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Imposição Colonial e Estupro Conjugal: uma leitura da dinâmica do poder no contexto familiar

Colonial imposition and conjugal rape: a reading of the dynamics of power in the family context

Resumo

O presente estudo objetiva analisar a ocorrência do estupro conjugal no cenário brasileiro enquanto uma das formas de manifestação social e jurídica da colonialidade de gênero. Para tanto, avalia os preceitos de subordinação feminina perpetrados pela imposição colonial e as dinâmicas de poder no ambiente familiar, valendo-se de critério metodológico decolonial, fundado em pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico-documental. Ao final, concluiu-se que as relações coloniais de dominação são estruturantes da ordem jurídica, uma vez que a própria normativa que disputa as noções sobre o estupro conjugal embasa-se na política de regramento dos corpos femininos e de administração da sexualidade da mulher, determinando quais são os sujeitos amparados pela tutela jurídica.

Palavras-chave:
Gênero; Decolonialidade; Estupro conjugal

Abstract

This study aims to analyze the occurrence of marital rape in the Brazilian scenario as one of the forms of social and legal manifestation of gender coloniality. In order to achieve this goal, it evaluates the precepts of female subordination perpetrated by the colonial imposition and the dynamics of power in the family environment, using decolonial methodological criteria, based on qualitative research and bibliographic-documental technique. In the end, it was concluded that the colonial relations of domination constitutes the legal order, since the rules that dispute the notions about marital rape are based on the policy of regulating female bodies and managing the sexuality of women, determining which subjects are supported by legal protection.

Keywords:
Gender; Decoloniality; Marital rape

Introdução

Ao longo da história das mais variadas sociedades e de distintos povos, o poder tem sido utilizado, organizado e instrumentalizado como estratégia de hierarquização. Nesta dinâmica, são definidos os atores político-sociais que ocupam os espaços de forma irrestrita e detêm capacidade decisória e de negociação, situando-se em uma posição hegemônica. Tanto no colonialismo quanto nas relações de gênero este recurso se mostra imponente, servindo, cada vez mais, como articulação política e arma institucional de perpetuação das cadeias de opressão já estabelecidas no tecido social.

Uma circunstância que torna evidente esta arquitetura é a ocorrência do estupro no âmbito da conjugalidade. O ambiente familiar, em que pese ser associado a um espaço hígido e estruturado, muitas vezes, também é responsável pela relativização dos direitos das mulheres, aprisionando-as a uma realidade de submissão conjugal e doméstica. Sob uma narrativa forjada de deveres conjugais – estruturada, sobretudo, na concepção violenta de que o sustento dos afetos é unilateral, sendo competência exclusiva da mulher – a sociedade e o Estado (re)produzem o discurso de que o autor da violência não coincide com uma pessoa com quem se convive e/ou se nutre proximidade.

Ao Estado esta lógica é mais que conveniente, uma vez que facilita a desoneração de sua responsabilidade no enfrentamento desta problemática. Isso porque, por um lado, é propagado o pensamento totalizante de que o ambiente familiar não é cenário de violências – ocultando, portanto, as opressões vivenciadas neste espaço e tornando-as impassíveis de tutela jurídica. Por outro lado, o possível reconhecimento da ocorrência do estupro conjugal não consegue mobilizar suficientemente a proteção estatal porque se dissolve na retórica de que se trata de um assunto de “âmbito privado” e que, neste sentido, não deve sofrer qualquer intervenção jurídica.

No que tange à sociedade, percebe-se que a moral e os bons costumes assumem uma condição de atemporalidade no processo de valoração social dos arranjos familiares.1 1 Nunes (2000) explica que o controle e a dominação das mulheres podem ser divididos em três momentos históricos distintos. O primeiro diz respeito à Antiguidade que, ao referenciar Aristóteles, considerava que a diferença entre homens e mulheres se aferia pelo calor corporal. O pensamento da época preconizada que o homem possuía um corpo mais quente e que, por isso, este era o verdadeiro responsável por dar origem à vida, sendo certo que a mulher apenas cederia um lugar para a gestação do feto. O segundo momento alia-se a Galeno, aduzindo que a mulher é uma representante inferior do sexo masculino. O terceiro, em seu turno, emerge com Rousseau e os iluministas que discordavam da opinião de que a mulher era imperfeita ou inferior, mas persistiam atribuindo a mesma uma aptidão para o espaço doméstico, enquanto que ao homem caberia o espaço público. Ao longo do século XIX, a autora esclarece que os discursos médicos que contribuíam para este contexto de confinamento da mulher ao âmbito doméstico construíam uma dupla identidade feminina. Se por lado esta era taxada enquanto passiva e assexuada, por outro era representada como “portadora de uma organização física e moral facilmente degenerado”, que, por corresponder a um “’excesso’ sexual”, deveria ser objeto de controle. Este cenário torna-se possível devido a uma profunda raiz misógina que, entre uma e outra vestimenta, sobrevive a despeito dos substanciais avanços das lutas feministas. Cria-se, assim, um cenário em que a mulher encontra dificuldades na efetivação dos seus direitos, vislumbrando-se em uma posição marginalizada em detrimento do homem.

Face a esta problemática, a presente pesquisa pretende examinar como as relações de poder, responsáveis por situar o homem em posição hegemônica, mantêm-se e contribuem para a ocorrência do estupro conjugal. Ao ter por substrato a realidade vivida por mulheres e formular perguntas a partir destas experiências, este estudo busca desvincular-se da pretensa objetividade, universalidade e racionalidade investigativa próprias da epistemologia eurocêntrica, com o escopo de evidenciar perspectivas outras (HARDING, 2002HARDING, Sandra, ¿Existe un método feminista? In: BARTRA, Eli (org.) Debates em torno da metodologia feminista. Ciudad de México: Universidad Autónoma de México, 2002.).

Para tanto, questiona a importância e a potência do imbricamento entre as relações coloniais e as de gênero para o assentamento desta configuração social, valendo-se de critério metodológico decolonial - que prescinde de um protocolo metodológico propriamente dito – fundado em pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico-documental, guiado por uma “descolonização epistemológica”, em direção a uma “nova comunicação intercultural, a um intercâmbio de experiências e de significações, como a base de outra racionalidade que possa pretender, com legitimidade, alguma universalidade” (QUIJANO, 1992QUIJANO, Aníbal. Colonialidad y modernidad/racionalidade. Perú Indígena, Lima, v. 13, n. 29, 1992., p. 19-20).

