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A ofensiva neoliberal ao direito da antidiscriminação: a expansão da liberdade protegida no Supremo Tribunal Federal e na Suprema Corte dos EUA

The neoliberal offensive to anti-discrimination law: the expansion of protected freedom in the Brazilian Federal Supreme Court and the US Supreme Court

Resumo

Diante da ofensiva neoliberal sobre o direito da antidiscriminação, este artigo objetiva analisar a expansão da proteção da esfera pessoal protegida como estratégia anti-igualitária. Para tanto, estrutura-se em duas partes: após cuidar da gramática de direitos na perspectiva neoliberal (primeira parte), examina a ofensiva anti-igualitária consubstanciada em respostas jurisprudenciais emblemáticas da Suprema Corte dos Estados Unidos (o caso “303 Creative LLCC vs. Elenis”, de 2023) e do Supremo Tribunal Federal (casos envolvendo a legislação “Escola Sem Partido/Escola Livre”, 2018-2020). Cuida-se de conhecer aproximações e disparidades entre as respostas judiciais ao neoconservadorismo nos Estados Unidos, que alcançou o direito à discriminação empresarial LGBTfóbica na oferta de serviços, e às investidas contra a liberdade de cátedra no Brasil.

Palavras-chave:
Neoliberalismo; Direito da Antidiscriminação; Liberdades protegidas; Escola Sem Partido; Direitos LGBTI+

Abstract

In the face of the neoliberal offensive to anti-discrimination law, this paper aims to analyze the expansion of the protected freedom as an anti-egalitarian strategy. It is organized in two parts: after analyzing the grammar of rights from a neoliberal perspective (first part), it examines the anti-egalitarian through the United States Supreme Court case law (the “303 Creative LLCC vs. Elenis, 2023) and the Brazilial Federal Supreme Court case law (litigation on the “School without Party”/”Free School” statutes, 2018-2020). Approaches and disparities are established between the judicial responses to neoconservatism in the United States, which reached the right to LGBTphobic business discrimination in the provision of services, and the attacks against academic freedom in Brazil.

Keywords:
Neoliberalism; Anti-discrimination Law; Protected freedoms; “School without Party”; LGBTI+ Rights

1 Introdução

Os cenários político e jurídico brasileiro e estadunidense revelam, de modo exemplar, algumas das estratégias que o neoliberalismo1 1 Por neoliberalismo, entende-se um projeto de restauração de poder de classe, como define Harvey (2008), com desenvolvimentos desiguais e combinados nos diferentes países do globo, no contexto da acumulação flexível do capital e de sua crise estrutural (Mészáros, 2011), com efeitos sobre as subjetividades, internalizados em modos de pensar e agir (Brown, 2016), e sobre um certo regime de direitos (Harvey, 2008). , mundo afora (HARVEY: 2008), tem mobilizado em suas investidas contra as reivindicações por igualdade e, particularmente, contra o Direito da Antidiscriminação. Desde o desmantelamento do Estado Social ou de seu desenho nos países dependentes, outrora um dos pilares da estrutura das democracias no século XX (MELLO; CALDAS; GEDIEL, 2019MELLO, Lawrence Estivalet de; CALDAS, Josiane; GEDIEL, José Antônio Peres (Orgs.). Políticas de Austeridade e Direitos Sociais. Curitiba: Kaygangue, 2019.), passando pela substituição do ideal da cidadania pelo projeto da sociedade e do indivíduo a partir da “forma empresa” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. Lisboa: Edições 70, 2010), até o presente rechaço às políticas antidiscriminatórias, vivem-se tempos em que a desigualdade é celebrada como modo de vida (GOUDARZI; BADAAN; KNOWLES, 2022GOUDARZI, S., BADAAN, V., & KNOWLES, E. D. (2022). Neoliberalism and the Ideological Construction of Equity Beliefs. Perspectives on Psychological Science, 17(5), 1431-1451.) e a inimizade marca o convívio social (MBEMBE, 2020MBEMBE, Achille. Políticas da Inimizade. S. Paulo: n-1 Edições, 2020., p. 75).

Neste contexto, não surpreende que as medidas visando ao enfrentamento das desigualdades, seja na arena do orçamento público e das políticas sociais, seja no campo judicial, constem dentre os alvos prediletos da ofensiva neoliberal. Na prática do direito e em sua elaboração teórica, esta ofensiva mira, de modo particular, o Direito da Antidiscriminação, que afirma e desenvolve, como disciplina científica e como experiência de luta pela igualdade, a afirmação do mandamento antidiscriminatório como conteúdo fundamental do direito de igualdade (RIOS, 2008RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscriminação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.).

Uma das mais vigorosas e bem sucedidas estratégias nestas invectivas anti-igualitárias é o apelo à proteção de uma esfera pessoal intocável, cuja manifestação jurídica residiria nos direitos de liberdade de expressão e de liberdade de religião; em nome de sua defesa, busca-se não só invalidar as medidas antidiscriminatórias existentes; mais ainda, pretende-se legitimar a desigualdade e a discriminação crescentes.

Tendo isso presente, este artigo toma a ofensiva neoliberal sobre o direito antidiscriminatório como objeto2 2 A ofensiva neoliberal sobre os direitos sociais e econômicos, mediante a expansão da liberdade contratual e sua esfera protegida no Brasil, foi examinada por Gediel e Mello (2017; 2020). As repercussões dessa ofensiva sobre a subjetividade e as condições de vida de trabalhadores e trabalhadoras foi discutida por Mello, Druck e Antunes (2023). Este texto delimita como objeto a ofensiva neoliberal ao direito antidiscriminatório. e se propõe a analisar a propalada expansão da proteção da esfera pessoal intocável promovida pelo neoliberalismo (primeira parte), para, a partir daí, fazer avançar a compreensão de recentes e emblemáticos julgados do Supremo Tribunal Federal do Brasil e da Suprema Corte dos Estados Unidos no âmbito do direito antidiscriminatório (segunda parte). Para tanto, problematiza-se por que o neoliberalismo ataca o direito antidiscriminatório, a partir de revisão bibliográfica da literatura especializada, fundamentalmente, a leitura de Wendy Brown sobre o neoliberalismo, para, em seguida, examinar julgados brasileiros que invalidaram leis estaduais proibitivas de questões de gênero no âmbito escolar e decisões estadunidenses legitimaram a recusa de serviços motivada pela orientação sexual dos clientes.

2 Descartáveis e protegidos: a gramática de direitos sob o neoliberalismo

Wendy Brown (2016______. Power Visible and Invisible: Neoliberalism in Marxist and Foucauldian Frames. University of California, Berkeley. November 2016), em um exercício de reflexão sobre os marcos teóricos que orientam sua leitura sobre o neoliberalismo, afirma defender um “trabalho de margem” entre duas perspectivas críticas à austeridade, quais sejam, a marxista e a foucaultiana. Esta seção colhe elementos das duas tradições, em especial sobre a relação entre neoliberalismo e neoconservadorismo, para destacar como a disputa em torno dos sentidos da liberdade conjuga mercantilização e descartabilidade do humano, por um lado, e valorização do sujeito como instância pessoal protegida, por outro. As políticas neoliberais, de cunho neoconservador, servem-se dessa expansão, de forma indevida, o que nos leva à problematização teórica (seção 2) e à análise documental (seção 3).

O neoliberalismo amplia a aplicação da lógica mercantil às decisões políticas e sociais a respeito da política social e dos direitos fundamentais. Cria, para tanto, seu próprio regime de direitos neoliberais, legislativa e judicialmente. Para fazer avançar seu projeto de restauração do poder de classe, no entanto, setores neoliberais têm desacordo entre si, no que diz respeito à atribuição de natureza mercantil à sexualidade, à cultura, a símbolos religiosos e à história etc., como também na atribuição de direitos de propriedade e obtenção de renda nesses campos da existência humana.

Até que ponto é possível mercantilizar, consumir e obter renda a partir de cultura, religiosidade, sexualidade e do corpo do sujeito trabalhador são temas que desafiam os sentidos da liberdade propostos por liberais e neoliberais. O limite a ser traçado nessas temáticas, para David Harvey (2008), fundamenta em parte a divergência entre neoliberalismo e neoconservadorismo, o que permite compreender as direitas contemporâneas em sua atuação contrária ao direito antidiscriminatório, objeto desse artigo.

Uma primeira forma de interpretar processos sociais de produção e resposta ao neoliberalismo, de matriz marxista, revela dimensões do neoliberalismo no seu movimento de restauração do poder das classes dominantes, em especial por meio da acumulação flexível ou acumulação por espoliação, e na sua interação com o senso comum (HARVEY, 2008).

Este poder de classe pode ser visível e invisível, diferencia Wendy Brown (2016______. Power Visible and Invisible: Neoliberalism in Marxist and Foucauldian Frames. University of California, Berkeley. November 2016). O modelo de interpretação hegelo-marxista, para a autora, é aquele que trabalha com a diferenciação entre essência e aparência e, na negação do falso real, busca realizar movimentos de abstração, estabelecendo aproximações e conexões entre o objeto e a totalidade, com mediações e contradições. Essa tradição teria como objetivo revelar a restauração desse poder de classe em categorias heurísticas explicativas, por exemplo, da relação entre classes sociais, financeirização e cultura. A perspectiva de Foucault, por outro lado, teria como foco o exame da manifestação do poder neoliberal em nossa época, na moldagem de subjetividades e na internalização de modos de ser e de agir.

A diferenciação didática entre visível e invisível é pertinente para observar dimensões do neoliberalismo. Entretanto, parece equivocado afirmar que autores da tradição marxista, como David Harvey (2008), realizam apenas exame de um poder invisível. Certamente, problematizam e discutem também seus efeitos e interações com subjetividades, na relação entre políticas neoliberais, bom senso e senso comum, movimentos sociais e sua relação com a exploração e as espoliações, entre outros temas.

