, 1988., p. 874 - 905.
  • 3
    SIEGEL, 2013; FISS, 1976; CRENSHAW, 1987CRENSHAW, Kimberlé. Race, reform, and retrenchment: transformation and legitimation in antidiscrimination law. Harvard Law School, v. 101, n. 5, p. 1331 - 1337..
  • 4
    ESKRIDGE, 1993ESKRIDGE, William. Gaylegal narratives. Stanford Law Review, v. 46, n. 3, p. 607 - 646, 1993.; COVER, 1983COVER, Robert. Foreword: Nomos and narrative. Harvard Law Review, v. 97, n. 1, p. 1 - 57, 1983.; HOFFER, 1991HOFFER, Peter Charles. Blind to history: the uses of history in affirmative action suits. Rutgers Law Journal, v. 23, n. 1, p. 271 - 296, 1991..
  • 5
    ROSS, 1989ROSS, Thomas. The Richmond narratives. Texas Law Review, v. 68, n. 2, p. 381 - 413, 1989., p. 381 - 385; DELGADO, 1989DELGADO, Richard. Storytelling for oppositionists and others. A plea for narrative. Michigan Law Review, v. 87, n. 8, p. 2411 - 2444, 1989..
  • 6
    BARTHES, 1975, 239 - 244.
  • 7
    SILBEY, 2010SILBEY, Susan. Legal cultures and cultures of legality. In: HALL, J.; GRINSTAFF, L.; LO, M. (eds.) Handbook of cultural sociology. New York: Routledge, 2010, p. 470 - 479., p. 471 - 479.
  • 8
    BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial. Argumentação de Descumprimento Fundamental no. 186. Brasília, 20.07.2009.
  • 9
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandowski. 26.04.2012.
  • 10
    DELGADO & STEFANCIC, 2001DELGADO, Richard & STEFANCIC, Jean. Critical race theory. An introduction. New York: New York University Press, 2001., p. 331 - 49.
  • 11
    BELL, 1989BELL, Derrick. And we are not saved. The elusive quest for racial justice. New York: Basic Books, 1989.; DELGADO, 1989DELGADO, Richard. Storytelling for oppositionists and others. A plea for narrative. Michigan Law Review, v. 87, n. 8, p. 2411 - 2444, 1989..
  • 12
    Ver nesse sentido, BRASIL. Tribunal Federal da Quinta Região. Apelação Cível 469.474, Órgão Julgador: 1ª. Turma, Relator: César Carvalho, 04.08.2011 (classificando ações afirmativas como medidas que violam o objetivo de promoção da igualdade estabelecido pelo legislador constituinte que não permitiu a diferenciação entre pessoas baseadas na raça dos indivíduos em um país que tem uma história diferente dos Estados Unidos); BRASIL. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Agravo Inominado No. 24119004315. Órgão Julgador: 3ª. Câmara Cível, Relator: Alemer Ferraz Moulin, 26.11.2011 (declarando a inconstitucionalidade de um programa de ações afirmativas porque a raça não pode ser utilizada como critério de tratamento diferenciado entre pessoas que estão em igualdade de situação); BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho - 10ª. Região, RO No. 00936-2005-012-10-00-9, Órgão Julgador: 1ª. Turma, Relator: Oswaldo Florêncio Neme Júnior, 21.03.2007 (indeferindo pedido de implementação de ações afirmativas em um banco privado porque estatísticas de disparidades entre negros e brancos não indicam práticas discriminatórias).
  • 13
    ALVES, 2010ALVES, Luciana. O significado de ser branco. A brancura no corpo e além dele. Dissertação (mestrado). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.; CARONE & BENTO, 2002CARONE, I. & BENTOI, M. A. S. (Orgs.). Psicologia social do racismo. Petrópolis: Vozes, 2002..
  • 14
    FRASER, 2001; FREDMAN, 2003; YOUNG, 1990, p. 48 - 63.
  • 15
    BOLYLE, 1991; SCHROEDER, 1992SCHOROEDER, Jeanne. Subject: object. University of Miami Law Review, v. 47, n. 1, p. 2 - 119, 1992..
  • 16
    BOYLE, 1991BOYLE, James. Is subjectivity possible? The post-modern subject in legal theory. University of Colorado Law Review, v. 62, n. 2, p., p. 494, - 499; ABRAMS, 2002.
  • 17
    GABEL, 1980GABEL, Peter. Reification in legal reasoning. Research in Law and Sociology, v. 3, p. 25 - 51, 1980., p. 25 - 51.
  • 18
    MINDA, 1985, p. 1152 - 1153; FREEMAN, 1977, p. 1053 - 1070.
