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A mobilização do direito por defensores públicos: o caso das ocupações no centro de Vitória

Legal mobilization by public defenders: the case of occupations in downtown Vitória

Resumo

No caso das ocupações no Centro de Vitória, os defensores públicos do Nudam e da DRDH/ES, exerceram uma atuação considerada não tradicional, interagindo com diversos atores e promovendo a mobilização do direito tanto dentro quanto fora das esferas judiciais. No sentido de se compreender como se deu essa atuação, analisa-se os elementos institucionais que a possibilitaram, bem como a agência dos defensores no caso concreto.

Palavras-chave:
Defensores públicos; Mobilização do direito; Ocupações

Abstract

In the case of occupations in downtown Vitória, the public defenders of Nudam and DRDH/ES, exercised a performance considered non-traditional, interacting with different actors and promoting the legal mobilization both inside and outside the judicial spheres. In order to understand how this performance took place, the institutional elements that made it possible are analyzed, as well as the agency of the defenders in the specific case.

Keywords:
Public defenders; Legal mobilization; Occupations

Introdução1 1 Este artigo é parte da pesquisa que resultou na minha dissertação de mestrado, defendida em fevereiro de 2020. (PAULA, 2020).

Em abril de 2017, o Núcleo de Defesa Agrária e Moradia, da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (Nudam) foi acionado por algumas pessoas que se apresentaram como lideranças de uma ocupação de um terreno denominado de “Fazendinha”, localizado na cidade de Vitória, entre os bairros Universitário e Grande Vitória. A ocupação teve ampla cobertura da mídia local, sendo noticiada a existência de 500 famílias no local, que sem ter outro lugar para morar nem condições de pagar um aluguel, tomaram posse do terreno, dividiram os lotes e levantaram barracos de lona e de madeira (SCALZER, 2017).

Após realizar o atendimento dos representantes da ocupação, o Nudam passou a realizar a assistência jurídica dos ocupantes da Fazendinha e das várias outras ocupações que vieram em sequência. Com a desocupação forçada da Fazendinha, cerca de 100 pessoas, que buscavam ser inseridas no cadastro único do município de Vitória, ocuparam temporariamente o pátio central da Casa do Cidadão, onde este cadastramento é realizado. Saindo de lá, os ocupantes se dirigiram para o Edifício Presidente Getúlio Vargas (IAPI), ocupando o primeiro dos pelo menos 14 (quatorze) edifícios vazios ocupados no Centro de Vitória.2 2 Entre abril de 2017 até o final de setembro de 2019, período de duração do estudo de campo realizado, foi possível mapear 14 ocupações de imóveis sem utilização no Centro de Vitória.

A atuação nesse ciclo de ocupações fez com que os defensores do Nudam e da Defensoria Regional de Direitos Humanos, da Defensoria Pública da União no Espírito Santo (DRDH/ES) se aproximassem não apenas dos ocupantes dos imóveis, mas também das organizações de ocupações: o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), as Brigadas Populares e a União de Juventude Comunista (UJC); de atores que prestam algum apoio às ocupações: estudantes, professores e profissionais da área do Direito e da Arquitetura e Urbanismo, representantes da Associação de Moradores do Centro de Vitória (Amacentro).

Ao mesmo tempo, os defensores públicos passaram a atuar não apenas no âmbito judicial, mas também de forma extrajudicial, em reuniões com a administração pública, em audiências públicas, em atividades de educação em direitos, em seminários, em rodas de conversa, em ações de mobilização, em campanhas, em intervenções de rua.

Essa atuação coordenada com diversos atores conta com um variado repertório que vai além da utilização de instrumentos judiciais e se afasta do que se compreende como uma atuação tradicional da Defensoria Pública. Dessa forma, nesse artigo, pretende-se investigar o que se entende por atuação não tradicional da Defensoria, os elementos institucionais que dão origem a essa nova forma de atuação e como ela é performatizada no caso das ocupações de imóveis vazios no Centro de Vitória.

Como essa atuação não tradicional ultrapassa as barreiras da esfera judicial e envolve atores e espaços de dentro e de fora do sistema de justiça, utiliza-se o marco teórico da Legal Mobilization Theory (Teoria da Mobilização do Direito), cujo enfoque, segundo McCann (2010, p. 182), desloca o foco dos tribunais para os usuários e utiliza o direito como um recurso de interação política e social.

A presente pesquisa consiste em um estudo de caso da participação de defensores públicos na coalização conflituosa de reivindicação do direito à moradia e à cidade, que surge em Vitória, a partir de 2017, e busca se aprofundar nos elementos interacionais que compõem esse fenômeno. O método empregado é de caráter qualitativo, o qual, de acordo com Lazarsfeld (1969, p. 169, apud HAGUETTE, 1992, p. 59) é adequado para captar dados psicológicos que são reprimidos ou não facilmente articulados, como atitudes, motivos, pressupostos, quadros de referência etc. Esse estudo não tem como propósito a generalização dos resultados obtidos, mas sim a explicação do caso analisado, gerando reflexões teóricas que poderão enriquecer os estudos sobre a participação de agentes de justiça nos confrontos políticos, servindo de parâmetro para outras análises empíricas semelhantes.

Nessa análise qualitativa, foi utilizada a técnica da observação participante. Como Defensor Público do Nudam eu atuei no caso em análise, desde abril de 2017, com a Ocupação da Fazendinha, interagindo e compartilhando experiências com os demais atores envolvidos. No ano de 2018, ao ingressar no mestrado e passar a estudar esse caso, comecei a registrar, em um caderno de campo, as minhas observações acerca das experiências vivenciadas.

Além da observação participante foram realizadas entrevistas, a análise de conteúdo de documentos, o mapeamento espacial e temporal do processo de ação coletiva. Em relação às entrevistas qualitativas, segundo Gaskell (2002GASKELL, George. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, Martin; GASKELLL, George (Ed.). Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: um manual prático. Petrópolis, Vozes, 2002, 516 p.;, p. 65) elas fornecem dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores socias e sua situação. No caso em questão, as entrevistas foram realizadas no sentido de se buscar a história de vida, motivações, opiniões e experiências compartilhadas pelos atores envolvidos no processo de luta por moradia no Centro de Vitória.

No total, foram realizadas 19 entrevistas com os atores mais envolvidos no processo de luta por moradia no Centro de Vitória, divididos em 04 (quatro) grupos: 06 (seis) ocupantes; 05 (cinco) atores participantes na organização das ocupações; 03 (três) defensores do Nudam; outros 05 (cinco) atores que prestaram algum tipo de apoio às ocupações (um defensor do DRDH/ES, duas profissionais de Arquitetura e Urbanismo, uma profissional do Direito e um representante da Amacentro). Para cada grupo de atores foi realizado um questionário, com perguntas semiestruturadas específicas. Buscando evitar uma exposição muito direta da imagem dos entrevistados, eles foram identificados, na dissertação, a partir das letras iniciais dos seus três primeiros nomes.

O artigo é desenvolvido em três seções. Na primeira, realiza-se uma abordagem teórica da presença dos agentes estatais em confrontos políticos, a partir da aproximação entre os estudos da mobilização do direito, da Cause Lawyering e dos serviços legais. Na segunda, analisa-se os elementos institucionais da Defensoria Pública que dão origem à sua atuação não tradicional. Na terceira-se seção descreve-se a atuação dos defensores enquanto agentes de mobilização do direito no caso das ocupações de imóveis vazios no Centro de Vitória.

1. A mobilização do direito por agentes do Estado

Com base nas teorias norte-americanas da sociologia jurídica, para McCann (2006) o direito deixa de ser compreendido estritamente a partir dos seus aspectos instrumentais, como as normas codificadas, as instituições e os agentes de justiça, passando a ser entendido como tradições particulares de conhecimento e práticas comunicativas de interação entre os agentes e de produção de significados. Na mesma linha, a mobilização do direito não se limita ao acionamento das cortes de justiça, abrangendo a utilização do direito, na prática social do cotidiano, pelos mais variados sujeitos, nos mais variados ambientes, desde os espaços mais informais, como os locais de trabalho, a vizinhança e as comunidades, até os espaços mais formais como os tribunais.

No sentido de desenvolver a Teoria da Mobilização do Direito, McCann (2006, 2010) aproxima os estudos sócio-legais das abordagens dos movimentos sociais como confronto político, mas não descarta a adição de elementos de outras teorias de movimentos sociais.

