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Pesquisas jurídicas espinosistas: contribuições epistemológicas

Spinosistic legal researches: epistemological contributions

Resumo

Com este artigo pretendo contribuir para a organização e o avanço das pesquisas jurídicas espinosistas em curso e, também, com o encorajamento de novas iniciativas, a partir do enfrentamento de questões epistemológicas e, consequentemente, de método, que se apresentam a pesquisadores e interessados na obra do filósofo. Há cânones jurídicos e filológicos que, se não forem enfrentados com segurança, podem bloquear o desenvolvimento dessas pesquisas e do possível interesse em novas. O objeto do texto é expor os obstáculos, fazer sua crítica e, ao mesmo tempo, sugerir caminhos de superação. Os dois grandes problemas tratados são estes. Primeiro: como podem reivindicar-se “jurídicas” pesquisas baseadas na obra de Espinosa que não ofereçam soluções doutrinárias? Segundo: em que medida e de que maneira podemos teorizar hoje, pensando nos problemas contemporâneos do Brasil, a partir de uma obra de passado e contexto relativamente afastados do nosso, como a obra de Espinosa?

Palavras-chave:
Espinosa; Pesquisa jurídica; Agenciamentos contemporâneos

Abstract

With this paper I intend to contribute to spinozistic legal researches that already exist and encourage new iniciatives, by the confrontation of epistemological questions and, consequently, questions of method. There are legal and philological canons that, if not safely faced, can block the development of such researches and the possible interest in new ones. The object of the text is to expose the obstacles, make their criticism and, at the same time, suggest ways of overcoming. The two major problems are these. First: how can be qualified as “legal” researches based on Spinoza’s work that do not offer doctrinal solutions? Second: how can we theorize today, thinking about our contemporary problems in Brazil, with the help of a work from the past, a different context, such as Spinoza’s work?

Keywords:
Spinoza; Legal research; Contemporary agencies

“A epistemologia não é inocente” 1 1 Este artigo é uma versão modificada do capítulo preliminar de tese de doutorado que sustenta a existência de vetores originais para a crítica da propriedade privada na obra de Espinosa (Abreu, 2017). A tese foi orientada pelos professores Francisco de Guimaraens e Maurício Rocha, aos quais aproveito para agradecer. * Seguiremos as seguintes abreviações e sinais para citar passagens e obras de Espinosa: Ética - E; Tratado da Emenda do Intelecto - TEI; Tratado Teológico-Político - TTP; Tratado Político - TP; apêndice - ap.; axioma - ax.;.capítulo - cap.; definições - def.; demonstração - dem.; escólio - esc. Parágrafo - §. *

(Deleuze, 2004DELEUZE, G. e GUATTARI, F.. Mil Platôs - capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004.: 62)

A obra de Espinosa (1632-1677) tem inspirado e orientado, há anos, ensaios e pesquisas em campos que ultrapassam os limites acadêmicos da Filosofia e da História. Dentre eles inserem-se trabalhos que, a partir de Espinosa, tratam de problemas historicamente afeitos ao campo jurídico (como o poder constituinte, a propriedade privada, os direitos e as instituições em geral); trabalhos, centrados em Espinosa, que se dirigem primordialmente a estudantes, professores e pesquisadores da nossa área (não à toa publicados por editoras especializadas); e trabalhos que põem Espinosa em diálogo com expoentes da filosofia e teoria jurídica (como Grotius, Hobbes, Kant, Kelsen). Já existem, portanto, fundações firmes para o movimento que, mesmo desigual, irregular e ainda periférico, o título denomina pesquisas jurídicas espinosistas - uma linha em processo de afirmação.2 2 Cito alguns exemplos: Negri, 2002; Chaui, 2003; Matheron, 2011: 113-130 e 253-266; Lazzeri, 1998; Souza, 2007: 83-108; Bove, 2008; Guimaraens, 2010; Andrade, 2011; Ferez, 2012, 2013 e 2017; Rocha, 2012; Costa, 2013 e 2014; Campos, 2014; Braga, 2014; Guimaraens e Rocha, 2014: 183-213; Alves, 2015; Aurélio, 2015; Stern, 2016; Mendes, 2017; Silva, 2017; Ergün, 2017; Abreu; 2017.

A proposta deste artigo é contribuir com a organização e o avanço desse movimento e encorajar novas pesquisas jurídicas baseadas na obra do filósofo, a partir da discussão de problemas epistemológicos e, consequentemente, de método. É às pesquisas em curso e às futuras que o texto se dirige. . Não para apontar censuras, mas, ao contrário, para tentar remover, com segurança, amarras que muitas vezes inibem iniciativas de investigação, diante da ortodoxia dos cânones: sejam os da pesquisa jurídica tradicional, sejam os da análise textual de Espinosa.

Toda pesquisa jurídica que queira incorporar a obra de Espinosa, e que não seja histórica, se defrontará com questões de validade epistemológica e de definição de método. Esses problemas podem ser apresentados a partir de duas formulações fundamentais. Primeira: como veremos no item 1, um dos cânones da pesquisa jurídica tradicional é o do dever que o jurista normalmente se impõe de oferecer soluções para as questões que apresenta; ora, a complexa obra de Espinosa costuma pôr questões e perspectivas ainda pouco conhecidas no campo jurídico, de modo que a simples introdução desses problemas já tem valor em si; daí a pergunta: em que sentido se pode reivindicar “jurídica” uma pesquisa sobre Espinosa que não ofereça soluções? Segunda formulação: como veremos nos itens 2 e 3, estamos distantes do contexto histórico, geográfico, social, político, econômico e jurídico de Espinosa, que nasceu, cresceu e morreu na Holanda do século XVII; daí a pergunta: em que medida e de que maneira podemos teorizar hoje, no Brasil, a partir de uma obra de passado e contexto relativamente afastados, cujo autor não tinha em seu horizonte as questões que nos afligem no exato momento em que você lê esta frase?

Este artigo apresenta uma tentativa de resposta. Resposta que passa por três questões desdobradas das formulações fundamentais: (a) quais forças canônicas podem inibir a incorporação da obra de Espinosa às pesquisas jurídicas interessadas na contribuição do filósofo?; (b) os procedimentos e critérios filológicos são definitivos para distinguir o “certo” do “errado” nas interpretações da obra de Espinosa que conhecemos e que produzimos?; (c) pode a obra de Espinosa dizer algo a problemas históricos e de sentido conceitual, linguístico e cultural que não são os seus?

1. Primeiro problema: afirmar a teoria contra o hábito doutrinário

Todo hábito doutrinário, uma vez instituído, tolhe a expansão da pesquisa. Precisamos substituir, em definitivo, o modelo doutrinário de pesquisa jurídica pelo de investigações produtoras de teoria - que não deixam de ser jurídicas por não serem doutrinárias. Somente a amplitude dos questionamentos e métodos teóricos, na trilha das melhores investigações de Ciências Sociais e Humanas, permite uma abertura para o futuro e para a crítica. A doutrina é necessariamente doutrina do estabelecido, mantendo íntegra, na prática, sua etimologia latina, ligada a docere (ensinar), mesma origem de dócil3 3 Cf. vocábulos doutrina e dócil em Cunha, 2007: 274 e 277. . Quando faz o seu melhor trabalho, a doutrina investiga a história de um dado instituto, dentro e/ou fora do país, bem como sua linhagem filosófica, sociológica, antropológica etc.; liga-o sistematicamente a outros institutos já existentes, ressaltando os princípios comuns; apresenta todas as interpretações e usos que vislumbra, bem como a abordagem “teórica” de outros doutrinadores e a prática dos tribunais, quando há; e pode, enfim, sugerir novos usos e interpretações para ajustar distorções do sistema. Mas nenhum trabalho doutrinário concebe o novo ou uma crítica profunda do que já existe, porque a função característica da doutrina é professoral. Nenhuma doutrina seria capaz de produzir verdadeira tese, porque não se ensinam hipóteses de pensamento; hipóteses são discutidas e sustentadas ou afastadas, não exatamente ensinadas; e são as hipóteses que estão na base de toda verdadeira tese, desde a etimologia grega: hypo, thesis. Toda tese é teoria, não doutrina, porque demanda uma liberdade e amplitude de investigação e métodos que o docere não admite. Teoria não tem função predeterminada.

Essa limitação própria do hábito doutrinário remonta a problemas epistemológicos da dogmática jurídica. A dogmática desempenha uma função social muito bem exposta em trabalhos clássicos, e fundamentais, de Tércio Sampaio Ferraz Jr.. O problema não está, obviamente, na existência de uma, ou melhor, de várias formas de dogmática jurídica. O problema está na pretensão de qualificar o que é teoria “jurídica” e o que não é a partir de perspectivas dogmáticas do Direito. O modo mais aberto de caracterização da dogmática jurídica que conheço é o de Ferraz Jr., que a concebe como um pensamento tecnológico às voltas com a questão da decidibilidade (Ferraz Jr., 1998FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. A função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1998.; 1980_________. A ciência do direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1980.: 104-108; 1994_________. Introdução ao estudo do Direito - técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994.: 85-93). Elejo essa caracterização como guia do raciocínio.