  • 19
    BARTHES, 1974BARTHES, Roland. An introduction to the structural analysis of narrative. New Literary History, v. 6, n. 2, p. 237 - 272, 1974., p. 260 - 272; VAN DIJK, 1993VAN DIJK, Teun. Principles of critical discourse analysis. Discourse & Society, v. 4, n. 2, p. 249 - 283, 1993..
  • 20
    VAN DIJK, 2009VAN DIJK. Teun. Society and Discourse. How social context influence text and talks. Cambridge: Cambridge University Press, 2009., p. 29 - 86.
  • 21
    ROSS, 1989ROSS, Thomas. The Richmond narratives. Texas Law Review, v. 68, n. 2, p. 381 - 413, 1989., p. 388 - 398.
  • 22
    EWICK & SILVBEY, 1995.
  • 23
    BEAMAN, 1999BEAMAN, Lori. Sexual orientation and legal discourse: Legal construction of the “normal” family. Canadian Journal of Law and Society, v. 14, n.2, p. 173 - 201.; ESKRIDGE, 1996.
  • 24
    KENNEDY, 1999KENNEDY, Duncan. Strategizing strategical behavior in legal interpretation. Utah Law Review, v. 1999, n. 3, p. 785 - 825, 1996., p. 39 - 73.
  • 25
    GUTIÉRREZ-JONES, p. 69 - 78.
  • 26
    WELLMAN, 1994WELLMAN, David T. Portraits of white racism. Cambridge: Cambridge University Press, 1994., p. 1 - 27.
  • 27
    HANEY LOPEZ, 1994HANEY LOPEZ, Ian. The social construction of race. Some observations on illusion, fabrication, and choise. Harvard Civil Rigts Civil Law Review, v. 29, n.1, p. 1 - 61, 1994..
  • 28
    WISE, 2010WISE, Tim. Colorblind: The Rise of Post-Racial Politics and the Retreat from Racial Equity. San Francisco: City Lights Books, 2010., p. 63 - 140; GUTIÉRREZ-GOMES, 2001GUTIERREZ-GOMES, Carl. Critical race narratives. New York: New York University Press, 2001., p. 21 - 48.
  • 29
    DESAUTELS-STEIN, 2012DESAULTELS-STEIN, Justin. Race as a legal concept. Columbia Journal of Race and Law, v. 2, n. 1, p. 1 - 74, 2012.
  • 30
    MOREIRA, 2013MOREIRA, Adilson José. Racial justice in Brazil. Struggles over equality in times of new constitutionalism. 2013.383 p. Tese (Doutorado em Direito Constitucional). Faculdade de Direito da Universidade de Harvard. Universidade de Harvard. Cambridge, USA., p. 236 - 300.
  • 31
    COCHRAN, 1999COCHRAN, David. The color of freedom: race and contemporary American liberalism. Buffalo: State University of New York Press, 1999., p. 1 - 55; DELGADO & STEFANIC , 2001, p. 37 - 48.
  • 32
    DUNCAN, 1999; CHO, 2009CHO, Sumi. Post-racialism. Iowa Law Review, v. 94, n. 4, p. 1489 - 1549, 2009.; ALEINIKOFF, 1991ALEINKOFF, T. Alexander. A case for race consciousness. Columbia Law Review, v. 91, n. 4, p. 1060 - 1125, 1991..
  • 33
    BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009.
  • 34
    HANCHARD, 1994HANCHARD, Michel. Orpheus and power: the movimento negro of Rio de Janeiro and Salvador, 1945 - 1988. Princeton: Princeton University Press, 1994.; HASENBALG, 2005HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005.; GUIMARÃES, 2002.
  • 35
    GILROY, 2001GILROY, Paul. Against race: imagining political culture beyond the color line. Cambridge: Belknapp Press, 2001..
  • 36
    BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009, 30 - 32.
  • 37
    BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009, p. 29 - 31.
  • 38
    SCHWARCZ, 1987, p. 181; AZEVEDO, 2007AZEVEDO, Damião Alves. A justiça e as cores: a adequação constitucional de políticas afirmativas voltadas para negros e indígenas no ensino superior a partir da teoria discursiva do direito. Dissertação (mestrado). Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Brasília, 2007., p. 83 - 127.
  • 39
    BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009, p.
  • 40
    CARR, 1997, p. 107 - 132; WISE, 2010WISE, Tim. Colorblind: The Rise of Post-Racial Politics and the Retreat from Racial Equity. San Francisco: City Lights Books, 2010., p. 11 – 35.
  • 41
    BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009, p. 38 - 53.
  • 42
    BRASIL. Partido dos Democratas. Petição Inicial, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, 20.07.2009, p. 31 - 36.