A Teoria do Confronto Político, formulada por Charles Tilly (1977TILLY, Charles. From Mobilization to Revolution. Michigan, Universityof Michigan, 1977, 255 p.;, 2001, 2008) e seguida por Doug McAdam e Sidney Tarrow (2001), se aplica às ações coletivas que envolvem atores com interesses conflitantes e a participação do governo. Esse modelo de análise que leva em conta a influência de fatores políticos externos na mobilização social, seja para reprimi-la, seja para gerar oportunidades. Nas primeiras versões dessa teoria, a capacidade de aproveitamento dessas oportunidades é medida a partir da estrutura do grupo desafiante e da sua disponibilidade de recursos (TILLLY, 1977). Todavia, a partir da década de 1990, ela passa a inserir, de forma gradual, algumas dinâmicas e elementos de caráter mais cultural e relacional, como a disponibilidade dos modelos de reivindicação (o repertório de contestação) (TILLY, 2008TILLY, Charles. Contentious performances. Cambridge: Cambridge University Press, 2008;). Ao conceber o repertório de contestação como um conjunto de performances, essa teoria pretende alcançar uma dimensão mais cultural do confronto (MCADAM, TARROW, TILLY, 2001MCADAM, Doug; TARROW, Sidney; TILLY, Charles. Dynamics of contention. Cambridge University, 2001;). Em que pese esse desenvolvimento, a Teoria do Confronto Político ainda é criticada por autores da abordagem culturalista, como James Jasper (1997JASPER, James. The art of moral protest: culture, biography and creativity in social movements, The University of Chicago Press: Chicago and London, 1997, 514 p.;), para quem o conceito de estruturas de oportunidade política permanece amplo, subordinando os elementos culturais que provêm incentivos para a ação coletiva.

A Teoria do Confronto Político tem sido adaptada por alguns teóricos da mobilização do direito para a análise dos elementos estruturais que compõem o campo jurídico e que interferem na utilização dos instrumentos legais pelos movimentos sociais, surgindo uma nova corrente teórica denominada de Estruturas de Oportunidades Jurídicas - LOS (VANHALA, 2011VANHALA, Lisa. Making Rights a Reality? Desability Rights Activists and Legal Mobilization, Cambridge University Press: USA, 2011;). Em seu modelo de LOS, Andersen aponta a presença de aliados inseridos no sistema de justiça como um relevante elemento estrutural, uma vez que Aliados podem arcar com os custos substanciais de iniciar um caso. Eles podem oferecer assistência com a invenção de estratégias legais. Eles podem ainda emitir pareceres de amicus curiae (amigo da corte). (ANDERSEN, 2008ANDERSEN, Ellen Ann. Out of the closets, and into the courts. Legal Opportunity Structure and Gay Rights Litigation. 1ª Ed. United States of América: The University of Michigan Press, 4ª Ed., 2008;, p. 11, tradução nossa).

A análise estritamente estrutural dos fatores que influenciam na utilização de estratégias jurídicas pelas organizações sociais é criticada por pesquisadores que defendem a importância das dinâmicas internas e dos elementos culturais na mobilização do direito. Neste sentido, Vanhala (2011VANHALA, Lisa. Making Rights a Reality? Desability Rights Activists and Legal Mobilization, Cambridge University Press: USA, 2011;) ressalta a importância do papel da agência das organizações sociais para a ocorrência da mobilização do direito. De acordo com a autora, as abordagens de oportunidade tendem a ignorar as dinâmicas internas das organizações e dos movimentos sociais, as quais podem exercer uma importante influência no rol de opções estratégicas e das táticas adotadas pelo grupo (VANHALA, 2011VANHALA, Lisa. Making Rights a Reality? Desability Rights Activists and Legal Mobilization, Cambridge University Press: USA, 2011;, p. 21, tradução nossa).

Por sua vez, Aude Lejeune (2017LEJEUNE, Aude. Legal Mobilization within the Bureaucracy: Disability Rights and the Implementation of Antidiscrimination Law in Sweden, Law & Policy, 39(3), 237/258, 2017;) constata que, no estudo do uso das estratégias jurídicas, tanto as abordagens estruturalistas quanto as culturalistas focam quase exclusivamente nas atividades praticadas pelos grupos da sociedade civil, dando pouca atenção aos atores que atuam dentro da burocracia estatal, em busca de transformações sociais. Dessa forma, Lejeune (2017) procura compreender como os agentes estatais mobilizam o direito no sentido de promover mudanças sociais. A esse respeito, considera:

Esse artigo propõe olhar para o outro lado da relação e examinar como os atores do estado mobilizam o direito para alcançar seus objetivos políticos. A partir dessa perspectiva, a burocracia também pode funcionar como uma arena de mobilização do direito porque certa agência ou ator dentro do estado pode desafiar uma política suportada por outra parte do estado. (LEJEUNE, 2017LEJEUNE, Aude. Legal Mobilization within the Bureaucracy: Disability Rights and the Implementation of Antidiscrimination Law in Sweden, Law & Policy, 39(3), 237/258, 2017;, p. 03, tradução nossa).

Nos Estados Unidos da América (EUA), a análise da atuação de agentes estatais nos processos de confronto político que englobam o acionamento das cortes de justiça tem se dado dentro dos estudos da cause lawyering (advocacia de causa). Com base em Sarat e Scheingold (1998SARAT, Austin; SCHEINGOLD, Stuart. Cause Lawyering and the Reproduction of Professional Authority: An Introduction. In SARAT, Austin; SCHEINGOLD, Stuart. (Org.). Cause Lawyering: Political Commitments and Professional Responsibilities. New York: Oxford University Press, 1998. p. 3-30;), a principal característica advocacia de causa é que nela o profissional do direito mantém um vínculo moral com a causa que está atuando, se valendo dos instrumentos judiciais para alcançar os seus ideais de uma sociedade melhor e mais justa.

Os estudos da advocacia de causa não abrangem apenas os advogados que exercem a sua profissão de forma privada, mas também os government lawyers (advogados do governo), que prestam seus serviços advocatícios a partir de um vínculo público. Um dos pesquisadores que realiza o enquadramento da atuação dos advogados do governo dentro da advocacia de causa é Steven Berenson (2009BERENSON, Steven. Government Lawyer as Cause Lawyer: A Study of Three High Profile Government Lawsuits, Denver Law Review, 86 (2): 457/508, 2009;), que identifica alguns advogados do governo que se valem do litígio, das cortes e das leis no intuito de promover uma transformação social.

Enquanto nos EUA os estudos sobre a advocacia de causa englobam advogados ligados ao governo, na América Latina e no Brasil, a literatura existente tem constatado que os profissionais de Direito que historicamente atuam perante os movimentos sociais possuem um maior distanciamento em relação ao Estado.

Em seu estudo sobre os serviços legais inovadores existentes na América Latina, Fernando Rojas Hurtado (2016HURTADO, Fernando Rojas. Comparação entre as tendências de Serviços Legais na América do Norte, Europa e América Latina (segunda parte). Caderno Eletrônico de Ciências Sociais, Vitória, v. 4, n. 2, pp. 118-170, 2016;, 2017) identificou que o cenário de precariedade e exclusão social, política e econômica na América Latina, fez com que os serviços legais passassem a ser prestados não pelo Estado, mas por Organizações Não Governamentais (ONGs). Essa desvinculação em relação ao aparato estatal contribuiu para que os serviços legais inovadores assumissem uma postura mais crítica em relação ao Estado perseguissem ideais de transformação, da sociedade e da ordem jurídica, mais profunda e radical.

No Brasil, os serviços legais inovadores são mais popularmente conhecidos pelos termos assessoria jurídica popular ou advocacia popular. Eles surgem em meados da década de 1980, no contexto de redemocratização do país, pela atuação de profissionais do direito adeptos do pensamento crítico e próximos aos movimentos sociais urbanos e rurais que emergem no mesmo contexto (SÁ SILVA, 2010). Com o maior desenvolvimento da advocacia popular, os profissionais que atuavam de forma mais isolada se organizaram em entidades, como o Instituto de Apoio Jurídico Popular (Iajup ou Ajup) e a Rede Nacional de Advogados Populares (Renap). Nos anos 1990, diante do avanço do neoliberalismo e da globalização, houve uma onda de institucionalização dos grupos populares em ONGs, acompanhada de uma forte retração da força mobilizadora dos movimentos sociais (LUZ, 2014LUZ, Vladimir de Carvalho. Assessoria Jurídica Popular no Brasil : Marcos teóricos, formação histórica e perspectivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014;).

