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A pandemia da Covid-19 e as decisões do STJ sobre maternidade e prisão preventiva

The Covid-19 pandemic and the STJ decisions on maternity and preventive detention

Resumo

O artigo traz os resultados de uma pesquisa quanti-qualitativa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a concessão de prisão domiciliar a mulheres gestantes, mães ou responsáveis por crianças menores de 12 anos antes e durante a pandemia da Covid-19, tendo como marco a Recomendação 62/2020 do CNJ. Através da teoria fundamentada nos dados, identificamos uma continuidade nas denegações das conversões com base em “situações excepcionalíssimas”, vinculadas à prática do tráfico de drogas, mesmo diante da grave crise sanitária global da Covid-19.

Palavras-chave:
Encarceramento feminino; Prisão domiciliar; HC n. 143.641/SP; Recomendação 62/2020; Pandemia de Covid-19

Abstract

The article brings the results of quantitative-qualitative research of the jurisprudence of the Superior Court of Justice on granting house arrest to pregnant women, mothers, or guardians of children under 12 years old before and during the Covid-19 pandemic, with CNJ Recommendation 62/2020 as a landmark. Through grounded theory, we identified a continuity in the denials of conversions based on “extremely exceptional situations”, linked to the practice of drug trafficking, even in the face of the serious global health crisis of Covid-19.

Keywords:
Women in prison; House arrest; HC n. 143.641/SP; Recomendação 62/2020; Covid-19 pandemic

1 Introdução

Um importante passo na superação da histórica invisibilidade das mulheres privadas de liberdade, e das consequências do aprisionamento feminino nas famílias, foi a edição do Estatuto da Primeira Infância (Lei 13.257/2016). Reconhecendo a importância do convívio entre mães e crianças, a lei incluiu no Código de Processo Penal (CPP) a possibilidade de conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar para mulheres gestantes, mães de crianças de até doze anos incompletos, ou responsáveis por pessoas com deficiência (BRASIL, 1941). Foi somente em 2018, porém, que a norma ganhou notoriedade pública em uma decisão que beneficiava uma mulher branca de classe média alta, no âmbito da Operação Lava Jato, contrastando com a situação da maior parte das mulheres privadas de liberdade mantidas atrás das grades por longos períodos sem condenação.

A concessão da prisão domiciliar naquele caso fez com que o Supremo Tribunal Federal (STF) fosse provocado a fazer valer a regra para todas as outras mulheres nas mesmas condições. O resultado foi a decisão no Habeas Corpus coletivo nº143.641/SP, o qual também se tornou um marco no reconhecimento dos direitos das mulheres privadas de liberdade (BRASIL, 2018b). A mesma decisão, porém, trouxe a previsão de situações “excepcionalíssimas”, nas quais a prisão domiciliar não poderia ser concedida. No mesmo ano de 2018, foi editada a Lei 13.769/18, que alterou novamente o Código de Processo Penal, trazendo também a proibição da concessão em alguns casos.

A pandemia de Covid-19 trouxe a acentuação da vulnerabilidade da população carcerária brasileira, conduzindo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a lançar a Recomendação n. 62, em 17 de março de 2020. A Recomendação determina a reavaliação das prisões provisórias, com prioridade, entre outros grupos, às “mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até doze anos ou por pessoa com deficiência” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2020).

Para compreender como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem aplicado o art. 318-A do CPP, e de que forma a pandemia e a Recomendação n. 62 impactaram ou não as suas decisões, este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa quanti-qualitativa dos acórdãos do STJ que analisam pedidos de conversão de prisões preventivas em prisões domiciliares. A coleta dos julgados foi realizada em duas etapas: na primeira, selecionamos todos os acórdãos que versavam sobre a conversão em prisão domiciliar para presas preventivas, julgadas entre 19 de dezembro de 2018, data da publicação da Lei n. 13.769, e o dia 16 de março de 2020, totalizando 227 acórdãos; na segunda, coletamos todos os acórdãos no mesmo sentido, porém, posteriores à publicação da Recomendação n. 62, julgados entre o dia 17 de março de 2020 até o dia 23 de junho de 2020, em um total de 27 decisões. Foram selecionados através de filtragem no site do Superior Tribunal de Justiça os acórdãos que traziam em suas ementas os termos “prisão”, “preventiva”, “domiciliar”, e “318-A”.

Todos os acórdãos selecionados foram analisados em relação aos seguintes quesitos: teor concessivo ou denegatório das decisões; fundamentação para denegação de prisão domiciliar; e situações excepcionalíssimas apontadas como fundamento para denegação de prisão domiciliar. Nos acórdãos posteriores ao dia 17 de março de 2020 foi averiguado, ainda, se houve referência à Recomendação 62/2020. Após, damos especial atenção, por meio de análise qualitativa, fazendo uso da Teoria Fundamentada nos dados (CHARMAZ, 2006CHARMAZ, K. Constructing grounded theory: A practical guide through qualitative analysis. London: Sage, 2006.), às decisões que tratam do tráfico de drogas como situação excepcionalíssima, dada a frequência com que tal circunstância se repete nas decisões, como aferido pela análise quantitativa dos dados.

A apresentação dos resultados aparece dividida em duas partes. Na primeira, apresentamos uma revisão da literatura na temática do encarceramento feminino no Brasil, especialmente em relação à maternidade; na segunda, expomos a metodologia utilizada na pesquisa empírica, e, em seguida os resultados da análise de conteúdo e da teoria fundamentada nos dados.

2 Encarceramento feminino e transgressão dos papéis de gênero

O estereótipo das pessoas rotuladas como criminosas tem sido construído historicamente a partir de espaços e papéis de gênero na sociedade patriarcal. Andrade (2005ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Revista Sequência, nº 50, p. 71-102, julho de 2005.) nota que o simbolismo de gênero possui carga estigmatizante, representando

[...] a polaridade de valores culturais e históricos como se fossem diferenças naturais (biologicamente determinadas) e as pessoas do sexo feminino como membros de um gênero subordinado, na medida em que determinadas qualidades, bem como o acesso a certos papéis e esferas (da Política, da Economia e da Justiça, por exemplo) são percebidos como naturalmente ligados a um sexo biológico e não ao outro (ANDRADE, 2005ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Revista Sequência, nº 50, p. 71-102, julho de 2005., p. 84).

Isso aparece de forma mais visível quando olhamos para a situação das mulheres criminalizadas. No caso brasileiro, uma sociedade capitalista, pós-colonial, patriarcal, heteronormativa e racista, é impossível descolar a realidade do controle social sobre os corpos dos homens e das mulheres das intersecções dessas estruturas que constituem as relações de poder em sociedade (CRENSHAW, 1989CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum, n.1, p. 139-167, 1989.; AKOTIRENE, 2018AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte: Letramento, 2018.; GONZALEZ, 1979). O sistema de controle penal capitalista e colonial, entendido a partir de suas funções na produção e controle das classes subalternas (BARATTA, 2002BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002., p. 193), especialmente dos homens negros, trabalhadores falhos e inimigos políticos (ZAFFARONI, 1991ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991.; ALEXANDER, 2017ALEXANDER, Michelle. A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2017.), não foi projetado para o controle das mulheres, especialmente, as mulheres brancas. Porém, ele também reservou um espaço para a mulher que desvia das normas que regem as suas funções estereotipadas na sociedade, desde os seus respectivos lugares sociais e raciais (ANDRADE, 2005ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Revista Sequência, nº 50, p. 71-102, julho de 2005.; MENDES, 2014MENDES, Soraia. Criminologia feminista: Novos paradigmas. São Paulo: Editora Saraiva, 2014). Outras instituições totais, compreendidas a partir da definição de Goffman (2007GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. 7 ed. São Paulo: Perspectiva, 2007., p. 16), como tais pela “barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico”, têm sido historicamente locais de privação de liberdades e de outros direitos destinados às mulheres. Há quem defenda características de instituições totais ao próprio lar, considerando a situação das mulheres que sofrem violência doméstica de seus companheiros, compreendendo a mortificação do eu, tese desenvolvida por Bruce (2020BRUCE, Lucia Bracco. Living Behind Symbolic and Concrete Barriers of Total Institutions: Reflections on the Transition Between a Domestic Symbolic Patriarchal Imprisonment and a Co-Governed, State-Sponsored Incarceration in Perú. International Journal for Crime, Justice and Social Democracy, v. 9, n. 2, 2020.). O casamento em si tem sido a maior forma de controle sobre as mulheres (ANDRADE, 2005). Quando o controle não dá conta de produzir o comportamento desejado, de submissão e subserviência conforme os papéis de gênero, a punição aparece na forma privada: a violência doméstica é uma forma histórica de punição empregada contra os corpos femininos. O fato de as mulheres terem suas vivências por muito tempo restritas ao lar as impedia de ocupar espaços públicos (ANDRADE, 2005). Os afazeres domésticos, dessa forma, consistiam em seus principais deveres, e a punição por não os cumprir eram - e em parte continuam sendo - os castigos corporais. Os altos índices de violência doméstica que persistem ainda hoje são resquícios dessa realidade (DAVIS, 2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 48-49), e a vinculação simbólica entre violência doméstica e punição alcança contornos dramáticos quando analisada a atuação do Sistema de Justiça Criminal no fácil deslizamento da mulher-vítima à mulher-criminosa no discurso judicial (MAYCÁ; BUDÓ, 2020MAYCÁ, Giulia Vogt; BUDÓ, Marília de Nardin. A criminalização da mulher e os estereótipos de gênero: uma análise do discurso judicial em delitos omissivos impróprios. In: CAMPOS, Carmem Hein (org.). Sistema de Justiça Criminal e gênero: Diálogos entre as Criminologias Crítica e Feminista.1 ed.João Pessoa: CCTA/UFPB, 2020, v.1, p. 89-120.).