Não é possível discutir as demandas de reconhecimento, entre elas aquelas relacionadas ao direito antidiscriminatório, sem levar em consideração a situação política mais geral da correlação de forças entre as classes sociais, recuperando categorias da tradição hegelo-marxista do pensamento político, como destacam Nancy Fraser e Rael Jaeggi (2020FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. Trad. Nathalie Bressiani. São Paulo: Boitempo, 2020.). Assim, pensar a relação entre igualdade e discriminação no contexto da crise do sistema sociometabólico do capital encontra no exame das ideias e políticas neoliberais fonte essencial.

O centro das ideias neoliberais são os direitos de propriedade e o princípio da desigualdade. Alteram-se noções de liberdade, indivíduo, sujeito, liberdade de expressão, relações entre setor público e privado, bem como a noção de coletivo. A característica que transpassa todos os temas é a subordinação da reprodução econômica e social à financeirização, com a transferência da capacidade de alocação do fundo público, dos Estados nacionais para instituições públicas e privadas com sede nos Estados Unidos (Saad Filho, 2023, p. 24 e 25).

As tarefas primordiais de acadêmicos, empresários, jornalistas e ativistas neoliberais, na leitura de Brown, envolvem “habilitar o mercado e a moral para governar e disciplinar indivíduos, ao mesmo tempo maximizando a liberdade” (Brown, 2019, p. 21)3 3 A cientista política estadunidense diferencia as ideias neoliberais dos rumos que as sociedades tomaram. Na sua avaliação, o neoliberalismo, acidentalmente, “soltou as rédeas do setor financeiro e os modos pelos quais a financeirização solapou profundamente os sonhos neoliberais de uma ordem global competitiva, zelada por instituições supranacionais, de um lado, e viabilizada por Estados plenamente livres dos interesses e das manipulações econômicas, de outro. Em terceiro, temos os modos como o mercado e a moral se distorceram à medida que foram submetidos às gramáticas e ao espírito um do outro - isto é, à medida que a moralidade foi mercantilizada e os mercados, moralizados” (BROWN, 2019, p. 26 e 26). . Não se trata do capitalismo de “livre mercado”, mas de “criar e sustentar uma ordem ampliada”, pela ação conjunta entre moral e mercado. Este hibridismo entre neoliberalismo e neoconservadorismo resultaria em um movimento de “desdemocratização”, segundo Brown (2019, p. 111 e 112).

O regime de direitos neoliberais, como destaca Harvey (2008), é atraente e contraditório. Compõem esse regime de direitos o estímulo à responsabilidade individual, a igualdade de oportunidades no mercado e perante a lei, as recompensas à iniciativa e à atividade empreendedora, o estímulo ao cuidado de si mesmo e dos seus, a expansão da liberdade de escolha em termos de contrato e troca, o direito à propriedade privada do próprio corpo, bem como a liberdade de pensamento, expressão e manifestação (HARVEY, 2008, p. 195)

A construção de um marco legal neoliberal se serve de um discurso falso de retirada do Estado, como propaganda no sentido de que o Estado seria ineficiente e reduzido, retirado da vida social (SAAD FILHO, 2023SAAD FILHO, Alfredo. Neoliberalism, Crisis, Alternatives: Revitalizing Public Goods. University of St. Thomas Journal of Law and Public Policy (Minnesota) 16, 2023, no. 1: 23-42; HARVEY, 2008). Na verdade, o Estado neoliberal é intervencionista de uma forma particular: legitima o neoliberalismo no domínio ideológico e transfere para as finanças o controle sobre fontes do capital ou sobre o fundo público (SAAD FILHO, 2023, p. 27).

O Estado forte se relaciona com a financeirização da reprodução social. O crescente pagamento por saúde, educação e seguridade faz com que o endividamento das famílias se acumule, disciplinando as pessoas que trabalham, para que tenham de trabalhar mais horas, em vários empregos e condições estressantes (SAAD FILHO, 2023SAAD FILHO, Alfredo. Neoliberalism, Crisis, Alternatives: Revitalizing Public Goods. University of St. Thomas Journal of Law and Public Policy (Minnesota) 16, 2023, no. 1: 23-42, p. 29), ou em contratualidades espoliativas (MELLO; DRUCK; ANTUNES, 2023MELLO, Lawrence Estivalet de; DUTRA, Renata Queiroz; LACERDA, Lily Badaró; SARAIVA, Loyana Saraiva; MIRANDA, Maria Eduardo Carneiro, As Disputas sobre a Regulação do Trabalho de Cuidado no Brasil e no Chile. In: MELLO, Lawrence Estivalet et alli (Org.); FATORELLI, Maria Lucia et alli (Coord.). Constitucionalismo intermitente e lutas sociais no Brasil e no Chile. Volume 1 - Economia política dos direitos sociais. Marília: Lutas Anticapital, 2023.).

Convivem o aumento da taxa de lucro e da desigualdade. Até 1970, verificava-se em inúmeros países o crescimento conjunto da massa salarial e da produtividade. É simbólico desse período que o desenvolvimento dos regimes de acumulação capitalista colaborou na constituição de diferentes formas de expressão da sexualidade LGBTI+, particularmente no fordismo e nos países desenvolvidos. A garantia de direitos sociais impacta as relações de gênero e sexualidade e permite a independência dos sujeitos trabalhadores LGBTI+ de suas famílias (DRUCKER, 2010DRUCKER, P. 2010. The New Sexual Radicalism. International View Point. Disponível em <http://www.internationalviewpoint.org/spip.php?article1866&var_recherche=lgbt>. Publicado em: 12 mai 2010. Acesso em: 10 jan 2023.
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).

A partir de 1970, com a instalação da crise do sistema sociometabólico do capital e dos efeitos destrutivos do desemprego crônico em escala global (Mészáros, 2011MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2011.), a produtividade cresce e o salário não. A renda familiar total passa a crescer, como descreve Saad Filho (2023, p. 32), porque famílias trabalham mais horas, aposentados entram no mercado de trabalho, mas os salários ficam progressivamente mais baixos, como mostram os números para trabalhadores(as) com ensino fundamental completo.

Considerada a amplitude da disputa legal e constitucional realizada atualmente pelos movimentos neoliberais, há mais de uma via para o desenvolvimento do neoliberalismo e sua vertente contemporânea mais radical se aproxima daquilo que Bourdieu (1998BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.) denominava uma “revolução conservadora”, isto é, uma restauração apresentada como modernização4 4 “A revolução conservadora assume hoje uma forma inédita: não se trata, como em outros tempos, de invocar um passado idealizado, através da exaltação da terra e do sangue, temas arcaicos das velhas mitologias agrárias. Essa revolução conservadora de tipo novo tem como bandeira o progresso, a razão, a ciência (a economia, no caso), para justificar a restauração e tenta assim tachar de arcaísmo o pensamento e a ação progressistas. Ela constitui como normas de todas as práticas, logo como regras ideais, as regularidades reais do mundo econômico entregue à sua lógica, a alegada lei do mercado, isto é, a lei do mais forte. Ela ratifica e glorifica o reino daquilo que se chama mercados financeiros, isto é, a volta a uma espécie de capitalismo radical, cuja única lei é a do lucro máximo, capitalismo sem freio e sem disfarce, mas racionalizado, levado ao limite de sua eficiência econômica pela introdução de formas modernas de dominação, como o management, e de técnicas de manipulação, como a pesquisa de mercado, o marketing, a publicidade comercial.” (BOURDIEU, 1998, p. 31). ou uma contrarrevolução preventiva.

Nesse ponto, divergem as correntes neoliberais.

Nem tudo pode ser mercantilizado ou, em outras palavras, a sociedade não pode ser contrato até o fim. Nancy Fraser e Rael Jaeggi (2020FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. Trad. Nathalie Bressiani. São Paulo: Boitempo, 2020., p. 36) recuperam lições de Hegel e Polanyi para discutir que convivem aspectos ou zonas mercantilizadas e não mercantilizadas na sociedade. É verdade que há um processo de mercantilização da sociedade crescente, mas também o é que há um plano de fundo não econômico, de violência direta ou tradicional, que sustenta as relações de exploração, como expressam os temas do trabalho de cuidado não remunerado e da anexação da natureza pelo capital. (FRASER; JAEGGI, 2020FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. Trad. Nathalie Bressiani. São Paulo: Boitempo, 2020., p.43).

Interesses morais tradicionais da direita e interesses de mercado não correm em trilhos separados, como destaca Wendy Brown (2019______. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019.). A relação entre neoliberalismo e neoconservadorismo tem diferentes abordagens, como sumariza a autora a partir da literatura especializada, sendo caracterizada por hibridismo genealógico, ressonância, convergência ou exploração mútua entre projeto de amparo de valores morais e defesa de mercados livres (BROWN, 2019______. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019., p. 111).

Os neoconservadores criticam a dissolução e a imoralidade crescentes na ordem social e não identificam nas políticas neoliberais a produção de crise e destrutividade. Compatível com o programa neoliberal, o neoconservadorismo se afasta dele em dois aspectos: a preocupação com a ordem, como resposta ao “caos de interesses individuais”, e a preocupação com uma moralidade inflexível, para manutenção da segurança do corpo político frente a perigos internos e externos (Harvey, 2008, p. 92).

Assim compreendido, o movimento tem origem na Segunda Guerra Mundial, base material em um poderoso complexo industrial-militar e não se resume à rejeição das diferenças ou à incapacidade de aceitar o outro, o diferente, o não semelhante ou o não idêntico.

