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Deslocados ambientais: uma análise com base na dignidade da pessoa humana

Resumo

Considerando que a ocorrência de desastres ambientais é uma realidade cada vez mais frequente, busca-se apresentar uma nova situação de mobilidade humana: o deslocamento ambiental, pois a degradação e deterioração do meio ambiente pode ganhar proporções de modo a inviablizar a sobrevivência e subsistência de indíviduos ou comunidades em seus locais de origem. Tal situação compromete gravemente o modo de vida adotado, inclusive pode ser entendida como violação de direitos humanos, de modo que se converte em tema legítimo de interesse da comunidade internacional. Entretanto, o que se vê sobre o deslocamento humano por causas ambientais é um vazio normativo.

Palavras-chave:
Deslocados ambientais; Dignidade da pessoa humana; Desastres ambientais

Abstract

Considering that the occurrence of environmental disasters is an increasingly frequent reality, we seek to present a new situation of human mobility: the environmental displacement, since the degradation and deterioration of the environment can gain proportions in order to invade the survival and subsistence of individuals or communities in their places of origin. Such a situation seriously compromises the way of life adopted and can be understood as a violation of human rights, so that it becomes a legitimate subject of interest for the international community. However, what is seen about human displacement from environmental causes is a normative void.

Keywords:
Environmental displacement; Dignity of human person; Environmental disasters

1. Introdução

Conviver com a certeza de que deixaremos um mundo melhor aos nossos descendentes se torna cada vez mais utópico, considerando que nas sociedades contemporâneas prevalece valores individuais, estimulados pela concepção de desenvolvimento pautada no crescimento econômico (FRANZOLIN; ROQUE, 2017FRANZOLIN, Cláudio José; ROQUE, Luana Reis. Princípio do desenvolvimento sustentável e os resíduos sólidos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT,v. 86. p. 67-96, abr./jun. 2017., p.68).

Descortina-se uma sociedade de risco (BECK, 2010BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade [Tradução: Sebastião Nascimento]. São Paulo: Ed. 34, 2010., p 57), que anuncia problemas ambientais complexos perante a comunidade internacional, demonstrando, muitas vezes, a insuficiência de mecanismos jurídicos capazes de se adequar a essa nova realidade.

Surgem, portanto, desafios estruturados na análise dos indivíduos que se veem obrigados a se deslocarem de seus locais de origem, algumas das vezes sem nenhuma perspectiva de regresso, para evadirem-se desses meios, que não lhes oferecem mais condições de subsistência em decorrência de desastres ambientais ou da degradação do meio ambiente. São pessoas vitimadas e as quais se encontram de mãos atadas perante a falta de proteção jurídica específica no Direito Internacional1 1 O Direito Ambiental tem como fonte o Direito Internacional que é responsável pela renovação daquele ramo e pela criação de inúmeros princípios de proteção do meio ambiente. Nesse sentido, a partir de 1960, iniciou-se a tomada de consciência entre os Estados Internacionais sobre os problemas ambientais. De modo que, desde então o Direito Internacional do Meio Ambiente tem sido fomentado com diversos eventos e documentos internacionais na busca de uma regulamentação global do meio ambiente (CRUZ, 2006, p. 9-10). (e até mesmo local), já que não se enquadram no status convencional de refugiados2 2 Segundo Beurier (2010, apud SILVA, DUARTE JÚNIOR E ARAÚJO, 2017, p. 26) “esses migrantes forçados não têm um estatuto, não se beneficiam de qualquer proteção específica, que seja juridicamente reconhecida”. .

Assim, o presente artigo, utilizando o procedimento metodológico dedutivo através de pesquisas bibliográficas de artigos, livros, doutrinas e documentos internacionais, propõe-se, sem a pretensão de esgotar, apresentar reflexões acerca do deslocamento populacional por fatores ambientais à luz da dignidade da pessoa humama, especialmente por identificar uma interdependência entre Direitos Humanos e Direito Ambiental.

2. Uma premissa metodológica necessária: delimitação conceitual de desastre e a sociedade de riscos

A forma continuada de crescimento e de desenvolvimento econômico contemporâneo, impulsionado pelo despertar da inovação, da tecnologia e dos novos conhecimentos, potencializam novas atividades empresariais, novos produtos, novas necessidades.

Só que o avanço da tecnologia, cada vez mais reflete, conforme Ulrick Beck, na natureza, na sociedade e na própria situação da pessoa (1998BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad [Traducción: Jorge Navarro; Daniel Jiménez; Maria Rosa Borrás]. Barcelona, Ediciones Paidós Ibérica, 1998., p. 26). Ou seja, é o que autor, denomina como autoameaça civilizatória (BECK, 1998BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad [Traducción: Jorge Navarro; Daniel Jiménez; Maria Rosa Borrás]. Barcelona, Ediciones Paidós Ibérica, 1998., p. 28), típica da sociedade de riscos. O que merece destaque é que articular a sociedade de riscos com desastres, captando os ensinamentos de Daniel Farber, referem-se aos aspectos relacionados à compensação e o desenvolvimento de resiliência; além disso, aponta o autor, o desastre também demanda do observador outros aspectos, como, planejamento e cálculo de riscos, questões de segurança, atos da natureza, deficiências da natureza, efeitos outros (FARBER, 2019FARBER, Daniel. Navegando a interseção entre o direito ambiental e o direito dos desastres. FARBER, Daniel A.; CARVALHO, Delton Winter de. [Organizadores]. Estudos aprofundados em direito dos desastres: interfaces comparadas. 2 ed. Curitiba, Apris, 2019, p. 23-49., p. 28).

Acrescente-se a essa análise, que a preocupação com os deslocados é porque, dada a magnitude dos empreendimentos e da forma como o ser humano passa a manipular e querer controlar a natureza, compromete o próprio sentido civilizatório. Ou seja, conforme bem esclarece Delton Winter de Carvalho (2015CARVALHO, Délton Winter de. Desastres ambientais e sua regulação jurídica: deveres de prevenção, resposta e compensação ambiental. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, p. 21., p. 21) os graves acidentes e eventos que provocam impactos sociais e ambientais nas comunidades, despertam o estudo acerca dos desastres porque eles podem levar aos mais variados desdobramentos. Um dos impactos sociais que podemos notar é o deslocamento de pessoas, que é justamente o que se estuda e se pretende abordar nesse artigo.

Essa perspectiva ajuda a compreender que, se num primeiro momento, o desastre era visto como um fenômeno divino; se num segundo momento, o desastre era percebido como uma demonstração do poder da natureza, no contexto contemporâneo, por sua vez, ingressa também a situação de vulnerabilidade social (CARVALHO, 2015CARVALHO, Délton Winter de. Desastres ambientais e sua regulação jurídica: deveres de prevenção, resposta e compensação ambiental. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, p. 21., p. 21). Assim, os desastres também estão associados à densidade populacional, à crescente ação humana decorrente da sociedade industrial, à degradação ambiental, dentre outros fatores (FREITAS, 2014FREITAS, Christiana Galvão Fereira de. Perspectivas e desafios à gestão de riscos e desastres: uma análise sobre a configuração do direito de desastres no mundo e no Brasil. [Tese de Doutorado]. Universidade de Brasília [Programa de Pós Graduação em Direito], 2014., p. 25).

Como bem destaca Beck (1998BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad [Traducción: Jorge Navarro; Daniel Jiménez; Maria Rosa Borrás]. Barcelona, Ediciones Paidós Ibérica, 1998., p. 57), o processo de industrialização e de modernização tem despertado, desde o século XIX, consequencias catastróficas, tais quais, cita o autor: escassez, miséria, destruição das bases naturais da vida, situações essas, cada vez mais associadas às variadas atuações do homem na natureza, podendo assim, repercutir com maior ou menor intensidade na vida e na sociedade.

Nesse sentido, conforme Glossário da Defesa Civil, desastre se apresenta como “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e conseqüentes prejuízos econômicos e sociais” (GLOSSÁRIO DE DEFESA CIVIL, p.57)

3. Deslocados ambientais: uma identidade em construção

Há algumas décadas, a degradação e os desastres ambientais, principalmente os associados às mudanças climáticas3 3 “A mudança climática é um dos maiores responsáveis pelos atuais fluxos migratórios. Segundo o relatório do Centro de Monitoramento de Deslocados Internos (IDMC), em 2014 houve 19,3 milhões de refugiados climáticos no mundo. Entre 2008 e 2015 registraram-se em média 26,4 milhões de deslocados por ano, o que representa quase uma pessoa por segundo” (INSTITUTO SOCIAMBIENTAL, 2015). No mesmo sentido, “millones de personas, en todo el planeta, se ven forzadas a abandonar su tierra y refugiarse en otros países, generando una diáspora sin precedentes. La violencia, lãs hambrunas o la violación de los derehos humanos son, entre otros, los motivos que llevan al refugio. Hoy, además, el cambio climático, ha propiciado um nuevo tipo de parias, de errantes, de refugiados: los refugiados ambientales” (BRAVO, 2013, p. 12). , fizeram emergir uma nova causa de fluxo populacional (GONZÁLEZ, 2013GONZÁLEZ, Susana Álvarez. La necesidad de una nueva categoría jurídica para la protección de los desplazados forzosos por causas medioambientales. In: BRAVO, Álvaro Sanches; MISAILIDIS, Mirta Lerena (Orgs.). Os direitos fundamentais dos refugiados (deslocados) ambientais e da exclusão socioeconômica. São Paulo: Editora Verbatim, 2013. p. 17-28., p.17-18)4 4 Ernani Contipelli destaca que deve haver um nexo de causalidade para que se possa falar em deslocamento ambiental, ou seja, o desastre ambiental deve ser reconhecido como um fator que contribuiu para a migração ambiental forçada dentro do território do Estado ou para além de suas fronteiras políticas (CONTIPELLI, 2018). diversa das que envolvem razões políticas, sociais e econômicas, de modo que, por fatores antropocêntricos ou naturais, indivíduos, grupos e/ou comunidades são forçados a se deslocarem, abandonando, temporariamente ou definitivamente, seus locais de origem, alguma das vezes, atravessando as fronteiras de seus países (RAMOS, 2011RAMOS, Érika Pires. Refugiados ambientais: em busca de reconhecimento pelo Direito Internacional. 2011. 150 f. Tese (Doutorado em Direito Internacional) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011, 150 p. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/eventos/Refugiados_Ambientais.pdf?view=1>. Acesso em: 01.mar.2018.
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Docume...
, p.19).

