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O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil

Barroso, Luís Roberto. . O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no BrasilBelo Horizonte: Fórum, 2013522p.

Em “O novo direito constitucional brasileiro”, Luís Roberto Barroso BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013, 522 p. se debruça sobre algumas das principais transformações que, desde a redemocratização, plasmaram o direito constitucional brasileiro: a conquista de normatividade e efetividade pela Constituição, o desenvolvimento de princípios específicos de interpretação constitucional, a ascensão política do Poder Judiciário, e o reconhecimento da dignidade humana como o centro do nosso sistema normativo. O livro reúne as principais contribuições do autor para a evolução da doutrina e jurisprudência a respeito de cada um desses temas, tanto na condição de acadêmico como na de advogado.

Barroso é Professor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Conquistou os títulos de Mestre em Direito pela Yale Law School, de Livre-Docente e de Doutor em Direito Público pela UERJ e o de Visiting Scholar pela Harvard Law School . Atuou, por muitos anos, na advocacia pública e na advocacia privada, onde ficou conhecido por patrocinar causas de grande repercussão, antes de assumir o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Publicado nos meses que precederam a nomeação do autor ao STF, o livro faz uma espécie de balanço de sua atuação profissional até então. No início da obra, Barroso se apresenta aos leitores como um “professor que tem causas”, afirmação que parece orientar a estrutura do seu livro. A primeira parte, denominada “Alguns registros de um novo modelo teórico”, contém a reedição dos artigos mais influentes da carreira do autor, acrescidos de notas introdutórias voltadas a esclarecer o contexto no qual cada trabalho foi desenvolvido e a que objetivos visava. Na segunda parte do livro, intitulada “Alguns marcos de uma nova prática constitucional”, Barroso dedica cinco capítulos a casos controvertidos que defendeu, com êxito, perante o Supremo Tribunal Federal e suas respectivas teses jurídicas.

Os casos selecionados são alguns dos mais rumorosos enfrentados pelo STF até o momento, frequentemente apontados como os exemplos da capacidade da Corte de defender valores e direitos fundamentais. São eles: o reconhecimento do direito à interrupção da gestação em hipóteses de anencefalia, a legitimidade da legislação autorizadora de pesquisas com células-tronco embrionárias, a validade da resolução do Conselho Nacional de Justiça que vedou o nepotismo, o reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas e a defesa da recusa do Presidente da República a extraditar Cesare Battisti.

A ordenação dos capítulos dessa segunda parte obedece a uma mesma lógica. Inicialmente, o autor discorre sobre os antecedentes do caso, detalhando as circunstâncias que o convenceram a atuar nas causas e indicando seus colaboradores. Em seguida, expõe a estratégia processual escolhida, apontando eventuais controvérsias ou dúvidas sobre o melhor curso de ação. Volta-se então para os principais argumentos e questões colocados em debate, seguidos da exposição detalhada das teses jurídicas por ele defendidas. Por fim, o autor sintetiza a posição adotada pelo do STF em cada caso e apresenta uma curiosidade ou anedota acerca de sua atuação profissional.

No primeiro capítulo da parte II, dedicado à interrupção da gestação em caso de feto anencefálico discutida na ADPF nº 54, Barroso apresenta três questões difíceis que foram submetidas ao exame do STF: determinar se o sentido e o alcance do direito à vida abrangeria um feto inviável; equacionar o conflito entre o direito à vida potencial do feto e o direito da mãe à sua integridade física e psíquica, de modo a não ser compelida a se submeter a um sofrimento que considere inútil; e, por fim, o arbitramento do desacordo moral razoável existente na sociedade entre aqueles que defendem a liberdade reprodutiva da mulher e os defensores da condição absoluta do direito à vida, que se estende ao feto.

O autor explica que a última questão foi introduzida em memoriais e na sustentação oral do caso, devido à avaliação de que o debate público e a nova composição da Corte haviam evoluído desde a propositura da ação, em sentido favorável ao amplo reconhecimento da liberdade reprodutiva da mulher. Contudo, prevaleceu no julgamento do caso a tese minimalista, tendo o STF decidido pela atipicidade da interrupção da gravidez na hipótese de anencefalia. Para Barroso, a estratégia de tentar provocar um debate mais amplo sobre o aborto apresentou resultados positivos, como a menção aos direitos reprodutivos da mulher nos votos de diversos Ministros.