Em outro sentido e a partir de substantiva pesquisa documental com ativistas da direita, Pierucci (2013PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da Diferença. São Paulo: Programa de Pós-graduação em Sociologia da FFLCH-USP, Editora 34, 2013., p. 27) observou como “a rejeição da diferença vem depois da afirmação enfática da diferença”. No campo judicial, no emblemático caso Equal Employment Opportunities Comission v. Sears, Roebuck and Company (1985), referente a discriminação sexual na contratação para setores mais bem remunerados, os argumentos de defesa da desigualdade material se baseavam em diferenças culturais. A discriminação sexual, no caso, restou compreendida como reconhecimento de diferença real ou cultural (PIERUCCI, 2013PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da Diferença. São Paulo: Programa de Pós-graduação em Sociologia da FFLCH-USP, Editora 34, 2013., p. 43).

O neoconservadorismo afirma “diferenças naturais”, para mobilizar uma “maioria moral” da classe trabalhadora branca ressentida, como discute Harvey (2008, p. 94), com base nos valores do nacionalismo cultural, na retidão moral, no cristianismo, nos valores familiares e em questões referentes ao direito à vida, o que resulta na oposição a movimentos feministas, LGBTI+ e ambientalistas. Em chave de leitura similar, Wendy Brown (2019______. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019., p. 215) descreve homens brancos heterossexuais como destinatários das políticas de ressentimento, rancor, raiva, reação à humilhação e ao sofrimento, diante do declínio da “proteção limitada” que a branquitude e a masculinidade projetavam sobre esses sujeitos.

Os limites e contradições do neoliberalismo, como se vê, combinam-se às suas crises de múltiplas dimensões. Expandem-se violências, conflitos ou “guerras neoliberais totais” (DARDOT; GUÉGUEN; LAVAL; SAUVÊTRE, 2021DARDOT, Pierre; GUÉGUEN, Haudad; LAVAL, Christian; SAUVÊTRE, Pierre. A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo. São Paulo: Elefante, 2021.), em especial no período inaugurado pela crise de 2008, no qual greves e mobilizações por direitos ou contra o Estado tomaram a cena das lutas sociais globais (MELLO; DRUCK; ANTUNES, 2023MELLO, Lawrence Estivalet de; DUTRA, Renata Queiroz; LACERDA, Lily Badaró; SARAIVA, Loyana Saraiva; MIRANDA, Maria Eduardo Carneiro, As Disputas sobre a Regulação do Trabalho de Cuidado no Brasil e no Chile. In: MELLO, Lawrence Estivalet et alli (Org.); FATORELLI, Maria Lucia et alli (Coord.). Constitucionalismo intermitente e lutas sociais no Brasil e no Chile. Volume 1 - Economia política dos direitos sociais. Marília: Lutas Anticapital, 2023.).

As correntes neoliberais apresentam três perspectivas sobre modernização e evolução social. A primeira defende modernização por adaptação às mudanças introduzidas pela competição (Walter Lippmann); a segunda, conservadorismo defensor de comunidades orgânicas e hierárquicas no lugar da desintegração social e da desmoralização das massas (Wilhelm Röpke); a terceira, um evolucionismo que concilia tradição e mudança em processos lentos de experimentação social (Friedrich Hayek) (DARDOT; GUÉGUEN; LAVAL; SAUVÊTRE, 2021DARDOT, Pierre; GUÉGUEN, Haudad; LAVAL, Christian; SAUVÊTRE, Pierre. A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo. São Paulo: Elefante, 2021., p. 157).

Todas essas correntes neoliberais parecem concordar que moral tradicional, mercado e propriedade privada constituem o núcleo da civilização ocidental. A partir de um juízo de compatibilidade entre tradição e modernização, Lippmann e Hayek não defendiam a moral tradicional como conservação de ordem passada, mas como condição de adaptação à nova ordem econômica ou resultado da evolução social espontânea (DARDOT; GUÉGUEN; LAVAL; SAUVÊTRE, 2021DARDOT, Pierre; GUÉGUEN, Haudad; LAVAL, Christian; SAUVÊTRE, Pierre. A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo. São Paulo: Elefante, 2021., p. 171). A moralidade tradicional está dentro do projeto neoliberal. Em outras palavras, mercado e moral não precisam ter relação de complemento, hibridismo, ressonância, convergência ou exploração mútua; devem ser enraizados, na perspectiva de Hayek, em uma “(...) ontologia comum de ordens espontaneamente evoluídas carregadas pela tradição” (BROWN, 2019______. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019., p. 118).

O neoliberalismo deveria ser visto, na perspectiva dos autores franceses, como um “Jano”, deus romano das mudanças e transições, com duas faces: a primeira conservadora da tradição racista e patriarcal, estruturada na família e na religião; a segunda modernizadora, ligada ao dinamismo das tecnologias e novas formas de vida. Nos últimos anos, cresce o programa da direita baseado no tríptico fé-família-liberdade, ao mesmo tempo em que ocorrem deslocamentos da oposição política ao neoliberalismo, da luta por igualdade social para a luta por causas culturais ou morais. O crescimento do neoliberalismo conservador, nessa perspectiva, é uma resposta à sua oposição política, que substitui o enfrentamento social e não propõe saída às vítimas do sistema neoliberal (DARDOT; GUÉGUEN; LAVAL; SAUVÊTRE, 2021DARDOT, Pierre; GUÉGUEN, Haudad; LAVAL, Christian; SAUVÊTRE, Pierre. A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo. São Paulo: Elefante, 2021., pp. 206 e 207).

Protestos e instabilidades de grandes dimensões marcam esse período na América Latina.

Defensores do neoconservadorismo têm ocupado papel de destaque nessas crises. Eleição de candidato conservador na presidência do Paraguai (ELLIOTT; DESANTIS, 2023), dissolução do Congresso e convocação de eleições presidenciais e legislativas no Equador (G1, 2023), rejeição de Assembleia Constituinte que propunha avanços em direitos sociais, sexuais e reprodutivos com base em campanha conservadora no Chile (MELLO; DUTRA; LACERDA; SARAIVA; MIRANDA; 2023MELLO, Lawrence Estivalet de; DUTRA, Renata Queiroz; LACERDA, Lily Badaró; SARAIVA, Loyana Saraiva; MIRANDA, Maria Eduardo Carneiro, As Disputas sobre a Regulação do Trabalho de Cuidado no Brasil e no Chile. In: MELLO, Lawrence Estivalet et alli (Org.); FATORELLI, Maria Lucia et alli (Coord.). Constitucionalismo intermitente e lutas sociais no Brasil e no Chile. Volume 1 - Economia política dos direitos sociais. Marília: Lutas Anticapital, 2023.; HOEVELER, 2023HOEVELER, Rejane Carolina. A Constituição que Morreu Jovem e a Campanha da Direita Contra a Nova Constituição no Chile. In: MELLO, Lawrence Estivalet et alli (Org.); FATORELLI, Maria Lucia et alli (Coord.). Constitucionalismo intermitente e lutas sociais no Brasil e no Chile. Volume 2 - Direitos sociais coletivos e direitos da natureza. Marília: Lutas Anticapital, 2023.), inflação ultrapassando 100% anuais na Argentina (JORDÃO, 2023) são exemplos que mostram que o neoconservadorismo não se fortaleceu apenas no Brasil.

Especificamente contra o direito da Antidiscriminação, a ofensiva neoliberal se serve de políticas sociais e judiciais de enfraquecimento do direito à igualdade, em especial contra grupos sociais discriminados, como exemplificam os mais de 69 projetos de lei lgbtfóbicos propostos no Brasil em 2023 (AVELAR, 2023), a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o mesmo tema no estado de São Paulo (G1 SP, 2023) e as leis contrárias ao trabalho de drag queens em espaços públicos e aos direitos das pessoas trans em Tennessee (BACALLAO, 2023).

Os dados demonstram que as políticas neoliberais tiveram o efeito de aumentar a desigualdade e restaurar o poder de classe de elites econômicas, como demonstraram Harvey (2008) sobre as décadas de 1980/1990 e Saad Filho (2023) sobre o período posterior à crise de 2008. Apenas a título exemplificativo, observe-se que o 1% mais rico teve sua renda aumentada, entre 2008 e 2018, de 15 trilhões de dólares para 35 trilhões de dólares (SAAD FILHO, 2023SAAD FILHO, Alfredo. Neoliberalism, Crisis, Alternatives: Revitalizing Public Goods. University of St. Thomas Journal of Law and Public Policy (Minnesota) 16, 2023, no. 1: 23-42).

A nova direita estimula, em resposta falsa ao empobrecimento da população, identidades raivosas que apelam à violência legítima ou a um Estado autoritário, bem como a uma espécie de liberdade de ser racista ou liberdade de ser lgbtfóbico, com objetivo de: “(...) restauração de uma 'ordem' apresentada como natural e moral, [qual seja,] a da tradição e da família heteronormativa definida como base e valor supremo da civilização ocidental (...)” (DARDOT; GUÉGUEN; LAVAL; SAUVÊTRE, 2021DARDOT, Pierre; GUÉGUEN, Haudad; LAVAL, Christian; SAUVÊTRE, Pierre. A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo. São Paulo: Elefante, 2021., p. 210).

Essa política resulta em uma ofensiva contra mulheres, LGBTI+, indígenas e pessoas negras, mas está longe de se basear em uma concepção apenas teológico moral ou em um utilitarismo pobre. Ela compõe uma estratégia de substituição dos mecanismos redistributivos, pela lógica exclusivamente privada e pela gratuidade do trabalho reprodutivo. Expande-se o direito privado, com papel maior atribuído à pessoa jurídica e à família-empresa (DARDOT; GUÉGUEN; LAVAL; SAUVÊTRE, 2021DARDOT, Pierre; GUÉGUEN, Haudad; LAVAL, Christian; SAUVÊTRE, Pierre. A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo. São Paulo: Elefante, 2021., p. 280).