Assim, o fluxo migratório decorrente de impactos e alterações no meio ambiente é uma nova vertente da mobilidade humana (crise ambiental), concorrendo com mobilidades resultantes de aspectos econômicos, políticos e sociocultural, identifica uma dimensão humana (RAMOS, 2011RAMOS, Érika Pires. Refugiados ambientais: em busca de reconhecimento pelo Direito Internacional. 2011. 150 f. Tese (Doutorado em Direito Internacional) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011, 150 p. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/eventos/Refugiados_Ambientais.pdf?view=1>. Acesso em: 01.mar.2018.
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Docume...
, p.19). Essa situação se depreende de eventos relacionados com a degradação e deterioração do meio ambiente, que ocasionam deslocamento humano, tal como o desastre nuclear de Chernobyl5 5 “No dia 26 de abril de 1986, à 1h23min58, uma série de explosões destruiu o reator e o prédio do quarto bloco da Central Elétrica Atômica (CEA) de Tchernóbil, situado bem próximo à fronteira de Belarús (...). Depois de Tchernóbil, o país perdeu 485 aldeias: setenta delas estão sepultadas sob a terra para sempre. A mortalidade na guerra (referência a Segunda Guerra Mundial) foi de um para cada quatro bielorrussos; hoje, um em cada cinco vive em território contaminado (...). As explosões lançaram na atmosfera 50x106Ci de radionuclídeos, dos quais 70% caíram sobre a Belarús: 23% do seu território está contaminado por radionuclídeos de densidade superior a 1 Ci/km² de césio-137. Para fins de comparação: a Ucrânia teve 4,8% do seu território contaminado, e a Rússia 0,5%” (ALEKSIÉVITCH, 2016, p. 9-10). (Grafia no original) , afetando 6 milhões de pessoas, das quais mais de 300 mil foram evacuadas de seus lares (CARVALHO et. al., 2018CARVALHO, Délton Winter de et al. Reflexões acerca do Desastre Antropogênico, suas Vulnerabilidades Constitutivas e Consequências: um Olhar sobre Chernobyl. In: JUBILUT, Liliana Lyra et al (Org.). Refugiados ambientais. Boa Vista: Edufrr, 2018. p. 708-743. Disponível em: <https://ufrr.br/editora/index.php/editais?download=401:refugiados-ambientais>. Acesso em: 12.fev. 2018.
https://ufrr.br/editora/index.php/editai...
, p. 712).

Tal fato revela-se bem, como um exemplo de crise humanitária que surgiu em virtude de um desastre ambiental6 6 Com base nos ensinamento de Cláudio Tadeu Cardoso Fernandes, Érika Pires Ramos indica que os próximos conflitos armados estarão relacionados com problemas ambientais, seja para defender ou assegurar recursos naturais, seja por locais mais seguros (RAMOS, 2011, p. 34). Incusive, os efeitos das mudanças climáticas ameaça a paz e a segurança internacional (que teve seu conceito abrandado para incluir ameaças não militares, tal como a ambiental), já que pode desencadear conflitos econômicos e sociais entre os países (Ibidem, p 41). . Ou seja, é uma situação, assim como outras, que motivam deslocamentos humanos e, por conseguinte, despertam conflitos entre os Estados pela busca de locais mais seguros ou, até mesmo, pela busca acirrada de recursos naturais escassos7 7 Em 1995, o cientista Norman Myers já apontava que a questão dos refugiados ambientais estaria inclusa entre uma das maiores crises da humanidade, pois os problemas ambientais geram problemas políticos, econômicos e sociais, dando causa a conflitos e violência, que demandam, por sua vez, respostas imediatas da comunidade internacional para manter a segurança (RAMOS, 2011, p. 43). .

O desastre de Chernobyl tornou-se um problema global - vide o caso da importação de leite e seus derivados da Europa pelo Brasil, no qual, em 1986, o Ministério Público Federal em litisconsórcio como o Ministério Público de São Paulo ingressou com uma ação civil pública para impedir a comercialização dos produtos diante do risco de contaminação por radioatividade8 8 A ação civil pública objetivava a proibição da importação, venda, comercialização ou disponibilização de leite e de seus derivados provenientes do Mercado Comum Europeu, que continham indícios de contaminação radioativa após o acidente nuclear. Em sentença de 1° grau, proferida pela 26ª Vara Federal em São Paulo, foi determinada a proibição, ponderando-se que os direitos à vida, à integridade física e à saúde têm assento constitucional, portanto, devem ser protegidos. Ademais, não há segurança quanto aos efeitos do consumo do leite e derivados contaminados pelos elementos Césio 134 e Césio 137. Portanto, não poderia o produto ser oferecido para a população nem a título gratuito e, menos ainda, sem que ela seja informada a respeito do que está consumindo e dos riscos a que está sujeita. Tal decisão foi mantida no TRF 3 em acórdão da apelação Cível 0937212-35.1986.4.03.6100/SP (LEX MAGISTER). -, haja vista que, além de registrar altos níveis de radiação em alguns países da Europa, atingiu países da Ásia e da América do Norte (SVETLANA, 2016, p. 11), de forma a fomentar questionamentos globais sobre a proporção que os danos ambientais podem atingir e a tutela dos direitos (humanos) dos indivíduos que são afetados, tal como as vítimas que são forçadas a se deslocarem.

Sendo assim, é evidente que os desastres (catástrofes) ambientais têm motivado um deslocamento populacional, o qual pode, inclusive, ser entendido como clara violação aos Direitos Humanos (LUCHINO; RIBEIRO, 2016LUCHINO, Maria De Las Mercedes Rodríguez Fontán; RIBEIRO, Wagner Costa. Refugiados ambientais e a atuação do ACNUR como organismo internacional de proteção. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 11, n. 3, p. 890-914, 2016. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/311620086_REFUGIADOS_AMBIENTAIS_E_A_ATUACAO_DO_ACNUR_COMO_ORGANISMO_INTERNACIONAL_DE_PROTECAO>. Acesso em: 08.fev.2018.
https://www.researchgate.net/publication...
, p. 895), já que seus impactos colocam em perigo a vida (ou sobrevivência) dos indivíduos afetados, surgindo, então, o que parte da doutrina tem denominado “refugiados ambientais”9 9 “el término “refugiado medioambiental” se popularizó tras un informe del mismo título realizado por Essam El-Hinnawi en el ámbito del Programa de Naciones Unidas para el Medio Ambiente en 1985. Desde entonces, se há extendido su utilización, a nível doctrinal, para hacer referencia a aquellas personas obligadas a desplazarse de su lugar de origen, de forma temporal o permanente, por a degradación medioambiental, bien sea por causas naturales o por la acción del hombre, que ponga en peligro su existencia o afecte gravemente a su calidad de vida”(GONZÁLEZ, 2013, p. 19-20.). . Inclusive, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) define:

refugiados ambientais são pessoas que foram obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona tradicional onde vivem, devido ao visível declínio do ambiente (por razões naturais ou humanas) perturbando a sua existência e/ou a qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência dessas pessoas entra em perigo (EQUIPE ACNUR, 2013).

Entretanto, partindo-se da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, que versa sobre o refúgio, é notória a inadequação da terminologia “refugiados ambientais”, pois este documento não é direcionado à proteção dos deslocados ambientais, sendo limitado aos deslocamentos populacionais forçados em decorrência da 2° Guerra Mundial, referindo-se aos perseguidos que se veem obrigados a deixar sua residência por questões de raça, religião, nacionalidade, grupos sociais ou opiniões políticas10 10 “(...) o artigo 1º, §1º, (c) da Convenção de 51 é expresso em estabelecer a perseguição e/ou o fundado temor de perseguição como essenciais à definição do instituto jurídico do refúgio. Indica, igualmente, que suas razões geradoras ligam-se, de forma exclusiva (numerus clausus), aos motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas dos indivíduos, ou seja, ausente entre estas restritas hipóteses, as mudanças climáticas e/ou desastres naturais” (BIAZATTI; PEREIRA, 2018, p. 170). .

Inclusive, em março de 1996, em análise ao art. 1º da Convenção, a União Europeia pontuou os elementos subjetivos e objetivos baseados em questões políticas e sociais (GONZÁLEZ, 2013GONZÁLEZ, Susana Álvarez. La necesidad de una nueva categoría jurídica para la protección de los desplazados forzosos por causas medioambientales. In: BRAVO, Álvaro Sanches; MISAILIDIS, Mirta Lerena (Orgs.). Os direitos fundamentais dos refugiados (deslocados) ambientais e da exclusão socioeconômica. São Paulo: Editora Verbatim, 2013. p. 17-28., p.21), não incluindo, todavia, os migrantes por desastres ambientais na abrangência do quadro normativo vigente. Tampouco o protocolo de Nova Iorque sobre Estatuto dos Refugiados de 1967, que ampliou aspectos temporais e geográficos, teve condão de contemplar o disciplinamento jurídico desse novo grupo de migrantes forçados (SILVA; JÚNIOR; ARAÚJO, 2017SILVA, José Antônio Tietzmann e; DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira; ARAÚJO, Luciane Martins de. Os refugiados ambientais: à luz da proteção internacional dos direitos humanos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, abr./jun. 2017., p. 24).