Recentemente, os estudos sobre movimentos sociais e outros processos de confronto político ocorridos no Brasil têm relatado o envolvimento de profissionais de Direito que compõem os quadros de instituições estatais do sistema de justiça, como o Ministério Público e a Defensoria Pública.3 3 Alguns casos que já foram trabalhados são: a atuação de promotores de justiça e defensores públicos nas questões ambientais (LOSEKANN, 2019b); de defensores públicos na defesa do direito dos atingidos pela contaminação do Rio Doce com o rompimento da barragem de Fundão (LOSEKANN, 2017b); nas ocupações das escolas do Espírito Santo pelos estudantes (LOSEKANN, 2019a); nos conflitos urbanos (ZANOTELLI, 2018). Nessa pesquisa, nos limitaremos ao estudo dos defensores públicos.

Os defensores públicos se enquadram dentro do espectro mais amplo dos serviços legais que, de acordo com Vladimir de Carvalho Luz (2014LUZ, Vladimir de Carvalho. Assessoria Jurídica Popular no Brasil : Marcos teóricos, formação histórica e perspectivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014;), englobam as mais diversas formas de prestação de auxílio jurídico gratuito, efetuadas tanto por agentes privados como públicos. Um importante referencial tipológico em relação aos serviços legais foi realizado por Celso Fernandes Campilongo (2011CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Direito na Sociedade Complexa. São Paulo: Editora Saraiva, 2011;), que os diferenciou entre serviços legais tradicionais e inovadores, sendo que a advocacia popular se enquadra como um tipo de serviço legal inovador.

Com base em Campilongo (2011CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Direito na Sociedade Complexa. São Paulo: Editora Saraiva, 2011;), apreendemos que os serviços legais tradicionais são aqueles ainda muito vinculados a um modelo limitado de assistência judiciária. Ademais, são voltados majoritariamente para os interesses individuais: possuem uma postura paternalista e hierarquizada em relação ao cliente; adotam um formalismo jurídico; seguem um modelo liberal da microética; desconsideram a realidade histórica e social do mundo ao redor; e selecionam os seus clientes a partir de um rígido critério econômico.

Já os serviços inovadores, para Campilongo (2011CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Direito na Sociedade Complexa. São Paulo: Editora Saraiva, 2011;), são mais voltados ao atendimento dos interesses coletivos: enxergam o indivíduo a partir do seu pertencimento a uma sociedade; exigem que o prestador do serviço assuma responsabilidades não apenas com o cliente, mas também com a causa e com os resultados da atuação; são pautados por uma macroética coletivista; buscam não apenas o resultado prático e imediato da atuação, mas também a promoção da tomada de consciência em direitos; não se pautam apenas no critério econômico para selecionar as pessoas que precisam dos seus serviços, adotando um conceito mais amplo de necessitado jurídico.

Apesar de não ser uma tipologia usualmente trabalhada pela literatura brasileira e de o próprio Campilongo (2011CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Direito na Sociedade Complexa. São Paulo: Editora Saraiva, 2011;) admitir que ela possui alguns limites explicativos4 4 Ao mesmo tempo em que ressalta os razoáveis efeitos didáticos na diferenciação entre os serviços legais tradicionais e inovadores, Campilongo (2011) aponta que ela pode conduzir a generalizações apressadas e simplificadoras. , a diferenciação entre os serviços legais tradicionais e inovadores se mostra um caminho interessante para entender como a mudança do perfil institucional da Defensoria Pública, ao longo do tempo, tem contribuído para o surgimento de uma forma de atuação considerada como não tradicional e para o engajamento de alguns defensores públicos em movimentos sociais e outros processos de confronto político.

Ao analisar a atuação de agências estatais na mobilização do direito, no caso da luta pelo direito dos deficientes na Suécia, Lejeune demonstra a existência de dois elementos importantes que influenciam na mobilização do direito dentro do aparato estatal e na configuração do estado como agente mobilizador do direito: a relação institucional entre as organizações e as agências de governo; os perfis e carreiras dos burocratas e ativistas (LEJEUNE, 2017LEJEUNE, Aude. Legal Mobilization within the Bureaucracy: Disability Rights and the Implementation of Antidiscrimination Law in Sweden, Law & Policy, 39(3), 237/258, 2017;, p. 01, tradução nossa). Dessa forma, no sentido de se compreender como ocorre a mobilização do direito dentro do aparelho burocrático do Estado, a análise deve se dar tanto no nível médio das instituições, quanto no nível micro dos agentes que integram essas instituições.

O nosso objetivo é o de analisar o papel da Defensoria Pública e a experiência dos defensores na mobilização do direito na luta por moradia no Centro de Vitória. No nível institucional, pretendemos investigar a trajetória e a transformação do perfil institucional da Defensoria Pública, que fez com que surgisse uma forma de atuação da Defensoria considerada não tradicional e com que essa instituição se aproximasse dos movimentos sociais e de outros confrontos políticos. Já na dimensão individual, objetivamos compreender, no caso concreto, as performances de mobilização do direito desenvolvidas e as experiências vividas pelos defensores públicos a partir das interações mantidas com os demais atores envolvidos na luta por moradia no Centro de Vitória.

2. A trajetória da defensoria e a concepção de um novo modelo institucional

Nesse breve resgate histórico da Defensoria Pública, pretende-se compreender: o que significa a atuação não tradicional da Defensoria Pública; como essa vem sendo idealizada e materializada; como se aproxima de alguns aspectos da advocacia de causa e da advocacia popular e se relaciona com a mobilização do direito. Ao se realizar essas aproximações, não se pretende inserir a Defensoria nos conceitos da advocacia de causa ou da advocacia popular, tendo em vista as grandes diferenças existentes eles. Em relação à advocacia de causa a maior diferença é o contexto social envolvido e no da advocacia popular é o distanciamento em relação ao Estado.

A Defensoria Pública surge a partir dos serviços de Assistência Judiciária que vão sendo paulatinamente criados a partir da década de 1940, nos Estados brasileiros, em atendimento aos dispositivos da Constituição Federal de 1934, de 1946, da Lei nº 1.060 de 1950 e da Constituição Federal de 1967-69, que estabeleceram como dever da União Federal e dos Estados a garantia do acesso à justiça (ALVES, 2005ALVES, Cleber Francisco. A estruturação dos serviços de assistência jurídica nos EUA, na França e no Brasil e a sua contribuição para garantir a igualdade de todos no acesso à justiça. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teoria do Estado e Direito Constitucional do Departamento da PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2005;). A instalação desses serviços em cada Estado ocorreu dentro da estrutura de diferentes órgãos, dentre eles, as Procuradorias do Estado, as Secretarias de Justiça e o Ministério Público, variando também no grau de dependência em relação aos outros órgãos da administração pública. No Espírito Santo, foi criada a Procuradoria de Assistência Judiciária, vinculada à Procuradoria-Geral do Estado, no ano de 1977 (MORAES E SILVA, 2019MORAES, H. P.; SILVA, J. F. T. Assistência judiciária: sua gênese, sua história e a função protetiva do Estado. 2ª ed. ver. e ampl., Rio de Janeiro: Liber Juris, 2019;).

Os serviços de assistência judiciária gratuita anteriores à Constituição Federal de 1988 se enquadram no que Campilongo (2011CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Direito na Sociedade Complexa. São Paulo: Editora Saraiva, 2011;) classifica como serviços legais tradicionais, uma vez que eles são tipicamente pertencentes ao ideário liberal, adotam uma visão formalista do Direito e do acesso à justiça, se restringem à esfera judicial, são voltados para a tutela dos interesses individuais, possuem uma relação paternalista com o cliente, desconsideram o grupo social ao qual o cliente pertence e a realidade social em que vive, não assumem um compromisso ético e moral com a causa, não possuem um ideal transformador.