Uma política da indiferença se instala diante da desintegração do social, com a defesa do capitalismo como necessidade, verdade e autoridade reunidas, todas as esferas imunizadas, a despeito de suas devastações, instabilidade e incoerências (BROWN, 2019______. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019., p. 207). Trata-se de uma liberdade para atacar e destruir, “(...) enquanto culpa seus objetos de chacota pela ruína dos valores e da ordem tradicional” (BROWN, 2019, p. 210).

Como discutimos em outra oportunidade (MELLO; RIOS, 2021MELLO, Lawrence Estivalet de; RIOS, Roger Raupp. Neoliberalismo, contratualidade trabalhista e homotransfobia: exploração capitalista e discriminação contemporâneas. RECHTD. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, v. 13, p. 245-261, 2021.), constroem-se, a partir da base, uma cultura antidemocrática e, “desde cima”, formas antidemocráticas de poder estatal, de modo que: “(...) a política se torna um campo de posicionamento extremo e intransigente, e a liberdade se torna um direito de apropriação, ruptura e até mesmo destruição do social - seu inimigo declarado” (Brown, 2019______. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019., p. 39).

Daí se estabelecer uma relação específica entre mercado e família tradicional, em que novas bases são requeridas, reverberando o discurso de Friedrich Hayek (1984HAYEK, Friedrich. 1984. Professor Friedrich Hayek's Closing Speech. Hayek MSS (Hoover Institution): Box 109. Disponível em <https://www.margaretthatcher.org/document/117193>. Discurso de 03 mar 1984. Acesso em: 02 mar 2023.
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), proferido à Sociedade de Mont Pèlerin: “Devemos retornar a um mundo em que não apenas a razão, mas a razão e a moral, como parceiras iguais, devem governar nossas vidas, onde a verdade da moral é simplesmente uma tradição moral, a do Ocidente cristão, que criou a moral na civilização moderna”5 5 Disponibiliza-se o link para a fonte original, documento dos arquivos da Fundação Margaret Thatcher, nas referências do artigo. Entretanto, apresenta-se a citação na versão traduzida por Mario Marino e Eduardo Santos, no livro de Brown (2019, p. 133). .

Conforme Brown: “(...) a vida cotidiana é mercantilizada de um lado e ‘familiarizada’ de outro pela racionalidade neoliberal, estes processos gêmeos contestam os princípios de igualdade, secularismo, pluralismo e inclusão, junto com a determinação democrática de um bem comum” (BROWN, 2019______. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019., p. 133). Tal ampliação das normas privadas se dá por caminhos autoritários e em reforço às desigualdades de classe, gênero, sexualidade e raça. Gera-se uma imagem e ética da nação que assume uma forma tradicional, murada, homogênea, unificada, hierárquica e autoritária (BROWN, 2019, p. 144).

Os impactos discriminatórios advindos dessa conjuntura são perceptíveis de modo nítido em face de setores discriminados, como a comunidade LGBTI+. Quando o desemprego ou subemprego os leva a permanecer ou retornar à comunidade familiar, encontram-se ambientes hostis à liberdade sexual e ao desenvolvimento da personalidade, o que se agrava, em espiral perversa, quando laços familiares tenham antes se rompido por força de discriminação homotransfóbica.

Como descreve Brown (2019______. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019.), com a familiarização da vida privada, a homotransfobia se exacerba a ponto de ser considerada, comumente, como realidade “consensual” e “banal” (BORRILLO, 2010BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010., p. 17), o que se expressa pela imputação corrente de sofrimento familiar devido à homossexualidade filial, em contraste à aceitação, tanta vez tranquila e inquestionada, de personalidades homotransfóbicas presentes no seio familiar. Tal “destino trágico” de homossexuais, como se incapazes de vida familiar e condenados à solidão, se desdobra além do espectro familiar, atingindo esferas sociais como o trabalho (BORRILLO, 2010, p. 101; OKITA, 2007OKITA, Hiro. Homossexualidade: da opressão à libertação. São Paulo, Editora Sundermann, 2007., p. 83).

O neoliberalismo, na fase madura descrita por Saad Filho (2023), cria novos tipos de governo, sociedade, cidadania e subjetividade. A competição toma o lugar da solidariedade. Ou a solidariedade se restringe ao espaço familiar e pessoal, pretensas instâncias de proteção social a serem expandidas, como se verá na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte dos EUA.

3 A ofensiva anti-igualitária e suas respostas jurisprudenciais: o caso “303 Creative LLCC vs. Elenis” (USSC, 2023) e a legislação “Escola Sem Partido/Escola Livre” (STF, 2018-2020).

Como estratégia neoliberal anti-igualitária, a expansão da esfera pessoal protegida manifesta-se de diversos modos e recebe diferentes respostas: enquanto, de um lado, medidas antidiscriminatórias que objetivam assegurar igual proteção a pessoas LGBTI+ na oferta pública de bens e serviços têm sido afastadas pela SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS (USSC), o STF, de outro lado, vem invalidando leis estaduais e municipais fomentadas pelo Movimento Escola Sem Partido (MESP), que propõem que não sejam admitidas a utilização das expressões “gênero” e “orientação sexual” em instituições de ensino.

Nesta parte, (3.1) tomam-se as conclusões do STF ao apreciar legislação educacional, difundida sob os cognomes “escola livre”, “escola sem partido” e proibição da “ideologia de gênero” (ROSADO-NUNES, 2015ROSADO-NUNES, M. J. F. (2015). A “ideologia de gênero” na discussão do PNE: a intervenção da hierarquia católica. Horizonte, 13(39), p. 1237-1260. DOI: https://doi.org/10.5752/P.2175- 5841.2015v13n39p1237
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; MISKOLCI CAMPANA, 2017MISKOLCI, R. ; CAMPANA, M. “Ideologia de gênero”: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, 32(3), p. 725-748, 2017.; JUNQUEIRA, 2018JUNQUEIRA, R. D. (2018). A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário políticodiscursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Revista Psicologia Política, 18(43), p.449-502.), (3.2) bem como a decisão da USSC no caso 303 CREATIVE LLC ET AL. V. ELENIS ET AL. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023). Após a notícia resumida desses precedentes, (3.3) propõe-se sua análise crítica, com atenção especial a seu desdobramento na esfera do direito da antidiscriminação.

3.1 “Escola livre”, “escola sem partido” e “ideologia de gênero” no Supremo Tribunal Federal

O STF tem examinado uma série de diplomas legais estaduais e municipais6 6 Tomando os julgados do Supremo Tribunal Federal, apresentam-se, dentre outros, textos legais vedando a divulgação e censurando ”material com referência a ideologia de gênero”, bem como outros ”materiais que fazem menção ou influenciam ao aluno sobre ideologia de gênero”, como se vê na Lei n. 1.516/2015, do Município de Novo Gama (GO); que vedam políticas de ensino, currículo e atividades culturais onde se façam presentes as expressões ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’, conforme a inserção de dispositivo na Lei Orgânica do Município de Foz do Iguaçu (PR); a Lei 3.491, de 28 de agosto de 2015, do Município de Ipatinga (MG), que determina a exclusão da política municipal de ensino de qualquer referência à diversidade de gênero e orientação sexual; a Lei n. 6.496/2015, do Município de Cascavel (PR), que veda a adoção de políticas de ensino que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’; a Lei n. 2.243/2016, de Palmas (TO), vedando sequer informações sobre “ideologia ou teoria de gênero”, bem como assuntos “ligados a sexualidade e à erotização”; a Lei estadual n. 7.800/2016, de Alagoas, que dispõe sobre a “Escola Livre”, determinando uma propalada “neutralidade política e ideológica”. que estabeleceram medidas e diretrizes denominados “escola sem partido” e “escola livre”, além de proibições à propalada “ideologia de gênero”7 7 Um quadro abrangente dessas iniciativas legislativas, espalhadas pelos entes federados e também no Congresso Nacional, pode ser visto na pesquisa de Fernanda Pereira de Moura (2016), acima citada. .

Trata-se de uma frente de atuação nacional, situada num contexto social e político mais amplo, em que cada proposta legislativa, aprovada ou não, apresenta e combina, a seu modo e em sua história, origens, ligações e aproximações com motivações religiosas, com raízes integralistas e com agendas contemporâneas do neoliberalismo (BAGGENSTOSS, 2016BAGGENSTOSS, Grazielly Alessandra. “ Análise da Pertinência Jurídica do Programa Escola sem Partido Com Base no Critério da Proporcionalidade e nos Controles de Evidência e Justificabilidade Aplicados Pelo Supremo Tribunal Federal.” Curitiba, v. 2, n. 2, p.22-40; Jul/Dez. 2016.; MIGUEL, 2016MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à "ideologia de gênero" - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro / From “Marxist indoctrination” to “gender ideology”: Escola Sem Partido (non-partisan school) and gag laws in Brazilian congress. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 3, p. 590-621, set. 2016.; MOURA, 2016MOURA, Fernanda Pereira. “Escola sem partido”: relações entre estado, educação e religião e os impactos no ensino de história”. Dissertação (mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História, Programa de Pós-Graduação em Ensino de História. Rio de Janeiro, 2016.; MACEDO, 2017MACEDO, Elizabeth. “As demandas conservadoras do movimento escola sem partido e a base nacional curricular comum”. Educ. Soc., Campinas, v. 38, nº. 139, p.507-524, abr.-jun., 2017.; ERMIDA; LIRA, 2020ERMIDA, J. F.; LIRA, J. de S. Quando fundamentalismo religioso e mercado se encontram: as bases históricas, econômicas e políticas da escola sem partido. Roteiro, [S. l.], v. 45, p. 1-32, 2020. DOI: 10.18593/r.v45i0.23216. Disponível em: https://periodicos.unoesc.edu.br/roteiro/article/view/23216. Acesso em: 17 jul. 2023.
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).