À vista disso, em um primeiro momento são expostas as elementares que influíram na construção da categoria analítica gênero, explicitando-se o referencial teórico adotado na pesquisa. Ainda, é discutido o êxito do colonialismo em sua missão de invadir, apropriar-se de, aculturar e dominar povos, produzindo discursos subvertidos que persistem reafirmando uma lógica de inferioridade de determinados sujeitos na sociedade. Em um segundo momento, analisa-se como estes discursos repercutem na dominação de corpos femininos no âmbito conjugal, visando investigar a assimilação social e jurídica acerca deste fenômeno.

1. Gênero e colonialismo - lugar comum de tensões

Passados mais de duzentos anos desde que a terminologia gênero começou a ser construída, ainda no contexto da Revolução Francesa (1789-1799), persistem entre os estudiosos profundas dificuldades em se fixar o seu conceito. Partindo de um comportamento que contesta o destino biológico enquanto diretriz para a vida da mulher e do homem, o uso do termo gênero transita entre a expectativa de que seja possível abarcar todos os caracteres sociais, históricos, biológicos e culturais que correspondem aos indivíduos e a frustração de não conseguir fazê-lo, dada a universalidade que esta abrangência implicaria.

Percorrendo a concepção prematura que pretende defini-lo através do reconhecimento de que a mulher não deriva de um conceito residual do que é “não ser homem” (BEAUVOIR, 1970BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970., p. 10) e evoluindo em direção a um conceito que se aproxima das relações sociais e de poder (SCOTT, 2019SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. In: HOLANDA, Heloísa Buarque de. Pensamento Feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019., p. 67), a dificuldade em se obter a exata definição do termo acaba, por vezes, distraindo a verdadeira problemática que origina seu debate.

Conforme elucida Scott, o cerne da grande discussão edificada sob a alcunha de gênero é a visível e atemporal desigualdade entre homens e mulheres nas mais diversas civilizações. No pensamento da autora, a incessante busca por uma definição concretiza um panorama que, muitas vezes, se esquece da necessidade basilar e prioritária de modificação das estruturas sociais que criam e alimentam as desigualdades, já que se concentra demasiadamente em um preciosismo conceitual. Por este motivo, a permanência de uma reforma a longo prazo que retire a mulher de uma posição inferiorizada socialmente acaba se tornando mais distante (SCOTT, 2012SCOTT, Joan. Os usos e abusos do gênero. Projeto História, n. 45. 2012. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/15018. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://revistas.pucsp.br/revph/article/...
, p. 339-340).

Ressalte-se, ainda, que a utilização do termo, como vem sendo feita, majoritariamente pretende se referir a mulheres. Isso se dá porque, com vistas a rechaçar o determinismo biológico e se preocupando com os pressupostos sociais atribuídos à palavra “mulher”, as feministas da década de setenta começaram a referir “gênero” na centralidade de suas demandas políticas (SCOTT, 2012SCOTT, Joan. Os usos e abusos do gênero. Projeto História, n. 45. 2012. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/15018. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://revistas.pucsp.br/revph/article/...
, p. 333).

Tal modificação atende às concepções elementares do ideário ocidental moderno, quais sejam “a da base material da identidade e a da construção social do caráter humano” (NICHOLSON, 2000NICHOLSON, Linda. Interpretando gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 2, jan. 2000. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/11917. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
, p. 22), reforçando a “perspectiva culturalista” (MORAES, 2013MORAES, Maria Lygia Q. D. Usos e limites da categoria gênero. Cadernos Pagu, n. 11, 2013. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634466. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p. 100) associada à construção do gênero. Entretanto, observa-se que, ao dar concretude a esta modificação, o efeito foi o contrário do pretendido, posto que, com o decorrer do tempo, cada vez mais o termo se tornou impreciso, sendo incapaz de alcançar todas as variáveis que distinguem cada indivíduo.

Em virtude disso, o presente estudo alicerça-se em um conceito de gênero que parte dos lugares sociais atribuídos a cada pessoa em razão do exercício de poder que não se origina na atualidade, mas nela parece se perpetuar.

O “sistema colonial moderno de gênero”, como denominou sua idealizadora Maria Lugones, explica que a estruturação hierárquica da sociedade deriva do período colonial, de modo que as forças impostas e a violência inerente a este momento histórico foram responsáveis por subjugar determinados indivíduos, inaugurando uma nova cadeia de opressão (LUGONES, 2008LUGONES, Maria. Colonialidad y Género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, 2008. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S179424892008000200006&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://www.scielo.org.co/scielo.php?scri...
, p. 77).

Nos dizeres de Quijano (2010)QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. 2. ed. Coimbra: Alamedina, 2010., o colonialismo engendrou uma relação de dominação lastreada no exercício de uma autoridade política sob os povos dominados. Isso se deu por meio do controle do trabalho e da produção destes, de modo que fora fabricada uma concepção de modernidade que pouco se referia a supostos avanços históricos, mas sim associava um espaço hegemônico como significado deste conceito.

O escopo utilizado foi uma narrativa falaciosa de troca e intersecção cultural que pretendia mascarar a violência do processo colonial. Encampando o discurso do expansionismo comercial europeu do século XV e da propagação das missões cristãs em uma denominada “missão civilizatória” (QUIJANO, 2010QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. 2. ed. Coimbra: Alamedina, 2010., p. 73), foi totalmente suprimida a manifestação voluntária de vontade dos povos que residiam nos territórios tomados.

Gradativamente, as identidades originárias destes lugares foram subtraídas e substituídas em um processo forçoso de assimilação de hábitos e valores que elevavam a Europa ao “mais alto patamar de civilização” a ser seguido (MIGNOLO; WALSH, 2018MIGNOLO, Walter; WALSH. Catherine E. On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Durham: Duke University Press, 2018., p. 194). Em razão disso, generalizou-se uma visão de mundo eurocêntrica que nada mais significou que o sucesso das medidas impostas pelos colonizadores, concretizando o que se chamou de colonialismo.2 2 Walter Mignolo explica o eurocentrismo como um fenômeno epistêmico cujo nome deriva da localização territorial de seus atores, idiomas e instituições. Desenvolve o conceito elucidando que estes atores conseguiram projetar como universal seu próprio senso e sua visão de mundo. Para mais informações vide MIGNOLO, Walter. WALSH. Catherine E. On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Durham: Duke University Press, 2018, p. 194.