Segundo Ferraz Jr., diferentemente do que ocorre em outras áreas como a Psicologia e a Sociologia, o doutrinador se sente vinculado, quando coloca problemas, a apresentar propostas, modelos de solução viável (Ferraz Jr., 1980_________. A ciência do direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1980.: 104-108). Percebe-se, na base dessa afirmação, a influência do mesmo pressuposto da Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen. Porque o que está em questão, tanto para Kelsen como para Ferraz Jr, nesse momento central do texto, é a distinção da chamada ciência jurídica de outros campos do conhecimento, ainda que Ferraz Jr. não aceite a proposta formal-positivista de Kelsen. Em ambos está pressuposta uma distinção que seja precisa e definitiva para o Direito. Em Kelsen, a norma jurídica e o princípio da imputação são o objeto exclusivo do conhecimento jurídico (Kelsen, 2006KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.: 1-65 e 79-119); em Ferraz Jr., a questão da decidibilidade e a função tecnológica que ela impõe são o caráter distintivo do ofício do jurista.

Norberto Bobbio, em trabalho dedicado a uma defesa da Teoria Pura do Direito (Bobbio, 2006BOBBIO, Norberto. A teoria pura do direito e seus críticos. In.: Direito e poder. São Paulo: Editora UNESP, 2008, p. 21-53.: principalmente 21-56) - que poderíamos, no que será dito, estender à defesa da distinção do jurídico em Ferraz Jr. - sustenta que os adversários de Kelsen são, na verdade, adversários das distinções. E em boa medida ele tem razão: somos adversários do uso que as distinções rígidas no campo jurídico suscitam - e não de Kelsen, de Bobbio ou de Ferraz Jr.. Por dois motivos: primeiro pela dubiedade historicamente verificável do critério distintivo do fenômeno jurídico; segundo pelo efeito discriminatório que as várias tentativas de distinção produzem. A rigidez e seus usos são os grandes problemas dessas distinções definitivas do “jurídico”. A busca de um critério distintivo do fenômeno jurídico está diretamente relacionada ao próprio esforço histórico de conceituação do Direito. E, embora uma prática milenar, não há qualquer sinal de consenso sobre a existência de um conceito preciso de Direito entre os juristas, o que sugere de antemão que duvidemos de distinções por definição. O efeito discriminatório das distinções por definição, por sua vez, é praticamente intuitivo: a consequência imediata do corte que separa o Direito do não-Direito não é apenas classificatória - como que a supor neutralidade - mas desclassificatória, porque costuma desqualificar a importância jurídica de pesquisas que fujam aos cânones. Quando um jurista influenciado pelo formal-positivismo afirma, p.ex., que uma pesquisa é de Sociologia e não de Direito, normalmente não é a classificação positiva da pesquisa como sociológica o que sobressai, mas a classificação negativa da pesquisa como “nãojurídica”.

A produção teórica não é uma lei, uma sentença judicial ou um contrato, que incidem diretamente sobre a vida dos envolvidos; também não é um precedente a ser observado pelos casos concretos que a ele se assemelhem. Enquanto é socialmente desejável que sentenças, contratos, leis, precedentes tenham parâmetros bem definidos e estabelecidos para sua produção, justamente por conta dessa incidência imediata sobre a realidade, nada de semelhante se passa com a investigação teórica, que pode ser tão livre quanto o seu objeto de investigação permita. Sem dúvida, parte considerável da pesquisa jurídica pode - e talvez deva, não é esse o ponto - dedicar-se centralmente à tentativa de influenciar e balizar sentenças, contratos, leis, precedentes, apresentando propostas de solução viável e assumindo a função tecnológica destacada por Ferraz Jr.. No entanto, isso não significa que toda pesquisa jurídica deva estar necessariamente às voltas com a questão da decidibilidade. Afinal, existe uma base de pensamento não-tecnológico que envolve e informa a produção da obra que assume função tecnológica. O mesmo ocorre com as leis, sentenças, precedentes judicias: há em todos eles discursos de mundo subentendidos. E se a pesquisa jurídica repele, como princípio disciplinar, abordagens não-tecnológicas (as que deixam o juízo em suspenso sobre soluções), ela abdica de concorrer para a formação desses subterrâneos discursivos, que são, não obstante, decisivos na formação do juízo.

Nesse cenário de questões, apenas o hábito irrefletido ou o saudosismo de um tempo em que a chamada doutrina desempenhava papel mais relevante como fonte do direito (David, 2002DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. 4ª ed. Martins Fontes: São Paulo, 2002.: 111-117 e 163-6)4 4 Merece nota o caráter conservador desse saudosismo. Porque, historicamente, a diminuição da importância da doutrina como fonte do Direito coincide com a ascensão das ideias democráticas. (David, 2002: 162; Hespanha, 2003: 247). , poderiam explicar a insistência no isolamento distintivo da pesquisa jurídica, que felizmente vai cedendo. O desejável diálogo aberto com outras Ciências Humanas e Sociais será tão mais intenso quanto menos discerníveis forem as fronteiras da pesquisa, mesmo que os extremos de cada campo continuem nitidamente diferentes.

Afirmar a teoria contra o hábito doutrinário na pesquisa jurídica é abrir totalmente o campo à especulação, sem limites a priori, sejam de conteúdo ou de forma. Os problemas teóricos são postos para pensar, não necessariamente para oferecer soluções. E se alguém perguntar, o que seria, então, pesquisa jurídica ou, o que é o mesmo, como qualificar de jurídica uma pesquisa, o que respondo é que certamente não é algo a ser definido conceitualmente: jurídico é um nome, um termo, ligado a um campo social e humano da experiência histórica, que continua sempre em construção; não é um campo objetivo, composto de “coisas jurídicas” agrupadas por uma espécie de lei natural, mesmo que a maior parte delas (doutrinas, leis, sentenças, contratos, precedentes judiciais) pareçam formar um sistema. A ação dos homens que produz as ditas “coisas jurídicas” é fruto de mentalidades, hábitos e condições materiais, que as informam e determinam. O criminalista que defende o réu diante de júri, que irá absolver ou condenar seu cliente sem se justificar, sabe muito bem da importância do que convencionalmente se chamaria extrajurídico: ler expressões corporais e encontrar o meio de composição com elas; conhecer o imaginário comum da cidade, seus problemas e virtudes, as causas comuns de afetos como ira, ódio, desejo de vingança, assim como as causas do amor e da misericórdia etc.. A experiência e a observação forenses permitem essa afirmação. Os dois mais famosos julgamentos da história, o de Cristo e o de Sócrates, foram definidos por questões que mal tangenciavam o que hoje qualificaríamos de “coisas jurídicas”: o furor religioso da massa, no caso de Cristo; o orgulho de uma assembleia desafiada, no de Sócrates. Insistir em separações por definição e afirmar que são usos jurídicos de “coisas extrajurídicas” o que o criminalista faz naquele exemplo, impõe a assunção de dois ônus pesadíssimos: em termos conceituais, negar o “jurídico” como experiência humana construída historicamente e supô-lo uma essência a ser definida; em termos de política de pesquisa, acadêmica ou não, o ônus de fazer pouco caso do efeito desclassificatório que a rígida caracterização do “jurídico” produz, inibindo a proliferação em nosso campo de múltiplos interesses especulativos sobre aqueles subterrâneos. Penso, ao contrário, que é justamente a proliferação dessa multiplicidade especulativa o que fortalecerá as pesquisas teóricas do campo.

É jurídico, a meu juízo, todo trabalho que se reivindique como tal e que, ao mesmo tempo, suscite interesse em setores do campo. E, sendo assim, dizer-se “jurídico” não significa dizer-se exclusivamente jurídico. Ou seja, a afirmação de uma pesquisa como jurídica não exprime uma essência que defina o “jurídico”, mas a sua inserção num campo social, historicamente determinado, e em seus vetores de interesse, o que não impede a vinculação a mais de um campo social. Rejeita-se a disciplina que coisifica o jurídico; aceita-se o campo que o socializa5 5 Reconheço, aqui, a influência da noção de campo de Bourdieu sem, necessariamente, referendar sua tese sobre as leis que governam o campo jurídico, que são especificamente pensadas para a França, resumidas, para o autor, na competição entre os atores iniciados na linguagem e na formação jurídicas, que lutam para dizer a última palavra, a palavra final e mais autorizada, sobre o que seja direito. (Bourdieu, 2007: 59-73 e 209-254). .

Há um encanto inicial na obra de Espinosa. Para quem vem da formação em Direito, é antes de tudo o encanto do inexplorado. Porque, enquanto Hobbes, Locke, Hegel, Marx e, principalmente, Kant, tiveram grande influência na construção das ferramentas e práticas jurídicas modernas do Ocidente, Espinosa permaneceu por muito tempo praticamente esquecido, relegado a referências secundárias.6 6 As obras de dois grandes da Filosofia do Direito, o italiano Giorgio del Vecchio e o brasileiro Miguel Reale, são exemplos da pouca importância dada a Espinosa: o primeiro (Vecchio, 1979: 94-96), aproxima a concepção jurídica de Espinosa à de Hobbes sem relativizações - e dedica-se ao segundo; já Reale, em trabalho dedicado à epistemologia jurídica, reduz apressadamente o direito em Espinosa à força física e só o diz em uma nota de rodapé (2010: 129, n.7). Felizmente, o desinteresse vem sendo revertido, como visto na introdução.

Duas forças canônicas podem inibir a incorporação da obra de Espinosa às pesquisas interessadas na contribuição do filósofo para o campo jurídico. A primeira é representada pelo perigo de a história e a filologia serem adotadas como o modo correto de aproximação da obra de Espinosa, o que será visto e criticado no item 2. A segunda é o hábito doutrinário que acabamos de criticar.