O Rio de Janeiro foi o pioneiro na criação de um órgão específico de assistência jurídica.5 5 Nesse Estado, em 1954, é criada a Assistência Judiciária é criada dentro do Ministério Público, em 1970 ela se torna um órgão específico e em 1987 esse órgão adquire autonomia administrativa (MOREIRA, 2017). Contudo, a Defensoria Pública é efetivamente criada com a Constituição Federal de 1988, sendo reconhecida no texto do seu art. 134, como uma função essencial à justiça, tendo como atribuição a prestação de um serviço de assistência jurídica integral e gratuita que não se resume à esfera judicial, mas também à esfera extrajudicial. Apesar de criar a Defensoria Pública, o texto constitucional permaneceu muito aberto, deixando de dar autonomia à instituição e conferir prerrogativas aos defensores, o que postergou a expansão e a consolidação da instituição (CONCEIÇÃO, 2014CONCEIÇÃO, Paulo Henrique Veloso da. O papel da Defensoria Pública na concretização do acesso à justiça: Superando antigos dogmas do individualismo. Revista Eletrônica de Direito Processual. REDP, Vol. XIV, 2014;). No Espírito Santo, por exemplo, a Defensoria Pública é criada no ano de 1992, mas apenas realizou o seu primeiro concurso público para o ingresso na carreira no ano de 2006 e adquiriu a sua autonomia administrativa no ano de 2010.6 6 A organização da Defensoria Pública do Espírito Santo se dá pela Lei Complementar Estadual nº 55, de 1994, a qual foi alterada pela Lei Complementar Estadual nº 574, de 2010, conferindo-lhe autonomia funcional, administrativa e orçamentária.

Em São Paulo, o Estado mais rico do país, a Defensoria apenas foi criada no ano de 2006. Nesse Estado, a instalação da Defensoria Pública se deu de forma peculiar, pois foi impulsionada pelo “Movimento pela Criação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo”, lançado oficialmente no ano de 2002, que recebeu a adesão de mais de 400 entidades politicamente organizadas e de movimentos sociais (MOREIRA, 2016MOREIRA, Thiago de Miranda Queiroz. A criação da defensoria pública nos estados: conflitos constitucionais e corporativos no processo de uniformização do acesso a justiça. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016;). O anteprojeto de lei para criação da Defensoria foi elaborado por procuradores da antiga Procuradoria de Assistência Judiciária e debatido de forma ampla com a sociedade civil (MOREIRA, 2016). Esse anteprojeto estabelecia um novo perfil institucional para a Defensoria Pública, com base em três principais diretrizes: ser uma instituição mais aberta e transparente para a sociedade, com canais de participação e controle; fixar a defesa e a promoção dos direitos humanos como missão da Defensoria; diversificar as funções institucionais da Defensoria para além da esfera judicial (MOREIRA, 2016).

O anteprojeto de lei da Defensoria Pública de São Paulo serviu como parâmetro para a Lei Complementar nº 132/2009, que alterou a Lei Orgânica Nacional das Defensorias Públicas (MOREIRA, 2016MOREIRA, Thiago de Miranda Queiroz. A criação da defensoria pública nos estados: conflitos constitucionais e corporativos no processo de uniformização do acesso a justiça. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016;). Esse modelo inovador para a organização da Defensoria Pública, ainda hoje, encontra forte resistência, em boa parte da categoria, a qual se espelha na trajetória das instituições tradicionais do sistema de justiça, como o Ministério Público e o Judiciário (MOREIRA, 2016).

Compreendendo que a Constituição Federal de 1988 adotou um padrão ético mais solidário e coletivista, o Ex-Defensor Público do Rio de Janeiro Brenno Cruz Mascarenhas Filho (1995MASCARENHAS FILHO, Breno Cruz. Defensoria Pública do Rio de Janeiro: Diagnóstico de uma transformação. Revista de Direito da Defensoria Pública, ano 6, n. 07, Rio de Janeiro, 1995, p. 69/81;) e o Defensor Público do Rio de Janeiro José Augusto Garcia de Souza (2004SOUZA, José Augusto Garcia de. Solidarismo Jurídico, acesso à justiça e funções atípicas da Defensoria Pública: a aplicação do método instrumentalista na busca de um perfil institucional adequado. Revista de Direito da Defensoria Pública, ano 16, n. 19, abril de 2004, Rio de Janeiro, p. 215/258;, 2012), há décadas, defendem que a Defensoria Pública, sem deixar de exercer a tutela dos direitos individuais, supere a lógica individualista, com raízes no liberalismo, passando a adotar um modelo solidarista, voltado para a tutela dos interesses coletivos.

A defesa de um novo perfil, mais solidário, para a Defensoria, de acordo com Souza, se torna mais forte com a promulgação da Lei Complementar nº 132/2009, que altera o art. 1º da Lei Complementar nº 80/1994, passando a considerar a Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático, a incumbe de realizar a promoção dos direitos humanos e lhe atribui uma série de funções institucionais voltadas para a tutela coletiva (BRASIL, 2009).

Ao assumir atribuições voltadas para o exercício da tutela dos interesses difusos e coletivos, a prestação da assistência jurídica pela Defensoria Pública se torna dessubjetivada, a identidade do indivíduo por ela atendido perde importância em relação ao próprio objeto do processo e à relevância social da demanda (SOUZA, 2004SOUZA, José Augusto Garcia de. Solidarismo Jurídico, acesso à justiça e funções atípicas da Defensoria Pública: a aplicação do método instrumentalista na busca de um perfil institucional adequado. Revista de Direito da Defensoria Pública, ano 16, n. 19, abril de 2004, Rio de Janeiro, p. 215/258;). Da mesma forma, a aferição da condição de necessitado, com base em critérios meramente econômicos, se torna inadequada, sendo imprescindível a ampliação das hipóteses de necessidades como a jurídica (envolve outros critérios não meramente econômicos em que se justifica a prestação de assistência jurídica) e organizacional (está relacionada ao atendimento de grupos que possuem dificuldade de se organizar para defender seus interesses) (SOUZA, 2012).

Esse novo perfil, mais solidário, idealizado para a instituição, a afasta do que Campilongo (2011CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Direito na Sociedade Complexa. São Paulo: Editora Saraiva, 2011;) entende como serviços legais tradicionais. Assim, em sentido semelhante, com base no critério adotado para a aferição da condição de necessitado, Souza (2012SOUZA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido (sobretudo após a edição da LC n. 132/09) a visão individualista acerca da instituição? Revista da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, ano 24, n. 25, p. 175, 244, 2012;) classifica as atribuições da Defensoria Pública em tradicionais e não tradicionais: as funções exercidas na defesa dos interesses dos indivíduos com carência financeira são denominadas de “tradicionais” ou “tendencialmente individualistas”, enquanto as funções exercidas nas hipóteses em que a situação de necessidade não decorre de um critério econômico são consideradas “não tradicionais” ou “tendencialmente solidaristas”.

Algumas importantes funções institucionais da Defensoria Pública que podem ser consideradas não tradicionais são:

Ilustração 01:
Quadro das funções institucionais não tradicionais da Defensoria7 7 Esse rol de funções foi extraído do texto da Lei Complementar nº. 80, de 1994, alterada pela Lei Complementar nº132, de 2009.

Ao realizar uma análise organizacional da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, já na década de 1990, Mascarenhas Filho identificou a existência de órgãos de atuação “tradicionais” (órgãos jurisdicionais, inclusive as Curadorias Especiais e os núcleos não especializados, como os de primeiro atendimento e os de estabelecimento penais) e os órgãos “não tradicionais” (os Núcleos de Terras e Habitação, de Regularização de Loteamentos, de Defesa do Consumidor e de Defesa da Cidadania). Segundo o autor (MASCARENHAS FILHO, 1995MASCARENHAS FILHO, Breno Cruz. Defensoria Pública do Rio de Janeiro: Diagnóstico de uma transformação. Revista de Direito da Defensoria Pública, ano 6, n. 07, Rio de Janeiro, 1995, p. 69/81;), aqueles estariam mais ligados ao Estado Liberal, buscando dar um tratamento individual aos conflitos, enquanto esses se inseririam melhor no Estado Contemporâneo, encarando os conflitos a partir de uma dimensão coletiva e socialmente orientada.

O Núcleo de Terras e Habitação (Nuth) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, voltado para a atuação coletiva em conflitos fundiários urbanos e rurais e na promoção do direito à moradia e do acesso a terra, já existe desde 1989. Contudo, nos demais Estados, ele apenas surge na segunda metade dos anos 2000. Na Defensoria Pública de São Paulo, o Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo (NE-Haburb) foi criado no ano de 2006, e contou com a participação dos movimentos e entidades envolvidas na luta pela moradia e à cidade. (LIMA, 2018LIMA, Rafael Dantas Negreiros de. A disputa pelo direito à cidade no campo jurídico: uma análise a partir de casos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018;). No Espírito Santo, foi criado o Núcleo de Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo, no ano de 2013, o qual foi transformado no Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (Nudam) no ano de 2015.8 8 Com base em informações da Comissão Especial do Direito Social à Moradia e Questões Fundiárias do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege), prestadas em 28 de janeiro de 2021, outros Estados que possuem núcleos especializados na temática do direito à moradia e do acesso à terra são: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Sergipe, Roraima e Tocantins.