Em que pese a problemática do colonialismo já simbolizar múltiplas violências e instituir um sistema hierárquico na sociedade, a manipulação de conceitos, territórios, força de trabalho e produtos esconde a face mais grave deste período: a colonialidade. Conforme elucida Quijano (2010QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. 2. ed. Coimbra: Alamedina, 2010., p. 73), este termo marca a classificação racial/étnica da população do mundo como sustentáculo de um padrão de poder que opera em dimensões materiais e subjetivas da existência cotidiana e da escala societal.

Isto quer dizer que, se o colonialismo é o processo de subjugação dos povos dominados por meio da subversão do discurso da “descoberta e conquista”, a colonialidade é a forma pela qual este mecanismo de hierarquização se perpetua desde então. Na concepção de Edgardo Lander, reverbera na sociedade a “naturalização das relações sociais” (LANDER, 2005LANDER, Edgardo. Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In: LANDER, Edgardo. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005., p. 8), pelo que subsiste a crença de que as características da dita “sociedade moderna” derivam espontânea e naturalmente de seu próprio desenvolvimento histórico, enquanto que, na realidade, estas nada mais são que os reflexos deixados pelo processo de dominação.

Esse binômio “agressividade do processo exploratório exposto e sutileza de sua perpetuação” explicita a necessidade de que a subsistência da colonialidade seja contornada. Com este propósito, desenvolve-se a crítica decolonial que, visando ao desmantelamento do saber orientado pelo eurocentrismo, preconiza o resgate da identidade cultural suprimida e a valorização do produzido pelo Sul. Como esclarece Rosevics (2017ROSEVICS, Larissa. Do pós-colonial à decolonialidade. In: CARVALHO, Glauber; ROSEVICS, Larissa (Orgs.). Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: PerSe, 2017., p. 189), o principal objetivo é a “emancipação de todos os tipos de dominação e opressão, em um diálogo interdisciplinar entre a economia, a política e a cultura”.

Ocorre que o mapa desenhado pelo colonialismo considera variados critérios de estratificação social que, para além de signos raciais e de classe, também se exteriorizam em processos de generificação. Assim, os estudos decoloniais dialogam com a perspectiva de gênero no intuito de evidenciar que as relações de poder construídas na imposição colonial se manifestam também naquelas, a partir de uma estrutura de dominação em comum. Isso porque, se no primeiro se fala em tomada de territórios como estratégia de controle, no segundo este espaço é deslocado de sua visão cartográfica, assumindo a moldura correspondente ao próprio corpo da mulher.

A aliança travada neste contexto – em que se considera a semelhança do colonialismo com a violência contra a mulher - emerge com a roupagem que se conhece por colonialidade de gênero e que pretende ser enfrentada por meio do feminismo decolonial. Ambos os conceitos são tecidos por Lugones (2014LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36755. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
, p. 936) que, ao visualizar uma “distinção dicotômica, hierárquica, entre humano e não humano”, explica esta lógica como um artifício que não só é responsável por classificar os indivíduos entre si, mas que, sobretudo, significa seu processo de redução apto a ensejar a elevação de um indivíduo à posição hegemônica de colonizador.

Inerente a este loci hegemônico, encontra-se o poder de decisão no âmbito social, o qual corresponde àquele que detém os poderes de negociação na sociedade. Muito embora o colonialismo não mais resista enquanto momento histórico atual, a colonialidade – herança deste período - responsabiliza-se por situar sempre o mesmo indivíduo nesta posição preponderante: o homem branco, europeu, burguês, heterossexual, cristão e colonial moderno (LUGONES, 2014LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36755. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
, p. 936).

Neste sentido, o fio condutor entre as relações de gênero, a colonialidade e a forjada concepção de modernidade é descrito por Segato (2012)SEGATO, Rita Laura. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. E-Cadernos CES, v. 18, 2012. Disponível em: https://journals.openedition.org/eces/1533. Acesso em: 01 jul. 2020.
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em três possíveis vertentes, a saber (i) aquela que se orienta a uma visão totalizante dos conceitos e que, ao considerar a universalidade da opressão imposta pelo patriarcado, pretende reunir todas as mulheres em uma luta comum pelo acesso aos seus direitos; (ii) aquela que considera a violência e/ou imposição colonial para a visualização de gênero, conforme defendido por Lugones (2008)LUGONES, Maria. Colonialidad y Género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, 2008. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S179424892008000200006&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
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; e (iii) aquela que se utiliza da etnografia e da historiografia para defender que o patriarcado manifesta-se em variadas intensidades, encontrando, desta forma, nas sociedades tribais afroamericanas e indígenas sua menor entonação, sendo esta a posição também adotada por Paredes (SEGATO, 2012SEGATO, Rita Laura. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. E-Cadernos CES, v. 18, 2012. Disponível em: https://journals.openedition.org/eces/1533. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://journals.openedition.org/eces/15...
, p. 116).

Independentemente da vertente utilizada como parâmetro, a sexualidade e os corpos femininos são componentes continuamente abordados nos estudos que se fundam em uma concepção de gênero, sendo atravessados por intensas disputas no que tange ao exercício de sua autoridade. Além disso, destaca-se a atemporalidade destas disputas que, se anteriormente tinham como precursores o Estado, a igreja e a ciência visando aferir “padrões de normalidade, pureza ou sanidade”,, na atualidade cedem espaço aos veículos midiáticos, à televisão, ao cinema, aos grupos organizados de feministas e de “’minorias sexuais’” que tratam sobre a busca pelo prazer e a transformação destes corpos (LOURO, 2000LOURO, Guacira Lopes. Corpo, escola e identidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 25, 2000. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/46833/29119. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade...
, p. 65).