O cânone histórico-filológico, uma vez incorporado, tacharia de anacrônicas e deslocadas do texto e contexto originais todas as pesquisas jurídicas sobre Espinosa que não se ativessem a questionamentos analíticos de história, de história dos conceitos e de história da filosofia. Mas é justamente o desejo de explorar a produção de direitos, instituições, práticas e modos de pensar novos e mais potentes, e de que criticar os existentes, aqui e agora, o afeto que move a criatividade no campo jurídico. E, contra a livre expansão desse desejo de pensar o novo, a colocação da história e da filologia como a priori filosófico representa um obstáculo insuperável quando a pesquisa jurídica tem por objeto a obra de Espinosa. Somente a relativização dos critérios históricofilológicos de “certo e errado” permitirá impulsionar, não um grupo reduzido, motivado por desejos particulares, mas um amplo movimento de pesquisa jurídica espinosista, motivado por desejos mais comuns.

O hábito doutrinário, por sua vez, é incompatível com Espinosa porque seu pensamento, diferentemente do de Kant, p.ex., simplesmente não concorreu para a formação e prática das instituições, direitos e modos de pensar prevalecentes no campo jurídico ocidental. São questões e perspectivas novas para nós o que a obra de Espinosa apresenta. E é provavelmente por não ter influência relevante sobre o que está historicamente estabelecido no nosso campo, que o filósofo ainda é pouco conhecido e lido entre os pesquisadores da área.

Há uma especificidade das ferramentas com que o jurista, principalmente o jurista prático, normalmente trabalha. É que elas não são propriamente conceitos; são funções práticas dotadas de definição historicamente determinada e cambiante.7 7 Aqui é necessário referenciar Deleuze e Guattari, de quem tomei, do meu jeito, o argumento: 2005, 27-47 e 153-173. É o que acontece com as noções de constitucionalismo, direitos humanos, direito de propriedade, direitos sociais, crime, Administração Pública, tributo etc., para ficar com as mais gerais. Não são conceitos, são funções destinadas a exercer algum efeito prático historicamente determinado. Na base do pensamento dessas funções práticas - as que existem e as que existirão - estão modos de pensar que são influenciados pela imagem de conceitos filosóficos, como os de Kant p.ex.. Ocorre que esses modos de pensar, dentro do próprio âmbito da pesquisa jurídica, estão permanentemente em disputa. Principalmente na América Latina, porque é na América Latina, e particularmente no Brasil, que os limites de modos de pensar, direitos e instituições importados da Europa e dos Estados Unidos revelaram seus mais dramáticos limites. Nesse contexto, quem envereda decisivamente pelos principais caminhos da obra de Espinosa encontra a problematização de certezas corriqueiras entre nós (como o livre arbítrio), formas particularmente ricas de abordar problemas historicamente convulsivos (como os direitos comuns e a liberdade de expressão) e uma filosofia bastante coerente, que confere base sólida a todas as questões que dela destacarmos. E é por isso que, ao encanto inicial do filósofo inexplorado, costuma somar-se o da oportunidade de novas leituras contemporâneas de questões aparentemente estabelecidas, para, quem sabe, desconstruirmos seus fundamentos e produzirmos algo novo e melhor.

Ninguém precisa assumir, sozinho, a responsabilidade de produzir o novo; de propor algo melhor do que o que há. Seria mesmo imaturo. Produzir uma crítica do constitucionalismo, ou dos direitos humanos, ou da propriedade privada e de diversas outras questões tradicionais de nosso campo a partir do modo de pensamento que se irradia da obra de Espinosa já é uma contribuição que traz elementos novos para a reflexão e o desenvolvimento da pesquisa jurídica. E não deixará de ser por suspender o juízo quanto às soluções. É essa certeza que deve prevalecer.

2. Segundo problema: afirmar a filosofia contra premissas de validade históricofilológicas.

Em relato sobre as sistematizações teóricas de Espinosa, Wolfson descreve a situação que o motivou a escrever sobre o filósofo:

Certa vez, discutindo com um grupo de amigos sobre a importância da filologia para o estudo da história da filosofia, observei que, afinal, os filósofos veem o universo que tentam explicar como algo já interpretado nos livros, com a única exceção possível, talvez, do primeiro filósofo de que se tem notícia: e tudo o que ele podia ver era água. ‘E Espinosa?’, perguntou um dos que me ouviam. ‘Ele também era um filósofo livresco?’ Sem interromper meu discurso, aceitei o desafio. “No que diz respeito a Espinosa” falei, (...) se pudéssemos recortar toda a literatura que ele poderia ter usado em inúmeras tirinhas de papel, jogá-las no ar e esperar, em seguida, que caíssem no chão, seria possível reconstruir a Ética com essas tirinhas esparsas”. (Wolfson, 1948: 3 inBenjamin, 2014BENJAMIN, César (org.). Estudos sobre Spinoza. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.: 344)

Está posto nesse texto um método que liga a verdade do texto a critérios históricos e filológicos de análise. Essa centralidade da história e da filologia poderia parecer adequada quando consideramos que o próprio Espinosa concebeu revolucionariamente um método histórico de interpretação dos textos sagrados, que nosso filósofo defende como o verdadeiro método no capítulo 7 de seu Tratado Teológico-Político (TTP). Tal método inclui o necessário conhecimento da língua em que os textos foram originalmente escritos e “em que seus autores falavam habitualmente” - sem o que não se podem conhecer os sentidos dos textos; inclui também a classificação dos pontos principais, o registro separado das passagens que aparentem ambiguidade ou obscuridade e, em especial, o cuidado permanente para que o raciocínio do intérprete não influencie a interpretação, que deve ser regida apenas por normas linguísticas e por raciocínios que tenham como único fundamento os próprios textos sagrados; o método inclui, por fim, o conhecimento da vida, dos costumes e estudos de cada um dos autores; as ocasiões de elaboração; a recepção e as versões que tiveram os textos; os motivos por que cada um foi incluído entre os textos sagrados etc. Ou seja: estamos diante de um método dominado pela história e a filologia. (TTP, cap. 7) No entanto, seja o pressuposto de Wolfson, de que por ser um “filósofo livresco” a interpretação da obra de Espinosa dependeria inexoravelmente da história e da filologia; seja o argumento de que a obra de Espinosa deve ser interpretada pelo método que ele mesmo concebeu, parecem equivocados. A concepção espinosista do chamado método histórico de interpretação dos textos sagrados, por um lado, não implica a necessária extensão dos rigores desse método à interpretação dos textos filosóficos. Por outro, o que a sugestiva conversa de Wolfson parece querer estabelecer é um verdadeiro dogma - e, portanto, uma redução - incompatível com a interpretação filosófica.

Há um antigo ramo de estudos teológicos chamado Exegética; ramo que se dedica à explanação e interpretação rigorosas da Bíblia. E é nesse campo específico que se insere toda a discussão do capítulo 7 do Tratado Teológico-Político, o da exegese (bíblica), não o da interpretação em geral. Enquanto as Escrituras reúnem textos de épocas, lugares e autores diferentes, escritos em língua sem memória gramatical e menos ainda memória do uso corrente, o Hebraico, a obra de Espinosa foi escrita em pouco mais de vinte anos na Holanda do século XVII, quase toda em Latim - língua com memória. Vamos adotar os mesmos critérios de interpretação para textos assim tão assimétricos? Mais do que isso: se interpretar a obra de Espinosa exige esforço do leitor dele afastado em mais de trezentos anos, não é porque apresente diversas contradições aparentes, ou porque narre fatos fantásticos; não é porque seja incompreensível e obscuro em muitas passagens: isso é o que ocorre com as Escrituras. Não há enigmas indecifráveis em Espinosa, há dificuldades interpretativas.

Assim, enquanto nosso filósofo pretendia, com seu método histórico, libertar a interpretação das Escrituras da dogmática dos teólogos, se estendermos os rigores desse método à condição de critério de verdade da interpretação da própria obra de Espinosa estaremos, paradoxalmente, estabelecendo uma dogmática espinosista. Porque o dogma é justamente um ponto de partida sobre o qual não se admite discussão. E historiadores e filólogos que se fizerem censores de interpretações pelo simples fato de se distanciarem de seus métodos de análise textual estarão estabelecendo um verdadeiro dogma interpretativo.

Note-se bem: de que todo pensamento parte de pressupostos que concebe como verdadeiros não há dúvida. Também não há dúvida de que alguns pressupostos explícitos da obra de Espinosa, a partir dos quais o raciocínio se deduz, devem ser mantidos de pé se quisermos obter uma interpretação global do texto - tanto assim que são fixados como definições, axiomas e postulados na Ética. Nesse sentido largo, até poderíamos dizer que a obra de Espinosa tem seus próprios dogmas internos. Mas não é disso que estamos tratando. O problema aqui é o de dar à história e à filologia o privilégio da superioridade, quando não da exclusividade, na interpretação de um texto filosófico. É ao dogma como controle da produção teórica, e não ao dogma como pressuposto da própria obra interpretada, que estamos questionando. A interpretação dos textos jurídicos, assim como a dos textos bíblicos, é que comumente se constrói sobre esse controle da produção teórica. A função da dogmática jurídica (bem como da teológica) é justamente estabelecer os limites dentro dos quais podem se dar as divergências e conflitos de interpretação.8 8 Em livro dedicado exclusivamente à função da dogmática jurídica, Ferraz Jr. defende que, apenas partindo de premissas que não comportam discussão, garante-se a função estabilizadora e tecnológica própria do pensamento jurídico: definir as condições do juridicamente possível. (Ferraz Jr, 1998: 83-100) Utilizar o mesmo regime de controle para a interpretação de textos filosóficos é exagerado e inadequado.