Assim, considerando que a legislação vigente é incapaz de incluir as vítimas que se deslocam em virtude de desastres ambientais, surgem discussões acerca do sentindo e alcance da expressão “refugiados ambientais”, as quais, para Ramos (2011RAMOS, Érika Pires. Refugiados ambientais: em busca de reconhecimento pelo Direito Internacional. 2011. 150 f. Tese (Doutorado em Direito Internacional) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011, 150 p. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/eventos/Refugiados_Ambientais.pdf?view=1>. Acesso em: 01.mar.2018.
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Docume...
, p. 20), estão longe de se chegar a um consenso (ou uniformidade), sendo certo que tal expressão não inclui conjuntamente os migrantes ambientais que saem dos seus países de origem e as pessoas internamente deslocadas.

Portanto, para tratar dos indivíduos que são obrigados a se deslocarem para evadirem-se de danos causado por um desastre ambiental, neste texto optou-se por adotar a nomenclatura: “deslocados ambientais” (LUCHINO; RIBEIRO, 2016LUCHINO, Maria De Las Mercedes Rodríguez Fontán; RIBEIRO, Wagner Costa. Refugiados ambientais e a atuação do ACNUR como organismo internacional de proteção. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 11, n. 3, p. 890-914, 2016. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/311620086_REFUGIADOS_AMBIENTAIS_E_A_ATUACAO_DO_ACNUR_COMO_ORGANISMO_INTERNACIONAL_DE_PROTECAO>. Acesso em: 08.fev.2018.
https://www.researchgate.net/publication...
, p.895-896) de modo genérico, tendo apenas como critério de distinção a mobilidade externa e a mobilidade interna, por entender que os aspectos essenciais do termo “refugiado” mencionados acima são restritivos, inclusive, muitas vezes, sequer são adaptados para garantir a proteção dos refugiados em geral.

Assim, pela definição dada pela Convenção de 1951 e pelo Estatuto dos Refugiados de 1967 aos refugiados, é irrefutável a existência de uma lacuna normativa em relação ao deslocamento ambiental, em especial àquelas pessoas que atravessam as fronteiras políticas de um país (LUCHINO; RIBEIRO, 2016LUCHINO, Maria De Las Mercedes Rodríguez Fontán; RIBEIRO, Wagner Costa. Refugiados ambientais e a atuação do ACNUR como organismo internacional de proteção. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 11, n. 3, p. 890-914, 2016. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/311620086_REFUGIADOS_AMBIENTAIS_E_A_ATUACAO_DO_ACNUR_COMO_ORGANISMO_INTERNACIONAL_DE_PROTECAO>. Acesso em: 08.fev.2018.
https://www.researchgate.net/publication...
, p. 893). Portanto, é preciso refletir se é suficiente ampliar ou adaptar a legislação de refúgio em vigor para assegurar efetiva proteção internacional aos deslocados ambientais.

3.1 A dificuldade (e necessidade) de um marco jurídico

A inexistência de amparo jurídico (SILVA; JÚNIOR; ARAÚJO, 2017SILVA, José Antônio Tietzmann e; DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira; ARAÚJO, Luciane Martins de. Os refugiados ambientais: à luz da proteção internacional dos direitos humanos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, abr./jun. 2017., p. 23) e o equívoco na terminologia “refugiados ambientais” são aspectos que permeiam a situação de deslocamento em virtude de desastres ambientais e, que acaba por dificultar o reconhecimento jurídico em âmbito internacional dessa nova classe de migrantes (CONTIPELLI; SAAD, 2018CONTIPELLI, Ernani; OLALLA SAAD, Thaís. Evento do Programa de Seminário do Observatório das Migrações em São Paulo com o tema Migrações Climáticas, Direitos Humanos e a Necessidade de um Marco jurídico Internacional, realizado em 04 de abril de 2018. Anotações pessoais.).

Sobre as migrações climáticas, Contipelli (2018CONTIPELLI, Ernani; OLALLA SAAD, Thaís. Evento do Programa de Seminário do Observatório das Migrações em São Paulo com o tema Migrações Climáticas, Direitos Humanos e a Necessidade de um Marco jurídico Internacional, realizado em 04 de abril de 2018. Anotações pessoais.) considera que a terminologia utilizada para categorizar a migração ambiental não reflete adequadamente a complexidade da situação de deslocamento. Aliás, a multiplicidade de termos dificulta a compreensão científica dos indivíduos integrantes da categoria de migrantes ambientais, impedindo, inclusive, um reconhecimento internacional que lhes garanta efetiva proteção. Sustenta, ainda, que classificá-los como refugiados pode gerar desencontros com mecanismo, critérios e conceitos já sedimentados na legislação internacional atribuída pela Convenção de 1951. Podendo, até, demandar esforços que ultrapassam os limites da assistência humanitária com a reestruturação do sistema de governança internacional vigente (RAMOS 2011RAMOS, Érika Pires. Refugiados ambientais: em busca de reconhecimento pelo Direito Internacional. 2011. 150 f. Tese (Doutorado em Direito Internacional) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011, 150 p. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/eventos/Refugiados_Ambientais.pdf?view=1>. Acesso em: 01.mar.2018.
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Docume...
, p. 68-69).

Portanto, quando se analisa que em 2050, o êxodo ambiental será responsável por atingir cerca de 200 milhões de pessoas (RAMOS, 2011RAMOS, Érika Pires. Refugiados ambientais: em busca de reconhecimento pelo Direito Internacional. 2011. 150 f. Tese (Doutorado em Direito Internacional) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011, 150 p. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/eventos/Refugiados_Ambientais.pdf?view=1>. Acesso em: 01.mar.2018.
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Docume...
, p. 22.), conclui-se que a situação de deslocamento é muito mais complexa do que uma questão de definição da nomenclatura (refugiados ou deslocamento), pois gera novas situações jurídicas que precisam ser regulamentadas pela comunidade internacional, ou seja, é necessária a elaboração de um quadro normativo específico em âmbito internacional e nacional (CONTIPELLI, 2018CONTIPELLI, Ernani; OLALLA SAAD, Thaís. Evento do Programa de Seminário do Observatório das Migrações em São Paulo com o tema Migrações Climáticas, Direitos Humanos e a Necessidade de um Marco jurídico Internacional, realizado em 04 de abril de 2018. Anotações pessoais.).

Nessa perspectiva, verifica-se que, a depender da dimensão que o dano ambiental assume, o Estado nacional é responsável por geri-lo e pela proteção de seus habitantes. Fala-se, assim, no deslocamento ambiental interno. Por outro lado, os impactos ambientais podem ultrapassar os limites geográficos, fazendo com que grupos e indivíduos cruzem os limites territoriais do seu Estado na busca de abrigo, de modo a garantir a subsistência e sobrevivência. Neste caso, haverá o deslocamento ambiental externo, para o qual inexiste alguma proteção ou regulamentação internacional (LUCHINO; RIBEIRO, 2016LUCHINO, Maria De Las Mercedes Rodríguez Fontán; RIBEIRO, Wagner Costa. Refugiados ambientais e a atuação do ACNUR como organismo internacional de proteção. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 11, n. 3, p. 890-914, 2016. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/311620086_REFUGIADOS_AMBIENTAIS_E_A_ATUACAO_DO_ACNUR_COMO_ORGANISMO_INTERNACIONAL_DE_PROTECAO>. Acesso em: 08.fev.2018.
https://www.researchgate.net/publication...
, p. 900).

Com isso, despertam-se questionamentos acerca da aplicação de fontes alternativas a partir de adaptações por meio de mecanismos internacionais, com o intuito de garantir a proteção aos deslocados ambientais. Sobre essa perspectiva Silva, Duarte Júnior e Araújo (2017SILVA, José Antônio Tietzmann e; DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira; ARAÚJO, Luciane Martins de. Os refugiados ambientais: à luz da proteção internacional dos direitos humanos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, abr./jun. 2017., p.25) relembram que, embora haja uma inadaptação legislativa em âmbito internacional sobre a situação de deslocamento ambiental, há documentos como, por exemplo, a Declaração de Cartagena de 1984, que apontam a necessidade de um abrandamento do conceito de refugiados, de forma a incluir vítimas de outros tipos de deslocamentos populacionais, tal como por motivos econômicos, decorrentes de desastres naturais, violação de direitos humanos etc.

Entretanto, para eles, tais textos normativos não teriam condão de “garantir automaticamente plena proteção aos deslocados ambientais, na medida em que seu reconhecimento depende, ainda, de cada Estado” (SILVA; JÚNIOR; ARAÚJO, 2017SILVA, José Antônio Tietzmann e; DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira; ARAÚJO, Luciane Martins de. Os refugiados ambientais: à luz da proteção internacional dos direitos humanos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, abr./jun. 2017., p. 25).

Portanto, considerando que as migrações ambientais são cada vez mais corriqueiras, propiciando um cenário de riscos e ameaças à vida humana, é indispensável a elaboração de uma regulamentação específica a ser definida pelo Direito Internacional, que reconheça indivíduos e grupos em situações de risco por causas que não estejam relacionadas a situações de conflito ou perseguição, isto é, com o fim de regulamentar a situação das vítimas de desastres ambientais, a criação de novos órgãos e mecanismos institucionais de proteção.

