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O BRASIL DE BOLSONARO: UMA DEMOCRACIA SOB ESTRESSE

El Brasil de Bolsonaro: Una democracia bajo estrés

RESUMO

O ressentimento social manifesto nas Jornadas de Junho de 2013, resultante de expectativas frustradas de setores sociais ascendentes (que viram estancado seu progresso) e de camadas superiores na estratificação social (que perderam sua distinção), ensejou afetos antipolíticos. Estes, por sua vez, alimentaram o antipartidarismo e o sentimento antissistema, propícios ao sucesso eleitoral de outsiders e políticos marginais. Nesse contexto, tornaram-se prefeitos vários outsiders nas eleições municipais de 2016, e Jair Bolsonaro conquistou a Presidência em 2018. Seu governo-movimento caracterizou-se pelo populismo extremista de fundo religioso, excludente e antipluralista, que mobilizou apoios a um governo anormal e, por isso, incompreensível pela análise institucionalista convencional: em vez de tomar o quadro institucional como dado, atuou solapando-o. Isso gerou estresse no sistema, pois o ataque reiterado a outros poderes (especialmente o Judiciário) teve como resposta o hiperativismo institucional, gerador de uma armadilha populista, que minou a legitimidade de instituições instadas a atuar defensivamente.

Palavras-chave:
extremismo; populismo; governo Bolsonaro; instituições políticas; democracia

RESUMEN

El resentimiento social manifestado en las protestas de junio de 2013, resultado de las expectativas frustradas de los sectores sociales ascendentes (que vieron frenado su progreso) y de las capas superiores de la estratificación social (que perdieron su distinción), dio lugar a afectos antipolíticos. Estos, a su vez, alimentaron el antipartidismo y el sentimiento antisistema, propicios al éxito electoral de outsiders y políticos marginales. En este contexto, varios outsiders se convirtieron en alcaldes en las elecciones municipales de 2016 y Jair Bolsonaro ganó la presidencia en 2018. Su movimiento de gobierno se caracterizó por un populismo extremista con trasfondo religioso, excluyente y antipluralista, que movilizó el apoyo a un gobierno anómalo y, por tanto, incomprensible para el análisis institucionalista convencional: en lugar de tomar el marco institucional como dado, actuó socavándolo. Esto generó tensión institucional, ya que el ataque reiterado a otros poderes (especialmente el Judicial) se encontró con un hiperactivismo institucional, que generó una trampa populista que minó la legitimidad de las instituciones exigidas a actuar defensivamente.

Palabras Clave:
extremismo; populismo; gobierno Bolsonaro; instituciones políticas; democracia

ABSTRACT

The social resentment expressed in the June 2013 Journeys, resulting from frustrated expectations of ascending social sectors (who saw their progress stalled) and of higher layers in the social stratification (who lost their distinction), gave rise to anti-political affections. These, in turn, have fueled anti-party and anti-system sentiment conducive to the electoral success of outsiders and marginal politicians. In this context, several outsiders became mayors in the 2016 municipal elections, and Jair Bolsonaro won the presidency in 2018. His movement-government was characterized by extremist populism with a religious, exclusionary, and anti-pluralist background. This populism mobilized support for an abnormal government, which defies conventional institutionalist analysis as it undermines the existing framework instead of accepting it as given. This approach led to institutional stress, as the repeated attack on other branches of power (especially the judiciary) triggered hyperactivity within the institutions, generating a populist trap that undermined the legitimacy of institutions.

Keywords:
extremism; populism; Bolsonaro government; ipolitical institutions; democracy

INTRODUÇÃO

Finalizo este ensaio no último dia de junho de 2023, momento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro se tornou inelegível por oito anos, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em Ação de Investigação Judicial e Eleitoral (AIJE) movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). As razões para a cassação de seus direitos políticos foram desvio de finalidade e abuso de poder político, tipificados numa reunião do então presidente com embaixadores e outros representantes diplomáticos estrangeiros na residência oficial da Presidência, o Palácio da Alvorada. Na ocasião, Bolsonaro atacou o sistema de justiça, em particular a justiça eleitoral, e – com base em informações sabidamente falsas – levantou suspeitas infundadas sobre o processo eletrônico de votação no Brasil, com vistas a deslegitimá-lo e, assim, criar pretextos para eventualmente contestar seus resultados.