Nesta senda, possível perceber que o aprisionamento e o controle dos corpos e da sexualidade revelam-se eficientes instrumentos de concretização da desigualdade entre mulheres e homens construída na imposição colonial. Essa realidade manifesta-se de distintas maneiras, edificando sua essência repressiva em práticas que vão desde “violências mais visíveis” – como a física e a sexual, por exemplo – àquelas invisibilizadas com “maior” facilidade – como a opressão estética, a condenação da mulher a um trabalho de cuidado não remunerado e desvalorizado e, também, o controle comportamental.

Existe, portanto, uma superposição entre o poder colonial e a violência patriarcal, a qual é, na opinião de Ballestrin, imprescindível para a compreensão da violência colonial em sua generalidade. Isso porque o corpo feminino pode ser traduzido em um primeiro território cuja conquista e ocupação são objetivadas pelo colonizador – homem, branco, cristão, europeu e heterossexual – nas mais variadas “situações de conflitualidade”. À vista disso, ocorre a repetição histórica e violenta da violação deste território, o que se faz sentir, especialmente, em “empreitadas masculinas e masculinizadas” – como, dentre outras, as conquistas coloniais, as guerras e as ocupações e intervenções militares (BALLESTRIN, 2017BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. Feminismos Subalternos. Revista de Estudos Feministas, v. 25, n. 3, 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2017000301035&lng=es&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 1.038).

Isso posto, torna-se nítido que a luta das mulheres perpassa a autonomia de seus corpos. Consoante elucida Paredes (2014, p. 39, tradução livre), inexiste revolução em um cenário no qual os “corpos femininos continuem sendo colônias dos homens, dos governos e dos Estados”, de modo que o processo emancipatório reivindica também que a tomada de decisões a eles referentes seja realizada por cada mulher e não mais por “homens, sacerdotes, juízes, maridos e padres”.3 3 “(...) no hay revolución cuando nuestros cuerpos de mujeres sigan siendo colonia de los hombres, los gobiernos y los Estados. No hay revolución, cuando las decisiones sobre nuestros cuerpos, sean tomadas por los hombres, curas, jueces, maridos y padres”.

À luz do exposto, resta nítida a tendência à vulnerabilização do corpo feminino enquanto recurso inserido em projetos empreendidos pelo colonizador – neste trabalho, compreendido como um ator social que se sustenta e se atualiza no curso da história brasileira. Por esta razão, as máximas “descoberta” e “conquista” mostram-se extremamente pertinentes a esta análise, uma vez que, conforme discutido, a empreitada colonial apenas foi possível a partir da apropriação destes corpos pelos colonizadores.

No que diz respeito à “descoberta”, observa-se que este termo ilustra uma profunda subversão discursiva provocada pelo colonialismo. Isso porque (i) o termo traz em si o marco temporal que inaugura esse “processo civilizatório” encampado pelos europeus e (ii) a utilização do termo traz como subentendido que naqueles espaços ocupados inexistiam povos e culturas, condenando as populações do Sul a um local de invisibilidade e silenciamento.

Nas relações de gênero, o mesmo se faz sentir. O marco temporal da (auto)descoberta pela mulher fora esvaziado dos componentes de naturalidade e espontaneidade e, ao mesmo tempo, preenchido por pressupostos hierárquicos cristalizados no meio social4 4 A título de ilustração, cita-se a teoria de gênero elaborada por Scott que consegue elencar elementos que forçam os limites da autodescoberta, inviabilizando sua concretização pela mulher. A estudiosa cita os símbolos e as representações, a limitação doutrinária e normativa, a incidência das instituições e também a subjetividade. Para mais informações, vide SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. In: HOLANDA, Heloísa Buarque de. Pensamento Feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019. . Isso quer dizer que, desde criança, a sociedade delineia o lugar que a mulher deve ocupar, dificultando que esta se conheça de forma genuína, já que se encontra confinada a conceitos e opressões que lhes são impelidas e naturalizadas continuamente e em todos os espaços.

O termo “conquista”, por sua vez, no contexto do colonialismo, fora adotado com o objetivo de indicar que o alcance dos territórios deu-se de forma pacífica, sem emprego de força ou utilização de práticas exploratórias. Forjou-se, a partir de então, uma visão heroica dos europeus que lideraram a tomada deste espaço.

Da mesma forma, a palavra conquista reverbera no que toca à mulher. Na dicção popular, é comum ouvir que uma mulher foi ou necessita ser conquistada. O campo semântico que orbita esta frase é inequívoco: além de sua coisificação – que torna explícito o fato de que a mulher não é considerada em posição de igualdade -, observa-se a aceitação social e institucional da indiscriminada abordagem masculina e também a naturalização social e institucional da violência deste processo.

Por fim, a dominação é traço intrínseco ao colonialismo e também ao gênero. Na experiência colonial, correspondia ao assentamento e à concretude da hierarquização social e das relações de poder. No contexto de gênero igualmente revela-se, haja vista a atribuição de um espaço de hegemonia ao homem e a reiteração da violência e da exploração dos corpos femininos nos mais diversificados lugares de contato social.

Um destes, cujo estudo é imprescindível para o enfrentamento da marginalização da mulher, é o ambiente familiar. Visualizado socialmente como patamar mínimo de socialização e afetividade, a família é, muitas vezes, propulsora de inúmeras violências que, para além de naturalizadas, sequer são consideradas como possíveis. A gravidade da questão é incontestável porque, ao considerar a impossibilidade de sua existência, retira-se a discussão do tema das principais pautas e agendas sociais e institucionais, inviabilizando, portanto, sua superação.

Neste contexto, a violência inegavelmente mais ocultada da face familiar é o estupro cometido no âmbito da conjugalidade. A relação sexual, mesmo diante de muitas lutas – e conquistas - pela liberdade sexual feminina, ainda é vista como um dever conjugal que, além de se materializar na literatura jurídica, é fomentada no ideário social brasileiro.

2. Às margens da conjugalidade – estupro como decorrência de fronteiras distorcidas no ambiente familiar

A família assenta-se como uma instituição social que tende a acompanhar as mudanças históricas, reinventando suas formatações a parte da sociedade na qual se insere (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Saúde. Violência Intrafamiliar: orientações para a prática em serviço. Brasília, 2002. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_19.pdf. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
, p. 13). Considerada o primeiro núcleo de socialização do indivíduo, o ambiente familiar possui – ou deveria possuir - como traço essencial a construção das noções de pertencimento e identidade do ser humano.