De que existem boas e más interpretações da obra de Espinosa não há dúvida. De que a filologia e a história dão grande contribuição à interpretação e à formação dos argumentos também está fora de disputa. O que devemos questionar é que só possam ser consideradas boas interpretações aquelas que pagam à história e à filologia pesado tributo - como sugere aquele relato inicial de Wolfson. A importância da história e da filologia varia de acordo com o tipo de texto e documento que se interpreta. É o próprio Espinosa, no mesmo capítulo 7 do TTP em que estabelece o método histórico, quem discute a utilidade desse método no que diz respeito às “coisas perceptíveis”, isto é, às “coisas que é possível compreender pelo entendimento e das quais podemos facilmente formar um conceito claro”. Há coisas que o entendimento é capaz de captar sem grandes recursos histórico-filológicos, como exemplifica e explica nosso autor:

Euclides, que só escreveu coisas extremamente simples e altamente inteligíveis, pode facilmente ser explicado a toda a gente e em qualquer língua. Nem é preciso, para apreendermos o seu pensamento e ficarmos seguros do seu verdadeiro sentido, ter um conhecimento completo da língua em que ele escreveu: basta um conhecimento vulgar e no nível quase de uma criança. É igualmente desnecessário conhecer a vida do autor, os seus estudos e hábitos, em que língua, para quem, e quando escreveu, o destino que conheceram os livros, as suas variantes ou, finalmente, por deliberação de quem foi reconhecido. E [continua Espinosa e chamo atenção] o que se diz de Euclides diz-se de quantos escreveram sobre coisas que são por natureza perceptíveis. (TTP, cap. 7)

Arrisco dizer que com os conceitos mais importantes da obra de Espinosa - especialmente os da Ética, não por acaso escrita à maneira dos geômetras - se passa algo semelhante: pelo entendimento podemos formar ideias claras e distintas de seu sentido e, a partir da concatenação de ideias que se segue, interpretações adequadas da obra e argumentos que dela se deduzem.9 9 Chaui (2006: 564-5 e 2003: 20-1), discutindo exatamente o trecho do TTP acima citado e os lugares ocupados pela ordem geométrica na Ética, dentre os quais o de ser uma garantia de inteligibilidade, distingue entre “livros hieroglíficos” e “livros inteligíveis”. Dos hieroglíficos, a Bíblia é o maior exemplo. O ponto específico em que assumo o risco de talvez me afastar do pensamento da autora parece ser o do grau de importância da história dos conceitos para tornar inteligível a obra de Espinosa. Chaui (2006), sem dúvida, contrapõe-se à afirmação de Wofson sobre a sistematização de “tirinhas de papel”, para mostrar a incrível originalidade de Espinosa no diálogo com suas fontes reais ou possíveis. Também se afasta da afirmação de Wolfson quanto à centralidade da filologia na interpretação de Espinosa. Mas, nesse caso, a posição de Chaui é mais complexa. Para a autora (2006: 39-42 e 2006b: 195, final da nota 198), a leitura da obra de Espinosa produz uma experiência de pensamento, como ‘reflexão em outrem’ (2006: 40), típica dos clássicos, mas que não deveria encorajar o impulso de anular a própria obra, necessariamente inscrita numa temporalidade e, portanto, incapaz, de estabelecer temas, problemas e questões perenes.

Quando Wolfson escreve que “para compreender a Ética que temos diante de nós, temos de reconstruir a suposta Ética que está por trás dela” (Wolfson, 1948 apudBenjamin, 2014BENJAMIN, César (org.). Estudos sobre Spinoza. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.: 345) ele apenas estabelece um modo de aproximação da obra de Espinosa. Não o único. Nesta questão metodológica, prefiro a perspectiva de Negri:

Sempre achei paradoxal o fato de que os historiadores da filosofia reconstroem as alternativas indo para baixo: Gilson, em direção à filosofia cristã da Idade Média para a cultura moderna, Wolfson em direção à cultura judaica da Idade Média para Espinosa - para citar apenas alguns exemplos. Sabe-se lá por que esse procedimento é tido como científico! Quem poderia dizê-lo? Para mim, esse procedimento representa exatamente o contrário de um discurso científico, pois procura genealogias culturais, e não uma genealogia material de condições e de funções de pensamento: já a ciência é sempre descoberta do futuro. Libertar-se de um passado incômodo também não adianta muito se não se procura ao mesmo tempo o gozo do presente e a produção do futuro. Por isso é que eu quero reverter o paradoxo e interpelar o futuro a partir da potência do discurso espinosista. E se, por prudência e preguiça, não tiver êxito com o futuro, quero pelo menos tentar uma forma às avessas de leitura do passado: colocando Espinosa diante de nossos olhos, eu, pobre “doutor”, entre tantos outros, vou interrogar um mestre de verdade. (Negri, 1993NEGRI, Antonio. A anomalia selvagem. São Paulo: Editora 34, 1993.: 26)

3. Espinosa e (300 anos depois) nós: interpretar e interpelar

Não tivesse a Matemática revelado “outra norma de verdade”, escreve Espinosa no Apêndice da primeira parte da Ética, os homens estariam para sempre condenados ao erro; erro causado por tomarem as imagens que fazem das coisas e de suas relações como se fossem o conhecimento adequado dessas mesmas coisas e relações. Os homens imaginam-se, ordinariamente, o centro da criação e que há um Deus feito à sua semelhança e outros preconceitos; e imaginam, singularmente considerados, infinitas coisas mais simplesmente a partir de marcas e hábitos que atravessam sua existência finita (TEI, §84,10 10 “[A]s ideias fictícias, as falsas e as demais têm sua origem na imaginação, isto é, em algumas sensações fortuitas e (por assim dizer) soltas, que não se originam da própria potência da mente, mas de causas externas, na medida em que o corpo, seja sonhando, seja em vigília, recebe vários movimentos.” e E, II, prop. 17 e 18, dem. e esc.11 11 Na parte final do escólio citado, Espinosa exemplifica: “[e], assim, cada um passará de um pensamento a outro, dependendo de como o hábito tiver ordenado, em seu corpo, as imagens das coisas. Com efeito, um soldado, por exemplo, tendo visto os rastros de um cavalo sobre a areia, passará imediatamente do pensamento do cavalo para o pensamento do cavaleiro e, depois, para o pensamento da guerra, etc. Já um agricultor passará do pensamento do cavalo para o pensamento do arado, do campo, etc. E, assim, cada um, dependendo de como se habituou a unir e a concatenar as imagens das coisas, passará de um certo pensamento a este ou àquele outro.” ). Quando ignoram estar apenas imaginando, produzem, a partir de tais imaginações, singulares ou ordinárias, ideias confusas e parciais, que proclamam como verdade e que se multiplicam em superstições e preconceitos.

A Matemática não cuida de imagens, mas de essências, propriedades e suas composições, as quais não visam a um fim e que produzem, por si mesmas, ideias adequadas. A Matemática realça, assim, a causalidade eficiente que produz todas as coisas, bem como que o conhecimento adequado é aquele que exprime a sua própria causa por meio de noções comuns (ou seja, ideias que ligam as partes ao todo em que estão necessariamente inseridas). Conhecer verdadeiramente é conhecer pela causa. O exemplo frequentemente utilizado por Espinosa é o do círculo: o conhecimento dessa figura geométrica seria apenas parcial se definido a partir de uma representação de suas propriedades (p. ex., figura cujos raios têm mesma medida), mas seria claro e distinto e adequado se definido a partir de sua causa, ou seja, a partir de seu processo constitutivo (figura produzida a partir de uma linha em que uma extremidade é fixa e a outra é móvel, girando em torno da extremidade fixa12 12 Curiosamente, a definição 11, do Livro I dos Elementos de Euclides passa antes por uma mirada sobre as propriedades do círculo que pela causa que gera a figura. Espinosa se apropria da ordem geométrica de Euclides, mas coerentemente emenda definições que não condizem com seu próprio método. Lê-se nos Elementos (Euclides, El.: I, def.11): “Círculo é uma figura plana contida por uma linha [que é chamada circunferência], em relação à qual todas as retas que a encontram [até a circunferência do círculo], a partir de um ponto dos postos no interior da figura, são iguais entre si.” ). Somente o conhecimento a partir da causa permite que se deduzam todas as propriedades (efeitos) da coisa, as que já eram conhecidas (e devem ser confirmadas) e as que não eram conhecidas e agora são.13 13 Cf. TEI, §§ 92, 95 e 96. Como explica Deleuze, “[a] causa como razão suficiente é aquilo que, sendo dado, faz com que todas as propriedades da coisa também o sejam e, sendo suprimido, faz com que as propriedades o sejam também. Definimos o plano pelo movimento da linha, o círculo pelo movimento de uma linha cuja extremidade é fixa, a esfera pelo movimento de um semicírculo. Na medida em que a definição da coisa exprime a causa eficiente, ou a gênese do definido, é a ideia da coisa que exprime sua própria causa: fizemos da ideia algo de adequado.” (Deleuze, 1969: 120). E, mais do que isso, somente o conhecimento a partir da causa permite que se liguem, por meio de noções comuns, as causas próximas às mais remotas, ligando as partes ao todo, em concatenação dedutiva ao infinito (E, II, prop. 38 e cor., e prop. 40)

Assim se produz o conhecimento adequado, isto é, o conhecimento racional, que nos liberta das meras opiniões e imagens que fazemos de tudo segundo Espinosa (E, II, prop. 40, esc. 2, prop. 41 e prop. 42).

Mas a Matemática não é o único índice de verdade! É o próprio Apêndice da primeira parte da Ética que registra: “E além da Matemática, também outras causas podem ser apontadas (que aqui é supérfluo enumerar), as quais puderam fazer que os homens abrissem os olhos para esses preconceitos comuns e se dirigissem ao verdadeiro conhecimento das coisas.”