De modo breve e sucinto, as justificativas veiculadas como suporte do MESP são as seguintes: (a) a prevalência da liberdade paterna por sobre diretrizes educacionais e pedagógicas públicas (“(...) ou bem mandam os pais, ou bem mandam os professores”, sob pena de “(...) solapar a autoridade moral dos pais sobre seus filhos, o que arruinaria de vez a já combalida família brasileira.” (BRASIL, 2014); “O educador usurpa uma função que é da família” (WURMEISTER, 2012WURMEISTER, Fabiula (2012). “O educador usurpa uma função que é da família” (entrevista com Armindo Moreira). Gazeta do Povo, edição online, 7 ago. Acesso em 30 jun. 2016 (http://www.gazetadopovo.com.br/vida-ecidadania/o-educador-usurpa-uma-funcao-que-e-da-familia293fk255btxfvp15ip2ikn4ni)ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2020.
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); (b) a defesa da própria família como instituição social, uma vez que tornar os filhos reféns das imposições do sistema nacional de educação levaria ao distanciamento de pais e filhos; (c) a proteção à família em face do sistema educacional, de modo análogo às salvaguardas previstas diante dos meios de comunicação social (LUNA, 2017LUNA, N.. A criminalização da “ideologia de gênero”: uma análise do debate sobre diversidade sexual na Câmara dos Deputados em 2015. Cadernos Pagu, n. 50, p. e175018, 2017.); (d) a suficiência da inserção da previsão geral e universal do direito à não-discriminação, sem destaque para determinados critérios (como raça, região, gênero e orientação sexual) (ANAJURE, 2015); (e) a violação da proteção constitucional da liberdade religiosa, onde incluído o proselitismo como direito à expressão e manifestação religiosa, e à possibilidade de mudança de religião (ANAJURE, 2015); (f) enfrentar o discurso de ódio institucionalizado no sistema educacional, voltado contra os valores de paz, tolerância e respeito da nação brasileira, na medida em que o tipo “branco, masculino, de classe média, adulto, heterossexual, ocidental e sem deficiência” é apresentado como alvo de desconstrução do sistema nacional de educação (ANAJURE, 2015); (g) o direito de pais e tutores de que seus filhos recebam educação religiosa e moral de acordo com suas próprias convicções, pelo que “(...) a escola, o currículo escolar e o trabalho pedagógico realizado pelos professores em sala de aula não deve entrar no campo das convicções pessoais e valores familiares dos alunos da educação básica. Esses são temas para serem tratados na esfera privada, em que cada família cumpre o papel que a própria Constituição lhe outorga de participar na educação dos seus membros.” (BRASIL, 2018); (h) proteção às liberdades de consciência e de crença, e ao pluralismo, diante da doutrinação de professores do público cativo de seus alunos (NAGIB, 2020______. “Caos: a receita de Jean Wyllys para a educação brasileira”.2020. Disponivel em: http://escolasempartido.org/blog/caos-a-receita-de-jean-wyllys-para-a-educacao-brasileira/. Acesso: 20 jul 2023
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); (i) o ambiente de sectarismo produzido pela doutrinação, com estigmatização de certas perspectivas políticas e ideológicas, criando condições a emergência de bullying político e ideológico praticado pelos próprios estudantes contra seus colegas (BRASIL, 2016).

Nas respostas judiciais do STF - tomadas à unanimidade por todos os julgadores, à exceção de uma manifestação do Ministro Marco Aurélio Mello (Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.537 - Brasil, 2020) -, lançam-se argumentos convergentes, dentre os quais se destacam: (a) a educação como instrumento de superação da incompreensão, do preconceito e da intolerância (Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 465 - Brasil, 2018); (b) a necessidade de proteção da autoestima e da dignidade das crianças e jovens vítimas de preconceito e estigmatização nas escolas (Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 462 - Brasil, 2019 e n. 465 - Brasil, 2018); (c) a proibição de censura prévia na comunidade escolar (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 457 - Brasil, 2020); (d) o dever estatal de combater as desigualdades e as discriminações, inclusive no que se refere aos padrões culturais vigentes, sem o que se cristaliza uma cosmovisão de gênero e de sexualidade que ignora o pluralismo da sociedade moderna (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 457 - Brasil, 2020); (e) a necessária compatibilização dos direitos dos pais à educação sexual de seus filhos com os objetivos educacionais das escolas públicas e dos direitos de personalidade e autodeterminação dos menores (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 457 - Brasil, 2020); (f) os valores constitucionais nos processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 526 - Brasil, 2020); (g) os valores democráticos do pluralismo de ideias e a falácia do mito da neutralidade (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 460 - Brasil, 2020); (h) o papel socializador da escola e a necessidade de valorização do professor (ADPF 460); (i) os valores da tolerância e da não-discriminação (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 460 - Brasil, 2020); (j) a vagueza e a generalidade das vedações previstas nas leis sob o pretexto de evitar “doutrinação ideológica” e o risco de sua aplicação seletiva e parcial (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 461 - Brasil, 2020; ADIn n. 5.537); (k) a constatação de que a escola e a família estão dentre os principais espaços de discriminação e de estigmatização de crianças e jovens transexuais e homossexuais (ADPF n. 461 e ADIn n. 5.537).

Considerando o objeto deste estudo, sem menosprezar a relevância de tão variados e valiosos fundamentos, destaca-se o sobrepujamento da estratégia da expansão da esfera de liberdade protegida em detrimento do direito da antidiscriminação; sobretudo, quando se tem em conta o significado e o impacto da resposta jurisprudencial a que se chegou no contexto em que tais iniciativas legislativas se produziram.

Nestes precedentes, suplantou-se a defesa das proposições do MESP e, por conseguinte, quebrantada a estratégia da expansão da liberdade de religião e liberdade parental em prejuízo das diretrizes educacionais. Isso a partir de uma compreensão mais ampla e sistemática dos princípios constitucionais, atenta desde o início ao conteúdo e à proteção do próprio direito de liberdade (com consideração específica da vulnerabilidade de indivíduos e de grupos discriminados e também dos educadores), como também de sua concordância prática com a tolerância, a igualdade, a dignidade e os direitos de personalidade, dentre outros direitos e bens constitucionais.

Um primeiro exame dos precedentes indica proteção e reforço da esfera de liberdade pessoal de crianças, de adolescentes e de professores no âmbito educacional. Ao mesmo tempo, e sob o ângulo dos “partidários da escola sem partido”, o que se percebe é a tentativa frustrada de, mediante a expansão indevida da esfera pessoal protegida da liberdade de religião e do exercício do poder parental, eliminar a circulação de informações, ideias, conteúdos e materiais sobre a diversidade sexual e o pluralismo moral presentes na sociedade nacional.

Em síntese, este o debate no STF, com destaque para os tópicos mais diretamente pertinentes aos litígios em que a estratégia da expansão indevida da esfera pessoal protegida foi acionada no país. Como se verá a seguir, a resposta do tribunal brasileiro é diametralmente oposta à solução da USSC, contraste que permitirá, ao final desta segunda parte, assinalar as repercussões desse debate para o direito da antidiscriminação.

3.2 A Suprema Corte dos Estados Unidos e o caso 303 CREATIVE LLC ET AL. v. ELENIS ET AL.

Na decisão (“303 Creative”), a Suprema Corte dos Estados Unidos, por 6 votos a 3, decidiu que a norma estadual que protege casais homossexuais de discriminação na oferta ao público de serviços de web designer viola a liberdade de expressão (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023)8 8 Todos os trechos da decisão citados são apresentados em tradução livre dos autores. .

De acordo com a maioria, em vez de garantir a igualdade na venda de bens e serviços, o que a lei fez foi compelir a designer a criar um discurso de que discorda, estando sua atividade protegida pela garantia da liberdade de expressão, ainda que se admita que certos casos envolvem questões difíceis para que a determinação do que se qualifica como atividade expressiva protegida (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023, p. 21). Assinalou-se, ainda, que a liberdade de expressão não fica fragilizada pelo emprego de formas corporativas para disseminação do discurso9 9 No original: “And speakers do not shed their First Amendment protections by employing the corporate form to disseminate their speech.” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023, p. 5). , nem pela percepção de remuneração pelo serviço prestado, como tantas vezes recebem atividades artísticas de natureza expressiva.

Mesmo tendo a maioria reconhecido o caráter fundamental e a função vital de eliminar discriminação em estabelecimentos abertos ao público, com a consequente privação da dignidade pessoal dos excluídos, aduziu-se que a lei não pode disso se valer para negar aos falantes o direito de escolher o conteúdo de suas mensagens, o que, nos termos empregados, resultaria em coerção, não em tolerância. Não fosse assim, poder-se-ia forçar um designer casado com outro homem a desenhar websites para uma organização contrária ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

No forte embate que se estabeleceu, os votos dissidentes apontaram que a lei impugnada não implica regulação do discurso, mas sim de conduta discriminatória, o que nunca recebeu proteção sob a Primeira Emenda, até porque não há direito constitucional a negar serviço a um grupo discriminado. Salientando o duplo propósito da lei antidiscriminatória em questão (igualdade de acesso a bens e serviços publicamente ofertados e proteção de igual dignidade no mercado), sublinhou-se que a norma não obriga ninguém a iniciar um negócio, a prestar serviços ao público em geral, nem a vender um particular bem ou serviço: o que se requer é que, uma vez aberto ao público, seja obedecida a legislação antidiscriminatória, em especial quando se objetiva que bens e serviços sejam ofertados a grupos historicamente discriminados em condições de igualdade.