Não se tratou de um episódio isolado ou raro; antes disso, foi apenas mais um numa série de eventos em que Jair Bolsonaro investiu contra as instituições do Estado Democrático de Direito durante seu mandato presidencial. Seu governo nunca foi o de um típico chefe de governo do presidencialismo de coalizão brasileiro desde o início da redemocratização em 1985. Até 2018, houve governos melhores ou piores, mais bem-sucedidos ou fracassados, de presidentes populares ou impopulares, chefiados por políticos habilidosos ou desastrados; o que ainda não existira é um governo marcado pelo signo da anormalidade, transformada em regra. Em se tratando do governo Bolsonaro, sequer é o caso de se falar em crise, já que esta supõe descaminho em relação a uma rota; neste caso o descaminho foi estatuído como a própria rota.

Neste ensaio, dividido em quatro seções, além desta introdução, traçarei um apanhado do significado dos quatro anos do mandato de Jair Bolsonaro à frente do País. Na primeira seção, apontarei os precedentes que tornaram possível à extrema-direita chegar à Presidência da República. Na segunda, tratarei do perfil da liderança e dos fundamentos ideológicos do movimento político que impulsionou a vitória eleitoral e definiu o modus operandi do governo. Na terceira, procurarei definir que governo foi esse, lançando mão do que concebi como um “governomovimento” (Couto, 2021aCouto, C. G. (2021a). Do governo-movimento ao pacto militar-fisiológico. In L. Avritzer, M. Marona, & F. Kerche (Orgs.), Governo Bolsonaro: Retrocesso democrático e degradação politica (pp. 35-49). Autêntica. https://www.researchgate.net/publication/351366171_Do_governo-movimento_ao_pacto_militar-fisiologico
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). Na quarta, seção de conclusão, apontarei as consequências de um governo como esse para a institucionalidade democrática, no que concerne tanto à sua operação como à sua capacidade de resistir às investidas que procuram destruí-la.

OS PRECEDENTES: O RESSENTIMENTO E OS ABALOS DE 2013

Entre 2001 e 2014, o Brasil experimentou uma acentuada queda da desigualdade econômica, que se fez acompanhar também de um forte declínio da pobreza. As Figuras 1 e 2 ilustram esses dados com clareza. Nota-se que a redução mais acentuada de ambas se deu a partir dos anos de 2002 e 2003, quando se deram a eleição e o início do primeiro governo Lula. Essas mudanças produziram uma transformação estrutural das mais significativas na sociedade brasileira. Um grande contingente de pessoas até então excluídas do acesso a itens básicos de consumo e lazer passou a tê-lo, adentrando assim um âmbito social antes restrito a parcelas amplamente minoritárias da população. Nos termos de Arretche (2018)Arretche, M. (2018). Democracia e redução da desigualdade econômica no Brasil: A inclusão dos outsiders. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 33(96), e339613. https://doi.org/10.17666/339613/2018
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, incluíam-se os outsiders da sociedade brasileira.

Figura 1
Desigualdade de renda no Brasil

Figura 2
Pobreza no Brasil

Tal inclusão não se deu sem que houvesse reações. Foi negativa a percepção de parcelas significativas dos setores mais bem aquinhoados da população brasileira, que não só viram tornar-se mais custosos certos bens e serviços que os distinguiam dos demais (como o serviço das empregadas domésticas), como ainda puderam perceber que seus espaços antes exclusivos passavam a ser ocupados também por segmentos antes ausentes – o que alguns chamaram de “efeito aeroporto”, com o acesso dos mais pobres às viagens aéreas, antes restritas às parcelas mais ricas da população (Pinto, 2014Pinto, A. C. (2014, fevereiro 7). No Rio, professores universitários ironizam foto de passageiro em aeroporto. Jornal GGN. https://jornalggn.com.br/cidadania/no-rio-professoresuniversitarios-ironizam-foto-de-passageiro-em-aeroporto/
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). Isso se refletiu na percepção negativa de contingentes significativos acerca dos governos petistas e seu partido (Aquino, 2020Aquino, J. A. (2020). Conservadorismo e ressentimento: Duas fontes do antipetismo. In E. Silva, F. Frota, & M. A. Silva (Orgs.), Atores políticos e dinâmicas eleitorais (pp. 232-274). EdMeta. https://www.researchgate.net/profile/Jakson-Aquino/publication/340686902_Conservadorismo_e_ressentimento_duas_fontes_do_antipetismo/links/5e998ad6299bf13079a207e2/Conservadorismo-e-ressentimento-duas-fontes-doantipetismo.pdf
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; Couto, 2013Couto, C. (2013). Classes emergentes e oligarquização política. In L. C. Bresser-Pereira (Org.), O que esperar do Brasil? (pp. 99-114). Editora FGV. https://www.researchgate.net/publication/279531509_Classes_emergentes_e_oligarquizacao_politica
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).