Os conventos e os manicômios, por sua vez, tornaram-se depósitos de mulheres indesejáveis ao longo dos últimos dois séculos (MENDES, 2014MENDES, Soraia. Criminologia feminista: Novos paradigmas. São Paulo: Editora Saraiva, 2014). Davis (2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 71) demonstra que o encarceramento de mulheres foi historicamente mais frequente em instituições psiquiátricas do que em presídios no contexto norte-americano, em um momento em que a pena de prisão já tinha status de principal forma de punição pública. No Brasil não era diferente: em História das Mulheres no Brasil, Magali Engel descreve a internação de mulheres que haviam cometido crimes entre os séculos XIX e XX. Na época, defendia-se que a fisiologia feminina aproximava mais as mulheres à loucura, quando comparadas aos homens. Assim, menstruação, gravidez e parto seriam aspectos importantes no diagnóstico de doenças mentais. Nesse contexto, a maternidade seria um meio eficiente de prevenir, ou mesmo de curar, a loucura feminina; enquanto a não realização do papel de mãe seria uma pista de insanidade (ENGEL, 2004ENGEL, Magali. Psiquiatria e Feminilidade. In: PRIORE, Mary Del (org). História das Mulheres no Brasil. 7ª ed. São Paulo: Contexto, 2004, p.270-303., p. 279-281).

A relação entre mulher e loucura tem sido apontada por estudiosas como uma das justificações para esse exercício de poder privado e público sobre os corpos das mulheres. Desde explicações provenientes de um determinismo biológico (MEO, 1992MEO, Analía Inés. El delito de las féminas. Delito y Sociedad, v. 2, p. 111-125, 1992., p. 116), até outras já baseadas no saber psiquiátrico, essa relação marcou o controle sobre os corpos de mulheres, culminando na conjugação da psiquiatrização às penas aplicadas às mulheres delinquentes, tornando, assim, seus castigos mais severos (WEIGERT; CARVALHO, 2019, p. 7).

Segundo Andrade (2005ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Revista Sequência, nº 50, p. 71-102, julho de 2005., p. 89), a criminalização de mulheres se dá de forma subsidiária, já que a figura feminina - e especialmente branca - é mais frequentemente retratada como vítima. Se as mulheres possuem uma natureza passiva de acordo com os estereótipos, isso as tornaria mais propensas a seguir ordens e, portanto, leis (ESPINOZA, 2002ESPINOZA, Olga. A prisão feminina desde um olhar da criminologia feminista. Revista Transdisciplinar de Ciências Penitenciárias, v. 1, n. 1, p. 35-59, Jan-Dez./2002., p. 38). A obediência seria considerada o comportamento normal de mulheres, ganhando ainda mais força a ideia de que aquelas que fogem da imagem da passividade são anormais e, logo, criminosas e loucas (WEIGERT; CARVALHO, 2019, p. 7). Como aduz Angela Davis (2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 71-72), “os homens delinquentes eram tidos como criminosos, enquanto as mulheres delinquentes eram tidas como insanas”. Esse estereótipo de loucas, entretanto, serve, segundo a autora, apenas às mulheres brancas e ricas. Para as mulheres negras e pobres, o estereótipo de criminosa sempre colou bem (DAVIS, 2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 73).

Embora representem hoje apenas cerca de 5% da população carcerária brasileira, a população de mulheres privadas de liberdade aumentou sete vezes em vinte anos: eram 5 mil mulheres presas em 2000 e, em dezembro de 2019, já eram 36 mil (BRASIL, 2019a). Os dados sobre a criminalização de mulheres mostram que em muito esse aumento de 700% decorre da política de guerra às drogas, já que 62% delas foram condenadas ou são acusadas do crime de tráfico de drogas (BRASIL, 2019a;ARGUELLO; MURARO, 2015ARGÜELLO, K., MURARO, M. Las Mujeres Encarceladas por Tráfico de Drogas en Brasil: las Muchas Caras de la Violencia contra las Mujeres. Oñati Socio-legal Series [online], 5 (2), 389-417, 2015. Available from: http://ssrn.com/abstract=2611052.
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; BORGES, 2019BORGES, Juliana. O que é encarceramento em massa. São Paulo: Pólen, 2019.). Dessas mulheres, em sua maioria jovens, pobres, de baixa escolaridade e negras, cerca de 80% são mães e as únicas ou as principais responsáveis pelos cuidados de seus filhos (BRAGA; ALVES, 2015BRAGA, Ana Gabriela Mendes; ALVES, Paula Pereira Gonçalves. Prisão e políticas públicas: Uma análise do encarceramento feminino no estado do Ceará. Pensar, Fortaleza, v. 20, n. 2, p. 302-326, maio/ago. 2015., p. 306; BRAGA; FRANKLIN, 2016).

O número de mulheres presas por tráfico de drogas em relação ao total, é proporcionalmente superior ao de homens. Uma das explicações para tanto é a de que as atividades desempenhadas pelas mulheres na cadeia do tráfico, como comumente ocorre no mercado de trabalho, dá-se em posições subalternas, geralmente de transporte de drogas, o que as tornam mais vulneráveis à apreensão pelo sistema de justiça (GERMANO; MONTEIRO; LIBERATO, 2018GERMANO, Idilva Maria Pires; MONTEIRO, Rebeca Áurea Ferreira Gomes; LIBERATO, Mariana Tavares Cavalcanti. Criminologia Crítica, Feminismo e Interseccionalidade na Abordagem do Aumento do Encarceramento Feminino. Psicol. cienc. prof. [online], v. 38, p. 27-43, 2018. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703000212310.
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, p. 36). Também a divisão sexual do trabalho dessa estrutura conduz as mulheres ao trabalho doméstico, em tarefas como cozinhar, limpar, embalar drogas e realizar pequenas vendas - funções essas desempenhadas no próprio lar (CORTINA, 2015CORTINA, Monica Ovinski de Camargo. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 23, n. 3, set./dez. 2015., p. 767). Além de incrementar o número de mulheres privadas de liberdade, a política de guerra às drogas tem obedecido a uma lógica e a um propósito claramente racistas: um bom exemplo disso são as pesquisas recentes que dão conta de a maior parte das pessoas presas em flagrante serem pessoas negras (DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO, 2020). A política de guerra às drogas tem, assim, atingido diretamente as mulheres negras, tanto na posição de criminalizadas, quanto na de companheiras e mães dos homens criminalizados, e mortos por uma política genocida do Estado brasileiro (DUARTE; FREITAS, 2019DUARTE, Evandro Piza; FREITAS, Felipe da Silva. Corpos negros sob a perseguição do estado: política de drogas, racismo e direitos humanos no Brasil. Revista de Direito Público, v. 16, n. 89, 2019.; FLAUZINA, 2008FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do estado brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.; 2016).