Para sanar a lacuna existente no Direito Internacional sobre a situação de deslocamento ambiental nos Estados, Vieira e Cavedon discorrem sobre o Projeto de Convenção sobre o Estatuto Internacional dos Deslocados Ambientais, de Limoges na França, o qual

tem como objeto contribuir para garantir direitos aos deslocados ambientais e organizar seu acolhimento e seu eventual retorno aos seus lugares de origem. (...) Reconhece como direitos comuns a todos os deslocados ambientais: 1) direito à informação e à participação; 2) direito à assistência e socorro; 3) direito à água e à ajuda alimentar; 4) direito à habitação; 5) direito ao cuidado médico; 6) proteção dos direitos da pessoa; 7) direito ao respeito da unidade familiar; 8) direito à educação e à formação; 9) direito à subsistência pelo trabalho (VIERA; CAVEDON, 2013VIERA, Ricardo Stanziola; CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre desastres ecológicos, vulnerabilidade ambiental, direitos humanos e deslocados ambientais: novas perspectivas. In: BRAVO, Álvaro Sanches, MISAILIDIS, Mirta Lerena (Orgs.). Os direitos fundamentais dos refugiados (deslocados) ambientais e da exclusão socioeconômica. São Paulo: Editora Verbatim, 2013. p. 81-98., p. 94).

Ademais, referido projeto, além de prever direitos específicos aos deslocados temporários e definitivos, prevê “uma estrutura administrativa e organizada para a implementação da Convenção, especialmente pela criação de uma Agência Mundial para os Deslocados Ambientais” (VIERA; CAVEDON, 2013VIERA, Ricardo Stanziola; CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre desastres ecológicos, vulnerabilidade ambiental, direitos humanos e deslocados ambientais: novas perspectivas. In: BRAVO, Álvaro Sanches, MISAILIDIS, Mirta Lerena (Orgs.). Os direitos fundamentais dos refugiados (deslocados) ambientais e da exclusão socioeconômica. São Paulo: Editora Verbatim, 2013. p. 81-98., p. 94).

Portanto, o Projeto de Convenção sobre o Estatuto Internacional dos Deslocados Ambientais serve de parâmetro para o desenvolvimento de uma legislação específica, regulamentadora da situação de deslocamento ambiental, capaz de definir a abrangência da proteção, a criação de órgãos e, de esclarecer os direitos e deveres entre as vítimas de deslocamento ambiental e os países que as acolhem e o dever de prestar assistência.

4. Breves aproximações entre a situação de deslocamento ambiental com direitos humanos

Uma tempestade pode desabrigar e interromper a dinâmica cotidiana de milhares de pessoas, bem como o acúmulo e descarte inadequado e sem tratamento de resíduos sólidos, além de comprometer a integridade do meio ambiente devido ao seu alto potencial de poluição, pode se tornar um problema de saúde pública (MILARÉ, 2014MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 9ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014., p. 1180). Tais exemplos indicam a existência de um ponto de convergência (e interdependência) entre proteção ambiental e direitos humanos. Motivo pelo qual, Vieira e Cavedon (2013, p. 82), ensinam que “a exposição a riscos e efeitos dos desastres ecológicos pode ser entendida como uma situação de violação de direitos humanos”, inclusive consideram que os deslocados ambientais se encontram em situação especial de vulnerabilidade.

Isso porque, os episódios de desastres ambientais afetam de modo diferenciado indivíduos, grupos e comunidades, já que não são igualmente distribuídos. Dessa forma, fatores como a pobreza pode determinar a distribuição dos custos ambientais, pois interfere na capacidade que os indivíduos têm de se prevenir e proteger dos danos, atingindo até mesmo a questão da mobilidade humana (VIERA; CAVEDON, 2013VIERA, Ricardo Stanziola; CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre desastres ecológicos, vulnerabilidade ambiental, direitos humanos e deslocados ambientais: novas perspectivas. In: BRAVO, Álvaro Sanches, MISAILIDIS, Mirta Lerena (Orgs.). Os direitos fundamentais dos refugiados (deslocados) ambientais e da exclusão socioeconômica. São Paulo: Editora Verbatim, 2013. p. 81-98., p. 83-84) - afinal, nem todos possuem poder aquisitivo para evadir-se de forma imediata a fim de buscar proteção frente a um desastre ambiental.

Evidentemente, que a vulnerabilidade não envolve apenas aspectos econômicos, mas também aspectos técnicos, políticos, sociais, bem como a capacidade de adaptação, absorção, recuperação e respostas perante um desastre ambiental de um grupo de indivíduos ou comunidade (RAMOS, 2011RAMOS, Érika Pires. Refugiados ambientais: em busca de reconhecimento pelo Direito Internacional. 2011. 150 f. Tese (Doutorado em Direito Internacional) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011, 150 p. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/eventos/Refugiados_Ambientais.pdf?view=1>. Acesso em: 01.mar.2018.
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Docume...
, p. 56).

Nessa rota, a comunicação entre a tutela ambiental e os direitos humanos caminha de maneira a proporcionar melhores condições à vida, já que a adoção de um marco jurídico-constitucional que considera a tutela dos direitos sociais e do direto ambiental em um mesmo projeto jurídico-político age de modo a fomentar o desenvolvimento humano (FENSTERSEIFER, 2011FENSTERSEIFER, Tiago. A responsabilidade do Estado pelos danos causados às pessoas atingidas pelo desastres ambientais associados às mudanças climáticas: uma análise à luz dos deveres de poteção ambiental do Estado e da proibição de insufiiência na tutela do direito fundamental ao ambiente. Revista Opin. Jur.: Fortaleza, ano 9, n. 13, p. 322-354, jan./dez. 2011., p. 327). Isso porque, o desenvolvimento econômico, cultural e social apenas se dá em um ambiente sadio (FRANZOLIN; ROQUE, 2017FRANZOLIN, Cláudio José; ROQUE, Luana Reis. Princípio do desenvolvimento sustentável e os resíduos sólidos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT,v. 86. p. 67-96, abr./jun. 2017., p. 79).

Entretanto, cada área seguiu sua própria regulamentação jurídica. Desta forma, a legislação internacional dos direitos humanos11 11 O advento do Direito Humanitário, a Liga da Nações e a Organização Internacional do Trabalho são os primeiros marcos do processo de internacionalização dos direitos humanos, pois determinaram o alcance de obrigações internacionais a serem garantidas ou implementadas coletivamente, transcedendo os interesses exclusivos dos Estados contratantes (PIOVESAN, 2012, p. 180-182). Todavia, a consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos surge em meados do século XX no pós-guerra, momento em que os seres humanos se tornam supérflos e descartáveis, na altura que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, tornando-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável (Ibidem, p. 184). “A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos humanos impulsionou o proceso de internaionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteger os direitos humanos” (Ibidem, p. 185). , inicialmente com a proposta da Carta das Nações Unidas de 1945, que pretendia assegurar a proteção da dignidade humana com a proposta de cooperação internacional, possibilitou a elaboração de normas internacionais e a criação de instituições que garantisse um rol mínimo de direitos. Ela, ainda, preocupou-se com a proteção do bem-estar individual, ao passo que a legislação ambiental tinha como foco a proteção do bem-estar coletivo (BOSSELMANN, 2010BOSSELMANN, Klaus. Direitos humanos, meio ambiente e sustentabilidade. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 73-109., p. 73-74).

Destarte, após a 2ª Guerra Mundial, com o reconhecimento das liberdades fundamentais por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, surgiu o regime internacional para a proteção dos direitos humanos. Desde então, se concretiza o entendimento de que “nenhum Estado pode se eximir da obrigação fundamental de proteger a vida e a dignidade de um indivíduo” (BOSSELMANN, 2010BOSSELMANN, Klaus. Direitos humanos, meio ambiente e sustentabilidade. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 73-109., p. 76).

Em outra perspectiva e concomitantemente originou-se o Direito Ambiental Internacional relacionado aos variados temas, dentre outros, danos decorrentes de desastres ambientais, como, por exemplo, o derramamento de petróleo no mar e acidentes nucleares, que sucederam a 2ª Guerra Mundial (LEITE, 2015LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e estado. In: CANOTILHO, José Joaquim; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 157-242., p. 228). Desde então, as normas de Direito Internacional têm contribuído para a proteção do meio ambiente, sobretudo com a criação de diretrizes e à renovação do Direito Ambiental12 12 Segundo Morato Leite (2015, p. 228) “o Direito Internacional Ambiental instrumentalizou a necessidade de preservar o meio ambiente, editando convenções e declarações internacionais multilaterais que serviram de base para a formação da legislação ambiental interna de vários países”. .

Entretanto, somente a partir de 1972, com a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, é que houve o adensamento das preocupações e iniciativas internacionais com o meio ambiente propriamente dito, pois o que havia antes eram regulamentações com preocupações de cunho econômico (CRUZ, 2006CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. Direito internacional do meio ambiente: algumas considerações. Revista de Direitos Difusos. v. 38, p. 7-19, jul./ago. 2006., p. 10). Com a Declaração de Estocolmo comunidade internacional traçou uma relação entre direitos humanos e meio ambiente (VIERA; CAVEDON, 2013VIERA, Ricardo Stanziola; CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre desastres ecológicos, vulnerabilidade ambiental, direitos humanos e deslocados ambientais: novas perspectivas. In: BRAVO, Álvaro Sanches, MISAILIDIS, Mirta Lerena (Orgs.). Os direitos fundamentais dos refugiados (deslocados) ambientais e da exclusão socioeconômica. São Paulo: Editora Verbatim, 2013. p. 81-98., p.86).

Posteriomente, a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) trouxe importante contribuição ao atribuir a dimensão ambiental nos direitos humanos, pois seu Príncipio 1 determinou que “os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”.