Deve ter-se sempre presente que, segundo Espinosa, a “ordem e conexão das ideias é a mesma que a ordem a conexão das coisas” (E, II, prop. 7). Por isso, o processo de composição dos corpos, tanto quanto o de composição de ideias, não deve ser esquecido na cogitação de “outras normas de verdade”. Aprender a medida que separa o remédio e o veneno; aprender a cultivar a terra; aprender a construir uma ponte; aprender composição musical etc.: tudo isso são índices de “verdade” da mesma forma que aprender a produzir um círculo ou um triângulo. A produção de um conhecimento cujo principal esforço é o de não se deixar enganar por concatenações apenas imaginativas - ou seja, a produção de um conhecimento adequado, no vocabulário espinosista - caracteriza-se pela concatenação de ideias que exprimem sua própria causa eficiente, ideias que exprimem sua própria gênese e que se deduzem e ligam, por meio de noções comuns, ao infinito. Não se trata de uma ciência de sábios. O movimento de concatenação de ideias, para Espinosa, tem algo de progressivo, que busca “reproduzir a concatenação da Natureza” (TEI, §95): uma Natureza sem finalidades e expansiva. A norma de verdade não é forma, mas produção. Não é um movimento intelectual, puramente lógico-formal, muito menos um movimento abstrato. Mas um movimento que deve partir de...

...coisas Físicas, ou seja, de entes reais, progredindo, tanto quanto possível, segundo a série de causas, a partir de um ente real para outro ente real, de modo que seguramente não passemos a [ideias] abstratas e universais, seja para que não concluamos algo real a partir delas, seja para que não as concluamos a partir de algo real, pois tanto uma coisa como a outra interrompem o verdadeiro progresso do intelecto. (TEI, §99)

Qualquer conhecimento que proceda desse modo exprime uma “outra norma de verdade”. Por isso, a cogitação de “outras normas de verdade” para além da Matemática é importante: para não deixar a impressão no leitor contemporâneo de que a verdade para Espinosa se construiria, essencialmente, sobrepondo a forma à matéria. O que interessa para que enxerguemos, também em outras expressões do pensamento e da ação, “outra norma de verdade” é que seu processo produtivo não se ocupe especialmente de imagens ou fins, mas de essências (formas produtivas elementares), propriedades e suas combinações - e que o conhecimento (não exclusivamente teórico) dessas essências, propriedades e combinações permita um movimento de concatenação ao infinito, por meio de noções comuns. O que é a própria Ética de Espinosa senão um esforço intelectual admirável de produção de “outra norma de verdade” para a vida; senão um esforço para que a vida de todos nós “seja sabiamente instituída” (E, II, prop. 49, esc.)?

Essa exposição é relevante na medida em que permite ressaltar que, assim como filósofos, matemáticos, engenheiros, físicos de hoje procuram ler Euclides, captar o regime de concatenação de ideias presente em sua obra e produzir realidade a partir dela; também a evolução da medicina visa a captar e desenvolver realidade a partir das medidas conhecidas entre o remédio e o veneno; também as técnicas de cultivo da terra captam e desenvolvem o melhor das técnicas anteriores para produzir nova realidade; o mesmo quanto à construção de pontes, a composição e interpretação musical etc. As normas de verdade não são uma forma fixa, mas pensamento em ação - pensar, afinal, é uma atividade; e o pensamento é um processo de encadeamento de ideias expansivo e aberto, porque comum a todos os homens. Quando nos dedicamos a um filósofo como Espinosa, procuramos ingressar no mesmo movimento expansivo de pensamento que ele percebeu e afirmou e, assim, procuramos participar desse processo produtivo14 14 “O homem não é a medida de todas as coisas, pois todas as coisas são uma medida singular do mesmo ser do qual o homem também é uma medida diferente. O pensamento não é outra coisa senão uma medida que revela também aquele que mede, e não apenas o medido. O pensar nunca é o produto de um sujeito, ele é sempre um processo cuja causa se encontra na potência que ele expressa.” (Souza, 2013: 20) , como se fôssemos intérpretes ou compositores que, utilizando meios e instrumentos de hoje, reinventam e potencializam a música do passado em sua própria música.

Ao captar o movimento do pensamento em Espinosa, incorporamos um procedimento intelectual (e afetivo) que concentra grande parte de seu esforço (e alegria) em fazer uma ideia adequada de todas as coisas: da liberdade e da servidão, da amizade, do ódio, da inveja, do amor, da política, da felicidade, da alegria, do governo, do desejo, da tristeza, dos milagres, da lei, dos direitos, da forma como todas as coisas singulares se relacionam etc. Quando Espinosa, no Prefácio da parte III da Ética, diz que considerará ações e apetites humanos como se fossem questões de retas, linhas, superfícies ou corpos, isso significa que não se ocupará de imagens ou de inexistentes finalidades dos afetos, mas de sua essência, propriedades e combinações, ao infinito, por meio de noções comuns. Em vez de sátiras, obras moralistas, Espinosa propõe uma filosofia voltada para a afirmação do conhecimento, da liberdade e da política contra a ignorância.

Só incorporamos a filosofia de Espinosa porque ela nos afeta. E se ela nos afeta é porque existe aí uma dupla potência de pensar, uma dupla alegria do pensamento: a que está na obra e a que está em nós. Do pesquisador contemporâneo que se vê diante de Espinosa não se deveria exigir a reverência que anula a sua própria potência de pensar; nem se devem, por outro lado, encorajar vaidades dos que, valendo-se da notoriedade de Espinosa, anulam a potência da obra para afirmar-se com o nome alheio. Uma articulação contemporânea com Espinosa deve afirmar a dupla potência que está posta, com a sinceridade própria da alegria: a potência da obra - total ou parcialmente apropriada - e a de quem a incorpora e argumenta a partir dela, retirando o texto da condição de um retrato no tempo, para afirmar a expressão móvel e intertemporal do pensamento.

Mas, afinal, o que pode a obra do nosso filósofo dizer a problemas históricos e de sentido conceitual, linguístico e cultural que são apenas nossos? Não tudo: vidas e obras, mesmo dos clássicos, são finitas, parciais. Muita coisa: a força dos principais conceitos e argumentos de Espinosa, para muito além de seu contexto, são impressionantes.15 15 Por maior que tenha sido a coragem intelectual que animava Espinosa, a forma como a obra me afeta inverte a prevalência da afirmação de Marilena Chaui, segundo a qual, lendo Espinosa, "sentimo-nos testemunhas de um discurso cuja força, afinal, não se mede apenas pela extraordinária eficácia dos argumentos, mas sobretudo pela fecundidade que o anima e encoraja” (Chaui, 2006: 41 - grifo meu).

Além de interpretar e comentar a obra de Espinosa, também podemos, em relação a conceitos e argumentos fundamentais, interpelá-la sobre problemas que são especialmente nossos. E a partir daí argumentar, produzir o novo. O resultado dessa interpelação é uma espécie de agenciamento com Espinosa; agenciamento no sentido de Deleuze e Guattari, ou seja, no sentido de uma dupla articulação que, ao mesmo tempo em que nos referencia e remete a um território conhecido (algo como um território espinosista), abre-nos para novos usos e lugares (algo como uma desterritorialização da obra do filósofo).16 16 Sobre essa dupla articulação do agenciamento, cf. Deleuze, e Guattari, 2004: 53-55.

Não raramente surge, como freio contra esses agenciamentos, um alerta para os anacronismos, isto é, para os riscos de grandes saltos históricos, que retiram a obra de seu horizonte de sentido. O lugar ocupado pelo alerta contra interpretações anacrônicas de Espinosa não deve ser o de um obstáculo intransponível, mas o de uma advertência que sugere atenção. Afastada a fantasia de uma obra eterna, certamente as circunstâncias em que foram escritos, o ambiente intelectual, os ares e problemas do tempo do filósofo desempenham um papel relevante na compreensão de muitas partes do texto. Por outro lado, limitar as possibilidades de agenciamento com a filosofia de Espinosa aos horizontes históricos e conceituais do filósofo significaria limitar de antemão o movimento do pensamento, a potência que há na obra e em quem a interpreta e interpela.

Num texto esclarecedor sobre o espinosismo, Deleuze sugere duas possíveis leituras do filósofo:

Por um lado uma leitura sistemática à procura da ideia de conjunto e da unidade das partes, mas por outro, ao mesmo tempo, a leitura afetiva, sem ideia de conjunto (...). Quem é espinosista? Às vezes, certamente, aquele que trabalha “sobre” Espinosa, sobre os conceitos de Espinosa, à condição de isso ser feito com bastante reconhecimento e admiração. Mas também aquele que, não-filósofo, recebe de Espinosa um afeto, um conjunto de afetos, uma determinação cinética, uma pulsão, e faz assim de Espinosa um encontro e um amor. (Deleuze, 2002_________. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002.: 134-5)

Não faria sentido exigir atenção para o problema dos anacronismos com relação a trabalhos impulsionados, de modo determinante, pelo segundo tipo de leitura, ou seja, por esse movimento produtivo singularíssimo desencadeado por um clarão particular que parte de Espinosa e nos afeta especificamente, como um conceito, um modo de pensar, um argumento ou uma figura determinados: não se impõem compromissos a esses encontros. Já quanto ao que Deleuze chamou leitura sistemática, a coisa se dá de forma diferente. Porque aqui os conceitos, argumentos, modos de pensar e figuras espinosistas são considerados em seu conjunto, à procura antes de tudo de uma interpretação global do pensamento do filósofo, para só então desencadear-se a produção. Aqui, faz sentido atentar para o problema dos anacronismos, embora seja justamente a ideia de conjunto própria da leitura sistemática o que pode ajudar a contorná-lo. Na formação dessa ideia de conjunto, inclui-se a consideração do horizonte de pensamento de Espinosa; entretanto, uma vez estabelecida sobre bases firmes - seja por esforço direto do pesquisador, seja assumida de um ou alguns dos intérpretes do filósofo - aquela interpretação global permitirá ao pesquisador, com alguma segurança, manter vivo o movimento do pensamento e fazê-lo prosseguir, para falar por si sobre as questões que propuser.