Para além da política de guerra às drogas e às transgressões à lei penal, a criminalização de mulheres obedece também a outras ordens sociais de reprovação. Quando o cárcere é combinado com a maternidade, essas mulheres são também percebidas como descumpridoras das imposições da feminilidade ideal, somada ao descumprimento do papel materno (CARVALHO; RAMOS, 2018CARVALHO, Grasielle Borges Vieira de; RAMOS, Julia Meneses da Cunha. Maternidade no cárcere: desafios do sistema carcerário brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 39, p. 240-260, dez. 2018, p. 245; MAYCÁ, BUDÓ, 2020MAYCÁ, Giulia Vogt; BUDÓ, Marília de Nardin. A criminalização da mulher e os estereótipos de gênero: uma análise do discurso judicial em delitos omissivos impróprios. In: CAMPOS, Carmem Hein (org.). Sistema de Justiça Criminal e gênero: Diálogos entre as Criminologias Crítica e Feminista.1 ed.João Pessoa: CCTA/UFPB, 2020, v.1, p. 89-120.). Trata-se do que Manuela Cunha (1994CUNHA, Manuela Ivone P. da. Malhas que a reclusão tece: questões de identidade numa prisão feminina. Lisboa: Gabinete de Estudos Jurídico-Sociais, 1994.) chamou de “duplamente desviantes”: pela conduta proibida pela norma penal e pelo desvio das funções esperadas como mulher na sociedade patriarcal. Daí o caráter de dupla criminalização conferida às mulheres (CAMPOS, 2017CAMPOS, Carmem Hein De. Criminologia Feminista: Teoria feminista e crítica às criminologias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.).

Essas mães ocupam a posição mais baixa de uma “hierarquia reprodutiva” sexista e discriminatória indicadora de quais modelos de maternidade são adequados. Quanto menos a mulher corresponder aos critérios impostos na dita hierarquia (que dizem respeito à raça, classe, idade e parceria sexual), mais próxima da base da pirâmide hierárquica ela estará e, consequentemente, mais distante do exercício pleno de seus direitos (MATTAR; DINIZ, 2012MATTAR, L.D.; DINIZ, C.S.G. Hierarquias reprodutivas: maternidade e desigualdades no exercício de direitos humanos pelas mulheres. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v.16, n.40, p.107-19, janeiro-março de 2012., p. 114). Partindo dessa perspectiva, pode-se considerar que toda gravidez vivenciada no ambiente prisional é de risco (MATTAR; DINIZ, 2012, p. 116).

A peculiaridade da situação exige atenção especial e gera debates em torno não apenas do direito da mulher encarcerada, mas de suas filhas e filhos, expostos a uma encruzilhada criada pelo sistema carcerário: ou as crianças permanecem com a mãe e têm seus direitos violados, ou são criadas fora do presídio, sem poder criar vínculos com a mãe (CARVALHO; RAMOS, 2018CARVALHO, Grasielle Borges Vieira de; RAMOS, Julia Meneses da Cunha. Maternidade no cárcere: desafios do sistema carcerário brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 39, p. 240-260, dez. 2018, p. 251). Esse paradoxo, fruto das ações do sistema de justiça, poderia ser reduzido com a concessão de prisão domiciliar a essas mulheres, e com a busca por alternativas à prisão e até mesmo à punição (DAVIS, 2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016.). Tendo em vista as funções reais de reprodução das desigualdades e opressões inerentes ao sistema penal, buscar reduzir as dores das pessoas seletivamente recrutadas com base no caráter descartável de seus corpos dentro de uma política de morte (VALENÇA; FREITAS, 2020VALENÇA, Manuela Abath; FREITAS, Felipe da Silva. O Direito à Vida e o Ideal de Defesa Social em Decisões do STJ no Contexto da Pandemia da Covid-19. Revista de Direito Público, Brasília, v. 17, n. 94, 570-595, jul./ago. 2020. DOI:; GÓES, 2017GÓES, Luciano. Pátria exterminadora: o projeto genocida brasileiro. Revista Transgressões: ciências criminais em debate. v. 5, n.1, 2017.; FLAUZINA, 2008FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do estado brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.), no curto prazo, para ter como horizonte a sua abolição é um compromisso ético.

Por isso, não entendemos as normas e julgados sobre a conversão das prisões preventivas em prisões domiciliares como soluções ao dramático hiperencarceramento de mulheres negras e seus efeitos na vida de cada família, mas compreendemos a sua importância para a redução da dor provocada pelo sistema penal. Também por conhecermos a operacionalidade real do sistema penal não nos surpreende que, mesmo buscando legitimidade através da legalidade e do respeito aos direitos fundamentais, seja a ideologia da defesa social que opere da forma mais determinante nos julgados dos tribunais, mesmo para descumprir a lei e a Constituição Federal (VALENÇA; FREITAS, 2020VALENÇA, Manuela Abath; FREITAS, Felipe da Silva. O Direito à Vida e o Ideal de Defesa Social em Decisões do STJ no Contexto da Pandemia da Covid-19. Revista de Direito Público, Brasília, v. 17, n. 94, 570-595, jul./ago. 2020. DOI:). Ainda assim, nos parece fundamental apontarmos para essas contradições do discurso jurídico-penal, buscando alcançar, pelo menos, um mínimo de coerência entre teoria e realidade. Isso implica em um enorme esforço político para desvelar o que está por detrás da cultura judicial do encarceramento, buscando brechas e superando aos poucos os grandes entraves que persistem à sua superação (BRASIL, 2015, p. 79).

3 A possibilidade de substituição da prisão preventiva: do HC n. 143.641/SP à Recomendação n. 62/2020

O Coletivo de Advogados de Direitos Humanos - posteriormente substituído na ação pela Defensoria Pública da União - impetrou o habeas corpus coletivo de n. 143.641/SP, com pedido de medida liminar para revogação da prisão preventiva de mulheres gestantes, puérperas ou mães de crianças sob sua responsabilidade; ou para sua substituição pela prisão domiciliar.

O julgamento se deu em 20 de fevereiro de 2018, com Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, e determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes. Segundo o STF, ao invés do verbo “poderá”, que aparece no caput do artigo 318 do CPP, a interpretação constitucional seria a de que “deverá” o juiz realizar tal substituição, excetuados três casos: crime cometido mediante violência ou grave ameaça; crime contra os descendentes; e situações excepcionalíssimas, a serem devidamente fundamentadas quando da denegação do benefício. Na mesma decisão, ficou firmado que “a prisão cautelar é medida excepcional para todos os cidadãos e excepcionalíssima em caso de mulheres, gestantes e tutoras de menores”. (BRASIL, 2018b, p. 33). Em dezembro do mesmo ano, a Lei n. 13.769/2018 alterou novamente o CPP, incluindo o art. 318-A, determinando que “a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar”, e descreveu apenas duas situações excepcionais: “tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa” (I), e “tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente” (II).

Ainda assim, as circunstâncias excepcionalíssimas seguiram sendo o mote das decisões denegatórias das conversões em prisão domiciliar, de modo que se torna relevante compreender as três excepcionalidades capazes de afastá-la. As duas primeiras possibilidades são claras e delimitadas - crimes praticados mediante violência ou grave ameaça; e crimes praticados contra os descendentes. A terceira hipótese, com o objetivo de evitar uma suposta banalização da medida, traz a possibilidade de o magistrado, fundamentalmente, afastar o benefício sem qualquer parâmetro capaz de determinar o que caracterizaria uma situação excepcionalíssima. Após reconhecer a incapacidade dos presídios de assegurarem os direitos de mulheres mães e gestantes, é paradoxal que se permita a sua permanência em situação de violação de garantias fundamentais, sem ao menos indicar concretamente as circunstâncias justificadoras.

Com a pandemia de Covid-19, a discussão acerca da conversão das prisões preventivas em medidas cautelares alternativas ganhou um novo recorte. O Conselho Nacional de Justiça, visando a diminuir os efeitos catastróficos que o vírus pode representar nas prisões, lançou a Recomendação n. 62, em 17 de março de 2020. Nela, são elencados encaminhamentos a serem adotados pelos magistrados ao tratarem de pessoas privadas de liberdade pertencentes a algum grupo de risco. Como notam Vasconcellos, Machado e Wang (2020, p. 544), com a Recomendação, o CNJ, tratando-se de um órgão de gestão administrativa do Judiciário, “[...] ‘convida’ juízes a assumirem sua responsabilidade pelos resultados do sistema, considerando a pandemia um momento em que tendências por uma política criminal repressiva a todo custo deveriam ser suspensas em prol da saúde e bem-estar das pessoas presas”.