Assim, cada vez mais crescente é o entendimento de que “o meio ambiente não deve se deteriorar a tal ponto que o direito à vida, o direito à saúde e ao bem-estar, o direito à família e à vida privada, o direito à propriedade e outros direitos fundamentais fiquem gravemente comprometidos” (BOSSELMANN, 2010BOSSELMANN, Klaus. Direitos humanos, meio ambiente e sustentabilidade. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 73-109., p. 77). Verifica-se, portanto, que a proteção ambiental se tornou condição para o gozo dos direitos humanos.

Nesse sentido, Vieira e Cavedon (2013, p. 89) afirmam que “os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos podem se configurar para um espaço de acesso à justiça para as vítimas de catástrofes ecológicas e de reparação das violações sofridas em seus direitos humanos”, tal papel ganha maior destaque quando estamos diante de uma lacuna normativa, tal como ocorre com a regulamentação jurídica do deslocamento ambiental.

Neste ponto, destaca-se o papel inovador da jurisprudência ambiental da Corte Europeia de Direitos Humanos - CEDH, que, com o passar do tempo e ao se deparar com situações de violações de direitos constantes na Convenção Europeia de Direitos Humanos resultantes de causas ambientais adversas, tem colaborado por meio de uma interpretação dinâmica e evolutiva para a construção da concepção do direito ao meio ambiente como direito humano, denominado de direito à qualidade de vida ambiental13 13 Trata-se de uma jurisprudência revolucionária, pois, considerando a inexistência de previsão expressa na Convenção Europeia que visa a proteção ambiental propriamente dita, contribuiu para a criação de um direito subjetivo ao meio ambiente, ou direito à qualidade de vida ambiental como norma internacional de direito humano, representando, portanto, uma conexão entre o direito à vida privada e familiar, direito à saúde, direito ao bem-estar e a proibição de tratamentos desumanos e degradantes, que são expressamente previstos na CEDH (STIVAL; VARELLA, 2017, p. 443 -446). , considerando a sua forma de atuar como um reforço e modo de realização dos demais direitos humanos (STIVAL; VARELLA, 2017STIVAL, Mariane Morato; VARELLA, Marcelo Dias. A construção inovadora do direito ao meio ambiente na jurisprudência europeia de direitos humanos e as possíveis contribuições para o Brasil. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, vol. 87, p. 441-461, jul./set. 2017., p. 443).

Desse modo, tal Convenção que, a priori, não foi elaborada para fornecer proteção ambiental específica, tem sido indiretamente utilizada como alicerce para a defesa do meio ambiente, já que as decisões da Corte que versam sobre o assunto destacam o dever de proibir ingerências ambientais quando os danos atingem a saúde e qualidade da vida humana (STIVAL; VARELLA, 2017STIVAL, Mariane Morato; VARELLA, Marcelo Dias. A construção inovadora do direito ao meio ambiente na jurisprudência europeia de direitos humanos e as possíveis contribuições para o Brasil. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, vol. 87, p. 441-461, jul./set. 2017., p. 445).

Os julgamentos realizados pela CEDH nos casos Guerra e outros v. Itália e Oneryildiz v.Turquia são exemplos da proteção ambiental conferida pela Convenção.

No primeiro caso os demandantes residiam próximos a uma fábrica de fertilizante, que foi responsável pela explosão da sua torre de purificação de gases de amoníaco, contaminando o ar com poluentes químicos e levando diversas pessoas a hospitalização. Aqui, a Corte ponderou que o Estado não cumpria sua obrigação de garantir o direito das vítimas de respeito pela vida privada e familiar, vez que a poluição ambiental afetava o bem-estar dos indivíduos e os impediam de desfrutar de suas moradias (STIVAL; VARELLA, 2017STIVAL, Mariane Morato; VARELLA, Marcelo Dias. A construção inovadora do direito ao meio ambiente na jurisprudência europeia de direitos humanos e as possíveis contribuições para o Brasil. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, vol. 87, p. 441-461, jul./set. 2017., p. 451).

Já, no segundo caso, a Corte reconheceu a responsabilidade do Governo da Turquia tendo como fundamento a violação do direito à proteção da vida (e à boa qualidade de vida) e violação do direito de propriedade em virtude de uma explosão de metano produzida pela decomposição de lixo ocorrida nas proximidades do depósito de lixo municipal de Ümraniye (STIVAL; VARELLA, 2017STIVAL, Mariane Morato; VARELLA, Marcelo Dias. A construção inovadora do direito ao meio ambiente na jurisprudência europeia de direitos humanos e as possíveis contribuições para o Brasil. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, vol. 87, p. 441-461, jul./set. 2017., p. 4457).

Veja, tais exemplos representam uma conexão entre meio ambiente e proteção da vida humana, que nada mais é do que identificar a dignidade da pessoa humana em uma de suas vertentes, conforme se verá a seguir.

4.1 Dignidade da pessoa humana em sua dimensão ecológica

Piovesan (2012PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012., p. 175-176) defende que o fundamento e a natureza dos direitos humanos se baseiam na historicidade, ao passo que se trata de uma invenção humana em um contínuo processo de construção e reconstrução, sendo fruto de um espaço de luta e ação social, na busca por dignidade da pessoa humana.

Sobre esse aspecto, “o Direito Internacional dos Direitos Humanos ergue-se no sentido de resguardar o valor da dignidade da pessoa humana, concebida como fundamento dos direitos humanos” (PIOVESAN, 2012PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012., p. 176-177). Mas, o que é dignidade da pessoa humana14 14 Segundo Antonio Junqueira de Azevedo (2002, p. 91-92), há duas concepções da pessoa humana que dão suporte à ideia de sua dignidade: 1. a insular, que considera a dignidade humana como autonomia individual ou autodeterminação. Para está concepção homem e natureza não se encontram, sendo respectivamente sujeito e objeto. E, aqui reside a insuficiência da concepção insular: o desconhecimento do valor da natureza. Outra insuficiência é revelada pelo seu caráter fechado, subjetivista, já que age com redução da plenitudo hominis, retirando do ser humano seu reconhecimento do próximo, com a capacidade de dialogar e sua vocação espiritual. Assim, essa concepção é antropocêntrica e subjetivamente fechada, pois a diginidade da pessoa humana acaba sendo vista como “qualidade de vida” a ser decidida subjetivamente (Ibidem, p 95); e, 2. a monista, fundada no homem como ser integrado à natureza, participante especial do fluxo vital, isto é, na capacidade do homem de sair de si, reconhecer no outro um igual, usar a linguagem, dialogar e, na sua vocação para o amor, como entrega espiritual a outrem. Para esta concepção o homem faz parte da natureza e não é o único ser inteligente e capaz de querer, ou o único dotado de autoconsciência (Ibide, p. 91-92). ?

Embora anteriormente explorada em um contexto ético por Kant15 15 André de Carvalho esclarece que “para Kant, tudo tem um preço ou uma dignidade: aquilo que tem um preço é substituível e tem equivalente, já aquilo que não admite equivalente, possui uma dignidade. Assim, as coisas possuem preço; os indivíduos possuem dignidade. Nessa linha, a dignidade da pessoa humana consiste que cada indivíduo é um fim em si mesmo, com autonomia para se comportar de acordo com seu arbítrio, nunca um meio ou instrumento para a consecução de resultados, não possuindo preço” (RAMOS, 2015, p. 74). , juridicamente a expressão “dignidade da pessoa humana” é considerada fato histórico recente, que começa a ser examinada a partir de 1945 com sua menção no Preâmbulo da Carta das Nações Unidas (“dignidade e valor do ser humano”). Desde então, no mundo jurídico a expressão tem sido entendida como conceito jurídico indeterminado, utilizada principalmente em normas constitucionais como princípio jurídico, tendo caráter normativo e axiológico porque a dignidade humana é o valor da pessoa humana (AZEVEDO, 2002AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. In: REVISTA USP, São Paulo, n. 53, p. 90-101, mar./maio. 2002., p. 91).

Nesse sentido, André Carvalho Ramos (2015RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 2.ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2015., p. 74), explica que “a origem da palavra “dignidade” vem de dignus, que ressalta aquilo que possui honra ou importância. Com São Tomás de Aquino, há o reconhecimento da dignidade humana, qualidade inerente a todos os seres humanos, que nos separa dos demais seres e objetos”. Ainda, com base nos ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet, conclui que a dignidade humana “consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegura condições materiais mínima de sobrevivência” (RAMOS, 2015RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 2.ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2015., p. 74).

Portanto, a dignidade da pessoa humana é um atributo inerente a todos os seres humanos, um valor que é identificado como princípio jurídico fundamental (AZEVEDO, 2002AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. In: REVISTA USP, São Paulo, n. 53, p. 90-101, mar./maio. 2002., p. 96), cujo conceito está em permanente processo de desenvolvimento e construção (AZEVEDO, 2002, p. 75), tendo, entretanto, que observar os elementos que a qualifica, ou seja, o elemento negativo que proíbe a imposição de tratamento ofensivo, degradante ou discriminação odiosa ao ser humano e o elemento positivo que consiste na defesa da existência de condições materiais mínimas de sobrevivência (RAMOS, 2015RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 2.ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2015., p. 75).

Ademais, ao caracterizar a dignidade humana, Azevedo (2002AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. In: REVISTA USP, São Paulo, n. 53, p. 90-101, mar./maio. 2002., p. 100) conclui que:

a pessoa humana, na verdade, caracteriza-se por participar do magnífico fluxo vital da natureza (é seu gênero mais amplo), distinguindo-se de todos os demais seres vivos pela sua capacidade de reconhecimento do próximo, de dialogar, e, principalmente, pela sua capacidade de amar e sua abertura potencial para o absoluto (é sua diferença específica - concepção da pessoa humana fundada na vida e no amor); c) com esse fundamento antropológico, a dignidade da pessoa humana como princípio jurídico pressupõe o imperativo categórico da intangibilidade da vida humana e dá origem, em sequência hierárquica, aos seguintes preceitos: 1) respeito à integridade física e psíquica das pessoas; 2) consideração pelos pressupostos materiais mínimos para o exercício da vida; e 3) respeito às condições mínimas de liberdade e convivência social igualitária.