A controvérsia posta na ADI nº 3.510 é tratada no capítulo 2 e se refere à constitucionalidade da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005), que autorizara pesquisas com células-tronco embrionárias congeladas há mais de três anos, após a autorização de seus genitores. Mais uma vez, Barroso defendeu junto ao STF questão que dizia respeito à fixação dos contornos da proteção constitucional do direito à vida, agora em contraposição à liberdade científica e aos interesses de pesquisadores e pacientes de alcançar a cura de doenças através dessa linha de pesquisa. O resultado foi a declaração de constitucionalidade da lei, consolidando o entendimento de que um embrião congelado e sem perspectiva de implantação em útero materno não constituiria vida para fins constitucionais.

O capítulo 3 trata da ADC nº12, pela qual a Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB postulou o reconhecimento da constitucionalidade da Resolução nº 07/2005 do Conselho Nacional de Justiça, que vedara a prática do nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário. Barroso explica que o principal debate do caso envolveu a determinação e o alcance do princípio da legalidade, uma vez que os opositores da norma não poderiam defender, sem grande desconforto e constrangimento, a validade da prática do nepotismo. Em seu lugar, advogavam que a restrição à possibilidade de contratação de pessoal em função gratificada ou cargo de confiança dependeria da edição de lei formal e não poderia ser instituída mediante ato normativo secundário. Por ampla maioria, o Supremo entendeu que a regra proibitiva do nepotismo é extraída diretamente dos princípios da moralidade e da impessoalidade, expressamente previstos na Constituição de 88. A Corte então editou a Súmula Vinculante nº 13, que proibiu o nepotismo em todos os Poderes e esferas estatais.

O julgamento que fixou a igualdade de tratamento entre as uniões homoafetivas e as uniões estáveis convencionais é objeto do capítulo 4 da segunda parte do livro. Barroso atuou na ADPF nº 132, julgada em conjunto com a ADI nº 142, em que defendeu que nenhum princípio ou valor protegidos pela Constituição são promovidos através do não reconhecimento das uniões afetivas de pessoas do mesmo sexo. Muito pelo contrário: a recusa estatal de conferir a mesma dignidade às uniões hetero e homoafetivas viola o núcleo essencial do princípio da igualdade, do direito à liberdade, consubstanciado na autonomia privada dos indivíduos, e do princípio da dignidade da pessoa humana.

O último capítulo da obra descreve a defesa da permanência de Cesare Battisti no Brasil e da juridicidade da recusa do Presidente da República em extraditá-lo. Inicialmente, o Ministro da Justiça brasileiro concedera refúgio político a Battisti, convencido de que sua condenação pela Justiça italiana, em razão da suposta prática de quatro homicídios enquanto militava em um grupo armado de esquerda na década de 70, configurava uma perseguição política sem garantias mínimas de devido processo legal. Battisti não apenas fora condenado à revelia, como também seu advogado de defesa foi o mesmo daqueles que o acusaram, atuando sob procuração que posteriormente se comprovou falsa.

No julgamento do Processo de Extradição nº 1.085, o STF reviu a sua jurisprudência que proscrevia a revisão, pelo Judiciário, da concessão de refúgio. A Corte invalidou, por apertada maioria, a concessão de refúgio e autorizou a extradição de Battisti. Entretanto, por 5 votos a 4, o STF manteve o entendimento de que a decisão judicial que defere a extradição tem caráter meramente autorizativo, não vinculando o Presidente da República. Após a decisão do chefe do Executivo de negar a extradição, a República Italiana questionou o ato através da Reclamação nº 11.243. Essa estratégia deu origem a um novo julgamento, em que a maioria afirmou caber ao Presidente a palavra final sobre a extradição. Ao contrário dos episódios narrados nos capítulos anteriores, a questão é apresentada por Barroso como um caso difícil não juridicamente, mas sim politicamente. Ele revela que jamais vira, na condição de advogado, “um julgamento tão politizado e movido por tantas paixões”.