A Recomendação surge em um cenário de grande preocupação com o ambiente prisional, uma vez que as condições de insalubridade são históricas e facilitam a disseminação veloz do vírus e criam dificuldades para o tratamento dos infectados. Faltam produtos de higiene e água potável, e o ambiente é superlotado (SÁNCHEZ et al., 2020SÁNCHEZ, Alexandra et al. COVID-19 nas prisões: um desafio impossível para a saúde pública? Cadernos de Saúde Pública [online]. v. 36, n. 5. Acessado em: 23 jul. 2020, e00083520. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00083520 Acesso em: 22 dez. 2020.
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). Ou seja, é impossível seguir recomendações básicas da Organização Mundial da Saúde, como distanciamento social e higienização constante das mãos e objetos (MALLART; GODOI; CAMPELLO; ARAÚJO, 2020MALLART, Fábio; GODOI, Rafael; CAMPELLO, Ricardo; ARAÚJO, Fábio. O massacre do coronavírus. Ciências Sociais e o Coronavírus, n. 24, Anpocs, 20 de abr. de 2020. Disponível em: http://www.anpocs.com/index.php/ciencias-sociais/destaques/2338-boletim-n-24-o-massacre-docoronavirus Acesso em: 27 de jun. de 2020.
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, p. 2).

A superlotação das prisões, somada à falta de acesso a itens de higiene, e, principalmente a água e sabão, além do déficit de testes aplicados conduziu Sánchez et al. (2020SÁNCHEZ, Alexandra et al. COVID-19 nas prisões: um desafio impossível para a saúde pública? Cadernos de Saúde Pública [online]. v. 36, n. 5. Acessado em: 23 jul. 2020, e00083520. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00083520 Acesso em: 22 dez. 2020.
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) a estimarem que nesses ambientes cada pessoa com Covid-19 poderá contaminar até 10 pessoas. “Assim, em uma cela com 150 PPL [pessoas privadas de liberdade], 67% deles estarão infectados ao final de 14 dias, e a totalidade, em 21 dias. A maioria dos infectados (80%) permanecerá assintomática ou desenvolverá formas leves, 20% progredirão para formas mais graves que necessitarão hospitalização, dos quais, 6% em UTI” (SÁNCHEZ et al., 2020SÁNCHEZ, Alexandra et al. COVID-19 nas prisões: um desafio impossível para a saúde pública? Cadernos de Saúde Pública [online]. v. 36, n. 5. Acessado em: 23 jul. 2020, e00083520. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00083520 Acesso em: 22 dez. 2020.
https://doi.org/10.1590/0102-311X0008352...
, p. 1).

Ocorre que as medidas desencarceradoras recomendadas pelo CNJ, na prática, foram parcamente observadas pelos diferentes poderes, em todos os níveis. Como o órgão responsável pelo controle da legalidade e da constitucionalidade das prisões, o Poder Judiciário não poderia se furtar a compreender a importância do contexto de emergência na saúde pública ao decidir. Esse foi o objetivo da Recomendação. Porém, diferentes estudos têm mostrado que o Judiciário não tem assumido esse papel (VALENÇA; FREITAS, 2020VALENÇA, Manuela Abath; FREITAS, Felipe da Silva. O Direito à Vida e o Ideal de Defesa Social em Decisões do STJ no Contexto da Pandemia da Covid-19. Revista de Direito Público, Brasília, v. 17, n. 94, 570-595, jul./ago. 2020. DOI:; VASCONCELOS; MACHADO; WANG, 2020VASCONCELOS, Natalia Pires; MACHADO, Maíra Rocha; WANG, Henrique Yu Jiunn. Pandemia só das grades para fora: os habeas corpus julgados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Revista de Direito Público, Brasília, v. 17, n. 94, 541-569, jul./ago. 2020.; INFOVÍRUS, 2020a; NÚCLEO DO PAMPA DE CRIMINOLOGIA, 2020).

No âmbito do poder executivo nacional, ainda no mês de março, o então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, manifestou-se algumas vezes contrariamente às medidas desencarceradoras recomendadas pelo CNJ, expondo a posição do governo de que seria possível gerir a pandemia nas prisões brasileiras mantendo as prisões. Foram duas as linhas principais de discurso adotadas pelo Ministério da Justiça para firmar a posição do Governo Federal no enfrentamento da Covid-19 nas prisões:

No primeiro, produz-se a imagem de um Estado eficiente diante da pandemia, capaz de gerir a política prisional como uma política pública de saúde. No segundo, invocam-se as representações sociais do medo e da periculosidade, fundadas no racismo, para produzir a imagem do Estado intransigente, purificador e armado (PRANDO et al., 2020PRANDO, Camila; FREITAS, Felipe; BUDÓ, Marília de Nardin; CAPPI, Riccardo. A pandemia do confinamento. Le Monde Diplomatique, 03 jun. 2020. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-pandemia-do-confinamento-politicas-de-morte-nas-prisoes/ Acesso em: 22 dez. 2020.
https://diplomatique.org.br/a-pandemia-d...
, sp.).

A postura dos órgãos públicos e “soluções” por eles apresentadas demonstram que o sistema de justiça criminal não atua com base no que afere da realidade, mas sobre um ideal de sistema carcerário que jamais existiu no país (VALENÇA; FREITAS, 2020VALENÇA, Manuela Abath; FREITAS, Felipe da Silva. O Direito à Vida e o Ideal de Defesa Social em Decisões do STJ no Contexto da Pandemia da Covid-19. Revista de Direito Público, Brasília, v. 17, n. 94, 570-595, jul./ago. 2020. DOI:; PRANDO, 2015PRANDO, Camila Cardoso de Mello. O funcionamento das máquinas de tortura: sobre a justiça das penas de prisão: uma análise a partir do documentário Sem/Pena. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 10, n. 1, 2015, p. 371-387.). Em cadeias superlotadas, é absurdo apontar para o isolamento de detentos enfermos como medida efetiva para combater a disseminação do vírus (GODOI; CAMPELLO; MALLART, 2020MALLART, Fábio; GODOI, Rafael; CAMPELLO, Ricardo; ARAÚJO, Fábio. O massacre do coronavírus. Ciências Sociais e o Coronavírus, n. 24, Anpocs, 20 de abr. de 2020. Disponível em: http://www.anpocs.com/index.php/ciencias-sociais/destaques/2338-boletim-n-24-o-massacre-docoronavirus Acesso em: 27 de jun. de 2020.
http://www.anpocs.com/index.php/ciencias...
, p. 6). A saída mais adequada para diminuir o grau de contágio em um país em que a lotação dos presídios varia, em média, de 150 a 500%, é o desencarceramento, principalmente quando se trata de grupos de risco (CAMPELLO, 2020; VALENÇA; FREITAS, 2020). As providências adotadas, entretanto, apontam para a direção oposta, acentuando o caráter punitivista do sistema carcerário com a crescente produção de desinformação sobre o que ocorre em seu interior. Amplia-se, assim, o seu potencial mortífero, cujo exemplo mais simbólico foi a solicitação do afrouxamento das restrições para o uso de contêineres para alocar os doentes (MALLART et al., 2020; INFOVÍRUS, 2020b; BONATO; VENTURA; CAETANO, 2020BONATO, Patrícia de Paula Queiroz; VENTURA, Carla Aparecida Arena; CAETANO, Maria Helena Donadon. Covid-19 e o Sistema de Justiça Criminal Brasileiro: da Crise Sanitária à Violação Epidêmica do Direito Humano à Saúde no Contexto Prisional. Revista de Direito Público, Brasília, Volume 17, n. 94, 522-540, jul./ago. 2020.).