Portanto, a dignidade humana fundamenta-se no reconhecimento da intangibilidade da vida. De modo que, seus preceitos nada mais são do que a conjugação do respeito à vida com a capacidade do ser humano de dialogar e de se reconhecer no outro, articulada com condições naturais, materiais e culturais.

É com base nesses preceitos que a dignidade humana deve ser identificada, pois propicia a análise em suas variadas vertentes, por exemplo, ao discorrer sobre Estado Socioambiental, Sarlet e Fensterseifer (2010SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 11-38., p.12), identificam uma dimensão ecológica a integrar o conteúdo normativo do princípio da dignidade da pessoa humana, isso porque, tanto a degradação, quantos os riscos ambientais comprometem significativamente o bem-estar individual e da coletividade, tal como ocorre com a situação de deslocamento, já que muitas vítimas

têm violados seus direitos fundamentais como o direito à vida, à segurança, à liberdade, à igualdade, aos direitos correspondentes às necessidades mínimas tais como alimento, moradia, roupa, saúde, educação, trabalho, religião, cultura, documentação pessoal, as suas propriedades e bens, ao ser cultural do povo. Em outras palavras, são pessoas que perdem a dignidade (LUCHINO; RIBEIRO, 2016LUCHINO, Maria De Las Mercedes Rodríguez Fontán; RIBEIRO, Wagner Costa. Refugiados ambientais e a atuação do ACNUR como organismo internacional de proteção. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 11, n. 3, p. 890-914, 2016. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/311620086_REFUGIADOS_AMBIENTAIS_E_A_ATUACAO_DO_ACNUR_COMO_ORGANISMO_INTERNACIONAL_DE_PROTECAO>. Acesso em: 08.fev.2018.
https://www.researchgate.net/publication...
, p. 892).

Dessa forma, a condição dos deslocados ambientais deve ser reconhecida como verdadeira afronta a dignidade da pessoa humana para que se possa, ao menos, pensar em um texto normativo que traga proteção às vítimas de desastres ambientais e, na sua falta, que a proteção seja promovida com base na legislação que objetiva resguardar a dignidade do ser humano.

5. Responsabilidade e dever dos estados perante o deslocamento ambiental

A maior pena imposta a um Estado é a degradação do seu ambiente e, consequente, impossibilidade de acesso a seus recursos naturais. Entretanto, é inegável que, diante de um desastre ambiental, os Estados têm obrigações decorrente dos compromissos internacionais que tenham assumido em relação a proteção ambiental (e seus desdobramento) e a proteção dos direitos humanos, pois como visto anteriormente tais matérias são intrinsecamente interligadas (SILVA; JÚNIOR; ARAÚJO, 2017SILVA, José Antônio Tietzmann e; DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira; ARAÚJO, Luciane Martins de. Os refugiados ambientais: à luz da proteção internacional dos direitos humanos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, abr./jun. 2017., p. 35).

Portanto, ainda que inexista um marco jurídico direcionado à proteção, cooperação, assistência e, que discipline o dever e a responsabilização dos Estados frente ao deslocamento humano por causas ambientais, uma reposta imediata, mas não permanente - já que é necessária a criação de um texto normativo específico aos deslocados ambientais - seria entender essa situação como violação de direitos humanos, utilizando como fundamento documentos internacionais já existentes, tal como a CEDH tem feito para responsabilizar os Estados diante de danos ambientais que afetam a população.

Assim, destaca-se que no processo de internacionalização dos direitos humanos houve a criação das Nações Unidas como organização internacional, por meio da Carta das Nações Unidas de 1945, com o intuito de cooperação internacional. Portanto, à medida que o Estado se submete a esse documento e às demais normas de Direito Internacional que regulamentam as relações entre os Estados, nasce a responsabilidade internacional como consequência da cooperação internacional. Sobre esse aspecto Piovesan (2012PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012., p. 192) afirma:

a criação das Nações Unidas, com suas agências especializadas, demarca o surgimento de uma nova ordem internacional, que instaura um novo modelo de conduta nas relações internacionais, com preocupações que incluem a manutenção da paz e segurança internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre os Estados, a adoção de cooperação internacional no plano econômico, social e cultural, a adoção de um padrão internacional de saúde, a proteção ao meio ambiente, a criação de uma nova ordem econômica internacional e a proteção internacional dos direito humanos.

Dessa forma, desde 1945, esses objetivos têm orientado as relações entre os Estados no cenário internacional. De modo que, embora ainda não positivados, deve-se reconhecer o dever e obrigação de prestar e solicitar assistência humanitária e de cooperação entre os Estados perante eventuais situações de desastres na busca da afirmação dos direitos humanos, pois estas afrontam diversos direitos basilares como, por exemplo, direito à vida, à moradia, direito de ser livre etc. (SILVA; JÚNIOR; ARAÚJO, 2017SILVA, José Antônio Tietzmann e; DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira; ARAÚJO, Luciane Martins de. Os refugiados ambientais: à luz da proteção internacional dos direitos humanos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, abr./jun. 2017., p. 39), ou seja, atentam em detrimento da dignidade do ser humano.

Portanto, os Estados têm a responsabilidade de proteger seus nacionais e seus bens dos impactos dos desastres ambientais, bem como cooperarem mutuamente em âmbito internacional para garantir a efetivação de direitos fundamentais (SILVA; JÚNIOR; ARAÚJO, 2017SILVA, José Antônio Tietzmann e; DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira; ARAÚJO, Luciane Martins de. Os refugiados ambientais: à luz da proteção internacional dos direitos humanos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, abr./jun. 2017., p. 41). Isso porque, o conceito de dignidade da pessoa humana exterioriza a ideia de proteção do indivíduo além das fronteiras de um país.

Com efeito, a ideia de assistência mútua entre os Estados se extrai da leitura do item 5 do art. 2º da Carta das Nações Unidas: “todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta [...]” (CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945). Portanto, todos os Estados-membros têm deveres e obrigações uns com os outros, inclusive de assistência, na medida em que um Estado é acometido por um desastre ambiental e não consegue geri-lo por si só.

Aliás, tal determinação também encontra respaldo em legislações ambientais, por exemplo, o princípio 21 da Declaração de Estocolmo (DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO SOBRE O AMBIENTE HUMANO, 1972) expressa o dever dos Estados de prestarem assistência mútua diante de desastres ambientais. Isto é, os Estados têm o direito de explorar seus próprios recursos, assegurando que as atividades nesse sentido não prejudiquem o meio ambiente fora de sua soberania. Portanto, num dado território, em caso de eventuais danos a terceiros causados pelas explorações dos recursos naturais de forma inadequada, desponta para o Estado, o dever de reparar os danos e também de acolher as vítimas (SILVA; JÚNIOR; ARAÚJO, 2017SILVA, José Antônio Tietzmann e; DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira; ARAÚJO, Luciane Martins de. Os refugiados ambientais: à luz da proteção internacional dos direitos humanos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT, abr./jun. 2017., p. 35-36).

Isso porque, muitas vezes, a atividade econômica de um determinado Estado acaba gerando danos ambientais em outros Estados, tal como ocorre com os riscos ambientais proporcionados pelas mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global. Ou seja, os países industrializados, em virtude dos processos produtivos adotados, são taxados como os grandes responsáveis pelas emissões dos gases do aquecimento global, enquanto os países em desenvolvimento estão sujeitos aos mesmos riscos ambientais gerados pelas mudanças climáticas independentemente de ter (ou não) contribuído para a emissão desses gases (FENSTERSEIFER, 2011FENSTERSEIFER, Tiago. A responsabilidade do Estado pelos danos causados às pessoas atingidas pelo desastres ambientais associados às mudanças climáticas: uma análise à luz dos deveres de poteção ambiental do Estado e da proibição de insufiiência na tutela do direito fundamental ao ambiente. Revista Opin. Jur.: Fortaleza, ano 9, n. 13, p. 322-354, jan./dez. 2011., p.326).

Ainda que não se aplique esse entendimento, outra solução que poderia fundamentar a responsabilidade dos Estados em face da situação de deslocamento ambiental, seria a aplicação dos costumes internacionais16 16 “o costume internacional tem eficácia erga omnes, aplicando-se a todos os Estados, diversamente dos tratados internacionais, que só se aplicam aos Estados que os tenha ratificado” (PIOVESAN, 2012, p. 189). na falta de norma específica internacional que regulamente referida situação, com o ímpeto de fornecer proteção e assistências a essas vítimas.

Em outras palavras, essa solução toma como ponto de referência, o que ocorreu no Tribunal Tribunal de Nuremberg, que diante das atrocidades à vida humana durante o holocausto, contibuiu para a consolidação da lógica da limitação da soberania nacional e reconhecimento de que os indivíduos têm direitos protegidos pelo Direito Internacional ao aplicar a violação do costume internacional para promover a condenação criminal dos indivíduos que contribuíram com o nazismo, já que, pela falta de uma legislação de valor transnacional, tais atrocidades não eram consideradas crimes na época em que foram cometidos (PIOVESAN, 2012PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012., p. 190).

Portanto, até que se elabore uma base jurídica internacional que discipline o deslocamento humano por questões ambientais, uma das saídas que parece viável é a aplicação dos costumes internacionais para promover a proteção dos deslocados ambientais.