Enquanto “categoria nativa”, pode ser vista pelo panorama das narrativas que são contadas e sustentadas ao longo de gerações, bem como por “palavras, gestos, atitudes ou silêncios” que são ressignificados a todo momento por cada componente. É, portanto, um campo primordial para a reflexão de como o individual e o coletivo se relacionam na sociedade (SARTI, 2004SARTI, Cynthia Andersen. A família como ordem simbólica. Psicologia USP, São Paulo, v. 15, n. 3, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642004000200002&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 13).

Por estas razões, a família é precipuamente uma fonte de conhecimento, apta a incentivar interações simbólicas e dinâmicas de ordem afetiva, social e cognitiva que se afirmam indubitavelmente como uma “matriz de aprendizagem humana” (DESSEN; POLONIA, 2007DESSEN, Maria Auxiliadora; POLONIA, Ana da Costa. A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia, v. 17, n. 36, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X2007000100003&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 22).

Tendo em vista a importância desta instituição, o Direito preconiza princípios que buscam orientar as relações familiares, com vistas a gerar um ambiente sadio e estruturado para o desenvolvimento humano. Dentre estes princípios, destaca-se o da afetividade que, embora não se identifique na literalidade da legislação brasileira, é possível aferi-lo dos axiomas constitucionais que resguardam o núcleo essencial da dignidade de cada ser humano. Esta ideia do afeto familiar, então, é a substância que sinaliza o potencial de que a família seja um ambiente livre de violências e seguro para todos os seus componentes de forma indistinta – já que violência e afeto não coexistem.

Ao contrário do que se pode esperar, tendo ciência destes pressupostos, levantamentos de dados e pesquisas indicam um enorme contrassenso: existe uma grave incoerência ao se considerar o ambiente familiar como um local isonômico, pelo que este espaço protagoniza de diversas formas uma atuação que marginaliza a mulher e a mantém sob controle.

Em um primeiro momento, isso pode ser ilustrado pela mística feminina, arquitetura projetada em revistas, artigos e livros, “para mulheres e sobre mulheres”, com a intenção de domesticação e confinamento ao espaço familiar e conjugal. O termo, tratado por Friedman em obra de mesmo nome, reúne o conjunto de ideias que “especialistas” disseminavam acerca do papel da mulher na sociedade. Aglomerando, dentre outras, as funções de amamentar, criar e educar os filhos; comprar máquinas de lavar pratos e cuidar de todas as questões pertinentes ao lar; “vestir-se, parecer e agir de modo mais feminino”; e “impedir o marido de morrer jovem e aos filhos de se transformarem em delinquentes”, essas ideias conferiram um arsenal de responsabilidades à mulher no intuito de afastá-la da possibilidade de receber uma educação adequada, desenvolver uma carreira ou lutar por seus direitos (FRIEDMAN, 1971FRIEDMAN, Betty. A Mística Feminina. Petrópolis: Vozes, 1971., p. 17-18). Por meio desta estratégia engenhosa, alimentou-se um sistema de submissão econômica, intelectual, reprodutiva, estética e sexual da mulher em detrimento do homem, construindo-se uma cultura de que somente a mulher é – e deve ser – a base de toda ação que sustenta os afetos.

Observa-se, neste sentido, que muito precocemente o arranjo familiar já se constituía como um microespaço de opressão da mulher encarregado da desvalorização do trabalho invisível exercido pela mesma e, consequentemente, propulsor de sobrecargas físicas e emocionais.

Em seus estudos, Santos e Diniz (2018SANTOS, Luciana da Silva; DINIZ, Gláucia Ribeiro Starling. Saúde mental de mulheres donas de casa: um olhar feminista-fenomenológico-existencial. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, 2018. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652018000100003&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 55) atestaram que os discursos de mulheres que se encontram restritas às atribuições familiares e domésticas “mostraram vidas interrompidas, tempo e atividades desenvolvidas em função de outrem, abnegações, além de experiências que apontam para situações de violência doméstica”. Ainda, as autoras sinalizam que esta “invisibilidade social das tarefas realizadas” e todas as elementares que as circundam favorecem quadros de adoecimentos psíquicos, tais como depressão, ansiedade, distúrbios alimentares e transtornos associados ao ciclo reprodutivo (SANTOS; DINIZ, 2018SANTOS, Luciana da Silva; DINIZ, Gláucia Ribeiro Starling. Saúde mental de mulheres donas de casa: um olhar feminista-fenomenológico-existencial. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, 2018. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652018000100003&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 39).

Em um segundo momento, destacam-se as violências expressamente reconhecidas no ordenamento jurídico como doméstica e familiar contra a mulher. Descritas nos incisos do art. 7º da Lei n. 11.340/06 – Lei Maria da Penha – estas englobam a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Dentre estas, o presente estudo concentra-se na violência sexual praticada pelo marido em relação à sua esposa, em uma perspectiva de relacionamento heterossexual.

Entretanto, para que seja possível compreender a institucionalização do estupro conjugal enquanto política de administração da sexualidade da mulher, imprescindível a compreensão de que os macro e microssistemas de dominação são indissociáveis. Contrapondo o senso comum de que as relações interpessoais em nada comunicam-se com as relações assumidas em um espaço público, o sexo forçado no âmbito da conjugalidade revela que a tolerância a este tipo de violência decorre da ideia equivocada de que este é um assunto unicamente referente ao casal e, ainda, que em nada diz respeito a uma agressão, sendo visto como consequência do contrato social que sustenta o casamento.

Saffioti (1999SAFFIOTI, Heleieth. Já se mete a colher em briga de marido e mulher. São Paulo Perspec. São Paulo, v. 13, n. 4, 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88391999000400009&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 86) conduz este debate alertando que, muitas vezes, não se trata de insensibilidade social, mas sim de normatização da violência que impõe a noção de aparente legalidade da ocorrência deste fato. Da mesma forma, a autora discorre acerca da grande conveniência correlata ao seu processo, já que por meio dele o Estado se desfaz totalmente da responsabilidade pelo estupro conjugal, retrocedendo de forma nítida na trajetória pela efetivação de direitos.