Com relação à proteção da liberdade de expressão, reafirmou-se, conforme precedentes da própria USSC, que inexiste violação se a regulação não objetiva suprimi-la e promove um importante interesse que não seria alcançado acaso ausente a regulação; a proibição de operar com discriminação, com efeito, não implica obrigação de o agente assumir um discurso que discorda, nem o impede de expor sua convicção. O negócio está livre, por exemplo, de somente vender bolos com citações bíblicas descrevendo o casamento como união entre homem e mulher, ou de optar por não incluir mensagens de “amor é amor”, se assim o fizer para todos os clientes, sem discriminar: o que está proibido é excluir somente gays e lésbicas de uma oferta de serviços que faz ao público.

Trata-se de uma disposição que incorpora, na expressão da minoria, “uma simples, mas poderosa, concepção”: “um negócio que opta por vender ao público assume o dever de servir ao público sem discriminação injusta”. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023, p. 2)10 10 Voto dissidente da Juíza Sotomayor. . Sublinhou-se que a força deste princípio se apoia em sua capacidade de desenvolver-se, na medida em que, com a compreensão pela sociedade de mais formas de discriminação injusta, mais pessoas possam ser incluídas como membros plenos e iguais na esfera pública. Do contrário, chega-se à embaraçosa sugestão de que “a proibição de um discriminação baseada na condição pessoal possa ser evitada assumindo que um grupo pode sempre adquirir serviços em favor de outros, ou mais ainda que o grupo pode acessar um ‘separado, mas igual’ subgrupo de serviços disponível para outros mais.” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023, p. 32)11 11 Voto dissidente da Juíza Sotomayor. , conclusão em que “igual e integral fruição venha significar fruição ‘separada mas igual’.

O resultado desse retrocesso é a ‘recolocação do direito geral ao acesso com o direito geral à exclusão... a fim de promover um sistema de castas raciais.’ Esta negociação, a América logo perceberia, excluiu metade da sociedade. Mulheres, mesmo tendo ganho o direito ao voto meio século antes, não eram iguais em público. Em vez disso, uma ‘ideologia de esferas separadas’ colocou ‘mulheres em casa e homens no mercado.’[...]. Mulheres foram excluídas de restaurantes, bares, organizações cívicas e profissionais, instituições financeiras e esportes.”(ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023, p. 12)12 12 Voto dissidente da Juíza Sotomayor. .

Destacados alguns dos pontos fundamentais do debate travado no Caso 303 CREATIVE, procede-se ao passo final desta segunda e última parte. De modo sucinto e propositivo, propõe-se uma análise conjunta e comparativa das conclusões destes dois tribunais, com atenção à estratégia da expansão indevida da esfera de liberdade pessoal protegida.

3.3 A expansão da esfera pessoal protegida no STF e na USSC diante do direito da antidiscriminação

Uma perspectiva de análise em comum pode ser traçada entre as decisões do STF e da USSC. Não obstante os variados contornos fáticos e os distintos domínios legais, de modo crucial está em questão qual a proteção igualitária devida a indivíduos e grupos discriminados, seus desdobramentos e premissas: o respeito à dignidade pessoal, o modo de viver as diferenças em sociedades plurais, a compreensão e conteúdo do próprio direito de liberdade.

O contraste das posições dos tribunais é vigoroso. Conclusões opostas acerca da proteção antidiscriminatória, em casos versando o mesmo grupo (pessoas LGBTI+),ora exclusivamente (USSC), ora primordialmente (STF); frentes diversas: no caso estadunidense, acesso a bens e serviços; no brasileiro, liberdade de informação, ensino e pesquisa na escola; dissonância quanto ao alcance do direito de liberdade: em “303 Creative”, prestação de serviços ao público como liberdade expandida; nos casos MESP, concorrência, reforço e circunscrição entre diversas liberdades de expressão, de crença e de prover educação, considerando sujeitos diversos (crianças, adolescentes e adultos; pais e filhos; professores e familiares).

Como fio condutor desta análise, a pergunta sobre a amplitude da esfera pessoal protegida, daí advindo consequências - restritivas ou afirmadoras - para o direito da antidiscriminação13 13 Como indicamos ao começo do artigo, este texto delimita como objeto a ofensiva neoliberal ao direito antidiscriminatório. A ofensiva neoliberal aos direitos sociais e econômicos e suas repercussões sobre a subjetividade e as condições de vida de trabalhadores e trabalhadoras são temas discutidos por Gediel e Mello (2017; 2020) e por Mello, Druck e Antunes (2023). . No julgado estadunidense, mediante a confusão entre a liberdade de expressão e a permissão para discriminar na oferta pública de bens e serviços; nos precedentes brasileiros, por meio da compreensão do conteúdo, da importância e das funções das liberdades não só para o ensino, como também para o respeito à dignidade e o convívio solidário na democracia pluralista. De fato, o precedente em “303 Creative”, ao ampliar a esfera pessoal protegida pela liberdade de expressão, exclui grupos protegidos das relações de mercado, com o consequente desrespeito à pessoa na esfera pública (LOPEZ; ROQUE, 2021) e a legitimação de um arranjo social do tipo “iguais, mas separados”; as decisões do STF envolvendo o MESP, ao contrário, apontam para o necessário convívio entre plurais, sem admitir a exclusão de grupos discriminados da esfera pública (ROQUE, 2022).

Delineadas de modo breve e comparativo as posições dos dois tribunais, colhem-se, dentre tantos, alguns tópicos de grande relevância para o exame da estratégia neoliberal anti-igualitária operada pela expansão da liberdade protegida em detrimento do direito da antidiscriminação. Tomados conjuntamente, deles pinçam-se, do caso estadunidense, (a) a falácia da conduta comercial como liberdade de expressão protegida; das decisões brasileiras, (b) as respostas às alegações de suficiência da formulação de proibição de discriminação em termos genéricos e abstratos, (c) de discriminação religiosa, disseminação de ódio e de “bullying” no ambiente escolar contra certos estudantes, (d) de proteção da família e prevalência do poder parental por sobre a atividade educacional e (e) de proteção das liberdades de consciência e de crença dos alunos em face de doutrinação e de sectarismo por professores ante seu público cativo.

a) a falácia da conduta comercial como liberdade de expressão

Quanto à falácia da caracterização da conduta comercial como liberdade de expressão, deve-se afirmar desde logo que não é correto concluir que o dever de não discriminar grupos protegidos na oferta pública de serviços infringiria a liberdade de expressão, a começar pelo fato de que a regulação antidiscriminatória não objetiva suprimir determinado ponto de vista (TRIBE, 1988TRIBE, Laurence H. American Constitutional Law. New York: Foundation Press, 1988., 828). A liberdade de expressão diz respeito à emissão de uma mensagem, não se prestando a proteger condutas ilegais. Há condutas que são expressivas (como queimar a bandeira nacional para expressar pacifismo ou se negar a cantar o hino nacional para expressar repúdio ao racismo); elas não implicam restrição a direitos de quem quer que seja, ainda que desagradem e incomodem a alguns.

Deixar de atender um grupo protegido, ao contrário, ofende o direito de acessar a bens e serviços livre de discriminação ilegal, o direito de igualdade e o direito à proteção da dignidade humana, sem esquecer o impacto diferenciado na própria liberdade de indivíduos pertencentes a grupos subordinados.

Não há que se confundir, portanto, a regulação da conduta comercial14 14 A colação de precedente da USSC (Roberts v. United States Jaycees, 1984, unânime), no voto da J. Sotomayor (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023), foi cristalina ao demonstrar a constitucionalidade da proibição da conduta de discriminar mulheres em atividade comercial aberta ao público e evitar a confusão com alegada infringência da liberdade de expressão (...“application of the Minnesota statute to compel the Jaycees to accept women” did not infringe the organization’s First Amendment “freedom of expressive association.” Roberts, 468 U. S., at 622. […] “That was so because the State’s public accommodations law did “not aim at the suppression of speech” and did “not distinguish between prohibited and permitted activity on the basis of viewpoint.” (Em tradução livre: “…a aplicação da lei de Minnesota obrigando Jaycees a aceitar mulheres não infringe a liberdade de associação expressiva da Primeira Emenda em favor da organização”[...] “Isso porque a lei de acesso público não objetiva a supressão do discurso e não distinguiu entre atividades proibidas e permitidas em função do ponto de vista”.). com violação da liberdade de expressão. Como se pode perceber sem dificuldade, o dever de oferecer refeições sem discriminação racial (imposição de um agir sem discriminação) não compromete a liberdade de expressão de eventual convicção racista por determinado prestador de serviços racista; o que deflui dessa obrigação é a ilegitimidade de atuar de forma racista no mercado.

Nem se diga, nesse contexto, que a atividade, podendo ser considerada artística (elaborar sites customizados únicos e originais para casamentos), estaria imune à lei antidiscriminatória. O que a legislação impede é que, ofertado um serviço ao público (determinada produtora audiovisual oferece ao público seus serviços para registrar casamentos), haja exclusão discriminatória contra um grupo protegido (a produtora registra somente casamentos de brancos, não de negros), hipótese diferente da contratação de um serviço específico, realizada sob encomenda, fruto da negociação direta entre as partes e sem oferta ao público (a companhia audiovisual propõe a determinada diretora, que não vende seus serviços ao público, a produção de uma película sobre a liturgia matrimonial católica) e também diferente da escolha, pelo ofertante ao público de que age sem discriminar, quanto à expressão de sua mensagem preferida (certo artista pinta quadros de Nossa Senhora, posteriormente colocados à venda sem discriminação de clientela).