Sobre os presos e presas vale ressaltar: ninguém que se encontra na prisão foi condenado à pena de morte, risco representado pelo vírus que se alastra pelos presídios, apesar de o critério de valoração dos magistrados ter colocado a defesa social acima do direito à vida (VALENÇA; FREITAS, 2020VALENÇA, Manuela Abath; FREITAS, Felipe da Silva. O Direito à Vida e o Ideal de Defesa Social em Decisões do STJ no Contexto da Pandemia da Covid-19. Revista de Direito Público, Brasília, v. 17, n. 94, 570-595, jul./ago. 2020. DOI:). As pessoas presas provisoriamente têm o agravante de não terem sido sequer condenadas, de forma que o Estado deveria no mínimo atentar-se ao caráter excepcional dessa medida cautelar, reconhecendo o princípio da presunção de inocência. Nesse contexto, o atravessamento da Covid-19 no contexto do aprisionamento feminino e da prisão preventiva conduz não somente à necessidade de desencarceramento para a redução da população carcerária e dos riscos inerentes às condições dos presídios, mas também ao reconhecimento do direito de as mulheres que são mães, gestantes ou responsáveis por pessoas com deficiência estarem presentes com a família diante dos desafios trazidos pela pandemia.

3.1 Metodologia

A coleta dos dados da pesquisa foi realizada através de busca de jurisprudência no website do Superior Tribunal de Justiça, com o uso das expressões “prisão”, “preventiva”, “domiciliar”, e “318-A”. Para efeitos de comparação, fizemos dois recortes temporais: o primeiro abrangeu os pedidos julgados desde a publicação da Lei n. 13.769/18, em 19 de dezembro de 2018, até o dia 16 de março de 2020, totalizando 227 acórdãos. O segundo contempla os acórdãos julgados a partir do dia 17 de março de 2020, até 30 de junho de 2020. Nesse segundo período foram julgados 28 pedidos1 1 Foram excluídos do grupo de ementas analisadas no segundo período 6 decisões presentes no resultado da busca de jurisprudência do STJ, por não analisarem a possibilidade de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar segundo os requisitos do art. 318-A, do CPP. . Dos primeiros resultados fizemos uma filtragem para verificar quais se enquadravam no critério de inclusão de ter sido avaliada a possibilidade de concessão de prisão domiciliar, com fundamento no art. 318-A, do Código de Processo Penal, nos períodos anterior e posterior à Recomendação 62/2020, pelo CNJ.

Os julgados coletados tiveram como objeto de análise quantitativa as ementas, através de três critérios: i. a concessão, denegação ou manutenção da prisão domiciliar com base no art. 318-A, do Código de Processo Penal; ii. o motivo da não concessão da prisão domiciliar, em caso de denegação do pedido; iii. as “situações excepcionalíssimas” citadas nos julgados denegatórios da domiciliar. Para esta etapa da pesquisa quantitativa, a análise apenas das ementas se mostrou suficiente, uma vez que foi capaz de responder a todas as questões relevantes à pesquisa. Para os acórdãos julgados após a Recomendação 62/2020, após respondidos os quesitos anteriores, fez-se necessária a análise de seu inteiro teor para o levantamento de mais duas informações: iv. a presença ou não de referência à Recomendação, e, se presente, a abordagem adotada; v. a data de autuação do recurso julgado, a fim de averiguar se a impetração se deu antes ou após a publicação da Recomendação.

Depois de coletadas as decisões, organizamos os dados na forma de tabelas e gráficos a fim de facilitar a visualização e contraposição entre os dois momentos analisados2 2 Entre os dois períodos há, evidentemente, uma grande diferença em relação ao volume de documentos analisados. Por isso, ressalta-se que todos os dados comparativos a serem apresentados se dão em razão proporcional a cada um dos conjuntos jurisprudenciais. . Por fim, optamos por eleger as decisões denegatórias da prisão domiciliar, fundamentadas em situações excepcionalíssimas relacionadas ao tráfico de drogas e posteriores à Recomendação 62/2020 para serem analisadas em seu inteiro teor como objeto de pesquisa qualitativa, pela teoria fundamentada nos dados (CHARMAZ, 2006CHARMAZ, K. Constructing grounded theory: A practical guide through qualitative analysis. London: Sage, 2006.). A escolha por tais acórdãos decorreu da elevada incidência do tráfico de drogas nas decisões dos dois períodos, quando tais delitos são, na verdade, os que com mais frequência levam mulheres ao cárcere (INFOPEN, 2019).

3.2 Resultados: análise comparativa dos dados colhidos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

A primeira informação colhida da jurisprudência do STJ foi a da concessão ou não da conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar. Os dados foram organizados em três categorias: prisão domiciliar concedida, concedida de ofício ou mantida; prisão domiciliar denegada; e pleito prejudicado. Abaixo, as proporções das decisões aparecem no gráfico 1 3 3 Observação: em um dos acórdãos do primeiro período foram julgadas duas pacientes, e houve uma denegação e uma concessão de prisão domiciliar na mesma decisão. :

Gráfico 1:
Comparação das concessões e denegações antes e depois da Recomendação 62/2020

No período anterior à pandemia de Covid-19, o número de decisões que concederam ou mantiveram a prisão domiciliar com base no art. 318-A é superior àquele em que o benefício foi negado - mais especificamente, representa 55,7% do total dos acórdãos. É interessante, antes de analisar os dados pós-Recomendação 62, confrontar esses números com os colhidos em período ainda anterior, pela pesquisa “MaternidadeSemPrisão: Diagnóstico da Aplicação do Marco Legal da Primeira Infância para o desencarceramento feminino”, realizada pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC). Nela, foram analisadas 200 decisões dos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça) sobre pedidos de prisão domiciliar realizados por mulheres encarceradas.4 4 As decisões analisadas foram colhidas entre os dias 09 de agosto de 2016 (um dia após a promulgação do Marco Legal da Primeira Infância) e 30 de junho de 2018, e trazem pedidos baseados em normas que regulam a aplicação de prisão domiciliar. Não é demais destacar que o período compreendido pela pesquisa do ITTC é anterior à promulgação da Lei 13.769/2018 e, em grande parte, ao julgamento do HC 143.641/SP. Em 180 deles a fundamentação se baseou no fato de ser a mulher mãe de criança de até 12 anos; em 17 alegaram a condição de gestante, e em 16, a imprescindibilidade para os cuidados de pessoa menor de 6 anos ou com deficiência. Ao final, 116 dos pedidos foram deferidos para conceder a prisão domiciliar, e 73 tiveram o pedido denegado - ou seja, 58% das decisões foram concessivas.5 5 Mais detalhadamente: “Aqui, os números foram distintos, uma vez que, a maioria das decisões (total de 116) concedeu a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, correspondendo a 58% das decisões concedidas pelos Tribunais Superiores. Em contrapartida, 71 das mulheres teve mantida a sua prisão preventiva, o que representa 35,5% das 200 decisões analisadas. Dessa porcentagem foram excluídos 9 casos em que as mulheres tiveram concedida a liberdade provisória (com ou sem cautelares) e 4 que tiveram outros tipos de decisões que as mantiveram em liberdade (semi-aberto e aguardar julgamento em liberdade). Assim, considerando-se os 116 casos que tiveram concedida a prisão domiciliar e os 73 que tiveram o pedido negado, apuramos que nos Tribunais Superiores a taxa de concessões de prisão domiciliar é de 64,1% e a de negativas é de 38,6%”. (ITTC, 2019, p. 40) A taxa de concessão de domiciliar, portanto, manteve-se estável quando comparada à pesquisa realizada pelo ITTC e o levantamento empreendido para a confecção deste artigo.

No lado direito do gráfico 1, os dados das decisões posteriores à Recomendação n. 62/2020, mostram uma mudança nessa tendência. Chama a atenção o aumento da proporção do número de julgados em que a prisão domiciliar foi denegada no segundo período em relação ao primeiro, já que contraria as expectativas de que durante a pandemia haveria maior tendência à concessão de domiciliar. Esses primeiros dados já anunciam as poucas mudanças trazidas pela Recomendação 62/2020 para a concessão de prisão domiciliar pelo STJ. Deve-se ter em mente, entretanto, não apenas a grande diferença entre o volume de acórdãos analisados em cada intervalo de tempo (afinal, os julgados abrangidos pela vigência da Recomendação estão limitados a um período de pouco mais de três meses); como também a falta, nesse panorama inicial, da demonstração dos fundamentos que levaram à decisão de conceder ou não a prisão domiciliar. Por isso, demonstra-se no gráfico 2 a fundamentação das decisões denegatórias proferidas pelo Tribunal:

Gráfico 2:
Fundamentações das decisões denegatórias da prisão domiciliar

Proporcionalmente, há pouca diferença entre a fundamentação das decisões que denegaram a prisão domiciliar nos períodos anterior e posterior à pandemia. Antes da Recomendação 62/2020, 59,4% dos julgados decidiram com alicerce no não cumprimento de requisitos do art. 318-A, do Código de Processo Penal; enquanto 38,61% levaram em conta situação excepcionalíssima. Após 17 de março de 2020, 60% das decisões foram fundamentas no art. 318-A, contra 40% que observaram circunstância excepcional. Apesar de esta ser uma comparação ainda meramente quantitativa, ela permite elaborar a hipótese de que a Recomendação 62/2020 não causou impacto no padrão de julgamento do Superior Tribunal de Justiça, ao menos nos três primeiros meses que seguiram sua publicação, a ser mais bem desenvolvida nos tópicos a seguir.