Tal mudança produziu uma perda de distinção social que abriu caminho para o avanço de um discurso populista voltado não exatamente aos eternos perdedores, mas aos novos, àqueles que viram fragilizar-se sua condição historicamente privilegiada e diferenciadora, definidora secular material e simbólica das bases desiguais da sociedade brasileira.

Nos países ricos, o discurso populista da extrema-direita atingiu os perdedores de uma economia industrial cuja base de emprego se transformava, destruindo postos de trabalho antes seguros (como no rust belt americano, que, em vez de dar a vitória ao Partido Democrata, como de costume, ajudou a eleger Donald Trump em 2016); já no Brasil, foram os segmentos mais afluentes aqueles a se ressentir de sua perda, menos por terem decaído e mais porque os de baixo, ascendendo, deles se aproximaram. Assim, criou-se campo fértil para um curioso populismo, vigoroso entre os de cima. Só que não apenas para eles.

Entre os setores emergentes e a população de mais baixa renda, principais beneficiários da redistribuição de riqueza e das políticas sociais, ainda permaneciam questões não resolvidas. A primeira se dava fora das questões meramente econômicas, nas pautas moral e de costumes. Os governos petistas eram associados não apenas às políticas econômicas e sociais, mas também a uma pauta de costumes em dissonância com as perspectivas mais conservadoras de grande parte dos brasileiros das classes mais baixas, em especial aqueles de fé evangélica, particularmente refratários à agenda identitária de esquerda e de direitos de gênero. Produzia-se entre esses brasileiros um terreno fértil para a disseminação de um ideário não apenas conservador, mas reacionário (Gracino et al., 2021Gracino, P., Junior, Goulart, M., & Frias, P. (2021). “Os humilhados serão exaltados”: Ressentimento e adesão evangélica ao bolsonarismo. Cadernos Metrópole, 23(51), 547-580. https://doi.org/10.1590/2236-9996.2021-5105
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).

Ainda no âmbito moral, o antipetismo foi alimentado por anos a fio em decorrência de seguidos escândalos de corrupção que afetaram os governos do partido. Ainda durante os anos de Lula, o chamado “mensalão”. Depois de findos seus dois mandatos, já com sua sucessora, Dilma Rousseff, o chamado “petrolão”, deflagrado com as revelações e o estardalhaço midiático da Operação Lava Jato. Assim, se, para os mais afeitos ao conservadorismo religioso, o PT passou a ser associado à devassidão dos comportamentos da vida privada, aos mais chegados ao conservadorismo social, a pecha da corrupção petista operou como um pretexto bem mais conveniente do que a crítica às políticas de redução das desigualdades de classe. Não era mais o caso de atacar o Bolsa Família, o alto custo das empregadas domésticas ou a presença de “gente diferenciada” em shoppings de luxo, hotéis e aeroportos (Psicóloga nega ter dito que Metrô atrai “mendigos, gente diferenciada”, 2011Psicóloga nega ter dito que Metrô atrai “mendigos, gente diferenciada”. (2011, maio 12). G1. Notícias em São Paulo. https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/05/psicologa-nega-terdito-que-metro-atrai-mendigos-gente-diferenciada.html
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). Bastava apontar o dedo para a corrupção petista (supostamente a maior de todas) e, com isso, rechaçar o partido e seus governos de consciência limpa. Afinal, quem não seria contra a corrupção?

Ademais, a perda de dinamismo da economia durante os anos de Dilma Rousseff também foi um fator crucial para a debacle petista, aguçando a insatisfação popular e motivando a ida massiva às ruas a partir de junho de 2013. Comandados por jovens de esquerda do Movimento Passe Livre (MPL), protestos contra o custo dos transportes rapidamente deram espaço a manifestações multitudinárias sem foco definido, em que se protestava basicamente contra tudo, da corrupção à qualidade dos serviços públicos e à realização da Copa do Mundo no Brasil, bem como contra o sistema político estabelecido – com especial atenção aos partidos políticos. Repetiam-se situações em que, diante da aparição de militantes partidários nas marchas, portando suas bandeiras e emblemas, populares bradavam: “Sem partido!” e “Abaixa a bandeira!” (Pacheco, 2022Pacheco, C. (2022, setembro 26). Vídeo mostra manifestação contra o PT em 2013 na Avenida Paulista, não em 2022 em Salvador. Estadão.com.br. https://www.estadao.com.br/estadaoverifica/salvador-botando-pra-quebrar/
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).