5.1 Breves apontamentos sobre o deslocamento ambiental interno

O deslocamento ambiental regional e local tem como marco jurídico a Convenção de Kampala de 2009, primeiro tratado internacional direcionado a proteção e assistência das pessoas deslocadas internamente em razão de desastres naturais (CONTIPELLI, 2018CONTIPELLI, Ernani; OLALLA SAAD, Thaís. Evento do Programa de Seminário do Observatório das Migrações em São Paulo com o tema Migrações Climáticas, Direitos Humanos e a Necessidade de um Marco jurídico Internacional, realizado em 04 de abril de 2018. Anotações pessoais.).

Referido documento, de início, expressa em seu preâmbulo a consciência das autoridades dos governos africanos em relação à gravidade, ao cenário de instabilidade e tensão, sofrimento e vulnerabilidade humana que a situação de deslocamento ambiental interno ocasiona (CONVENÇÃO DE KAMPALA DE 2009).

Assim, considerando que os direitos dos deslocados internos encontram guarida e proteção em instrumentos normativos de direitos humanos e de direito humanitário internacional, os governos africanos firmaram o compromisso de desenvolverem um quadro normativo apropriado para a proteção e a assistência às vítimas de desastres ambientais (CONVENÇÃO DE KAMPALA DE 2009). Em suma, dito instrumento normativo estabeleceu um marco legal pautado na solidariedade, na cooperação e suporte entre os Estados membros da União Africana (CONTIPELLI, 2018CONTIPELLI, Ernani; OLALLA SAAD, Thaís. Evento do Programa de Seminário do Observatório das Migrações em São Paulo com o tema Migrações Climáticas, Direitos Humanos e a Necessidade de um Marco jurídico Internacional, realizado em 04 de abril de 2018. Anotações pessoais.).

Tal como os africanos, em outros países o deslocamento ambiental interno também é uma realidade como, por exemplo, no Brasil, que apesar de garantir constitucionalmente a tutela do meio ambiente, inclusive como direito fundamental a estimular o desenvolvimento humano (FRANZOLIN; ROQUE, 2017FRANZOLIN, Cláudio José; ROQUE, Luana Reis. Princípio do desenvolvimento sustentável e os resíduos sólidos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. RT,v. 86. p. 67-96, abr./jun. 2017., p. 78), tem se deparado com situações de deslocamentos por desastres ambientais.

Aliás, recentemente, a situação do refúgio ganhou amparo infraconstitucional, por meio da Lei n° 13.445/2017 (Lei de Migração) que entrou em vigor com mudanças que visam melhorar a situação das pessoas de outros países que vêm para o Brasil em virtude de desastres naturais, violação de direitos humanos etc.

Entretanto, se, por um lado, referida lei teve o mérito de indicar o reconhecimento da situação de vulnerabilidade dos imigrantes ambientais, por expressamente dispor sobre a concessão de visto temporário na hipótese de acolhida humanitária aos apátridas ou aos nacionais de qualquer país em situação de desastre ambiental17 17 Pelo art. 14, § 3° da Lei nº 13.445/2017 “O visto temporário para acolhida humanitária poderá ser concedido ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma de regulamento’. , por outro, merece, ao menos, duas críticas, a serem pontuadas. A primeira é que não faz nenhuma distinção entre os imigrantes em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de desastre ambiental etc., portanto, pode remeter a suposição da categorização do refugiado de um modo geral. Ideia essa que, como mencionada ao logo deste artigo, parece inadequada diante da peculiaridade da expressão “refugiados”.

E a segunda é que não teve condão e nem a pretensão de dispor sobre proteção aos próprios nacionais que foram vítimas de deslocamento por causas ambientais. Tal fato é inadmissível, pois, como já mencionado, há focos de deslocamentos internos como, por exemplo, o caso do desastre de Mariana em Minas Gerais, ocorrido em novembro de 2015, a partir do rompimento da barragem de Fundão pertencente à mineradora Samarco Mineração S.A , que pela sua magnitude gerou impactos ambientais, econômicos e sociais.

Pelo cenário, Kokke (2018KOKKE, Marcelo. O Desastre de Mariana: Vulnerabilidades Jurídicas e Sociais. In: JUBILUT, Liliana Lyra et al (Org.). Refugiados ambientais. Boa Vista: Edufrr, 2018. Disponível em: <https://ufrr.br/editora/index.php/editais?download=401:refugiados-ambientais>. Acesso em: 12.fev. 2018.
https://ufrr.br/editora/index.php/editai...
, p. 781-782) avalia que Mariana/MG era até aquele momento, um dos maiores desastres do mundo, com o lançamento de 34 milhões de metros cúbicos de rejeitos em corpos hídricos e no meio ambiente como um todo; enfim, prossegue o autor, um acidente que despejou vários poluentes que percorreram 55 km, e depois, no Rio Doce, avançou mais de 663 km de curso d’água. Ainda, com base em dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o autor enfatiza a perda de 19 vidas humanas, a destruição de Bento Rodrigues, o isolamento e desabastecimento de áreas habitadas, desalojamento dos atingidos, debilidades sobre as atividades socioeconômicas e desequilíbrio psicossocial da população e focos de deslocamento (KOKKE, 2018KOKKE, Marcelo. O Desastre de Mariana: Vulnerabilidades Jurídicas e Sociais. In: JUBILUT, Liliana Lyra et al (Org.). Refugiados ambientais. Boa Vista: Edufrr, 2018. Disponível em: <https://ufrr.br/editora/index.php/editais?download=401:refugiados-ambientais>. Acesso em: 12.fev. 2018.
https://ufrr.br/editora/index.php/editai...
, p. 782).

Acrescente-se, que o desastre ambiental produzido pela Samarco, não causou, tão só o deslocamento compulsório em si das pessoas, pois também despertou um “viver no ambiente urbano que é distinto do lugar de morada e, ainda, sem perspectiva de quando terão o direito de gerir a própria vida, ocasiona a desesperança, afetando a saúde da maioria dos atingidos” (LIMA, 2018LIMA, Maryellen Milena de. “Aqui não é o nosso lugar”: efeitos socioambientais, a vida provisória e o processo de (re)construção de Paracatu de Baixo, Mariana/MG. [Monografia apresentada ao curso de Ciências Socioambientais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas]. Universidade Federal de Minas Gerais [UFMG], 2018., p. 15).

Nessa perspectiva, após a intercorrência, as comunidades não só se apresentam como deslocados, como também, ao tentar compensar os danos, as várias entidades e empresas envolvidas, não conseguem restaurar a situação das ditas comunidades - agora deslocadas - à situação existencial as quais elas estavam adaptadas, ou seja, o desastre ambiental, decorrente do rompimento da barragem, afetou comunidades ribeirinhas, camponeses, indígenas, quilombolas, afetando o território delas, “enquanto fonte de reprodução social, cultural e econômica” (Andréa Zhouri et al, apud LIMA, idem, p. 24).

Em que pese a dificuldade de se restabelecer a reparação integral, há entidades envolvidas no intuito de buscar a homologação de acordos de indenizações de famílias atingidas em Mariana (MG), destacando-se, que se trata de um processo diferente das demais situações de outras regiões igualmente afetadas pelo mesmo acidente (FUNDAÇÃO RENOVA, 2019). Destaque-se, porém, que a análise das situações indenizatórias não é o propósito deste artigo.

Não bastasse o desastre em Mariana/MG, aos 25/01/2019, mais um desastre vem a tona. Trata-se do rompimento da barragem, sob responsabilidade da Vale, em Minas Gerais, na cidade de Brumadinho (G1, 2019). Com o rompimento da barragem, contabilizam-se mais de 236 mortos e vários desaparecidos que até agora, são 34 (G1 Minas, 2019), mas os números da tragédia ainda será objeto de um novo estudo que não comporta nesse trabalho.

Assim, os desastres ocorridos no Brasil revelaram ao mundo a vulnerabilidade jurídica brasileira em relação ao amparo aos indivíduos que se encontram em situação de deslocamento ambiental interno e a gestão de desastres ambientais. Revelaram, ainda, que a elaboração de um quadro normativo que regulamente a gestão de risco de desastres ambientais e seus desdobramentos (por exemplo, deslocamento humano ambiental) é algo que se faz necessário no cenário nacional.

6 Considerações finais

O intuito deste artigo foi apresentar algumas reflexões sobre o deslocamento humano por causas ambientais e como tal situação pode ser identificada como violação da dignidade da pessoa humana, consequentemente, violação a direitos humanos, já que os indivíduos são obrigados a se deslocarem dos seus locais de origem porque não conseguem mais prover suas necessidades básicas em virtude de um desastre ambiental.

Verificou-se, entretanto, que a falta de uma legislação específica dificulta a proteção dessas vítimas que são forçadas a se deslocarem em busca de lugares mais seguros, porque aquele meio já não é suficiente para garantir a subsistência com dignidade.

Assim, é imprescindível a criação de um texto normativo direcionado a situação de deslocamento ambiental por meio de documentos já existentes que podem ser utilizados como modelos, tal como o Projeto de Convenção sobre o Estatuto Internacional dos Deslocados Ambientais elaborado em Limoges na França.

Entretanto, considerando a urgência dos fatos narrados, uma resposta imediata se faz necessária, qual seja: considerar a situação dos deslocados ambientais como violação dos direitos humanos com a finalidade de responsabilizar os Estados, tal como tem feito a CEDH, que através de uma interpretação dinâmica e evolutiva da Convenção Europeia de Direitos Humanos contribui para proteção e construção da concepção do direito ao meio ambiente como direito humano pelo fato daquele atuar como realização dos demais diretos humanos.