A causa para esta configuração jurídico-política consiste no fato de que, conforme alerta Radbruch (1999RADBRUCH, Gustav. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999., p. 146-147), o “Direito é masculino, condicionado em seu conteúdo por interesse masculino e modo de sentir masculino (especialmente no direito da família)”. Por esta razão, o discurso de submissão da mulher propaga-se de maneira muito facilitada nos meios autossuficientes em que a reprodução social é inconteste, gerando a sensação de não existem direitos sendo violados.

O debate em torno do tipo penal estupro sofreu lentas evoluções legislativas. Apenas em 2009, com o advento da Lei n. 12.015, o delito deixou de ser reportado como “crime contra os costumes”. Em atenção ao enquadramento, observa-se, então, que o sistema legal entendia que o delito deveria ser proibido não porque acomete danos físicos e psicológicos à vítima, ou porque se encontra intrincado nas raízes de um ordenamento misógino, mas sim porque simplesmente não era costumeiro. Isso quer dizer que, a pouco mais de uma década, explicitamente, a preocupação normativa manifestava-se em defesa da moralidade pública sexual e doméstica, esquecendo-se – propositalmente - de tutelar aquele sujeito (de direitos?) exposto a este tipo de violência.

Esta circunstância é de tal modo evidente que somente em 2005 a expressão “mulher honesta” foi retirada da legislação penal, com a promulgação da Lei n. 11.106. O descompromisso do Direito para com a mulher enquanto ser humano mostrava-se tão grave que instituía uma tutela seletiva lastreada na moral. Ao estabelecer a referida expressão, consignava-se que existam mulheres “dignas” de proteção jurídica e outras não, à medida que se comportassem com “pudor” e “recato” – novamente buscando gerenciar a sexualidade feminina.

Muito embora a dicção legal tenha evoluído para promover o enquadramento do estupro como crime contra a liberdade sexual, o sexo forçado nas relações de conjugalidade é de difícil diagnóstico. Machado (1998MACHADO, Lia. Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, n. 11, 1998. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634634. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p. 249-251) explica a situação suscitando duas ordens simbólicas que permeiam o contrassenso do ambiente familiar. A primeira concerne à existência de um “código relacional de honra” que tende a atenuar a imposição sexual contra a pessoa em prol de um “sentimento de família”. Já a segunda consiste no denominado “código individualista” que, partindo do pressuposto de livre poder de negociação, invoca a consensualidade da relação.

Face a este cenário, conclui a autora que estas duas ordens simbólicas obstaculizam a concepção da relação sexual conjugal forçada como estupro conjugal, materializando o que a legislação denominou “débito conjugal”5 5 Diz respeito ao art. 1.566, inciso II do Código Civil, pelo que o estabelecimento da “vida em comum, no domicílio conjugal” gera interpretação ambígua, sinalizando, em uma das interpretações, a necessidade de que a mulher mantenha relações sexuais com seu cônjuge ainda que não queira. . Isso porque o código relacional de honra torna a continuidade de relações sexuais como “relações de aliança”, como se extensão dos laços de afetividade familiar fossem, ao passo que o código de direitos individuais realoca a relação sexual como “jogos sexuais normais”, cujo esteio encontra-se na consensualidade (MACHADO, 1998MACHADO, Lia. Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, n. 11, 1998. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634634. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p. 252).

Ressalte-se, contudo, que não é possível falar em livre negociação quando aos pactuantes não é permitida a paridade de armas, mas sim é perpetuado um desequilíbrio de poderes de disputa a partir de lugares bem definidos a serem ocupados por cada um na sociedade. Este é um panorama que não conduz ao consentimento, sendo recurso para a solidificação de um ideário que coloca a mulher em posição de sujeição.

Outro fator que atenua a percepção do estupro conjugal é a ideia ilusória de que existem relações “tipicamente violentas” – nas quais as agressões são toleradas, senão até mesmo esperadas - e relações sadias. Essa narrativa equivocada gera uma noção de que a gradação de agressões é uma regra, sempre partindo da “mais leve” até atingir a “mais grave” (GREGORI, 1993GREGORI, Maria Filomena. As Desventuras do Vitimismo. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 1, n. 1, 1993. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/15998. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
, p. 145).

Ainda que a espiral da violência revele que existe uma evolução na gravidade dos delitos praticados contra a mulher no ambiente familiar, há que se destacar que esta premissa não é absoluta. Quando se fala em relação sexual forçada no matrimônio, não necessariamente esta mulher foi vítima de violências físicas ou verbais precedentes. Observa-se que estas tantas outras formas de hostilização da mulher no âmbito conjugal podem ser, inclusive, concomitantes à imposição sexual ou mesmo posteriores.

Todo este cenário encontra ressonância na admissão social e institucional de que a relação sexual no matrimônio assenta-se no dever de “vida em comum, no domicílio conjugal”, insculpido no inciso II do art. 1.566 do Código Civil. Isso torna ainda mais imperceptível o grau de violência praticado, já que, a partir da lógica do Direito, não é possível que uma figura jurídica seja ao mesmo tempo dever e violência.

Percebe-se, neste sentido, que a organização do pensamento jurídico, por si só, já direciona a sociedade a distanciar a face do autor da violência de uma esfera de conhecimento e convivência, pelo que os elementos informadores do tipo penal estupro vão, gradativamente, sendo dissipados. A queda de percepção da violência em razão do maior nível de intimidade entre a ofendida e o autor do crime é, então, outro cenário que exerce um importante papel neste contexto (ADAMS-CLARK; CHRISLER, 2015ADAMS-CLARK, Alexis; CHRISLER, Joan. What Constitutes Rape? The Effect of Marital Status and Type of Sexual Act on Perceptions of Rape Scenarios. Violence Against Women, [s. l.], 2015. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/1077801218755975. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10....
, p. 2).

Sobre o tema, Dantas-Berger e Giffin (2005DANTAS-BERGER, Sônia Maria; GIFFIN, Karen. A violência nas relações de conjugalidade: invisibilidade e banalização da violência sexual?. Cad. Saúde Pública, v. 21, n. 2, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2005000200008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 422) trazem importante reflexão sobre a dinâmica entre sexualidade, masculinidade e violência sexual no âmbito conjugal, ilustrando muito bem esta queda de percepção. A partir de entrevistas, as autoras concluíram que, no curso matrimonial, “o sexo cedido ou sob resistência foi recorrente, mas pouco nomeado como violência” mesmo que as entrevistadas tenham apresentado sentimentos típicos de casos de estupro, como asco, culpa e resignação.