O resultado final do livro é uma apreciação didática, de leitura cativante, sobre ações que resultaram em decisões históricas da jurisprudência do STF. A narrativa de Barroso fornece insights valiosos sobre a dinâmica inerente à postulação perante a Suprema Corte e sobre questões que certamente ocupam as mentes de advogados que atuam em litígios estratégicos. Ao longo da leitura, a experiência do autor sugere, por exemplo, que a apresentação do caso à sociedade civil e à imprensa não devem ser negligenciadas por aqueles que figuram em um dos lados de disputas em foro de tanta visibilidade quanto o Supremo.

Na elaboração do presente estudo, tivemos a oportunidade de realizar uma curta entrevista com o autor, quando de sua passagem pela Universidade de Harvard, em janeiro de 2019. A distância temporal entre a elaboração da obra e o momento da entrevista, bem como as mudanças inerentes à assunção da função de magistrado da mais alta corte do país, geraram natural curiosidade acerca do que mudou e o que permanece igual na percepção de Barroso sobre a atuação do STF e sobre a advocacia em litígios estratégicos.

Na entrevista, Barroso reconhece que a transição do papel de advogado para o de juiz representou uma mudança relevante de vida. Ele afirma que o advogado só precisa julgar uma única vez: no momento em que aceita ou não uma causa. A partir de então, ele tem o dever de defender um lado, dentro dos limites da ética. Em contrapartida, a vida de um juiz é um pouco mais difícil: a ele cabe ouvir os dois lados e procurar identificar a solução justa. Em casos criminais, por exemplo, Barroso considera importante para o magistrado enxergar um pouco mais à frente, conjugando o dever de respeitar os direitos fundamentais dos acusados com a guarda dos direitos fundamentais da próxima vítima. “Não é uma mudança fácil de vida para quem foi advogado por mais de 30 anos”, completa.

Mesmo diante dos desafios inerentes à atuação como Ministro do Supremo Tribunal Federal, Barroso considera que a possibilidade de servir ao país é muito gratificante. “Penso que essa é a missão que a vida me deu e eu cumpro ela da melhor forma que eu posso cumprir”.

Nesse sentido, ele elenca alguns dos casos em que participou como julgador e que, no seu entender, demonstram que o STF tem conseguido avanços em matérias de direitos fundamentais. É o caso do reconhecimento da constitucionalidade de ações afirmativas em concursos públicos (ADC nº 41), da equiparação entre companheiro e cônjuge para fins de sucessão hereditária (Recurso Extraordinário nº 878.694), e do reconhecimento do direito de transgêneros à substituição do prenome e sexo em seu registro civil (ADI nº 4.275). Barroso considera, portanto, que a sua trajetória de defesa dos direitos fundamentais teve continuidade através de sua atuação no Supremo.

Com relação à sua percepção sobre o desempenho institucional do Supremo, agora na condição de magistrado, Barroso avalia que, em geral, a Corte tem sido permeável e sensível aos direitos fundamentais. A descriminalização do aborto é, em sua análise, uma exceção a esse diagnóstico, por ainda representar um tabu. Outra crítica feita por Barroso diz respeito à competência criminal do STF, que ele considera que não só não deveria existir como é mal desempenhada pelo Tribunal.

Nesse ponto, ele ressalta que o exercício dessa competência é extremamente divisivo entre os integrantes do STF, principalmente em relação ao combate à corrupção. Barroso defende que a questão da corrupção é, direta ou indiretamente, uma questão de direitos fundamentais. Os valores desviados dos cofres públicos resultam, por exemplo, em prejuízos no atendimento à saúde e no acesso à educação da população. Assim, afirma que, “com a descoberta no país desse modelo de corrupção estrutural e sistêmica, alguns ministros acharam que este era o momento de mudar o patamar da ética pública no Brasil via Poder Judiciário”, posição com que ele também se identifica. Barroso lamenta, entretanto, que o STF ainda não tenha conseguido adotar uma abordagem linear nesse tema.

Na entrevista, Barroso reafirmou a visão de que um tribunal constitucional esclarecido é capaz de, ao interpretar de “modo iluminista a Constituição”, promover avanços relevantes. Mas alertou que o Poder Judiciário não tem condições de ser protagonista da história. É preciso que haja na própria sociedade um movimento capaz de empurrá-la para a frente. Essa última advertência pode ser útil àqueles que atuam em litígios estratégicos, pois pressupõe reconhecer os limites das vias institucionais habitualmente provocadas e a necessidade da conjugação de estratégias distintas para a realização de um objetivo.