O método não se estabelece antes do objeto de pesquisa, mas em função dele. Convém, entretanto, refletir sobre alguns possíveis caminhos a auxiliar as escolhas do pesquisador. Para superar as dificuldades impostas pelo afastamento em mais de trezentos anos entre nós e Espinosa, proponho as seguintes diretrizes às pesquisas jurídicas que partirem de leituras sistemáticas do filósofo: (a) considerar que há partes mais importantes do que outras na obra de Espinosa, tomando como critério distintivo certo sentido de unidade que se exprime em conceitos, modos de pensar, argumentos e figuras que perpassam boa parte do texto; (b) considerar, além disso, que pode haver aspectos mais ou menos generalizáveis, isto é, aspectos que podem ou não ter eficácia para além do horizonte histórico-geográfico-conceitual do filósofo; e (c) considerar por fim que, embora menos do que na Ética, também há aspectos generalizáveis nas obras políticas de Espinosa, que são aquelas onde o pesquisador oriundo da formação jurídica encontrará diálogo mais direto com seu campo de questões.

O papel do que é dotado de sentido de unidade é necessariamente maior do que o de passagens isoladas ou excessivamente circunscritas a uma parte da obra e seus objetivos específicos. Por isso, o pesquisador deve buscar antes de tudo esses caminhos que dão inteligibilidade global à obra. Seguem alguns exemplos de conceitos, modos de pensar, argumentos e figuras que atravessam a obra de Espinosa de forma não aleatória, dando-lhe alto grau de unidade.

Exemplos de conceitos: o de unidade de Substância e o da causalidade eficiente imanente que produz todas as coisas - contra a tradição da multiplicidade das substâncias e contra todo tipo de transcendência; e o conceito de conatus, que é o esforço de todas as coisas para perseverar em seu ser e que é a própria essência das coisas. Exemplos de modos de pensar: o da demonstração e dedução do segundo gênero de conhecimento (um modo racional de conceber as coisas e demonstrá-las), o da intuição de terceiro gênero (uma experiência - dependente do segundo gênero - compreensiva da essência singular das coisas e da conexão existente entre todas elas: Deus); e ainda modos de pensar como o do múltiplo simultâneo (a capacidade de ser afetado de muitas formas) e sua relação com o aumento da atividade do corpo e da mente17 17 Sobre o múltiplo simultâneo ou pluralidade simultânea (plura simul) na obra de Espinosa, cf. Chaui, 2016: principalmente 157-8. ; e modos de pensar como o do esforço por compreender em lugar de julgar modelarmente as paixões. Exemplos de argumentos: o da recusa à lógica de pensamento por gêneros e espécies, para realçar os afetos que singularmente nos constituem; ou o argumento de que os homens são modos finitos da Substância e, portanto, partes inseparáveis da Natureza, e não um império de sentido do mundo, como se existissem em si e por si fossem concebidos. Exemplos de figuras: sonhar de olhos abertos, a certeza das crianças, ou a certeza fantástica dos profetas.

Percorre-se toda a obra a partir desses e outros caminhos.

Há, todavia, conceitos, modos de pensar, argumentos e figuras - especialmente argumentos e figuras - que, embora ofereçam um sentido de unidade para a obra, estão bastante circunscritos ao contexto histórico de Espinosa: o papel menor da mulher, isto é, daquilo que o filósofo chama de natureza feminina, talvez seja o melhor exemplo. Mesmo que a figura da mulher sempre apareça - tanto na Ética como nas obras políticas - retratada como excessivamente passional, inconstante e dependente, a experiência histórica posterior desmente Espinosa. Algo semelhante acontece com as referências sempre depreciativas de Espinosa ao Islã, principalmente aos turcos de seu tempo. Não faz sentido, senão para machistas e fundamentalistas à procura de uma autoridade que referende seus preconceitos, buscar um agenciamento contemporâneo com a obra de Espinosa sem corrigi-la (ou emendá-la) naquilo em que a história mostra que ela fraqueja.18 18 Há leitura contemporânea interessante que propõe uma “salvação” para a mulher a partir da parte V da Ética, ainda que sem desconsiderar o preconceito de Espinosa, que existe porque, apesar de sua crítica nominalista à compreensão das coisas por meio de gêneros e espécies, o filósofo não se furta a aceitar um estatuto do feminino inferior por natureza e não por convenção: Ferreira, 2003: 253-267. Em defesa de Espinosa, especificamente na exclusão da mulher da cidadania no regime democrático, cf. Matheron, 2011: 287-304. Por isso, além do sentido de unidade na obra, proponho que as pesquisas busquem aspectos que são mais generalizáveis na obra, para produzirmos agenciamento contemporâneo mais potente.

Sob essa mesma perspectiva, o debate de Espinosa com a escolástica não é, de modo algum, mais importante do que o debate que podemos autonomamente promover com movimentos de pensamento posteriores19 19 Essa, aliás, é a sugestão metodológica de Negri já citada: Negri, 1993: 26. , como aqueles de matriz kantiana, marxista etc.. Do mesmo modo, as citações de Ovídio ou Terêncio na Ética não afastam ilustrações que podemos fazer com poetas, teatrólogos ou romancistas que o Espinosa histórico não poderia conhecer. Em qualquer caso, o agenciamento contemporâneo com a obra de Espinosa será tão mais potente quanto mais bem apreendidos o sentido de unidade e os aspectos generalizáveis do texto.

Ainda assim, numa leitura sistemática do filósofo, devemos considerar que nada parecido com uma metrópole, nada parecido com a divisão social do trabalho ou com o desenvolvimento tecnológico que conhecemos poderia ser cogitado pelo Espinosa histórico e, logo, considerado na elaboração de sua obra. Se os problemas fundamentais da Ética são generalizáveis20 20 Num belo texto, Deleuze defende que, além dos problemas ontológicos, os três grandes problemas práticos fundamentais com que se defronta a Ética - acerca da consciência, dos valores e das paixões - são estes: “Como alcançar um máximo de paixões alegres, e, a partir daí, como passar aos sentimentos livres ativos (quando o nosso lugar na Natureza parece condenar-nos aos maus encontros e às tristezas)? Como conseguir formar ideias adequadas, de onde emergem precisamente os sentimentos ativos (quando a nossa condição natural parece condenar-nos a ter de nosso corpo, de nosso espírito e das outras coisas apenas ideias inadequadas)? Como chegar a ser consciente de si mesmo, de Deus e das coisas - sui et Dei et rerum aeterna quadam necessitate conscius (quando a nossa consciência parece ser inseparável de ilusões)?” (Deleuze, 2002: 34) , diminuindo a importância do dispositivo “tempo” no agenciamento contemporâneo que desejarmos fazer, será que os problemas da política - que é onde nós, juristas, encontraremos mais material de interesse - também são generalizáveis?

Penso que a atenção contra os anacronismos deve ser maior na leitura das obras especificamente políticas de Espinosa: o Tratado Teológico-Político e o Tratado Político. Porque aqui os problemas costumam ser mais contingentes do que generalizáveis; as ferramentas políticas têm de levar em consideração, e dentro do possível reformar, a experiência e a compleição (ingenium) coletivas, ou seja, a configuração histórica, geográfica, cultural e afetiva concreta desta ou daquela sociedade. Daí a razão para um alerta extra contra os anacronismos. No entanto, mesmo para quem se debruça sobre os textos políticos, a pesquisa não se deve deixar enredar totalmente pelos horizontes do filósofo, como se o dispositivo “tempo” fosse aqui um a priori necessário da interpretação. Porque também há nas obras políticas conceitos, modos de pensar, argumentos e figuras dotados de sentido de unidade e de aspectos generalizáveis.

O conceito político de segurança, p.ex., sinaliza para o vetor, recorrente na obra, da diminuição da ação do medo e da esperança sobre a conduta dos homens e, com isso, para a produção de condições para o exercício da liberdade política21 21 Cf. textos fundamentais de Chaui (2011: 133-172 e 173-191), que realçam o “sentido profundo” da segurança como “a um só tempo condição e expressão da liberdade política” (Chaui, 2011: 191). ; a segurança, em Espinosa, estabelece, portanto, um sentido de unidade bastante generalizável, que é a ideia de não produzir ou reforçar instituições políticas e sociais que causem a ruína da Cidade, mas sim o seu vigor e virtude.

O modo de pensar, p.ex., a constituição e o desenvolvimento da Cidade a partir da produção de direitos comuns - base da política espinosista - é dotado do sentido de unidade que consiste no aumento da potência de agir, de todos e de cada um, provocado pelo auxílio mútuo (ou cooperação), o que está em conexão com vários elos da obra de Espinosa; a ideia de produção do comum é intuitivamente generalizável para outros contextos.