  • 43
    TELLES, 2006, p. 47 - 77; HTUN, 2004HTUN, Mala. From “racial democracy” to affirmative action: changing state policy on race in Brazil. Latin American Research Review, v. 39, n. 1, p. 60 - 88, 2004.; XAVIER & XAVIER, 2009XAVIER, Elton Dias & XAVIER, Solange Procópio. Estudo comparado de relações raciais e políticas de ações afirmativas nos Estados Unidos e no Brasil. Teoria & Sociedade, v. 17, n. 1, p. 114 - 147, 2009.; XAVIER; XAVIER, 2009XAVIER, Elton Dias & XAVIER, Solange Procópio. Estudo comparado de relações raciais e políticas de ações afirmativas nos Estados Unidos e no Brasil. Teoria & Sociedade, v. 17, n. 1, p. 114 - 147, 2009.)
  • 44
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012.
  • 45
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 63 - 66.
  • 46
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 59 - 60.
  • 47
    BRASIL. Tribunal Federal da Quinta Região. Apelação Cível no. 510.263, Órgão Julgador: Segunda Turma, Relator: Francisco Barros Dias, 01.02.2011 (argumentando que o nosso sistema jurídico tem como objetivo a eliminação da marginalização de grupos tradicionalmente oprimidos, o que mostra a falácia da classificação de ações afirmativas como políticas discriminatórias); BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Representação por Inconstitucionalidade no. 009/2009, Órgão Julgador: Órgão Especial, Relator: Sérgio Cavalieri Filho, 18.11.2009 (afirmando que a Constituição Federal abriga tanto o conceito de igualdade formal como o de igualdade material, sendo que o último tem maior relevância dentro do nosso arcabouço jurídico, o que determina a obrigatoriedade de implementação de ações afirmativas).
  • 48
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 49 - 61.
  • 49
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 72.
  • 50
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 65 - 67.
  • 51
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 67 - 68.
  • 52
    KOPPELMAN, 1998KOPPELMAN, Andrew. Antidiscrimination law and social equality. New Haven, Yale University Press, 1998.
  • 53
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 186. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ricardo Lewandovsky. 26.04.2012, p. 74 - 88.

Referências bibliográficas

  • ABRAMS, Katryn. The legal subject in exile. Duke Law Journal, v. 51, n. 1, p. 51 - 74, 2001.
  • ALEINKOFF, T. Alexander. A case for race consciousness. Columbia Law Review, v. 91, n. 4, p. 1060 - 1125, 1991.
  • ALVES, Luciana. O significado de ser branco. A brancura no corpo e além dele. Dissertação (mestrado). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.
  • AZEVEDO, Damião Alves. A justiça e as cores: a adequação constitucional de políticas afirmativas voltadas para negros e indígenas no ensino superior a partir da teoria discursiva do direito. Dissertação (mestrado). Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Brasília, 2007.
  • BALKIN, Jack M. Understanding legal understanding: the legal subject and the problem of legal coherence. Yale Law Journal, v. 103, n. 1, p. 105 - 176, 1993.
  • BARTHES, Roland. An introduction to the structural analysis of narrative. New Literary History, v. 6, n. 2, p. 237 - 272, 1974.
  • BEAMAN, Lori. Sexual orientation and legal discourse: Legal construction of the “normal” family. Canadian Journal of Law and Society, v. 14, n.2, p. 173 - 201.
  • BELL, Derrick. And we are not saved. The elusive quest for racial justice. New York: Basic Books, 1989.
  • BENTO, Maria Aparecida & CARONE, Iray. Psicologia social do racismo. Estudos sobre a branquitude e o branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002.
  • BOYLE, James. Is subjectivity possible? The post-modern subject in legal theory. University of Colorado Law Review, v. 62, n. 2, p.
  • CARONE, I. & BENTOI, M. A. S. (Orgs.). Psicologia social do racismo. Petrópolis: Vozes, 2002.
  • CARR, Leslie. “Color-blind” racism. Londres: Sage, 1887.
  • CHO, Sumi. Post-racialism. Iowa Law Review, v. 94, n. 4, p. 1489 - 1549, 2009.
  • COCHRAN, David. The color of freedom: race and contemporary American liberalism. Buffalo: State University of New York Press, 1999.
  • COVER, Robert. Foreword: Nomos and narrative. Harvard Law Review, v. 97, n. 1, p. 1 - 57, 1983.
  • CRENSHAW, Kimberlé. Race, reform, and retrenchment: transformation and legitimation in antidiscrimination law. Harvard Law School, v. 101, n. 5, p. 1331 - 1337.