Além disso, a entrevista diagnosticou que, muito comumente, a relação sexual imposta converte-se em um requisito para que a mulher não seja privada de seu próprio sono. Fora frequente e consensual nos relatos a reflexão de que a “paz” e o “sossego” durante a noite dependiam da concretização do sexo forçado. Uma vez frustrada a vontade do cônjuge, as narrativas indicavam ameaças de agressão física – “(...) Se eu não deixar ele fazer, aí ele começa a querer me bater, me agredir, me esculhambar(...)” – e também verbais – “(...) Ele pega, me deita na cama, à força(...). Eu deixo, não tem como! [Se ela resiste, ele fala] Ah! É, né? Sua puta, piranha, safada! Você não quer transar comigo porque tu ‘fode’ com os outros...” (DANTAS-BERGER; GIFFIN 2005DANTAS-BERGER, Sônia Maria; GIFFIN, Karen. A violência nas relações de conjugalidade: invisibilidade e banalização da violência sexual?. Cad. Saúde Pública, v. 21, n. 2, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2005000200008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 422).

Depreende-se, então, que mesmo ante os sofrimentos associados a uma violência sexual, persiste um descompasso na avaliação deste delito. Atacadas por discursos como “’você é minha mulher, está aqui para que?’” e temendo retaliações e “’acusações de infidelidade’”, as ofendidas evidenciam não só quem exerce o papel hegemônico de colonizador na negociação desta “cláusula contratual” sexual silenciosa, mas também tornam visíveis os impactos da legitimação do estupro conjugal pela legislação sob a vestimenta de “deveres conjugais”.

À luz dos ditames do Código Civil de 1916, os suscitados “deveres” permanecem, mesmo após cem anos, com a mesma redação. Na legislação em vigor, sobrevive a exigibilidade da “fidelidade recíproca” e da “vida em comum, no domicílio conjugal”, como verdadeiras regras comportamentais instituídas pelo ordenamento jurídico.

A regulamentação destas obrigações relaciona-se diretamente, desta forma, com as falas aferidas na entrevista acima transcrita. Ao alegar a ausência de desejo sexual como decorrência da manutenção de relações extraconjugais, os cônjuges das entrevistadas estão estremecendo justamente o mandato da fidelidade. Da mesma maneira, o inciso II – que discorre sobre a vida em comum no domicílio conjugal – em que pese poder ser interpretado como “dever de coabitação” - também traz como valor arraigado à obrigatoriedade de que relações sexuais sejam mantidas ainda que a mulher assim não o deseje.

Face a este cenário, observa-se que o aparelhamento ideológico do Estado ainda edifica suas bases na “dicotomia central da modernidade colonial”, que desenha aquele quadro antitético entre humano – homem – e não-humano – mulher (LUGONES, 2014LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36755. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
, p. 936). Desde o período colonial o “acesso brutal” aos corpos femininos vem sendo empregado e reformulado com vistas a se esconder por trás da ilusória satisfação social atrelada a uma experiência forjada de liberdade, subvertendo os discursos em uma “máscara eufemística” (SEGATO, 2014SEGATO, Rita Laura. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 29, n. 2, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922014000200003&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 352).

Patente, portanto, que a relação sexual no âmbito da conjugalidade não se consubstancia em um suposto dever que resulta em um dano colateral, mas sim em uma “estratégia bélica” de apropriação do feminino como combustível para alimentar a própria engrenagem misógina estatal (SEGATO, 2014SEGATO, Rita Laura. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 29, n. 2, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922014000200003&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 343). Inserido em “discurso criminológico e jurídico-penal oficial” e também no senso comum (ANDRADE, 2005ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos, v. 26, n. 50, 2005. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15185/13811. Acesso em: 01 jul. 2020.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/seq...
, p. 95-96), a naturalização do estupro conjugal nada mais revela que a ilustração da conquista vitoriosa do homem em um teste de força superior por meio do qual triunfa a sua masculinidade (BROWNMILLER, 1993BROWNMILLER, Susan. Against Our Will: men, women and rape. New York: Ballantine Books, 1993., p. 14).

Assim, possível inferir que o sexo forçado se encontra às margens da conjugalidade, situando-se como uma consequência de fronteiras legal e socialmente distorcidas que permeiam o ambiente familiar. Por esta razão, faz-se imprescindível a utilização de ferramentas que se propõem a romper com o sistema moderno-colonial de gênero, fragmentando os mapas sociais rigidamente estabelecidos para que a mulher, em condição de igualdade, possa ocupar todos os espaços que lhe foram tomados e não mais deva se reportar a um colonizador para obter validação social. Por isso, o estudo da colonialidade de gênero e o feminismo decolonial tornam-se cada vez mais relevantes, já que a compreensão de que toda a narrativa sob a qual se constroem as relações sociais está amarrada a um período de subjugação social e violência é fundamental para a superação desta problemática.

3. Considerações Finais

Face às reflexões tecidas ao longo desta pesquisa, possível inferir as grandes dificuldades vivenciadas pelas mulheres na busca pela efetivação de seus direitos. Ante a legitimação da ocorrência do estupro conjugal conferida pela legislação civil, verifica-se que os entraves para o enfrentamento desta problemática residem em um território cujo pressuposto basilar é o de garantia e de proteção dos indivíduos – o Direito.

Isso se observa porque toda a raiz axiológica que define quem são os sujeitos que importam na tutela jurídica está contaminada por uma ordem de pensamento que preconiza a subordinação feminina. Neste contexto, o Estado mantém-se estagnado e alheio à sua função de propiciar relações igualitárias de gênero, condenando a mulher a uma cadeia de opressão que funciona de forma autossuficiente, alicerçada em um mecanismo de retroalimentação que se prolonga desde a imposição colonial.

As complexidades que permeiam uma relação conjugal cumprem uma função de pressionar a mulher socialmente, atribuindo-lhe a competência de manter um casamento dito “saudável” e conferindo-lhe uma exaustão emocional de arcar com as maiores das responsabilidades do lar. Ceifada da possibilidade de se manifestar enquanto ser autônomo e livre dos pressupostos colonizadores que lhe são impostos, muitas vezes sente-se desamparada social e juridicamente, o que dificulta o diagnóstico da violência sexual no casamento e, por conseguinte, o naturaliza e normatiza.