O argumento em defesa da liberdade de expressão, igualmente, integra-se a um duplo sentido de unidade sobre as leis que também é, por si, generalizável: o sentido de que o pensar, o falar ou o calar, como quaisquer afetos, não estão sob o controle total dos homens, muito menos do Estado - por isso devem ser livres; e o de que as leis devem antes estimular a virtude - dizer o que se pensa - do que fomentar impotências ou vícios, como a adulação e a simulação - por isso a livre expressão deve ser legalmente admitida. (TTP, cap. 20)

A recorrente figura, p.ex., do primeiro homem, Adão, aquele que ignora, está ligada ao sentido de unidade de que há diferentes graus de compreensão entre os homens, dos mais passionais aos mais racionais, aos quais a produção e a comunicação políticas devem adaptar-se para conservar a Cidade, isto é, a Cidade deve cuidar para que, virtuosos ou não, todos compreendam e cumpram seus comandos e, tanto quanto possível, sejam lembrados da utilidade da vida em comum, o que contém aspectos generalizáveis a outros contextos independentemente de demonstração. (TTP, cap. 3 e 4)

Enfim, com relação a conceitos, modos de pensar, argumentos e figuras como esses, penso que seria redutor subordinar a pesquisa a critérios histórico-filológicos pelo simples argumento de que se trata de obras políticas de outro tempo e contextos; os sentidos de unidade generalizáveis acima destacados, dentre outros, são movimentos que partem do texto para o futuro, ultrapassando o horizonte de sentido do filósofo e possibilitando outros usos, inclusive os que visualizam problemas contemporâneos. Do contrário, estaria inibida a expansão da potência necessária que muitas partes da própria obra contêm - inclusive na política.

4. Ilustração final da abertura da obra para usos contemporâneos

Para encerrar, uma ilustração do que pode ser uma das vias de abertura da obra de Espinosa a usos contemporâneos. Conhecer é conhecer pela causa; é compreender e explicar como uma coisa é produzida; é indagar pela essência da coisa (a forma produtiva elementar da coisa) e dela deduzir todas as propriedades (consequências). Espinosa recorre, como vimos, ao exemplo do círculo: o círculo é adequadamente definido quando considerado como uma figura produzida pelo movimento de uma linha fixa em uma das extremidades, em torno da qual a outra se move. Se não conhecêssemos um círculo antes dessa definição, poderíamos, como que “conduzidos pela mão” (E, II, Pref.), produzir o primeiro círculo de todos a partir dela, desde que já dispuséssemos do ponto e da linha como ferramentas e mesmo que não soubéssemos o que sairia daquele movimento; ao passo que seguramente não o produziríamos - senão, talvez, após uma infinidade de tentativas aleatórias - se o círculo fosse imaginariamente definido por um dos efeitos de sua existência (uma de suas propriedades), como a propriedade de ter todos os pontos equidistantes de um centro.

Conhecer as coisas pela causa genética significa, portanto, não só um meio de compreensão das coisas que já existem como também um meio de conceber as condições elementares para novas realidades, que demandam (sejam novas figuras geométricas ou novos modos de vida e convivência) condições intelectuais e materiais. Quais são as causas de uma vida, individual e comum, mais livre? Quando na Ética nosso filósofo investiga a força das paixões e a potência específica da razão com relação às paixões, procura produzir as condições para uma nova realidade para a vida, que começa, para todos, sob a ignorância de si e das coisas (E, I, Ap.) e que, orientada pela razão, poderá conhecer a causa das coisas e de si; mas Espinosa sabe que não está dado como se manifestará, singularmente, a liberdade neste ou naquele indivíduo ou grupo (E, II, def. 7, prop. 13 e esc. c/c E, IV, prop. 66, esc.). Incorporar a causalidade genética para conhecer e produzir realidade é como o casal que deseja, concebe, ama e educa um filho, que, não obstante, vive sua própria vida. Não sem razão diz-se que opera por definição genética esse modo de pensar, porque ele não é apenas analítico (voltado para esquadrinhar o passado), ele gera realidade e dialoga com o futuro, de modo a depender o mínimo possível da sorte ou fortuna.

Como conceber uma cidade concreta, com tais e tais características, mais apta ao florescimento da liberdade? Desejamos concebê-la? Por que e sob que condições? De que experiência histórica partimos? De que arranjo de potência coletiva partimos? De quais afetos comuns? De que desejos preponderantes? De que graus de compreensão coletivos? De quais instrumentos e elementos precisamos? Uma vez concebidas as causas da liberdade, como conservá-las? Essas são inquietações contemporâneas, que atravessam questões afeitas ao campo jurídico e que podem ser ricamente exploradas a partir do pensamento de Espinosa.

Referências bibliográficas Obras e traduções de Espinosa utilizadas

  • B. de S. Opera Omnia - disponível em http://spinozafilo.blogspot.com.br/p/obras-despinoza.html . Último acesso: 27/07/2017
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  • ESPINOSA, B. Etica. São Paulo, trad. Grupo de Estudos Espinosanos - USP: EDUSP, 2015. (edição bilíngue)
  • __________. Tratado da Emenda do Intelecto. Campinas, trad. Cristiano Novaes de Rezende: Editora da Unicamp, 2015. (edição bilíngue)
  • __________. Tratado Político. São Paulo, trad. Diogo Pires Aurélio: Martins Fontes, 2009.
  • __________. Tratado Teológico-político. 2ª ed. São Paulo, trad. Diogo Pires Aurélio: Martins Fontes, 2008.
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  • _________. Ética. 3ª ed., Belo Horizonte, trad. Tomaz Tadeu: Autêntica, 2013. (edição bilíngue) Fontes secundárias