No direito estadunidense, o que a proteção da liberdade de expressão não tolera é o dever de o ofertante emitir um discurso que discorda, bem como uma regulação que não fosse neutra em relação ao conteúdo do discurso presente no serviço ofertado sem discriminação ao público (se alguém deseja vender camisetas ao público, pode optar por oferecer somente estampas do Bar Stonewall, ou somente por estampas da Virgem Maria, desde que não exclua grupos protegidos da clientela)15 15 Por sua nitidez, excerto do voto da J. Sotomayor (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023, voto dissidente, p. 27): “Crucialmente, o direito não dita o conteúdo do discurso de modo algum, que seria somente imposto se, e na medida em que, a companhia fosse obrigada a oferecer determinado discurso a outros clientes. [...]. O Estado do Colorado não requer que a companhia fale a mensagem que o Estado prefira. Nem proíbe a companhia de falar a mensagem que prefira. A companhia poderia, por exemplo, oferecer somente sites de casamento com citações bíblicas descrevendo o casamento como sendo entre um homem e uma mulher. [...]. A companhia poderia também recusar as palavras “Amor é Amor” se não oferecesse tais palavras a nenhum cliente. Tudo que a companhia tem que fazer é ofertar seus serviços sem consideração de características protegidas dos clientes. [...] Qualquer efeito no discurso da companhia é portanto incidental à regulação estatal da conduta que é neutra do ponto de vista do conteúdo.” (Tradução livre de “Crucially, the law “does not dictate the content of speech at all, which is only ‘compelled’ if, and to the extent,” the company offers “such speech” to other customers. FAIR, 547 U. S., at 62. Colorado does not require the company to “speak [the State’s] preferred message.” Ante, at 19. Nor does it prohibit the company from speaking the company’s preferred message. The company could, for example, offer only wedding websites with biblical quotations describing marriage as between one man and one woman. Brief for Respondents 15. (Just as it could offer only t-shirts with such quotations.) The company could also refuse to include the words “Love is Love” if it would not provide those words to any customer. All the company has to do is offer its services without regard to customers’ protected characteristics. Id., at 15-16. Any effect on the company’s speech is therefore “incidental” to the State’s content-neutral regulation of conduct. FAIR, 547 U. S., at 62; see Hurley, 515 U. S., at 572-573.”). .

B) Técnica jurídica e proibição de discriminação: silenciamento, generalidade e abstração

Sobre a apregoada suficiência da proibição de discriminação geral e abstrata, o que se infere das decisões do STF é que, dada a intensidade do preconceito e da discriminação voltados especialmente contra pessoas LGBTI+, fica nítida a deficiência de termos tão genéricos e indistintos. Nessa linha, por exemplo, da advertência sobre a cristalização de “uma cosmovisão tradicional de gênero e sexualidade que ignora o pluralismo da sociedade moderna” (ADPF n. 467), consequência do silenciamento, da censura e do obscurantismo como estratégias discursivas dominantes que enfraquecem a fronteira entre a heteronormatividade e a homotransfobia (ADPF n. 457).

Como sabido na literatura especializada, o debate sobre os critérios proibidos de discriminação e sua especificação diz respeito a um dos elementos centrais no direito da antidiscriminação, figurando dentre as técnicas mais valiosas para a proteção jurídica de grupos discriminados (WINTEMUTE, 1995WINTEMUTE, Robert. Sexual Orientation and Human Rights: the United States Constitution, the European Convention and the Canadian Charter. Oxford: Claredon Press, 1995.); daí não surpreender que iniciativas anti-igualitárias busquem desacreditar sua necessidade.

C) Ódio, “bullying” e discriminação religiosa na escola

Em sentido inverso à alegação de desnecessidade da afirmação de proteção específica a determinados grupos discriminados, e, nestes termos, não sem incidir em contradição, recorre-se à invocação do particular critério proibitivo de discriminação religiosa, que posiciona os pretensos atacados pela “ideologia de gênero” como vítimas não só da doutrinação que o MESP denuncia, como até de “hate speech” e de “bullying” escolar.

Sendo fora de qualquer dúvida a inequívoca condenação de qualquer hipótese de discriminação religiosa acaso ocorrida, o objeto deste estudo traz a lume ao menos duas considerações a partir deste tópico.

A um, o recurso retórico à discriminação religiosa como estratégia anti-igualitária denota mais uma vez a política de expansão indevida da esfera de liberdade protegida; isto porque, mais que defesa da liberdade de crença (que efetivamente não se demonstrou impedida ou restringida), o que se almeja é a censura a certos conteúdos da realidade cujo ofício do aprender e do ensinar não pode ignorar, cuja enunciação provoca desconforto e contrariedade a certos membros de alguns grupos religiosos em particular, desonerando tais membros do compromisso de reconhecimento mútuo e mútua aceitação no mundo plural (HABERMAS, 2013). A dois, nunca é demasiado lembrar que o conteúdo jurídico da igualdade como proibição de discriminação assenta-se na proteção de grupos social e historicamente subordinados (FISS, 2005FISS, Owen M. A ironia da liberdade de expressão: Estado, regulação e diversidade na esfera pública. Tradução e prefácio de: Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro: Renovar, 2005), posição em que se encontram todos aqueles que estão em desconformidade com a heteronormatividade, dentre os quais, especial e sensivelmente, crianças e adolescentes. Daí porque a lógica antidiscriminatória presente nas decisões brasileiras destaca com frequência e eloquência a intensidade da discriminação contra pessoas LGBTI+ como pano de fundo que não só legitima, como também torna urgente, a inserção nos debates escolares dos temas que o MESP quer censurar (GORDON, 1984GORDON, R. (1984). Freedom of Expression and Values Inculcation in the Public School Curriculum. Journal of Law & Education, 13(4).).

d) Proteção da família e prevalência do poder parental por sobre a atividade educacional

No contexto da ofensiva anti-igualitária, o chamado à liberdade dos pais de educar os filhos desempenha função correlata à expansão da liberdade religiosa sobre o âmbito educacional. À semelhança da pretensão da liberdade religiosa de legitimar censura no âmbito educacional, a dilatação do poder/dever parental por sobre a esfera escolar almeja barrar conteúdos que, mesmo pedagogicamente apropriados, apresentem aos educandos as diversas vivências do gênero e da sexualidade. Em especial, tem-se em mira a “educação sexual”, a que se imputa ameaça à instituição social familiar, dado o indigitado efeito potencial de fragilizar os vínculos entre pais e filhos, além de adentar em área associada às convicções pessoais e aos valores familiares de cunho moral e religioso.

O equacionamento feito pelo STF entre as atribuições parentais e as do sistema educacional, por sua vez, obsta a descabida ampliação da esfera de liberdade “familiar” em detrimento da tarefa antidiscriminatória da educação (ADPF n. 460), “principal instrumento de superação da incompreensão, do preconceito e da intolerância que acompanham tais grupos ao longo das suas vidas” (ADPF n. 465). O tribunal, na esteira do tribunal constitucional alemão, compatibiliza os direitos dos pais à educação sexual de seus filhos, os objetivos educacionais das escolas públicas e os direitos de personalidade e de autodeterminação dos menores (ADPF n. 457), a partir da constatação de que a escola - ao lado da família - é um dos principais espaços de discriminação e de estigmatização de crianças e jovens transexuais e homossexuais (ADPF n. 465) e do efeito replicador da discriminação que o silêncio sobre estes temas produz, decorrente da omissão em enfrentar a violência e a ridicularização das identidades de gênero e orientações sexuais (ADPF n. 465).

e) liberdades de consciência e de crença e garantia do pluralismo em face de alegada doutrinação e sectarismo de professores ante seu público cativo

Nas decisões do STF, a par do repúdio à imposição ideológica e à perseguição dos divergentes, típicas práticas de doutrinação e de sectarismo (ADI n. 5537), foi afastada a pretensão de extravasar a esfera protegida das liberdades de consciência e de crença dos alunos, que redundaria em desfavor das liberdades de ensinar, de aprender, de pesquisar e de divulgar o pensamento, a arte e o saber.

Extirpando o risco de aplicação seletiva, decorrente do nível de generalidade das vedações constantes nas iniciativas do MESP (ADI n. 5537), o tribunal concluiu, em vez da pretendida expansão da esfera protegida de liberdade de consciência e de crença dos alunos - cujo resultado seria maléfico para tais direitos, pela efetiva proteção de tais liberdades em favor de alunos e de professores (REYES, 1995REYES, Allison. “Freedom of expression and public school teachers”. 4 Dalhousie J. Legal Stud. 35 1995.). Isso levando em consideração a dimensão positiva das liberdades (ADPF n. 460), mediante a garantia das condições que tornam possível a formação do pensamento crítico, com base no conhecimento científico e em abordagens acadêmicas e pedagógicas, sem a esterilização do debate sobre questões polêmicas que deve ocorrer num ambiente verdadeiramente plural (ADPF n. 457).

4 Considerações finais

A gênese e o desenvolvimento do direito da antidiscriminação, como resposta jurídica às reivindicações por igualdade, liberdade e dignidade, se deram, passo a passo, com as lutas por melhores condições sociais e econômicas de vida, pela superação da discriminação contra grupos historicamente subordinados e pelo direito à diferença num mundo plural comum.