Notável naquele movimento foi a presença de grandes faixas amarelas em que se proclamava: “Meu partido é meu país” (Machado, 2023Machado, U. (2023, junho 3). Junho de 2013: Antipolítica marca ciclo que vai até 8/1. Folha de S. Paulo. Poder. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/06/antipolitica-marca-cicloque-liga-junho-de-2013-a-acao-golpista-de-8-de-janeiro.shtml
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). Em pouco tempo, elas deram lugar a camisetas, igualmente amarelas, com a consigna levemente alterada: “Meu partido é o Brasil”. Essa indumentária celebrizou-se ao ser envergada em aparições públicas por Jair Bolsonaro e seus filhos. O rechaço aos partidos políticos, seja por brados, seja por letreiros, deslindava o animus daquelas jornadas: contra o sistema político e suas instituições, como se uma nação mobilizada espontaneamente se bastasse a si mesma e fosse mais autêntica, dispensando estruturas organizacionais hierárquicas e oligarquizadas como soem ser as representativas, partidárias e sindicais. Esse paradoxal ativismo político antipolítico (Avritzer, 2020Avritzer, L. (2020). Política e antipolítica: A crise do governo Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020. https://books.google.com/books?hl=pt-BR&lr=&id=6onrDwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT2&dq=avritzer+antipol%C3%ADtica&ots=5-CmBFynTL&sig=Sfn_5PT_kZcUL-rglkqxbl7c34
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) de negação da política profissional e seu principal instrumento (os partidos), bem como das mediações institucionais da democracia liberal, abria espaço para o avanço do populismo. Associado ao antipetismo e marcado pelo conservadorismo (senão reacionarismo), esse ativismo oferecia terreno fértil para o populismo de extrema-direita.

Uma primeira amostra desse espírito do tempo deu-se nas eleições municipais de 2016, mesmo ano do impeachment de Dilma Rousseff e da eleição, nos EUA, de Donald Trump. Além da retumbante derrota do PT e da esquerda como um todo (à exceção do PC do B, com bom desempenho no Maranhão do então governador Flávio Dino), surgiram outsiders que se apresentavam como não políticos. Na cidade de São Paulo, o empresário promoter de eventos João Dória Junior elegeu-se já no primeiro turno sob o lema “não sou político, sou gestor” (Dória, 2016Dória, J., Jr. (2016, setembro 18). “Não sou político, sou gestor” Facebook. https://web.facebook.com/jdoriajr/photos/a.170842459639240/1189015977821878/?type=3&locale=pt_BR&_rdc=1&_rdr
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). Em Belo Horizonte, o também empresário e dirigente de futebol Alexandre Kalil usou slogan de sentido similar: “Chega de político, é hora de Kalil” (Mendonça, 2016Mendonça, H. (2016, outubro 31). Eleições 2016: Vitória de Kalil em Belo Horizonte joga areia nos planos de Aécio para 2018. El País Brasil. https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/30/politica/1477859629_540297.html
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). Se reais outsiders tinham campo para avançar eleitoralmente num ambiente hostil aos políticos tradicionais do establishment, por que não pretensos outsiders que fossem ainda mais capazes de encampar um discurso antissistema? Ia-se desenhando um cenário bastante favorável às pretensões eleitorais do antes improvável candidato presidencial Jair Bolsonaro.

A LIDERANÇA ANTISSISTEMA E O POPULISMO RELIGIOSO DE JAIR BOLSONARO

A categoria de outsider é inadequada para definir o tipo de político que era o então deputado Jair Bolsonaro. Afinal, tratava-se de um longevo parlamentar de oito mandatos consecutivos (um, parcial, como vereador e sete como deputado) e com todos os seus três filhos adultos também seguindo a carreira política como parlamentares nos níveis municipal, estadual e federal, configurando um bem-sucedido empreendimento político familiar. O mais jovem dos três, Eduardo, para evitar concorrer com o pai em seu reduto, o Rio de Janeiro, mudou o domicílio eleitoral para São Paulo, elegendo-se deputado federal em 2014. O mais velho, Flávio, estava já em seu quarto mandato seguido como deputado estadual no Rio de Janeiro e concorreria ao senado em 2018, após ter sido derrotado como candidato a prefeito do Rio em 2016. E o filho do meio, Carlos, já era vereador no Rio de Janeiro por cinco mandatos consecutivos.