A fundamentação das decisões baseadas no art. 318-A e seus incisos pode ser aferida pela leitura do dispositivo legal. Aquelas embasadas em “situações excepcionalíssimas”, entretanto, deixam em aberto o que seria, na concepção do STJ, uma circunstância excepcional grave o suficiente para afastar o benefício da prisão domiciliar, previsto na legislação processual penal. Para aclarar esse aspecto, o gráfico 3 esmiúça as “situações excepcionalíssimas” mais frequentemente elencadas nas ementas das decisões do STJ. Algumas das decisões trazem mais de uma fundamentação desse tipo, motivo pelo qual o número de ocorrências é superior ao número de decisões analisadas neste item:

Gráfico 3:
Situações excepcionalíssimas mencionadas para rejeitar pedido de prisão domiciliar, antes e depois da Recomendação 62/2020.

Entre as “condutas relacionadas ao tráfico ou ao consumo de drogas”, estão abrangidas as seguintes situações: “tráfico de drogas praticado em casa”, em vinte decisões; “paciente membro de facção criminosa”, atividade usualmente ligada ao tráfico, em nove ementas; “grande quantidade de drogas apreendidas”, em outras cinco ementas; e “ser a paciente usuária de drogas”, em um caso. No segundo período, as “Condutas relacionadas ao tráfico ou ao consumo de drogas” dividem-se da seguinte forma: três decisões foram embasadas em “tráfico praticado em casa”; três consideraram a “grande quantidade de drogas apreendidas”, e dois ser a “paciente membro de organização criminosa”.

A referência às circunstâncias enumeradas nos gráficos acima a fim de fundamentar o afastamento da possibilidade de prisão domiciliar, remonta a um período anterior até mesmo ao HC 143.641/SP. É o que também revelou a pesquisa do ITTC (2019). Mais especificamente, o relatório do ITTC relata a forte incidência da consideração da gravidade abstrata do delito quando se trata de crime de drogas, relacionado com o exercício da maternidade - ou melhor, com a não capacidade para seu exercício - para submeter as acusadas a um julgamento moral, além de jurídico (INSTITUTO TERRA, TRABALHO E CIDADANIA, 2019, p. 48).

Expostos os dados, e antes de comparar os momentos pré e pós Recomendação 62, é preciso esclarecer a interpretação firmada pelo STJ sobre o art. 318-A, do CPP. No julgamento dos HCs n. 426.526 e n. 470.549, a Quinta Turma fixou o entendimento de que, mesmo que a Lei 13.769 de 2018 não traga essa possibilidade, o juiz pode indeferir a prisão domiciliar com base em situações excepcionalíssimas, tal como havia sido anteriormente pontuado pelo HC n. 143.641, do Supremo Tribunal Federal. A justificativa principal é a necessidade de se tutelar a criança, considerada principal protegida pelo art. 318-A (SITUAÇÕES, 2019).

Os HCs julgados trazem dois casos muito diferentes. No primeiro, o HC n. 426.526, a prisão domiciliar foi denegada pelo risco que a presença da mãe representava ao filho. No feito, os ministros consideraram que a casa em que viviam seria utilizada para o tráfico, e que a mãe constantemente utilizava armas de fogo (BRASIL, 2019b). Já no HC n. 470.549, a domiciliar foi concedida. O benefício havia sido negado nas instâncias inferiores sob o argumento de que a presença da mãe não era imprescindível aos cuidados do filho, que se encontrava com a avó (BRASIL, 2019c).

No HC n. 426.526, as circunstâncias excepcionais utilizadas para afastar a domiciliar, como já registrado, foram o tráfico praticado em casa combinado com o uso de armas de fogo pela mãe, o que colocaria em risco a criança. No levantamento jurisprudencial realizado nesta pesquisa, a manutenção da prisão se baseia, em vários casos, tão somente no “tráfico praticado em casa”, no “risco à criança” de forma genérica, no fato de ser a mulher “membro de facção criminosa”, na “quantidade de drogas” ou, ainda, em condições como “maus antecedentes”. Não há a demonstração do efetivo risco ou malefício que a estadia da mãe com seu filho poderia trazer. Destaca-se as condutas relacionadas ao tráfico ou uso de drogas como “situações excepcionalíssimas” mais frequentes nas decisões. No período anterior à Recomendação, elas representaram 40,22% das situações excepcionais elencadas nos acórdãos. Durante a pandemia, o cenário se repete: as circunstâncias associadas às drogas representam 44,44% das “excepcionalidades”. Esses números, junto com circunstâncias “maus antecedentes” e “não imprescindibilidade da mãe ou filhos sob os cuidados de terceiros”, demonstram a denegação de prisão preventiva por motivos alheios à segurança das crianças.

Afere-se, assim, a vulgarização do que se entende como “situação excepcionalíssima”, que passa a ser baseada em uma gama ampla de fundamentos, e ganha um alcance tão vasto que não pode ser identificada como “excepcional” (eis o porquê do uso de aspas em cada referência a tais situações) (MOSER; BUDÓ, 2020MOSER, Manuela; BUDÓ, Marília de Nardin. Que pandemia? Superior Tribunal de Justiça mantém padrão de decisões sobre prisões preventivas para gestantes, mães de crianças e responsáveis por pessoas com deficiência. Infovírus. 21 set. 2020. Disponível em: https://www.covidnasprisoes.com/blog/stj-mantem-padrao-de-decisoes-sobre-prisoes-preventivas-para-mulheres
https://www.covidnasprisoes.com/blog/stj...
). Tem-se, portanto, uma categoria genérica para o indeferimento da prisão domiciliar tal qual a “garantia de ordem pública” serve para a decretação e manutenção das prisões preventivas de maneira generalizada.

Especial destaque deve ser dado à presença do argumento da “não imprescindibilidade da mãe ou filhos sob os cuidados de terceiros” nos discursos que afastam a aplicação da domiciliar no primeiro período da análise, apesar de ter sido justamente este o argumento afastado pelo STJ no julgamento do HC n. 470.549 (BRASIL, 2019c). Isso indica a possibilidade de construção de outra hipótese: a de que os precedentes dos tribunais superiores são acatados com facilidade quando se trata de manter as “situações excepcionalíssimas” como fundamento frequente na análise dos pedidos de prisão domiciliar, com base no HC 426.526. Porém, eles são ignorados quando favoráveis à concessão do benefício, como no caso do HC 470.549. Ou seja, a jurisprudência do Superior Tribunal é levada em consideração quando serve para afastar a benesse, mas não quando serve para concedê-la.