  • DELGADO, Richard. Storytelling for oppositionists and others. A plea for narrative. Michigan Law Review, v. 87, n. 8, p. 2411 - 2444, 1989.
  • DELGADO, Richard & STEFANCIC, Jean. Critical race theory. An introduction. New York: New York University Press, 2001.
  • DESAULTELS-STEIN, Justin. Race as a legal concept. Columbia Journal of Race and Law, v. 2, n. 1, p. 1 - 74, 2012.
  • ESKRIDGE, William. Gaylegal narratives. Stanford Law Review, v. 46, n. 3, p. 607 - 646, 1993.
  • EWICK, Patricia & SILBEY, Susan. Subversive stories and hegemonic tales: toward a sociology of narrative. Law & Society Review, v. 29, n. 2, p. 197 - 226, 1996.
  • FREEMAN, Alan. Legitimizing discrimination through antidiscrimination law. A critical review of Supreme Court doctrine. Minnesota Law Review, v. 62, n.4, p. 1048 - 1118, 1978.
  • GABEL, Peter. Reification in legal reasoning. Research in Law and Sociology, v. 3, p. 25 - 51, 1980.
  • GILROY, Paul. Against race: imagining political culture beyond the color line. Cambridge: Belknapp Press, 2001.
  • GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Classes, raça e democracia. São Paulo: Editora 34, 2012.
  • GUTIERREZ-GOMES, Carl. Critical race narratives. New York: New York University Press, 2001.
  • HANCHARD, Michel. Orpheus and power: the movimento negro of Rio de Janeiro and Salvador, 1945 - 1988. Princeton: Princeton University Press, 1994.
  • HANEY LOPEZ, Ian. The social construction of race. Some observations on illusion, fabrication, and choise. Harvard Civil Rigts Civil Law Review, v. 29, n.1, p. 1 - 61, 1994.
  • HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005.
  • HOFFER, Peter Charles. Blind to history: the uses of history in affirmative action suits. Rutgers Law Journal, v. 23, n. 1, p. 271 - 296, 1991.
  • HTUN, Mala. From “racial democracy” to affirmative action: changing state policy on race in Brazil. Latin American Research Review, v. 39, n. 1, p. 60 - 88, 2004.
  • KENNEDY, Duncan. A critique of adjudication. Fin de siècle. Cambridge: Harvard University Press, 1998.
  • KENNEDY, Duncan. Strategizing strategical behavior in legal interpretation. Utah Law Review, v. 1999, n. 3, p. 785 - 825, 1996.
  • KOPPELMAN, Andrew. Antidiscrimination law and social equality. New Haven, Yale University Press, 1998.
  • MINDA, Gary. Postmodern legal movements. New York: New York University Press, 1995.
  • MOORE, Michael S. “The interpretive turn in modern theory: a turn for the worse?”. Stanford Law Review, v. 41, p. 871 – 956, 1988.
  • MOREIRA, Adilson José. Racial justice in Brazil. Struggles over equality in times of new constitutionalism. 2013.383 p. Tese (Doutorado em Direito Constitucional). Faculdade de Direito da Universidade de Harvard. Universidade de Harvard. Cambridge, USA.
  • ROSS, Thomas. The Richmond narratives. Texas Law Review, v. 68, n. 2, p. 381 - 413, 1989.
  • SCHOROEDER, Jeanne. Subject: object. University of Miami Law Review, v. 47, n. 1, p. 2 - 119, 1992.
  • SCHWARCZ, Lilia Moritz. The spectacle of race: scientists, institutions, and the question of race in Brazil, 1870 - 1930. New York: Hill & Wang, 1999.
  • SILBEY, Susan. Legal cultures and cultures of legality. In: HALL, J.; GRINSTAFF, L.; LO, M. (eds.) Handbook of cultural sociology. New York: Routledge, 2010, p. 470 - 479.
  • TELLES, Edward. Race in another America: the significance of skin color in Brazil. Princeton: Princeton University Press, 2004.
  • VAN DIJK, Teun. Principles of critical discourse analysis. Discourse & Society, v. 4, n. 2, p. 249 - 283, 1993.
  • VAN DIJK. Teun. Society and Discourse. How social context influence text and talks. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
  • WELLMAN, David T. Portraits of white racism. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
  • WISE, Tim. Colorblind: The Rise of Post-Racial Politics and the Retreat from Racial Equity. San Francisco: City Lights Books, 2010.
  • XAVIER, Elton Dias & XAVIER, Solange Procópio. Estudo comparado de relações raciais e políticas de ações afirmativas nos Estados Unidos e no Brasil. Teoria & Sociedade, v. 17, n. 1, p. 114 - 147, 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2016
  • Aceito
    25 Ago 2016
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com