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  • 1
    O Direito Ambiental tem como fonte o Direito Internacional que é responsável pela renovação daquele ramo e pela criação de inúmeros princípios de proteção do meio ambiente. Nesse sentido, a partir de 1960, iniciou-se a tomada de consciência entre os Estados Internacionais sobre os problemas ambientais. De modo que, desde então o Direito Internacional do Meio Ambiente tem sido fomentado com diversos eventos e documentos internacionais na busca de uma regulamentação global do meio ambiente (CRUZ, 2006, p. 9-10).
  • 2
    Segundo Beurier (2010, apud SILVA, DUARTE JÚNIOR E ARAÚJO, 2017, p. 26) “esses migrantes forçados não têm um estatuto, não se beneficiam de qualquer proteção específica, que seja juridicamente reconhecida”.
  • 3
    “A mudança climática é um dos maiores responsáveis pelos atuais fluxos migratórios. Segundo o relatório do Centro de Monitoramento de Deslocados Internos (IDMC), em 2014 houve 19,3 milhões de refugiados climáticos no mundo. Entre 2008 e 2015 registraram-se em média 26,4 milhões de deslocados por ano, o que representa quase uma pessoa por segundo” (INSTITUTO SOCIAMBIENTAL, 2015). No mesmo sentido, “millones de personas, en todo el planeta, se ven forzadas a abandonar su tierra y refugiarse en otros países, generando una diáspora sin precedentes. La violencia, lãs hambrunas o la violación de los derehos humanos son, entre otros, los motivos que llevan al refugio. Hoy, además, el cambio climático, ha propiciado um nuevo tipo de parias, de errantes, de refugiados: los refugiados ambientales” (BRAVO, 2013, p. 12).
  • 4
    Ernani Contipelli destaca que deve haver um nexo de causalidade para que se possa falar em deslocamento ambiental, ou seja, o desastre ambiental deve ser reconhecido como um fator que contribuiu para a migração ambiental forçada dentro do território do Estado ou para além de suas fronteiras políticas (CONTIPELLI, 2018).
  • 5
    “No dia 26 de abril de 1986, à 1h23min58, uma série de explosões destruiu o reator e o prédio do quarto bloco da Central Elétrica Atômica (CEA) de Tchernóbil, situado bem próximo à fronteira de Belarús (...). Depois de Tchernóbil, o país perdeu 485 aldeias: setenta delas estão sepultadas sob a terra para sempre. A mortalidade na guerra (referência a Segunda Guerra Mundial) foi de um para cada quatro bielorrussos; hoje, um em cada cinco vive em território contaminado (...). As explosões lançaram na atmosfera 50x106Ci de radionuclídeos, dos quais 70% caíram sobre a Belarús: 23% do seu território está contaminado por radionuclídeos de densidade superior a 1 Ci/km² de césio-137. Para fins de comparação: a Ucrânia teve 4,8% do seu território contaminado, e a Rússia 0,5%” (ALEKSIÉVITCH, 2016, p. 9-10). (Grafia no original)
  • 6
    Com base nos ensinamento de Cláudio Tadeu Cardoso Fernandes, Érika Pires Ramos indica que os próximos conflitos armados estarão relacionados com problemas ambientais, seja para defender ou assegurar recursos naturais, seja por locais mais seguros (RAMOS, 2011, p. 34). Incusive, os efeitos das mudanças climáticas ameaça a paz e a segurança internacional (que teve seu conceito abrandado para incluir ameaças não militares, tal como a ambiental), já que pode desencadear conflitos econômicos e sociais entre os países (Ibidem, p 41).
  • 7
    Em 1995, o cientista Norman Myers já apontava que a questão dos refugiados ambientais estaria inclusa entre uma das maiores crises da humanidade, pois os problemas ambientais geram problemas políticos, econômicos e sociais, dando causa a conflitos e violência, que demandam, por sua vez, respostas imediatas da comunidade internacional para manter a segurança (RAMOS, 2011, p. 43).
  • 8
    A ação civil pública objetivava a proibição da importação, venda, comercialização ou disponibilização de leite e de seus derivados provenientes do Mercado Comum Europeu, que continham indícios de contaminação radioativa após o acidente nuclear. Em sentença de 1° grau, proferida pela 26ª Vara Federal em São Paulo, foi determinada a proibição, ponderando-se que os direitos à vida, à integridade física e à saúde têm assento constitucional, portanto, devem ser protegidos. Ademais, não há segurança quanto aos efeitos do consumo do leite e derivados contaminados pelos elementos Césio 134 e Césio 137. Portanto, não poderia o produto ser oferecido para a população nem a título gratuito e, menos ainda, sem que ela seja informada a respeito do que está consumindo e dos riscos a que está sujeita. Tal decisão foi mantida no TRF 3 em acórdão da apelação Cível 0937212-35.1986.4.03.6100/SP (LEX MAGISTER).
  • 9
    “el término “refugiado medioambiental” se popularizó tras un informe del mismo título realizado por Essam El-Hinnawi en el ámbito del Programa de Naciones Unidas para el Medio Ambiente en 1985. Desde entonces, se há extendido su utilización, a nível doctrinal, para hacer referencia a aquellas personas obligadas a desplazarse de su lugar de origen, de forma temporal o permanente, por a degradación medioambiental, bien sea por causas naturales o por la acción del hombre, que ponga en peligro su existencia o afecte gravemente a su calidad de vida”(GONZÁLEZ, 2013, p. 19-20.).
  • 10
    “(...) o artigo 1º, §1º, (c) da Convenção de 51 é expresso em estabelecer a perseguição e/ou o fundado temor de perseguição como essenciais à definição do instituto jurídico do refúgio. Indica, igualmente, que suas razões geradoras ligam-se, de forma exclusiva (numerus clausus), aos motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas dos indivíduos, ou seja, ausente entre estas restritas hipóteses, as mudanças climáticas e/ou desastres naturais” (BIAZATTI; PEREIRA, 2018, p. 170).
  • 11
    O advento do Direito Humanitário, a Liga da Nações e a Organização Internacional do Trabalho são os primeiros marcos do processo de internacionalização dos direitos humanos, pois determinaram o alcance de obrigações internacionais a serem garantidas ou implementadas coletivamente, transcedendo os interesses exclusivos dos Estados contratantes (PIOVESAN, 2012, p. 180-182). Todavia, a consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos surge em meados do século XX no pós-guerra, momento em que os seres humanos se tornam supérflos e descartáveis, na altura que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, tornando-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável (Ibidem, p. 184). “A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos humanos impulsionou o proceso de internaionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteger os direitos humanos” (Ibidem, p. 185).
  • 12
    Segundo Morato Leite (2015, p. 228) “o Direito Internacional Ambiental instrumentalizou a necessidade de preservar o meio ambiente, editando convenções e declarações internacionais multilaterais que serviram de base para a formação da legislação ambiental interna de vários países”.
  • 13
    Trata-se de uma jurisprudência revolucionária, pois, considerando a inexistência de previsão expressa na Convenção Europeia que visa a proteção ambiental propriamente dita, contribuiu para a criação de um direito subjetivo ao meio ambiente, ou direito à qualidade de vida ambiental como norma internacional de direito humano, representando, portanto, uma conexão entre o direito à vida privada e familiar, direito à saúde, direito ao bem-estar e a proibição de tratamentos desumanos e degradantes, que são expressamente previstos na CEDH (STIVAL; VARELLA, 2017, p. 443 -446).
  • 14
    Segundo Antonio Junqueira de Azevedo (2002, p. 91-92), há duas concepções da pessoa humana que dão suporte à ideia de sua dignidade: 1. a insular, que considera a dignidade humana como autonomia individual ou autodeterminação. Para está concepção homem e natureza não se encontram, sendo respectivamente sujeito e objeto. E, aqui reside a insuficiência da concepção insular: o desconhecimento do valor da natureza. Outra insuficiência é revelada pelo seu caráter fechado, subjetivista, já que age com redução da plenitudo hominis, retirando do ser humano seu reconhecimento do próximo, com a capacidade de dialogar e sua vocação espiritual. Assim, essa concepção é antropocêntrica e subjetivamente fechada, pois a diginidade da pessoa humana acaba sendo vista como “qualidade de vida” a ser decidida subjetivamente (Ibidem, p 95); e, 2. a monista, fundada no homem como ser integrado à natureza, participante especial do fluxo vital, isto é, na capacidade do homem de sair de si, reconhecer no outro um igual, usar a linguagem, dialogar e, na sua vocação para o amor, como entrega espiritual a outrem. Para esta concepção o homem faz parte da natureza e não é o único ser inteligente e capaz de querer, ou o único dotado de autoconsciência (Ibide, p. 91-92).
  • 15
    André de Carvalho esclarece que “para Kant, tudo tem um preço ou uma dignidade: aquilo que tem um preço é substituível e tem equivalente, já aquilo que não admite equivalente, possui uma dignidade. Assim, as coisas possuem preço; os indivíduos possuem dignidade. Nessa linha, a dignidade da pessoa humana consiste que cada indivíduo é um fim em si mesmo, com autonomia para se comportar de acordo com seu arbítrio, nunca um meio ou instrumento para a consecução de resultados, não possuindo preço” (RAMOS, 2015, p. 74).
  • 16
    “o costume internacional tem eficácia erga omnes, aplicando-se a todos os Estados, diversamente dos tratados internacionais, que só se aplicam aos Estados que os tenha ratificado” (PIOVESAN, 2012, p. 189).
  • 17
    Pelo art. 14, § 3° da Lei nº 13.445/2017 “O visto temporário para acolhida humanitária poderá ser concedido ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma de regulamento’.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2019
  • Aceito
    24 Set 2019
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