Independentemente do seu órgão de atuação, todo defensor público tem atribuição de prestação da tutela dos interesses difusos e coletivos e de adoção dos métodos não tradicionais de resolução dos conflitos. Contudo, a aproximação de defensores públicos com os movimentos sociais e a sua entrada nas arenas dos processos de confronto político têm ocorrido, de forma mais recorrente, a partir da atuação em núcleos especializados.

O fato de um defensor atuar dentro ou fora de um núcleo especializado não determina que a sua atuação seja necessariamente tradicional ou não tradicional. Partindo tanto dos estudos sobre a advocacia de causa, quanto daqueles sobre a advocacia popular, tem-se que os fatores biográficos e morais do profissional de Direito, a sua concepção sobre o direito e a forma como ele se relaciona com os seus “clientes” são determinantes para se diferenciar a atuação desses profissionais do exercício da advocacia de forma tradicional.

Nesse sentido, com base em Cristiana Losekann (2019bLOSEKANN, Cristiana. Performances coordenadas e experiências compartilhadas na mobilização do direito em conflitos ambientais: a contribuição do pragmatismo de John Dewey na análise de conflitos ambientais, in: Plural Revista de Ciências Sociais, Programa de Pós Graduação em Sociologia da USP, v. 26, n. 2, segundo semestre de 2019b, p. 174-199;), os núcleos especializados podem ser considerados mecanismos ambientais que criam oportunidades legais das quais o próprio defensor público e os agentes desafiadores podem se valer para promover a mobilização do direito. Assim, o que irá determinar de fato se essa mobilização do direito ocorrerá e como ela será performatizada são as interações estabelecidas entre os atores de justiça e os demais atores envolvidos na ação coletiva. Por esse motivo, na próxima seção, iremos analisar essas interações, a partir da experiência dos defensores públicos no caso específico da luta pelo direito à moradia no Centro de Vitória.

3. A experiência dos defensores públicos na luta por moradia no centro de Vitória

3.1. O engajamento dos defensores a partir da sua atuação profissional

Em seus estudos sobre a advocacia de causa, Sarat e Scheingold (1998SARAT, Austin; SCHEINGOLD, Stuart. Cause Lawyering and the Reproduction of Professional Authority: An Introduction. In SARAT, Austin; SCHEINGOLD, Stuart. (Org.). Cause Lawyering: Political Commitments and Professional Responsibilities. New York: Oxford University Press, 1998. p. 3-30;) apontam, como os principais elementos que a caracterizam, os seguintes: a descentralização da relação cliente-advogado; o compromisso moral com a causa e o ideal de se alcançar uma sociedade melhor e mais justa. Por sua vez, Sá e Silva (2010) destaca, como traços típicos da advocacia popular, a relação próxima e horizontal com os movimentos sociais e outros grupos organizados, o compromisso moral de perseguir a transformação social e a construção de uma nova ordem jurídica a partir da sua atuação.

Nas entrevistas realizadas com três defensores do Nudam e o Defensor da DRDH/ES, constatou-se que o engajamento desses profissionais em causas sociais, a aproximação com os movimentos e os seus compromissos morais estão muito ligados ao próprio exercício da sua profissão. Dentre eles, apenas a defensora M.G.A. afirma que já possuía um vínculo moral com as pautas dos movimentos sociais, como o feminista, o de reforma agrária e o de defesa dos direitos dos animais, antes de se tornar defensora pública. Segue a fala da defensora:

Difícil, deixa eu pensar... Eu tenho, já é... faz parte da minha pessoa, assim, né, minha formação como indivíduo, estar envolvida nas pautas sociais. Então, é... eu acho que o movimento feminista, né, eu tenho, por ser mulher, assim, eu, realmente... Sou, assim, não consigo nem viver fora disso, né. É uma coisa, é muito inerente a minha pessoa, assim. Ah, vamos ver, assim, eu acho que também é uma... um questionamento, assim, também dos modos de produção, né, assim capitalistas, né, e agroindústrias... assim, movimento, assim, da... pelo tratamento da Terra de forma diferente, assim, nessa perspectiva de exploração. E aí envolve também a questão do, da defesa dos animais, assim, como seres sencientes e não como objetos, assim, de, de... como insumos da... desse modo de produção industrial, agroindustrial (informação verbal).

Já nas demais entrevistas, constata-se o envolvimento desses defensores com causas sociais se deu justamente a partir do ingresso na Defensoria Pública, principalmente quando passaram a atuar com os núcleos especializados e a ter contato com as comunidades em situação de extrema vulnerabilidade e com as organizações sociais. Da mesma forma, os compromissos morais e os ideais desses defensores estão estreitamente ligados à sua compreensão da Defensoria Pública como um instrumento e de si próprios como agentes de transformação social e de construção de uma sociedade mais justa e solidária. A título de exemplo, tem-se a fala de J.M.M:

Eu participei de movimento estudantil na faculdade, mas de maneira muito marginal. Não integrei o C.A., integrei algumas discussões, participei de algumas manifestações, mas nada de excelente não. [...] E aí a Defensoria veio muito mais como, é, vamos dizer assim, uma mão a luta. Virou um ideário que eu tinha pessoalmente, um ideário, assim, de críticas ao nosso sistema, por formação, enfim, já existia. É... eu encontrei isso num órgão como essência da sua vida. E aí nesse ideário de transformar o Brasil numa sociedade mais justa, igualitária e solidária, ela é... sem discriminações, né, essa busca por esse ideário também integra a função pública da Defensoria e aí a gente acaba trabalhando mais arduamente naquilo que a gente é... faz de uma maneira que, enfim, o trabalho está envolvido exatamente com o que a gente pensa do mundo (informação verbal).

3.2. A criação do Nudam e a aproximação com os movimentos sociais

Enquanto os serviços legais tradicionais promovem uma atuação verticalizada, paternalista, assistencialista, formalista, a partir de uma visão sacralizada do Direito, os serviços legais inovadores se envolvem em um trabalho de conscientização e organização comunitárias, adotando uma postura mais horizontalizada e uma visão desmistificadora do Direito (CAMPILONGO, 2011CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Direito na Sociedade Complexa. São Paulo: Editora Saraiva, 2011;).

O processo de criação do Nudam nos ajuda a compreender como os defensores do núcleo passaram a interagir com a sociedade civil de forma menos verticalizada e paternalista e, desta forma, mais horizontalizada e participativa, possibilitando a criação de vínculos de confiança, afetividade e respeito mútuo entre os atores. Essa relação coordenada foi sendo construída e ampliada no processo de desenvolvimento e consolidação do núcleo, contribuindo para o desenvolvimento de performances colaborativas de mobilização do direito, no processo de luta por moradia no Centro de Vitória.

O Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (Nudam) da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo foi criado por meio do ato normativo nº 450, de 16 de junho de 2015, tendo se iniciado com a designação de dois defensores que adotaram como linhas de atuação os conflitos possessórios, a regularização fundiária e o direito à cidade. Para dar conta disso, eles viram a necessidade de criar uma rede de atuação tanto com o poder público, quanto com a sociedade civil.

No que diz respeito à aproximação da sociedade civil, ela se deu a partir da interação com o Programa de Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) nos conflitos possessórios. Ao mesmo tempo em que o PPDDH começou a acionar o Nudam para prestar assistência jurídica às coletividades vulneráveis, sob o risco de sofrer remoção compulsória, esse programa também auxiliava o núcleo na intermediação dos conflitos possessórios. A partir dessa atuação conjunta, os atores foram estabelecendo vínculos de confiança.

A relação com o PPDDH fez com que o Nudam se aproximasse de várias entidades, como o MST, os movimentos de moradia e comunidades vulneráveis. Outras práticas que também contribuíram para a aproximação com esses atores da sociedade civil foram: a atuação de campo, com visitas aos locais onde havia o conflito possessório, a organização de seminários e a organização de eventos relacionados ao direito à moradia.

Um importante evento realizado pelo Nudam foi a I Semana Capixaba do Direito à Moradia9 9 Esse evento ocorreu entre os dias 06 a 08 de abril de 2016 e contou com: uma roda de conversas com a participação da coordenadora nacional do Movimento de Luta nos Bairros (MLB) e um advogado popular de Belo Horizonte, uma sessão de cinema e uma visita ao assentamento Franqueza e Realeza do MST. que ocorreu entre os dias 06 a 08 de abril de 2016. A partir desse evento, os defensores do Nudam tiveram o primeiro contato com várias organizações sociais, dentre elas, o Movimento de População de Rua, o MNLM e as Brigadas Populares.