3.3 Análise qualitativa dos acórdãos publicados durante a pandemia

Foram 27 decisões posteriores à Recomendação 62/2020 analisadas em sua integralidade. Apenas dez delas tratam de recursos autuados após a publicação da Recomendação, apesar de todas terem sido julgadas neste contexto. Desse total, apenas onze mencionaram a pandemia da Covid-19, enquanto em dezesseis delas não há qualquer menção. Independentemente de os recursos terem sido autuados antes ou após a Recomendação 62/2020, todos os julgamentos ocorreram mais de um mês após a sua publicação, período em que a situação da pandemia já era amplamente conhecida. Mesmo assim, como fica claro no gráfico 4 abaixo, é significativa a quantidade de decisões que indeferem a prisão domiciliar sem levar em conta as circunstâncias excepcionais da Covid-19:

Gráfico 4:
Relação entre a menção à Recomendação e/ou à pandemia e a concessão ou denegação da prisão domiciliar

Em seis dos doze acórdãos em que a prisão domiciliar foi concedida ou mantida, não houve qualquer menção à Recomendação n. 62/2020 ou à Covid-19. Por outro lado, há dez acórdãos em que o pedido de domiciliar foi negado sem que os termos da Recomendação fossem sequer citados. Na verdade, a maioria deles não traz ponderações relevantes sobre o tema, limitando-se a uma abordagem bastante superficial. Entre os onze acórdãos que citam a pandemia, há diferentes formas de fazê-lo, que separamos em quatro categorias. 1) Três acórdãos apontam para a impossibilidade de analisar o pedido de prisão domiciliar levando em consideração a pandemia, sob o argumento de risco de supressão de instância. Uma dessas decisões ressalva que a paciente não apresentou demonstrativos do preenchimento dos requisitos apontados pela Recomendação. Nos três casos, a domiciliar foi denegada. 2) Em outras três decisões, a Recomendação apenas é citada através de transcrição de trechos de decisões de instâncias inferiores ou no relatório. Neste grupo de decisões, a prisão domiciliar foi deferida em dois casos e denegada no outro. 3) Em dois acórdãos, a pandemia é tratada apenas para afastar as alegações de excesso de prazo da prisão preventiva trazidas pelas pacientes. Nesses casos, a Covid-19 não influencia as decisões acerca da concessão ou não de prisão domiciliar, ou seja, é ignorada quando se trata da discussão da saúde e segurança das detentas. 4) Apenas três dos acórdãos trazem uma fundamentação meticulosa sobre o tema, e em todos esses casos a prisão domiciliar foi deferida ou mantida.

Esses dados se encontram com aqueles obtidos por Vasconcellos, Machado e Wang (2020, p. 549), em análise de 6771 decisões de habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo. Naquela pesquisa, apenas 608 ordens de habeas corpus foram concedidas, sendo que apenas 54% das decisões analisadas citam a Recomendação. Naquelas em que há citação, em 90% dos casos o pedido foi indeferido.

Na presente pesquisa, dois acórdãos são especialmente interessantes por trazerem não apenas ponderações acerca da necessidade da concessão de prisão domiciliar no caso concreto, mas também da responsabilidade do Judiciário na contenção do vírus nas prisões (BRASIL, 2020f; BRASIL, 2020e, p. 10). O trecho abaixo é exemplificativo:

Ainda que, em casos complexos, o recomendável seja o prestígio às competências constitucionais, deve-se fortalecer sobremaneira o princípio da não culpabilidade e eleger, com primazia, medidas alternativas à prisão processual, como o propósito de não agravar ainda mais a precariedade do sistema penitenciário e evitar o alastramento da doença nas prisões. A custódia ante tempus é, mais do que nunca, o último recurso a ser utilizado neste momento de adversidade, com notícia de suspensão de visitas e isolamentos de internos e de iminentes conflitos nos presídios (BRASIL, 2020e, p. 10).

A necessidade de adoção de medidas mais ousadas pelo Poder Judiciário, apontadas pelo Ministro Rogério Schietti Cruz, contrastam com o teor da maioria das decisões analisadas, que ignoram a pandemia ou a ela se referem de maneira relapsa ou para fundamentar decisões opostas à Recomendação. A forma esquiva de encarar a responsabilidade na contenção da pandemia no sistema prisional por diferentes instituições tem impedido a tomada de decisões efetivas no enfrentamento do problema que, pelo menos no ambiente prisional, está longe de ser resolvido. Na verdade, mais do que buscar resolver qualquer problema diagnosticado no sistema prisional, tais decisões apontam para o contrário: a cumplicidade do Judiciário em uma política de morte dirigida não apenas à população prisional, mas, como observam Valença e Freitas (2020VALENÇA, Manuela Abath; FREITAS, Felipe da Silva. O Direito à Vida e o Ideal de Defesa Social em Decisões do STJ no Contexto da Pandemia da Covid-19. Revista de Direito Público, Brasília, v. 17, n. 94, 570-595, jul./ago. 2020. DOI:), também à população periférica de modo geral.

3.4 O tráfico de drogas como “situação excepcionalíssima” nos acórdãos posteriores à Recomendação n. 62/2020

As condutas relacionadas ao tráfico de drogas, como demonstrado no gráfico 3, são as mais frequentes quando se trata de “excepcionalidades” capazes de afastar a prisão domiciliar. O tráfico praticado em casa é apontado abertamente como principal motivo para afastar a prisão domiciliar em três decisões: no AgRg no HC 583.771/MG, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca; no HC 575.467/MS, e no HC 562.726/CE, ambos de relatoria no Ministro Joel Ilan Paciorni. O trecho abaixo exemplifica essa posição:

Como visto, embora a defesa mencione que a paciente é mãe de dois filhos menores de 12 anos, o que, em tese, dar-lhe-ia o direito à prisão domiciliar, nos termos do art. 318-A do CPP, verifico uma certa excepcionalidade nos autos, uma vez que se trata de paciente reincidente específica, com duas condenações por tráfico de entorpecentes e por associação para o tráfico (com pena que soma 25 anos e 4 meses de reclusão), foragida da Justiça, em que houve apreensão de quase meio quilo de cocaína, em sua residência. (BRASIL, 2020b, p. 6-7, grifo nosso)

A quantidade de drogas apreendidas e a reincidência da paciente aparecem, assim, como fatores determinantes para a denegação da prisão domiciliar. A mais emblemática das decisões que trazem o tráfico praticado em casa como “circunstância excepcional”, entretanto, é o HC 526.726/CE, por estar limitada ao apontamento de tal circunstância para afastar a prisão domiciliar. Retira-se do voto do Ministro relator, Joel Ilan Paciorni:

Assim, é certo que da situação evidenciada nos autos verifica-se excepcionalidade apta a revelar a inadequação da prisão domiciliar, considerando as circunstâncias do caso concreto - em que a agente utilizava a própria residência, onde morava com seus filhos, para guardar e comercializar drogas - o que justifica o indeferimento da prisão domiciliar (BRASIL, 2020d, p. 15-16).

Logo em seguida, é destacado um trecho da decisão da Corte de origem que argumenta que a liberdade da paciente traria mais malefícios que benefícios aos seus filhos. Parece, assim, que o risco à criança, embora não apontado diretamente como argumento para indeferir a domiciliar, foi sopesado para proferir o veredito. De qualquer forma, a decisão sobre o habeas corpus em questão se destaca negativamente pela argumentação rasa. A fragilidade da fundamentação fica ainda mais evidente quando contraposta àquela do HC 575.467/MS, apontada acima e relatada pelo mesmo ministro. Esta, embora criticável, indefere a prisão domiciliar com base em uma somatória de fatores, como explicitamente colocado; e não em uma circunstância isolada.

A participação no crime organizado é “circunstância excepcional” apontada em duas decisões. Ou melhor, no AgRg no HC 573.631/ES trata-se de participação em “possível organização criminosa”. Em conjunto com a quantidade de drogas apreendidas, a presença de armas e munições e a participação do adolescente nos ilícitos, a domiciliar foi afastada (BRASIL, 2020a, p. 5). Nesta decisão, a falta de certeza sobre a existência ou não de organização criminosa não impediu o seu apontamento para indeferir a prisão domiciliar.

Na outra decisão em que se apontou o envolvimento com crime organizado, o HC 510.046/RJ, há uma circunstância peculiar: a paciente é filha de Antônio Francisco Bonfim Lopes, fato citado já na ementa da decisão; duas vezes durante o voto; além das referências encontradas nos trechos transcritos da decisão e Corte inferior (BRASIL, 2020c, p. 13-14). A insistente referência ao parentesco entre a ré e o traficante Nem marca a tendência de julgamento segundo o direito penal do autor. Julga-se, dessa forma, a personalidade e a história de vida do sujeito, o que causa abalos aos princípios da culpabilidade, da legalidade e da jurisdicionalidade. Abandona-se os fundamentos do sistema penal acusatório e adota-se o modelo inquisitorial ao utilizar as tendências criminosas da ré para julgá-la negativamente (CARVALHO, 2008CARVALHO, Salo de. Penas e Garantias. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008., p. 59-60). De forma geral, portanto, os acórdãos denegatórios da prisão domiciliar guardam semelhanças quanto aos seus fundamentos e à construção dos argumentos.