Fontes secundárias

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  • STERN, Ana Luiza Saramago. A imaginação no poder - obediência política e servidão em Espinosa. Rio de Janeiro: Contraponto/ed. Puc-Rio, 2016.
  • 1
    Este artigo é uma versão modificada do capítulo preliminar de tese de doutorado que sustenta a existência de vetores originais para a crítica da propriedade privada na obra de Espinosa (Abreu, 2017). A tese foi orientada pelos professores Francisco de Guimaraens e Maurício Rocha, aos quais aproveito para agradecer. * Seguiremos as seguintes abreviações e sinais para citar passagens e obras de Espinosa: Ética - E; Tratado da Emenda do Intelecto - TEI; Tratado Teológico-Político - TTP; Tratado Político - TP; apêndice - ap.; axioma - ax.;.capítulo - cap.; definições - def.; demonstração - dem.; escólio - esc. Parágrafo - §.
  • 2
    Cito alguns exemplos: Negri, 2002_________. O poder constituinte - ensaio sobre as alternativas da modernidade. Trad. Adriano Pilatti. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.; Chaui, 2003CHAUI, Marilena. Direito é potência: experiência e geometria no ‘Tratado Político’. In: Política em Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 197-264.; Matheron, 2011_________. Spinoza et la proprieté. In : Études sur Spinoza et les philosophies de l’âge classique. Lyon: ENS Éditions, 2011, p. 253-266.: 113-130 e 253-266; Lazzeri, 1998LAZZERI, Christian. Droit, pouvoir et liberté - Spinoza critique de Hobbes. Paris : PUF, 1998.; Souza, 2007_________. Multitudo: poesia, arte & filosofia - textos e desenhos. Página eletrônica disponível em http://multitudopoesiaartefilosofia.blogspot.com.br/. Último acesso: 28/07/2017.
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    : 83-108; Bove, 2008BOVE, Laurent. Direito de guerra e direito comum na política spinozista. In: Revista Conatus.Fortaleza: v.2, nº4, dez.2008, p. 91-7.; Guimaraens, 2010GUIMARAENS, Francisco de. Direito, ética e política em Spinoza. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.; Andrade, 2011ANDRADE, Fernando Dias. Direitos subjetivos na Filosofia do Direito de Espinosa. In.: Revista Conatus, Fortaleza, v.5, n.10, dez. 2011, p. 31-36.; Ferez, 2012FEREZ, Cecília Abdo. Justicia y don en San Pablo y Spinoza. In: RIBEIRO, Maria Luísa et. alii. Spinoza - Octavo coloquio. Córdoba: Brujas, 2012, p. 53-63. Disponível em: http://www.jur.puc-rio.br/spinoza/wp-content/uploads/2016/12/Spinoza.-OctavoColoquio.pdf. Último acesso em: 15/04/2018.
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    e 2017_________. Derechos em guerra: entrometer a Spinoza en la conyuntura latinoamericana. In: Becker, Rafael Cataneo et alii. Spinoza e nós. Rio de Janeiro, Ed. PucRio, 2017, v. 2, p. 76-87. Disponível em: http://www.editora.vrc.pucrio.br/media/Spinoza%20-%20vol2.pdf. Último acesso em: 15/04/2018.
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    ; Costa, 2013COSTA, Rodrigo de Souza. A crítica spinozana ao livre arbítrio: um novo Direito Penal? In: FEREZ, Cecília Abdo et. alii. Spinoza: noveno coloquio. Córdoba: Brujas, 2013, p. 13-27. Disponível em: http://www.jur.puc-rio.br/spinoza/wp-content/uploads/2016/12/Spinoza.-Noveno-coloquio.pdf. Último acesso em: 15/04/2018.
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    ; Silva, 2017SILVA, Daniel Santos. Direito de guerra e multidão. In: Becker, Rafael Cataneo et alii. Spinoza e nós. Rio de Janeiro, Ed. Puc-Rio, 2017, v. 2, p. 49-61. Disponível em: http://www.editora.vrc.puc-rio.br/media/Spinoza%20-%20vol2.pdf. Último acesso em: 15/04/2018.
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    ; Abreu; 2017_________ O problema político da propriedade (e da acumulação) a partir de Spinoza. In: Becker, Rafael Cataneo et alii. Spinoza e nós. Rio de Janeiro, Ed. Puc-Rio, 2017, v. 2, p. 88-97. Disponível em: http://www.editora.vrc.pucrio.br/media/Spinoza%20-%20vol2.pdf. Último acesso em: 15/04/2018.
    http://www.editora.vrc.pucrio.br/media/S...
    .
  • 3
    Cf. vocábulos doutrina e dócil em Cunha, 2007: 274 e 277.
  • 4
    Merece nota o caráter conservador desse saudosismo. Porque, historicamente, a diminuição da importância da doutrina como fonte do Direito coincide com a ascensão das ideias democráticas. (David, 2002DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. 4ª ed. Martins Fontes: São Paulo, 2002.: 162; Hespanha, 2003HESPANHA, Antonio Manuel. Cultura jurídica europeia. 3ª ed. Sintra: Europa-América, 2003.: 247).
  • 5
    Reconheço, aqui, a influência da noção de campo de Bourdieu sem, necessariamente, referendar sua tese sobre as leis que governam o campo jurídico, que são especificamente pensadas para a França, resumidas, para o autor, na competição entre os atores iniciados na linguagem e na formação jurídicas, que lutam para dizer a última palavra, a palavra final e mais autorizada, sobre o que seja direito. (Bourdieu, 2007BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 10ªed. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2007.: 59-73 e 209-254).
  • 6
    As obras de dois grandes da Filosofia do Direito, o italiano Giorgio del Vecchio e o brasileiro Miguel Reale, são exemplos da pouca importância dada a Espinosa: o primeiro (Vecchio, 1979: 94-96), aproxima a concepção jurídica de Espinosa à de Hobbes sem relativizações - e dedica-se ao segundo; já Reale, em trabalho dedicado à epistemologia jurídica, reduz apressadamente o direito em Espinosa à força física e só o diz em uma nota de rodapé (2010: 129, n.7). Felizmente, o desinteresse vem sendo revertido, como visto na introdução.
  • 7
    Aqui é necessário referenciar Deleuze e Guattari, de quem tomei, do meu jeito, o argumento: 2005, 27-47 e 153-173.
  • 8
    Em livro dedicado exclusivamente à função da dogmática jurídica, Ferraz Jr. defende que, apenas partindo de premissas que não comportam discussão, garante-se a função estabilizadora e tecnológica própria do pensamento jurídico: definir as condições do juridicamente possível. (Ferraz Jr, 1998FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. A função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1998.: 83-100)
  • 9
    Chaui (2006_________. A nervura do real. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.: 564-5 e 2003CHAUI, Marilena. Direito é potência: experiência e geometria no ‘Tratado Político’. In: Política em Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 197-264.: 20-1), discutindo exatamente o trecho do TTP acima citado e os lugares ocupados pela ordem geométrica na Ética, dentre os quais o de ser uma garantia de inteligibilidade, distingue entre “livros hieroglíficos” e “livros inteligíveis”. Dos hieroglíficos, a Bíblia é o maior exemplo. O ponto específico em que assumo o risco de talvez me afastar do pensamento da autora parece ser o do grau de importância da história dos conceitos para tornar inteligível a obra de Espinosa. Chaui (2006_________. A nervura do real. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.), sem dúvida, contrapõe-se à afirmação de Wofson sobre a sistematização de “tirinhas de papel”, para mostrar a incrível originalidade de Espinosa no diálogo com suas fontes reais ou possíveis. Também se afasta da afirmação de Wolfson quanto à centralidade da filologia na interpretação de Espinosa. Mas, nesse caso, a posição de Chaui é mais complexa. Para a autora (2006: 39-42 e 2006b: 195, final da nota 198), a leitura da obra de Espinosa produz uma experiência de pensamento, como ‘reflexão em outrem’ (2006: 40), típica dos clássicos, mas que não deveria encorajar o impulso de anular a própria obra, necessariamente inscrita numa temporalidade e, portanto, incapaz, de estabelecer temas, problemas e questões perenes.
  • 10
    “[A]s ideias fictícias, as falsas e as demais têm sua origem na imaginação, isto é, em algumas sensações fortuitas e (por assim dizer) soltas, que não se originam da própria potência da mente, mas de causas externas, na medida em que o corpo, seja sonhando, seja em vigília, recebe vários movimentos.”
  • 11
    Na parte final do escólio citado, Espinosa exemplifica: “[e], assim, cada um passará de um pensamento a outro, dependendo de como o hábito tiver ordenado, em seu corpo, as imagens das coisas. Com efeito, um soldado, por exemplo, tendo visto os rastros de um cavalo sobre a areia, passará imediatamente do pensamento do cavalo para o pensamento do cavaleiro e, depois, para o pensamento da guerra, etc. Já um agricultor passará do pensamento do cavalo para o pensamento do arado, do campo, etc. E, assim, cada um, dependendo de como se habituou a unir e a concatenar as imagens das coisas, passará de um certo pensamento a este ou àquele outro.”
  • 12
    Curiosamente, a definição 11, do Livro I dos Elementos de Euclides passa antes por uma mirada sobre as propriedades do círculo que pela causa que gera a figura. Espinosa se apropria da ordem geométrica de Euclides, mas coerentemente emenda definições que não condizem com seu próprio método. Lê-se nos Elementos (Euclides, El.: I, def.11): “Círculo é uma figura plana contida por uma linha [que é chamada circunferência], em relação à qual todas as retas que a encontram [até a circunferência do círculo], a partir de um ponto dos postos no interior da figura, são iguais entre si.”
  • 13
    Cf. TEI, §§ 92, 95 e 96. Como explica Deleuze, “[a] causa como razão suficiente é aquilo que, sendo dado, faz com que todas as propriedades da coisa também o sejam e, sendo suprimido, faz com que as propriedades o sejam também. Definimos o plano pelo movimento da linha, o círculo pelo movimento de uma linha cuja extremidade é fixa, a esfera pelo movimento de um semicírculo. Na medida em que a definição da coisa exprime a causa eficiente, ou a gênese do definido, é a ideia da coisa que exprime sua própria causa: fizemos da ideia algo de adequado.” (Deleuze, 1969DELEUZE, Gilles. Spinoza et le problème de l’expression. Paris: Éditions de Minuit, 1969.: 120).
  • 14
    “O homem não é a medida de todas as coisas, pois todas as coisas são uma medida singular do mesmo ser do qual o homem também é uma medida diferente. O pensamento não é outra coisa senão uma medida que revela também aquele que mede, e não apenas o medido. O pensar nunca é o produto de um sujeito, ele é sempre um processo cuja causa se encontra na potência que ele expressa.” (Souza, 2013_________. Spinoza e o sentido. In. Revista Conatus. Fortaleza: UECE, 2013, v.7, nº 14, p. 19-29.: 20)
  • 15
    Por maior que tenha sido a coragem intelectual que animava Espinosa, a forma como a obra me afeta inverte a prevalência da afirmação de Marilena Chaui, segundo a qual, lendo Espinosa, "sentimo-nos testemunhas de um discurso cuja força, afinal, não se mede apenas pela extraordinária eficácia dos argumentos, mas sobretudo pela fecundidade que o anima e encoraja” (Chaui, 2006_________. A nervura do real. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.: 41 - grifo meu).
  • 16
    Sobre essa dupla articulação do agenciamento, cf. Deleuze, e Guattari, 2004DELEUZE, G. e GUATTARI, F.. Mil Platôs - capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004.: 53-55.
  • 17
    Sobre o múltiplo simultâneo ou pluralidade simultânea (plura simul) na obra de Espinosa, cf. Chaui, 2016_________. A nervura do real II. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.: principalmente 157-8.
  • 18
    Há leitura contemporânea interessante que propõe uma “salvação” para a mulher a partir da parte V da Ética, ainda que sem desconsiderar o preconceito de Espinosa, que existe porque, apesar de sua crítica nominalista à compreensão das coisas por meio de gêneros e espécies, o filósofo não se furta a aceitar um estatuto do feminino inferior por natureza e não por convenção: Ferreira, 2003FERREIRA, Maria Luísa Ribeiro. Uma suprema alegria: escritos sobre Espinosa. Coimbra: Quarteto, 2003.: 253-267. Em defesa de Espinosa, especificamente na exclusão da mulher da cidadania no regime democrático, cf. Matheron, 2011_________. Spinoza et la proprieté. In : Études sur Spinoza et les philosophies de l’âge classique. Lyon: ENS Éditions, 2011, p. 253-266.: 287-304.
  • 19
    Essa, aliás, é a sugestão metodológica de Negri já citada: Negri, 1993NEGRI, Antonio. A anomalia selvagem. São Paulo: Editora 34, 1993.: 26.
  • 20
    Num belo texto, Deleuze defende que, além dos problemas ontológicos, os três grandes problemas práticos fundamentais com que se defronta a Ética - acerca da consciência, dos valores e das paixões - são estes: “Como alcançar um máximo de paixões alegres, e, a partir daí, como passar aos sentimentos livres ativos (quando o nosso lugar na Natureza parece condenar-nos aos maus encontros e às tristezas)? Como conseguir formar ideias adequadas, de onde emergem precisamente os sentimentos ativos (quando a nossa condição natural parece condenar-nos a ter de nosso corpo, de nosso espírito e das outras coisas apenas ideias inadequadas)? Como chegar a ser consciente de si mesmo, de Deus e das coisas - sui et Dei et rerum aeterna quadam necessitate conscius (quando a nossa consciência parece ser inseparável de ilusões)?” (Deleuze, 2002_________. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002.: 34)
  • 21
    Cf. textos fundamentais de Chaui (2011_________. Desejo, paixão e ação na Ética de Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.: 133-172 e 173-191), que realçam o “sentido profundo” da segurança como “a um só tempo condição e expressão da liberdade política” (Chaui, 2011_________. Desejo, paixão e ação na Ética de Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.: 191).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2018
  • Aceito
    10 Abr 2019
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