Segundo R.M.C., um importante fator para a adoção de uma atuação em rede foi o perfil dos defensores públicos que compunham o Nudam à época, os quais tinham a percepção de que trabalhar com a sociedade civil era importante e estratégico, além de uma visão desburocratizada e mais informal do seu papel junto à sociedade. Nos seus dizeres:

Nenhum defensor do Nudam tem uma visão formalizada do seu trabalho, uma visão formal. É... isso permite que haja mais troca entre o movimento, entre a sociedade civil com a instituição, esse é um aspecto que eu acho importante. Isso enseja desburocratizar essa visão institucional. Os movimentos eles batem lá no Nudam eles são recebidos na hora, se a gente não consegue atender marca uma reunião, a gente vai nas ocupações, vai nas comunidades que foram afetadas pelo desastre e isso acaba criando um vínculo de confiança (informação verbal).

Ao mesmo tempo, as organizações socais passaram a acionar e a provocar o Nudam para atuar em favor de diversas comunidades em situação de extrema vulnerabilidade, para realizar visitas a essas comunidades, para se aproximar mais das pessoas que estavam sendo atendidas, para construir uma relação mais transparente, horizontal e desburocratizada. Assim, com base em Losekann (2019bLOSEKANN, Cristiana. Performances coordenadas e experiências compartilhadas na mobilização do direito em conflitos ambientais: a contribuição do pragmatismo de John Dewey na análise de conflitos ambientais, in: Plural Revista de Ciências Sociais, Programa de Pós Graduação em Sociologia da USP, v. 26, n. 2, segundo semestre de 2019b, p. 174-199;), essa combinação entre o perfil biográfico e a forma como as interações foram sendo estabelecidas entre os defensores e os atores da sociedade civil são fatores determinantes para a construção de uma ação coordenada entre eles.

3.3. A atuação do Nudam e legitimação da ocupação da Fazendinha

A aproximação dos defensores do Nudam com os atores envolvidos no ciclo de ocupações de imóveis vazios no Centro de Vitória se deu bem no início desse processo, já na ocupação da Fazendinha.

A Defensoria Pública foi um dos primeiros agentes externos a prestar algum tipo de suporte para as centenas de famílias que se encontravam residindo de forma precária na área da “Fazendinha”. Naquele momento, os ocupantes da Fazendinha tinham apenas opositores, como a Prefeitura de Vitória, os proprietários particulares da área, a mídia, que vinha fazendo uma cobertura negativa da ocupação, e a sociedade em geral, que repercutia o conteúdo dos noticiários.

Ao serem acionados por alguns representantes da ocupação, os defensores do Nudam realizaram o seu atendimento e passaram a prestar assistência jurídica às famílias que se encontravam na Fazendinha. Além do acesso à justiça, a atuação do Nudam acionou o mecanismo de certificação das ocupações, o qual, para McAdam, Tarrow e Tilly (2001), se refere à validação dos atores, suas performances e suas reivindicações pelas autoridades externas. (McADAM; TARROW; TILLY, 2001, p. 145, tradução nossa). Nesse sentido, o atendimento jurídico prestado pelo Nudam resultou em uma maior segurança e orientação às famílias ocupantes e influenciou na sua organização interna, uma vez que um dos ocupantes, o que tomou a iniciativa de buscar a Defensoria, acabou se destacando como uma das lideranças. Sobre isso, fala a liderança V.M.F.:

Então foi que eu procurei a Defensoria Pública na época, né, e passei nossos problemas, diagnóstico e qual a situação e qual era a saída, que ia ter uma reintegração de posse, o povo não sabia o que fazer, o povo tava perdido. Então, por meio desse momento, eu fui lá, fiz o contato, tive um retorno positivo da Defensoria [...] E começamos a fazer esse link, e começamos a dar um respaldo po povo ali, né. E daí que veio o meu papel de liderança dentro desse processo. Porque eu tinha um pouco de conhecimento e o povo não tinha muito pra onde seguir. Então, eu passei a ir lá, pegar informação, trazer, né. Na reintegração de posse, existe alguns requisitos, a reintegração de posse não pode ser feita com violência, né, existe algumas coisas que a gente não sabia (?). Então, assim, foi muito importante, foi daí que veio nosso contato, né, entre a gente e eu como liderança. A partir daí, eu passei a ser a voz dessas pessoas, né, e a gente sempre elaborando uma estratégia de tentar fazer com o município, né, entender a nossa dificuldade (informação verbal).

A proximidade dos defensores do Nudam em relação aos atores envolvidos nas ocupações ficou simbolizada pela sua presença no terreno da Fazendinha e no acompanhamento no cumprimento da medida de reintegração de posse. Essa presença dos defensores do Nudam no território, em um momento tão adverso e difícil para os ocupantes, também fez surgir um maior otimismo de alguns atores envolvidos nas ocupações em relação à sensibilidade do Judiciário em atender as demandas da população marginalizada. Apesar de ser crítica ao Judiciário, M.C.S., uma das lideranças das ocupações aponta como a presença dos defensores do Nudam nas ocupações lhe despertou uma maior esperança no sistema de justiça:

Aluno ir pro meio da ocupação, muitos foram, mas igual vocês, vocês deram linha naquilo que sempre eu sonhei que é tá mais próximo à justiça. Conhecendo, levando pra dentro desse setor da justiça, tá, esse saber. Entender o que o povo quer, como é que esse povo, que povo é esse, tá, o que que acontece (informação verbal, grifo nosso).

Ao analisar a influência dos processos de enquadramento e construção da identidade coletiva pelas organizações sociais, Vanhala (2011VANHALA, Lisa. Making Rights a Reality? Desability Rights Activists and Legal Mobilization, Cambridge University Press: USA, 2011;) aponta que, quando esses grupos enxergam seus membros como detentores dos direitos, bem como as cortes como uma via apropriada para perseguir seus objetivos, eles têm uma maior tendência de adotar uma litigância estratégica. No caso concreto, a percepção de abertura do Judiciário para as questões sociais por atores-chave envolvidos nas ocupações contribuiu para que a atuação judicial se tornasse um repertório nesse processo de mobilização.

3.4. A relação horizontal e a construção de uma legitimidade de fato no caso do IAPI

Da mesma forma que a aproximação dos agentes de justiça gera a certificação dos atores, das performances e das reivindicações dos movimentos sociais, para Losekann (2019bLOSEKANN, Cristiana. Performances coordenadas e experiências compartilhadas na mobilização do direito em conflitos ambientais: a contribuição do pragmatismo de John Dewey na análise de conflitos ambientais, in: Plural Revista de Ciências Sociais, Programa de Pós Graduação em Sociologia da USP, v. 26, n. 2, segundo semestre de 2019b, p. 174-199;), esse mecanismo também pode ser observado em sentido contrário, ou seja, os movimentos sociais também legitimam a atuação dos agentes de justiça.

No caso da ocupação do prédio do IAPI, uma vez que ele é um imóvel de propriedade da União Federal, o DRDH/ES, que havia sido recentemente criado, foi acionado pelos ocupantes e pelas organizações envolvidas para atuar no caso. Como o Nudam já estava acompanhando a dinâmica das ocupações em um momento anterior, foi estabelecida uma atuação conjunta entre essas instituições.

No sentido de se definirem as estratégias de atuação nesse caso do IAPI, foi realizada uma visita à ocupação pelos defensores do DRDH/ES e do Nudam, além de reuniões com a participação dos ocupantes, das organizações de ocupação, de técnicos de arquitetura e urbanismo. Ao falar dessas reuniões, J.J.M. demonstra a sua preocupação em envolver esses atores para uma definição conjunta dos próximos passos a serem tomados e para a construção de uma legitimação de fato, uma vez que considera insuficiente a legitimidade formal:

Fizemos reuniões gerais pra tentar sempre deixar claro pra eles os próximos passos a serem tomados pela Defensoria Pública, né, e também para verificar, em certa medida, a concordância deles com esses passos. Até mesmo pra garantir que exista sempre uma legitimidade na atuação, uma legitimidade que vá além de uma legitimidade legal, né, prevista em lei que seria automática. Em tese a defensoria, mesmo sem, segundo o nosso sistema jurídico, mesmo sem ter nenhum contato com nenhum movimento social teria em tese essa legitimação em nome desses movimentos, em nome dessas coletividades. Mas a gente entende que isso não é suficiente e que isso é até uma forma de uma maneira meio autoritária, né. E não é... a maneira de agir da instituição. Então, a gente tentava fazer essas conversas também (informação verbal).