Ao comentar os obstáculos colocados ao reconhecimento do direito fundamental da mulher à interrupção da gestação, Barroso parece confirmar essa avaliação. Ele recorda que, no julgamento do Habeas Corpus nº 124.306, a Primeira Turma do STF revogou a prisão de cinco pessoas detidas em uma clínica que realizava abortos clandestinamente. Ele afirma que seu voto na ocasião – que afirmou que a criminalização do aborto no primeiro trimestre da gestação era inconstitucional – seria mais uma declaração de princípios, mas que teve a grata surpresa de ser acompanhado pelos Ministros Edson Fachin e Rosa Weber.

Barroso considera que essa decisão parece ter sido pouco aproveitada pela própria litigância de direitos humanos, que poderia usá-la para pedir em juízo autorização para realizar o procedimento e isentar o médico da responsabilização criminal pelo ato. Ele avalia que pedidos desta ordem poderiam gerar pilotos de decisões nas instâncias inferiores, contribuindo para o avanço da causa.

Questionado sobre a importância da opinião pública para o êxito de uma causa, Barroso destaca que, sobretudo depois do julgamento do Mensalão, o STF e a TV Justiça ganharam muita visibilidade. Com o advento das redes sociais, esse processo se intensificou ainda mais. Assim, ele avalia que algumas “questões de direitos humanos acabam sendo, sim, também uma batalha de opinião pública, de conquistar corações e mentes”.

Ele ressalta que o STF não é refém da opinião pública e que nem sempre a opinião correta será a mais popular. Mas defende que, no geral da vida, o Supremo pode e deve auscultar o sentimento popular como um elemento importante. Isso porque o tribunal também age “em nome do povo, da sociedade”, o que gera “o dever de saber o que a sociedade pensa”. Ele pondera, todavia, que o que a sociedade pensa deve passar pelo filtro da razão pública e da Constituição.

Por outro lado, a disputa sobre a formação da opinião pública importa. Considerando que a democracia contemporânea é marcada por um debate público permanente, Barroso defende que qualquer projeto relevante deve ser capaz de sustentar argumentos no espaço público, expor suas razões e vencer o debate. Isso é essencial para toda estratégia jurídica e não jurídica. Retornando ao exemplo da interrupção da gestação, Barroso explica que a forma como o debate é pautado faz diferença. Se alguém perguntar para uma coletividade se ela é a favor do aborto, quase ninguém irá concordar. Mas se forem descritas mulheres em determinadas situações conflitivas, que sentem a necessidade de fazer um aborto, e então se questionar se essas mulheres devem ir para uma penitenciária, talvez haja outro tipo de resposta.

Barroso também atendeu a pedidos de conselhos e sugestões para advogados que atuam em litígios estratégicos. Ele recomenda aos advogados que procurem criar uma organização adequada para cada projeto, uma estrutura que permita que se litigue de igual para igual com os adversários. Ele alerta que estar do lado percebido como mais fraco, com menos recursos, não significa que se possa atuar com fraqueza ou fazer um trabalho de segunda linha.

Barroso indica como outro ponto central a realização de um trabalho de qualidade e, de preferência, não ideologizado. Ele sugere aos advogados que tentem transformar suas pretensões em questões técnicas relevantes. Para que elas se tornem persuasivas e tenham maior chance de êxito, recomenda que, sempre que possível, devem-se fazer analogias com situações que o juiz seja capaz de compreender e que o façam sentir empatia.

Por fim, Barroso compartilhou conosco a crença de que quando se está “defendendo um direito fundamental e [se] tem a convicção de que aquilo deve prevalecer, a história geralmente estará do seu lado”. No seu estilo costumeiro, cita frase de Victor Hugo, de que “nada é mais poderoso do que uma ideia quando chega o seu tempo”. Adverte, contudo, que é necessário ter a humildade de entender que “a história também tem seu próprio tempo”, já que às vezes “[ela] se atrasa um pouco”. “É assim que eu penso e é assim que eu tenho vivido”, arremata.

Referências bibliográficas

  • BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013, 522 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019
  • Data do Fascículo
    Mar 2019
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