Porém, se outsider não define adequadamente Bolsonaro, ele pode ser mais bem descrito como um político marginal. Ao longo de seus sete mandatos na Câmara dos Deputados, jamais teve posição institucional de destaque, notabilizando-se antes por seu comportamento extravagante, suas declarações ultrajantes e sua presença constante na mídia, em especial a de entretenimento, que o tratava como uma atração de circo de horrores. Sua marginalidade institucional fica clara quando se considera que, durante esse extenso período de atividade parlamentar, Bolsonaro jamais teve um lugar na mesa diretora da Casa, nunca presidiu uma comissão permanente, nenhuma vez liderou a bancada de seu partido nem relatou projetos de lei importantes. Embora sempre integrando partidos de adesão, nunca atuou disciplinadamente como um apoiador dos governos integrados por seus partidos; antes, operava como uma espécie de maverick, seguindo sua própria agenda, voltada à defesa dos interesses corporativos de policiais e militares e a bradar bazófias extremistas de direita.

Uma coisa não se pode negar, contudo. Jair Bolsonaro de fato era (e é) um político antissistema. Entenda-se com isso sua explícita aversão ao próprio regime democrático e ao Estado de Direito, verbalizada inúmeras vezes na apologia à ditadura militar, ao golpismo, à tortura, à violência policial, à eliminação física de adversários, à intolerância, ao antipluralismo e ao desrespeito às leis. Foi esse seu destemor em afrontar a civilidade democrática (ou seja, o “sistema”) que levou seus seguidores mais apaixonados a o alcunharem como “mito”.

Num cenário de rechaço amplamente disseminado à atividade política profissional, aos partidos, às instituições representativas e à esquerda, o discurso ultrarradical contra todos esses “inimigos” tinha potencial para prosperar eleitoralmente – como de fato ocorreu. Isso, a despeito de Bolsonaro ser ele mesmo um político profissional de longa trajetória parlamentar e líder do vasto empreendimento político familiar acima referido. Suas marginalidade institucional e extremismo ideológico lhe conferiram a aparência de outsider, mesmo sem propriamente o ser.

Durante sua campanha, e já no governo, ganhou corpo um discurso populista de forte coloração religiosa. Os dois principais bordões de campanha, repetidos à exaustão, continham elementos religiosos. Um dizia: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”; o outro era uma passagem bíblica: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, retirada do Evangelho de São João (8:32). Além de acenar ao eleitorado mais fortemente devoto, especialmente o evangélico, que optou massivamente por Bolsonaro nas urnas, associava-se também a nacionalidade à religiosidade. Tal associação é um elemento forte do discurso bolsonarista.

O populismo bolsonarista traz uma concepção excludente de povo. Coloca fora dele os não cristãos, sejam os declaradamente desprovidos da fé, sejam aqueles passíveis de serem enquadrados nesse papel por seu comportamento ou suas ideias. Na medida em que o Brasil seria um “país cristão” e, portanto, os valores cristãos deveriam prevalecer sobre os demais (segundo a percepção restritiva de cristianismo adotada pelo bolsonarismo, a mais conservadora, senão reacionária), os que não se enquadrarem nisso deveriam ser excluídos da condição de povo e se submeter ao jugo da maioria. Ou seja, no discurso bolsonarista, a inclusão na nação exige o pertencimento a uma fé religiosa.

Há, portanto, uma noção de povo excludente e de base essencialmente religiosa. Se noutros contextos, como na Europa e nos EUA, o populismo exclui um grupo religioso em particular (os muçulmanos), no Brasil de Bolsonaro a exclusão é mais genérica: os não cristãos segundo os critérios adotados pelo próprio bolsonarismo. Até por isso, há uma possibilidade de conversão e, consequentemente, de inclusão na condição de povo: os que “aceitarem Jesus” e se comportarem segundo os princípios de tal aceitação: conservadores, intolerantes, crentes.