Nas ações judiciais relacionadas às ocupações que sucederam a do IAPI, os defensores do Nudam mantiveram uma relação próxima aos ocupantes e aos demais atores envolvidos, estando sempre disponíveis para a realização de reuniões e atendimentos.

Houve, também, a preocupação dos defensores em envolver os ocupantes e as organizações sociais na elaboração das estratégias e na realização dos atos judiciais, o que se demonstra, por exemplo, pela presença desses atores nas sessões de julgamento dos recursos relacionados às ocupações do Ed. Ada e do Cine Santa Cecília. Essa participação na atuação judicial proporcionou aos ocupantes e aos atores dos movimentos sociais um aprendizado sobre o funcionamento do Judiciário e sobre como eles devem se relacionar com o sistema de justiça no seu processo de luta. Isso pode ser constatado pela fala de L.S.A., representante das Brigadas Populares:

Eu acho que teve um papel jurídico fundamental, serviu como advogado das ocupações, mas serviu como uma baliza política pra delimitar as nossas atuações em relação ao Judiciário. É... o acúmulo pra entender a nossa atuação com o Judiciário passou muito pela essa nossa relação com a Defensoria Pública. É... a que ponto, qual a defesa, como é que funciona os espaços, é... se uma ocupação deve ser feita ou não, que dá um efeito político pra isso. Isso se deu a partir da nossa aproximação com a Defensoria Pública, né, que nos ensinou muito, né (informação verbal).

3.5. O uso dos instrumentos judiciais de forma simbólica em conjunto com outras ferramentas de luta por direitos

Os advogados populares possuem uma visão crítica e desmistificada acerca do Direito e do sistema de justiça. Diante disso, eles buscam associar estratégias extrajudiciais, como a educação popular e a articulação política, às estratégias judiciais, sendo que a atuação judicial é utilizada mais com o objetivo de empoderamento da população marginalizada do que propriamente no êxito das ações judiciais (SÁ e SILVA, 2010). Da mesma maneira, os advogados de causa, ao enxergarem o direito não a partir de uma visão instrumental, mas como um processo cultural mais amplo, passam a utilizar as arenas judiciais como mais um espaço de mobilização e direcionamento das suas reivindicações (SARAT; SCHINGOLD, 2006SARAT, Austin; SCHEINGOLD, Stuart. What Cause Lawyers Do For, and To Social Movements: An Introdution. In: SARAT, Austin; SCHEINGOLD, Stuart A. (Org.). Cause Lawyers and Social Movements. Stanford: Stanford University Press, 2006, p. 1/36;).

No caso em análise, a visão crítica dos defensores em relação à eficácia da utilização de medidas judiciais, mesmo que de natureza coletiva, bem como a sua relação com diversificados atores, os levaram a utilizar os instrumentos judiciais de forma simbólica e a buscar resolver os conflitos que enfrentavam por meio de outras formas de atuação extrajudiciais.

Nesse sentido, a defensora M.A.S. compreende que a atuação tradicional limitada ao Poder Judiciário é ineficiente e tem baixo potencial transformador. Ela possui uma visão mais ampla do acesso à justiça, não apenas a partir da judicialização, mas também a partir de medidas extrajudiciais, como, por exemplo, uma reunião com o Poder Executivo. É nessa linha que se dá a sua fala:

O poder judiciário que a gente tem diversas críticas ao sistema que ele é composto, o sistema que ele compõe, né, é... a forma, inclusive de chegada daqueles profissionais que vão decidir a vida das pessoas, o encastelamento da instituição de justiça em si. (...) E o acesso à justiça não é necessariamente a judicialização, às vezes é uma reunião com o poder executivo, onde lá você vai conseguir resolver, sua solução sem precisar ir para o judiciário. Ali será que houve acesso à justiça? Na minha concepção, houve acesso à justiça. É você estar numa ocupação e conseguir fazer uma mediação. E de lá sair um consenso, um acordo pra ser cumprido posteriormente. Então, eu acredito que tudo isso é você conferir acesso à justiça sem depender, necessariamente, do Poder Judiciário (informação verbal).

O defensor R.M.C. também demonstra uma visão crítica do Judiciário, entendendo que este possui um perfil conservador, visa à manutenção do status quo e tem uma visão excludente e patrimonialista do Direito. Ele encara a ação judicial como apenas uma das ferramentas existentes para a luta por direitos e que ela deve ser usada de forma estratégica, levando-se em conta também o seu aspecto simbólico e o seu potencial para tensionar o poder público no atendimento das demandas dos movimentos. A esse respeito, avalia:

Eu acredito que os instrumentos judiciais que a gente tem hoje pras tutelas dos direitos coletivos relacionados à moradia são insuficientes pra gente conseguir resultados práticos e efetivos dentro da justiça. Então, é... somado a insuficiência de instrumentos judiciais, um poder judiciário conservador e montado pra garantir um status quo, pra garantir uma visão patrimonialista do Direito, uma visão excludente do Direito. É... importante pensar que o manejo de uma ação coletiva, de uma ação individual pode ter também o seu aspecto simbólico mais importante do que a sentença que você poderia conseguir, ou talvez não consiga na atuação judicial. É importante pensar a utilização do uso alternativo, digamos assim, de medidas judiciais pra conseguir, num âmbito político, num âmbito da luta, num âmbito extrajudicial, um cenário positivo numa mesa de negociação. Por exemplo, pra que a questão de moradia seja colocada de uma forma mais equânime na mesa (informação verbal).

Essa utilização simbólica e estratégica dos instrumentos judiciais se encontra presente no processo de luta por moradia no Centro de Vitória. A defesa nas ações de reintegração de posse e a interposição de uma Ação Civil Pública referente à ocupação do IAPI serviram para pressionar o poder público, em especial o Município de Vitória, para a promoção de políticas de habitação em favor das famílias residentes nas ocupações.

Partindo da sugestão de Edelman, Leachman e McAdam (2010), Losekann (2019bLOSEKANN, Cristiana. Performances coordenadas e experiências compartilhadas na mobilização do direito em conflitos ambientais: a contribuição do pragmatismo de John Dewey na análise de conflitos ambientais, in: Plural Revista de Ciências Sociais, Programa de Pós Graduação em Sociologia da USP, v. 26, n. 2, segundo semestre de 2019b, p. 174-199;) observa que as performances coordenadas entre atores de posições diversas criam vias de difusão e de fluxo, sendo que a interação realizada entre eles os influencia mutuamente. Dessa forma, os atores de justiça levam padrões e performances do campo do Direito para os movimentos sociais, enquanto aqueles também passam a assumir performances típicas de um movimento social (LOSEKANN, 2019bLOSEKANN, Cristiana. Performances coordenadas e experiências compartilhadas na mobilização do direito em conflitos ambientais: a contribuição do pragmatismo de John Dewey na análise de conflitos ambientais, in: Plural Revista de Ciências Sociais, Programa de Pós Graduação em Sociologia da USP, v. 26, n. 2, segundo semestre de 2019b, p. 174-199;).

No contexto das ocupações de imóveis vazios no Centro de Vitória, a aproximação com a Defensoria Pública fez com que as organizações sociais incorporassem performances mais institucionalizadas, no seu repertório de atuação, inclusive performances judiciais. Assim, essas organizações participaram de reuniões para elaboração de estratégias judiciais, de audiências, sessões de julgamento, reuniões preparatórias para o cumprimento de reintegração de posse.