Ainda que se considere o entendimento adotado pelo STJ, de que o art. 318-A do Código de Processo Penal não enseja a aplicação automática da prisão domiciliar - até porque o Código prevê disposições gerais para a aplicação de medidas cautelares e prisão preventiva, nos artigos 282, 312 e 313 - o dispositivo aponta em que condições a prisão preventiva se torna ainda mais excepcional para gestantes e mulheres. A análise dos acórdãos, entretanto, indica a banalização das “excepcionalidades” capazes de impedir a concessão de prisão domiciliar, transformando a excepcionalidade em regra.

Ao debaterem a suposta prática de tráfico de drogas, os acórdãos se baseiam em argumentos que não consideram o contexto social em que o crime é praticado. A rotulagem do delito em questão, especialmente quando praticado em casa, como apto a afastar a aplicação do art. 318-A do CPP é inadequada por se basear justamente nas circunstâncias que mais aprisionam mulheres no Brasil, sem considerar, porém, a concretude do risco a que estaria exposta a criança em cada caso, evidenciando com clareza a prevalência do abstrato e banal fundamento da “manutenção da ordem pública” acima dos direitos das mães e das crianças. Há uma prevalência expressiva do tráfico de drogas como causa do encarceramento feminino: em junho de 2016, a taxa era de 62% (BRASIL, 2018a, p. 54). Além disso, 74% da população carcerária feminina é mãe (BRASIL, 2018a, p. 52). Esses dados mostram como o perfil da mulher presa é justamente o atingido pelas decisões analisadas do Superior Tribunal de Justiça, de modo que é o próprio judiciário quem torna a “exceção da exceção” em regra.

A utilização do tráfico doméstico como fundamento para manter em prisão preventiva mulheres grávidas ou mães de crianças menores de 12 anos acaba, portanto, promovendo a privação de um direito ligado à maternidade com base em entraves criados pela desassistência vivenciada por mães que se encontram em situação de vulnerabilidade. Ironicamente, esse contexto é o que leva a justiça formal a classificá-las como mães incapazes de cumprir com seu papel para com seus filhos, diante de um julgamento moral muito mais próximo do que seria um ideal de maternidade em uma sociedade patriarcal.

Importante ressaltar que em decisão monocrática sobre o acompanhamento da aplicação do HC n. 143.641/SP, de 24 de outubro de 2018, o Ministro Ricardo Lewandowski se coloca contrário à relação entre tráfico e risco aos filhos para afastar a possibilidade de prisão domiciliar:

Ademais, a concepção de que a mãe que trafica põe sua prole em risco e, por este motivo, não é digna da prisão domiciliar, não encontra amparo legal e é dissonante do ideal encampado quando da concessão do habeas corpus coletivo. [...]

Outrossim, não há razões para suspeitar que a mãe que trafica é indiferente ou irresponsável para o exercício da guarda dos filhos, nem para, por meio desta presunção, deixar de efetivar direitos garantidos na legislação nacional e supranacional. (BRASIL, 2018c, p. 06)

Ao final, o sistema de justiça penal acaba por criminalizar as mulheres mais pobres, que também são as mulheres negras, ao utilizar-se de um critério para afastamento da prisão domiciliar para atingi-las e imunizar outras mulheres, que, no imaginário judicial, possuem conduta circunscrita a um padrão de maternidade possível apenas às mulheres privilegiadas por serem brancas e de classes média e alta.

4 Conclusão

Da análise dos dados quantitativos e pela comparação dos dois períodos estudados, concluímos que a Recomendação 62/2020 não surtiu efeitos expressivos sobre as decisões do Superior Tribunal de Justiça, mesmo quando se trata de um grupo que nos últimos anos tem tido mais visibilidade, pelo menos no âmbito do discurso: mães presas preventivamente que não só têm o direito à prisão domiciliar sugerido pela Recomendação, como também têm direito por orientação de um HC 143.461 julgado pelo STF em 2018, e do próprio Código de Processo Penal.

O fato de a Recomendação pouco ter sido citada e, quando citada, aparecer de forma geralmente superficial, já denuncia o seu baixo impacto na jurisprudência. A impossibilidade de o ambiente carcerário proporcionar condições adequadas ao exercício saudável da maternidade havia sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 143.461/SP ainda em 2018, ocasião em que a prisão domiciliar foi apontada como medida adequada a resguardar os direitos das mães e seus filhos. Com as condições de insalubridade intensificadas pela pandemia de Covid-19, era de se esperar um movimento do Judiciário no sentido de prover medidas alternativas à prisão, principalmente se tratando de mulheres ainda em prisão preventiva, que, sem sequer terem sido condenadas criminalmente, podem sofrer efeitos irreversíveis causados pelo encarceramento, no caso das gestantes e lactantes. Entretanto, não foi esse o padrão encontrado nas decisões do STJ.

A prevalência do tráfico como “situação excepcionalíssima” nos períodos anterior e posterior à Recomendação também é pertinente para ilustrar a repercussão que a pandemia representou sobre os acórdãos do STJ. A população carcerária feminina aprisionada por esse delito compartilha algumas características comuns: são em sua maioria mulheres de classes baixa, de baixa escolaridade e negras, o que denuncia a seletividade do sistema prisional. A jurisprudência do STJ, em especial aquelas decisões que tratam de “situações excepcionalíssimas”, representam uma significante incongruência: tratam por excepcional circunstâncias como “tráfico de drogas praticado em casa” e “quantidade de drogas apreendidas”, que são, na verdade, o padrão encontrado no sistema penitenciário nacional por uma escolha político-criminal estatal de priorizar a guerra às drogas contra as populações negras e periféricas das grandes cidades.

Além de tudo, ignoram a real excepcionalidade vivida pela disseminação do novo coronavírus e o risco por ele representado à população carcerária. Mais do que isso: a Covid-19 põe em risco as próprias pessoas que majoritariamente estão na posição de cuidadoras dos filhos de mulheres privadas de liberdade, que frequentemente são avós idosas, além de ignorar a maior dependência das próprias crianças, que, com a suspensão das aulas, passaram a demandar mais cuidados domiciliares do que no período anterior à pandemia.

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  • ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
  • 1
    Foram excluídos do grupo de ementas analisadas no segundo período 6 decisões presentes no resultado da busca de jurisprudência do STJ, por não analisarem a possibilidade de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar segundo os requisitos do art. 318-A, do CPP.
  • 2
    Entre os dois períodos há, evidentemente, uma grande diferença em relação ao volume de documentos analisados. Por isso, ressalta-se que todos os dados comparativos a serem apresentados se dão em razão proporcional a cada um dos conjuntos jurisprudenciais.
  • 3
    Observação: em um dos acórdãos do primeiro período foram julgadas duas pacientes, e houve uma denegação e uma concessão de prisão domiciliar na mesma decisão.
  • 4
    As decisões analisadas foram colhidas entre os dias 09 de agosto de 2016 (um dia após a promulgação do Marco Legal da Primeira Infância) e 30 de junho de 2018, e trazem pedidos baseados em normas que regulam a aplicação de prisão domiciliar. Não é demais destacar que o período compreendido pela pesquisa do ITTC é anterior à promulgação da Lei 13.769/2018 e, em grande parte, ao julgamento do HC 143.641/SP.
  • 5
    Mais detalhadamente: “Aqui, os números foram distintos, uma vez que, a maioria das decisões (total de 116) concedeu a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, correspondendo a 58% das decisões concedidas pelos Tribunais Superiores. Em contrapartida, 71 das mulheres teve mantida a sua prisão preventiva, o que representa 35,5% das 200 decisões analisadas. Dessa porcentagem foram excluídos 9 casos em que as mulheres tiveram concedida a liberdade provisória (com ou sem cautelares) e 4 que tiveram outros tipos de decisões que as mantiveram em liberdade (semi-aberto e aguardar julgamento em liberdade). Assim, considerando-se os 116 casos que tiveram concedida a prisão domiciliar e os 73 que tiveram o pedido negado, apuramos que nos Tribunais Superiores a taxa de concessões de prisão domiciliar é de 64,1% e a de negativas é de 38,6%”. (ITTC, 2019, p. 40)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2020
  • Aceito
    30 Set 2021
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