Este contexto alimenta a sensação de que a “vida em comum, no domicílio conjugal” é um dever que recai exclusivamente sobre a mulher e que persiste ainda que a mesma não deseje ter relações sexuais com seu cônjuge. Isso se dá de forma que, enquanto sujeito cuja vulnerabilização de corpos é acentuada e utilizada como expressão de um resquício colonial, o prazer sexual feminino é alvo de constante menosprezo pela sociedade e, portanto, objeto de fácil relativização.

A política de regramento dos corpos femininos e de administração de sua sexualidade nada mais é que uma conversão das práticas exploratórias territoriais empregadas no período colonial para as relações de gênero. Neste cenário, manipulam-se e se subvertem as narrativas, de forma que o espaço doméstico e as atribuições familiares sejam capazes de sustentar o poderio masculino. Valendo-se da subvalorização da mulher nestes locais – seja em suas características pessoais, seja no papel desempenhado pela mesma -, o que se soma à imposição de sucessivos e incessantes deveres, edifica-se um espaço quase impenetrável de abusos silenciados.

O que emerge desta arquitetura é o fortalecimento do estatuto familiar e o desequilíbrio nos poderes de negociação entre homem e mulher, condenando a relação sexual forçada a um processo – extremamente eficiente, por sinal - de naturalização do estupro. Visualiza-se, em consequência disso, a dissociação do ambiente familiar enquanto protagonista de várias cenas de violências e aproveitamento do trabalho e dos corpos femininos.

Possível concluir, então, que o sistema de dominação vivenciado na experiência colonial se desdobra em várias facetas que vão desde a manipulação cartográfica, perpassando o falseamento de discursos e conhecimentos e repercutindo de forma inequívoca nas relações de gênero. Partindo dos mesmos pressupostos de esvaziamento da descoberta, construção da mística da conquista e edificação de uma estrutura de dominação, vislumbra-se um cenário dicotômico entre aqueles que conseguem acessar os seus direitos e exercer suas vontades e aqueles cuja existência é visualizada em dimensão residual e secundária.

Neste sentido, o fenômeno do estupro conjugal revela de forma nítida a intersecção entre os dois panoramas. Para que seja possível desintegrar as bases que fundam este aparelhamento ideológico do Estado e também a concepção social pautada na moral e nos bons costumes, necessária a desarticulação política das estruturas sociais e institucionais que nutrem os critérios de hierarquização e que tornam toleráveis – senão, aceitas – as violências vividas pelas mulheres, sob pena de que o gênero, e todas as lutas que o circundam, converta-se em uma categoria social transitória.

  • 1
    Nunes (2000)NUNES, Silvia Alexim, O corpo do diabo entre a cruz e a caldeirinha: um estudo sobre a mulher, o masoquismo e a feminilidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. explica que o controle e a dominação das mulheres podem ser divididos em três momentos históricos distintos. O primeiro diz respeito à Antiguidade que, ao referenciar Aristóteles, considerava que a diferença entre homens e mulheres se aferia pelo calor corporal. O pensamento da época preconizada que o homem possuía um corpo mais quente e que, por isso, este era o verdadeiro responsável por dar origem à vida, sendo certo que a mulher apenas cederia um lugar para a gestação do feto. O segundo momento alia-se a Galeno, aduzindo que a mulher é uma representante inferior do sexo masculino. O terceiro, em seu turno, emerge com Rousseau e os iluministas que discordavam da opinião de que a mulher era imperfeita ou inferior, mas persistiam atribuindo a mesma uma aptidão para o espaço doméstico, enquanto que ao homem caberia o espaço público. Ao longo do século XIX, a autora esclarece que os discursos médicos que contribuíam para este contexto de confinamento da mulher ao âmbito doméstico construíam uma dupla identidade feminina. Se por lado esta era taxada enquanto passiva e assexuada, por outro era representada como “portadora de uma organização física e moral facilmente degenerado”, que, por corresponder a um “’excesso’ sexual”, deveria ser objeto de controle.
  • 2
    Walter Mignolo explica o eurocentrismo como um fenômeno epistêmico cujo nome deriva da localização territorial de seus atores, idiomas e instituições. Desenvolve o conceito elucidando que estes atores conseguiram projetar como universal seu próprio senso e sua visão de mundo. Para mais informações vide MIGNOLO, Walter. WALSH. Catherine E. On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Durham: Duke University Press, 2018, p. 194.
  • 3
    “(...) no hay revolución cuando nuestros cuerpos de mujeres sigan siendo colonia de los hombres, los gobiernos y los Estados. No hay revolución, cuando las decisiones sobre nuestros cuerpos, sean tomadas por los hombres, curas, jueces, maridos y padres”.
  • 4
    A título de ilustração, cita-se a teoria de gênero elaborada por Scott que consegue elencar elementos que forçam os limites da autodescoberta, inviabilizando sua concretização pela mulher. A estudiosa cita os símbolos e as representações, a limitação doutrinária e normativa, a incidência das instituições e também a subjetividade. Para mais informações, vide SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. In: HOLANDA, Heloísa Buarque de. Pensamento Feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019.
  • 5
    Diz respeito ao art. 1.566, inciso II do Código Civil, pelo que o estabelecimento da “vida em comum, no domicílio conjugal” gera interpretação ambígua, sinalizando, em uma das interpretações, a necessidade de que a mulher mantenha relações sexuais com seu cônjuge ainda que não queira.

4. Referências Bibliográficas

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    » https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/1077801218755975
  • ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos, v. 26, n. 50, 2005. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15185/13811 Acesso em: 01 jul. 2020.
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  • BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. Feminismos Subalternos. Revista de Estudos Feministas, v. 25, n. 3, 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2017000301035&lng=es&nrm=iso. Acesso em: 01 jul. 2020.
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  • BRASIL. Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005 Altera os arts. 148, 215, 216, 226, 227, 231 e acrescenta o art. 231-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11106.htm Acesso em: 01 jul. 2020.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2020
  • Aceito
    26 Nov 2020
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