Por outro lado, diante da interação com uma diversidade de atores, os defensores passaram a adotar formas de atuação extrajudiciais, como a participação em espaços acadêmicos, a realização de eventos, a divulgação de materiais informativos, a articulação para a criação do Fórum Brasil Cidades, no Espírito Santo (BrCidades ES)10 10 Lançado no dia 21 de março de 2019. Compõe uma rede nacional com representação em 17 estados da federação e tem como objetivo criar um projeto para as cidades, com a participação de profissionais e estudiosos, de movimentos sociais. (BrCidades, 2019). . Somam-se a essas formas de atuação, algumas performances mais criativas e típicas de movimentos sociais, como a realização do Cinedefensoria11 11 Transmissão do filme “Quem Mora lá” para a pessoas que moram nas ocupações do Centro pela Defensoria Pública no dia 09 de abril de 2019. e a participação na Campanha da Função Social da Propriedade12 12 Lançada no dia 13 de agosto de 2019. Tem o intuito de conscientizar a população sobre a existência de imóveis vazios e de exigir o cumprimento da sua função social. Envolveu o preenchimento de abaixo-assinado, o recebimento de denúncias de imóveis abandonados e a realização de intervenções culturais. . L.D.C, que integra a UJC, destaca a importância dessas formas de atuação extrajudicais e da participação da Defensoria:

As audiências públicas na câmara municipal de Vitória, na assembleia legislativa e os seminários agora em articulação com a Defensoria Pública que eu acho um marco muito importante, né, que possibilitou outro salto no legislativo, um diálogo maior com as entidades em nível nacional, né, e da construção do BRcidades, eu acho que foi dois instrumentos importantes de luta que estão surgindo aí (informação verbal).

4. Conclusão:

As disputas por moradia no centro de Vitória não se resumem a um mero conflito judicial, mas consistem em um confronto político mais amplo, que envolve diversos espaços e atores de fora da esfera da justiça. Ao ser acionado para atuar em favor dos ocupantes, os defensores públicos do Nudam e do DRDH/ES se inserem nesse contexto mais abrangente, passando a mobilizar o direito não apenas a partir da utilização de instrumentos judiciais, mas também através de diversas dinâmicas extrajudiciais como a mediação de conflitos, educação em direitos e a participação em audiências públicas.

De acordo com Lejeune (2017LEJEUNE, Aude. Legal Mobilization within the Bureaucracy: Disability Rights and the Implementation of Antidiscrimination Law in Sweden, Law & Policy, 39(3), 237/258, 2017;) para se compreender como um agente estatal mobiliza o direito, é necessária a análise tanto da instituição ao qual ele é vinculado, quanto do seu perfil e carreira. Nesse sentido, para se compreender como os defensores mobilizam o direito, buscou-se investigar os elementos que compõem o novo modelo institucional da defensoria e a atuação desses profissionais no caso concreto.

Na esfera institucional, constatou-se que a alteração da Lei Orgânica Nacional da Defensoria, a partir da promulgação da Lei Complementar nº 132/2009, trouxe um novo perfil institucional para a defensoria mais solidário e coletivista. Essa nova legislação, ao criar um novo ideário de transformação social, ao confirmar a legitimidade para a proposição de ações coletivas, ao ampliar as funções institucionais e a atuação extrajudicial e ao prever a criação de núcleos especializados, fortaleceu a atuação não tradicional da Defensoria e o seu potencial enquanto agente mobilizador do direito.

No caso concreto, observou-se que o perfil biográfico e a forma com que os defensores do Nudam e do DRDH/ES passaram a interagir com os atores da sociedade civil nas disputas por moradia no Centro de Vitória, foram fatores preponderantes no processo de mobilização do direito. A partir da própria atuação profissional esses defensores passaram a perseguir um ideal de transformação social, a se engajar em causas sociais e a assumir compromissos morais com os grupos vulneráveis por eles defendidos. Ao se aproximar das organizações sociais e ao manter com elas relações coordenadas, horizontalizadas e desburocratizadas, a atuação judicial assumiu, ao mesmo tempo, um caráter estratégico e simbólico e se tornou apenas um dos vários repertórios de atuação, que envolvem uma série de performances extrajudiciais.

5. Referências Bibliográficas

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  • BERENSON, Steven. Government Lawyer as Cause Lawyer: A Study of Three High Profile Government Lawsuits, Denver Law Review, 86 (2): 457/508, 2009;
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  • BRCIDADES. Quem somos: A hora é essa vem com a gente, disponível em: www.brcidades.org, último acesso em 08 de fevereiro de 2021;
    » www.brcidades.org
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    » https://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/sem-casa-propria-500-familias-invadem terreno-em-vitoria.ghtml
  • SOUZA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido (sobretudo após a edição da LC n. 132/09) a visão individualista acerca da instituição? Revista da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, ano 24, n. 25, p. 175, 244, 2012;
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  • ZANOTELLI, Ana Gabriela Camatta. Um pé na terra, outro no Tribunal: um estudo sobre a proposta de assessoria jurídica popular do Coletivo Margarida Alves. Vitória: Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo, 2018;
  • 1
    Este artigo é parte da pesquisa que resultou na minha dissertação de mestrado, defendida em fevereiro de 2020. (PAULA, 2020PAULA, Vinícius Lamego de. Ocupações e Defensoria Pública: performances compartilhadas de mobilização do direito na luta por moradia no centro de Vitória. Vitória: Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo, 2020.).
  • 2
    Entre abril de 2017 até o final de setembro de 2019, período de duração do estudo de campo realizado, foi possível mapear 14 ocupações de imóveis sem utilização no Centro de Vitória.
  • 3
    Alguns casos que já foram trabalhados são: a atuação de promotores de justiça e defensores públicos nas questões ambientais (LOSEKANN, 2019bLOSEKANN, Cristiana. Performances coordenadas e experiências compartilhadas na mobilização do direito em conflitos ambientais: a contribuição do pragmatismo de John Dewey na análise de conflitos ambientais, in: Plural Revista de Ciências Sociais, Programa de Pós Graduação em Sociologia da USP, v. 26, n. 2, segundo semestre de 2019b, p. 174-199;); de defensores públicos na defesa do direito dos atingidos pela contaminação do Rio Doce com o rompimento da barragem de Fundão (LOSEKANN, 2017b); nas ocupações das escolas do Espírito Santo pelos estudantes (LOSEKANN, 2019a); nos conflitos urbanos (ZANOTELLI, 2018ZANOTELLI, Ana Gabriela Camatta. Um pé na terra, outro no Tribunal: um estudo sobre a proposta de assessoria jurídica popular do Coletivo Margarida Alves. Vitória: Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo, 2018;).
  • 4
    Ao mesmo tempo em que ressalta os razoáveis efeitos didáticos na diferenciação entre os serviços legais tradicionais e inovadores, Campilongo (2011CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Direito na Sociedade Complexa. São Paulo: Editora Saraiva, 2011;) aponta que ela pode conduzir a generalizações apressadas e simplificadoras.
  • 5
    Nesse Estado, em 1954, é criada a Assistência Judiciária é criada dentro do Ministério Público, em 1970 ela se torna um órgão específico e em 1987 esse órgão adquire autonomia administrativa (MOREIRA, 2017MOREIRA, Thiago de Miranda Queiroz. A constitucionalização da Defensoria Pública: disputas por espaço no sistema de justiça. Opinião Pública, Campinas, vol. 23, n. 03, set-dez., 2017;).
  • 6
    A organização da Defensoria Pública do Espírito Santo se dá pela Lei Complementar Estadual nº 55, de 1994, a qual foi alterada pela Lei Complementar Estadual nº 574, de 2010, conferindo-lhe autonomia funcional, administrativa e orçamentária.
  • 7
    Esse rol de funções foi extraído do texto da Lei Complementar nº. 80, de 1994, alterada pela Lei Complementar nº132, de 2009.
  • 8
    Com base em informações da Comissão Especial do Direito Social à Moradia e Questões Fundiárias do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege), prestadas em 28 de janeiro de 2021, outros Estados que possuem núcleos especializados na temática do direito à moradia e do acesso à terra são: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Sergipe, Roraima e Tocantins.
  • 9
    Esse evento ocorreu entre os dias 06 a 08 de abril de 2016 e contou com: uma roda de conversas com a participação da coordenadora nacional do Movimento de Luta nos Bairros (MLB) e um advogado popular de Belo Horizonte, uma sessão de cinema e uma visita ao assentamento Franqueza e Realeza do MST.
  • 10
    Lançado no dia 21 de março de 2019. Compõe uma rede nacional com representação em 17 estados da federação e tem como objetivo criar um projeto para as cidades, com a participação de profissionais e estudiosos, de movimentos sociais. (BrCidades, 2019).
  • 11
    Transmissão do filme “Quem Mora lá” para a pessoas que moram nas ocupações do Centro pela Defensoria Pública no dia 09 de abril de 2019.
  • 12
    Lançada no dia 13 de agosto de 2019. Tem o intuito de conscientizar a população sobre a existência de imóveis vazios e de exigir o cumprimento da sua função social. Envolveu o preenchimento de abaixo-assinado, o recebimento de denúncias de imóveis abandonados e a realização de intervenções culturais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2020
  • Aceito
    09 Fev 2021
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