A nova ordem mundial, caracterizada pelo triunfo da política e da racionalidade neoliberal, vem em detrimento não só do Estado de Bem-Estar Social, das formas de sociabilidade nele firmadas e dos direitos por ele preconizados; nesta quadra, dinamiza-se uma vigorosa vertente anti-igualitária, que espreita o direito da antidiscriminação como baluarte a ser abatido. Nesse cenário, compreender a expansão da esfera pessoal protegida como estratégia política, social e jurídica anti-igualitária é tarefa mais que urgente, ao mesmo tempo que também o é robustecer o direito da antidiscriminação, instrumento valioso para que solidariedade social e o respeito à dignidade humana não sejam definitivamente sepultados como bases do convívio num mundo comum.

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  • 1
    Por neoliberalismo, entende-se um projeto de restauração de poder de classe, como define Harvey (2008), com desenvolvimentos desiguais e combinados nos diferentes países do globo, no contexto da acumulação flexível do capital e de sua crise estrutural (Mészáros, 2011MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2011.), com efeitos sobre as subjetividades, internalizados em modos de pensar e agir (Brown, 2016______. Power Visible and Invisible: Neoliberalism in Marxist and Foucauldian Frames. University of California, Berkeley. November 2016), e sobre um certo regime de direitos (Harvey, 2008).
  • 2
    A ofensiva neoliberal sobre os direitos sociais e econômicos, mediante a expansão da liberdade contratual e sua esfera protegida no Brasil, foi examinada por Gediel e Mello (2017______. Expropriações do sujeito trabalhador e os limites dos direitos da personalidade na Lei n. 13.467/2017. In: MELLO, Lawrence Estivalet; SILVA, João Luiz Arzeno da; ZANIN, Fernanda (orgs.). Estratégias autoritárias do Estado empregador: assédio e resistências. Curitiba: Kaygangue, 2017. p. 63-85.; 2020). As repercussões dessa ofensiva sobre a subjetividade e as condições de vida de trabalhadores e trabalhadoras foi discutida por Mello, Druck e Antunes (2023). Este texto delimita como objeto a ofensiva neoliberal ao direito antidiscriminatório.
  • 3
    A cientista política estadunidense diferencia as ideias neoliberais dos rumos que as sociedades tomaram. Na sua avaliação, o neoliberalismo, acidentalmente, “soltou as rédeas do setor financeiro e os modos pelos quais a financeirização solapou profundamente os sonhos neoliberais de uma ordem global competitiva, zelada por instituições supranacionais, de um lado, e viabilizada por Estados plenamente livres dos interesses e das manipulações econômicas, de outro. Em terceiro, temos os modos como o mercado e a moral se distorceram à medida que foram submetidos às gramáticas e ao espírito um do outro - isto é, à medida que a moralidade foi mercantilizada e os mercados, moralizados” (BROWN, 2019______. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019., p. 26 e 26).
  • 4
    “A revolução conservadora assume hoje uma forma inédita: não se trata, como em outros tempos, de invocar um passado idealizado, através da exaltação da terra e do sangue, temas arcaicos das velhas mitologias agrárias. Essa revolução conservadora de tipo novo tem como bandeira o progresso, a razão, a ciência (a economia, no caso), para justificar a restauração e tenta assim tachar de arcaísmo o pensamento e a ação progressistas. Ela constitui como normas de todas as práticas, logo como regras ideais, as regularidades reais do mundo econômico entregue à sua lógica, a alegada lei do mercado, isto é, a lei do mais forte. Ela ratifica e glorifica o reino daquilo que se chama mercados financeiros, isto é, a volta a uma espécie de capitalismo radical, cuja única lei é a do lucro máximo, capitalismo sem freio e sem disfarce, mas racionalizado, levado ao limite de sua eficiência econômica pela introdução de formas modernas de dominação, como o management, e de técnicas de manipulação, como a pesquisa de mercado, o marketing, a publicidade comercial.” (BOURDIEU, 1998BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998., p. 31).
  • 5
    Disponibiliza-se o link para a fonte original, documento dos arquivos da Fundação Margaret Thatcher, nas referências do artigo. Entretanto, apresenta-se a citação na versão traduzida por Mario Marino e Eduardo Santos, no livro de Brown (2019______. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019., p. 133).
  • 6
    Tomando os julgados do Supremo Tribunal Federal, apresentam-se, dentre outros, textos legais vedando a divulgação e censurando ”material com referência a ideologia de gênero”, bem como outros ”materiais que fazem menção ou influenciam ao aluno sobre ideologia de gênero”, como se vê na Lei n. 1.516/2015, do Município de Novo Gama (GO); que vedam políticas de ensino, currículo e atividades culturais onde se façam presentes as expressões ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’, conforme a inserção de dispositivo na Lei Orgânica do Município de Foz do Iguaçu (PR); a Lei 3.491, de 28 de agosto de 2015, do Município de Ipatinga (MG), que determina a exclusão da política municipal de ensino de qualquer referência à diversidade de gênero e orientação sexual; a Lei n. 6.496/2015, do Município de Cascavel (PR), que veda a adoção de políticas de ensino que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’; a Lei n. 2.243/2016, de Palmas (TO), vedando sequer informações sobre “ideologia ou teoria de gênero”, bem como assuntos “ligados a sexualidade e à erotização”; a Lei estadual n. 7.800/2016, de Alagoas, que dispõe sobre a “Escola Livre”, determinando uma propalada “neutralidade política e ideológica”.
  • 7
    Um quadro abrangente dessas iniciativas legislativas, espalhadas pelos entes federados e também no Congresso Nacional, pode ser visto na pesquisa de Fernanda Pereira de Moura (2016MOURA, Fernanda Pereira. “Escola sem partido”: relações entre estado, educação e religião e os impactos no ensino de história”. Dissertação (mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História, Programa de Pós-Graduação em Ensino de História. Rio de Janeiro, 2016.), acima citada.
  • 8
    Todos os trechos da decisão citados são apresentados em tradução livre dos autores.
  • 9
    No original: “And speakers do not shed their First Amendment protections by employing the corporate form to disseminate their speech.” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023, p. 5).
  • 10
    Voto dissidente da Juíza Sotomayor.
  • 11
    Voto dissidente da Juíza Sotomayor.
  • 12
    Voto dissidente da Juíza Sotomayor.
  • 13
    Como indicamos ao começo do artigo, este texto delimita como objeto a ofensiva neoliberal ao direito antidiscriminatório. A ofensiva neoliberal aos direitos sociais e econômicos e suas repercussões sobre a subjetividade e as condições de vida de trabalhadores e trabalhadoras são temas discutidos por Gediel e Mello (2017______. Expropriações do sujeito trabalhador e os limites dos direitos da personalidade na Lei n. 13.467/2017. In: MELLO, Lawrence Estivalet; SILVA, João Luiz Arzeno da; ZANIN, Fernanda (orgs.). Estratégias autoritárias do Estado empregador: assédio e resistências. Curitiba: Kaygangue, 2017. p. 63-85.; 2020) e por Mello, Druck e Antunes (2023).
  • 14
    A colação de precedente da USSC (Roberts v. United States Jaycees, 1984, unânime), no voto da J. Sotomayor (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023), foi cristalina ao demonstrar a constitucionalidade da proibição da conduta de discriminar mulheres em atividade comercial aberta ao público e evitar a confusão com alegada infringência da liberdade de expressão (...“application of the Minnesota statute to compel the Jaycees to accept women” did not infringe the organization’s First Amendment “freedom of expressive association.” Roberts, 468 U. S., at 622. […] “That was so because the State’s public accommodations law did “not aim at the suppression of speech” and did “not distinguish between prohibited and permitted activity on the basis of viewpoint.” (Em tradução livre: “…a aplicação da lei de Minnesota obrigando Jaycees a aceitar mulheres não infringe a liberdade de associação expressiva da Primeira Emenda em favor da organização”[...] “Isso porque a lei de acesso público não objetiva a supressão do discurso e não distinguiu entre atividades proibidas e permitidas em função do ponto de vista”.).
  • 15
    Por sua nitidez, excerto do voto da J. Sotomayor (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2023, voto dissidente, p. 27): “Crucialmente, o direito não dita o conteúdo do discurso de modo algum, que seria somente imposto se, e na medida em que, a companhia fosse obrigada a oferecer determinado discurso a outros clientes. [...]. O Estado do Colorado não requer que a companhia fale a mensagem que o Estado prefira. Nem proíbe a companhia de falar a mensagem que prefira. A companhia poderia, por exemplo, oferecer somente sites de casamento com citações bíblicas descrevendo o casamento como sendo entre um homem e uma mulher. [...]. A companhia poderia também recusar as palavras “Amor é Amor” se não oferecesse tais palavras a nenhum cliente. Tudo que a companhia tem que fazer é ofertar seus serviços sem consideração de características protegidas dos clientes. [...] Qualquer efeito no discurso da companhia é portanto incidental à regulação estatal da conduta que é neutra do ponto de vista do conteúdo.” (Tradução livre de “Crucially, the law “does not dictate the content of speech at all, which is only ‘compelled’ if, and to the extent,” the company offers “such speech” to other customers. FAIR, 547 U. S., at 62. Colorado does not require the company to “speak [the State’s] preferred message.” Ante, at 19. Nor does it prohibit the company from speaking the company’s preferred message. The company could, for example, offer only wedding websites with biblical quotations describing marriage as between one man and one woman. Brief for Respondents 15. (Just as it could offer only t-shirts with such quotations.) The company could also refuse to include the words “Love is Love” if it would not provide those words to any customer. All the company has to do is offer its services without regard to customers’ protected characteristics. Id., at 15-16. Any effect on the company’s speech is therefore “incidental” to the State’s content-neutral regulation of conduct. FAIR, 547 U. S., at 62; see Hurley, 515 U. S., at 572-573.”).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2023
  • Aceito
    08 Ago 2023
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