Essa perspectiva ficou clara em diversas declarações dadas por Jair Bolsonaro, tanto durante a campanha eleitoral como já na vigência de seu governo. Num ato de campanha na Paraíba, em fevereiro de 2017, disse ele: “Deus acima de tudo. Não tem essa historinha de Estado laico não. O Estado é cristão e a minoria que for contra que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias” (Agence France-Presse, 2018Agence France-Presse. (2018, setembro 24). Frases de Bolsonaro, o candidato que despreza as minorias. IstoÉ. https://istoe.com.br/frases-de-bolsonaro-o-candidato-que-despreza-asminorias/
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). Já no cargo de presidente, Bolsonaro diferenciou o Estado do governo, atenuando o discurso, mas manteve a profissão de fé: “O Estado é laico. Respeitamos a todos. Mas nosso governo é CRISTÃO” (“O Estado é laico, mas nosso governo é cristão”, diz Bolsonaro no Twitter, 2020“O Estado é laico, mas nosso governo é cristão”, diz Bolsonaro no Twitter. (2020, setembro 16). Diário de Pernambuco. Política. https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/politica/2020/09/o-estado-e-laico-mas-nosso-governo-e-cristao-diz-bolsonaro-no-twit.html
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). Porém, na campanha presidencial de 2022, o presidente-candidato voltou ao discurso radical de sujeição dos dissidentes: “Meu Deus do céu. Para onde nós iremos cedendo às minorias? As leis existem, no meu entender, para proteger as maiorias. As minorias têm que se adequar” (Behnke, 2022Behnke, E. (2022, julho 15). Bolsonaro diz que minorias precisam se adequar às leis. Poder360. https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-diz-que-minorias-precisam-se-adequar-asleis/
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).

Esse povo excludente do discurso populista bolsonarista não é uma peculiaridade sua. Ele está presente nos discursos populistas mundo afora. Mesmo nos casos europeus e americano, em que se estigmatizam os muçulmanos, afirma-se que a identidade cristã (europeia, americana) estaria sob ameaça islâmica. Nesses casos o muçulmano é também associado ao imigrante, cujo afluxo massivo ameaçaria desfigurar a própria cultura local.

No caso brasileiro, a imigração não tem peso relevante, e o “inimigo” é interno, compondo-se dos não cristãos que integram a população (mas não o povo) e as elites corrompidas (embora o bolsonarismo jamais as defina exatamente como “elites”). Esses inimigos podem ser artistas, intelectuais, comunistas ou homossexuais, enfim, todo tipo de desajustados que cotidianamente desrespeitariam os valores majoritários e, assim, deveriam ser eliminados ou subjugados. Não há pluralismo num povo assim concebido. Nas palavras de Bolsonaro: “As minorias se adequam ou simplesmente desaparecem” (Abrucio et al., 2020Abrucio, F. L., Grin, E. J., Franzese, C., Segatto, C. I., & Couto, C. G. (2020). Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: Um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, 54(4), 663-677. https://doi.org/10.1590/0034-761220200354
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).

Que governo foi esse?

O governo Bolsonaro não foi um governo normal. Por isso, para entendê-lo, não é possível utilizar os mesmos parâmetros usados para analisar governos em tempos normais da política. Nas conjunturas fluídas das transições de regime, a estrutura institucional ainda não está bem estabelecida e, consequentemente, a análise institucional é precária (Couto, 1998Couto, C. (1998). A longa constituinte: Reforma do Estado e fluidez institucional no Brasil. Dados, 41(1), 1-11. https://doi.org/10.1590/S0011-52581998000100002
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). Algo similar ocorre nas crises políticas profundas, quando a estrutura política se fluidifica (Dobry, 2015Dobry, M. (2015). Sociologia das crises políticas: A dinâmica das mobilizações multissetoriais. Amazon.com.br; Editora Unesp. https://www.amazon.com.br/Sociologia-crisespol%C3%ADticas-Michel-Dobry/dp/8539305534
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). Quando há um governo extremista, que atua reiteradamente para erodir as instituições e, com elas, a própria democracia, a estrutura constitucional é continuamente desafiada e abalada. Perdem efetividade analítica os critérios normalmente usados para entender como as instituições operam e como as políticas públicas são formuladas, implementadas e avaliadas (inclusive pelo eleitorado), pois o governo não atua em conformidade com os parâmetros institucionais dados, mas busca subvertê-los.

O ataque constante à institucionalidade democrática pelo Executivo obriga os demais atores institucionais a agir de maneira defensiva e com maior intensidade do que em tempos normais. Noutras palavras, no contexto de um governo extremista, as instituições operam sob estresse, sendo desafiadas no seu limite e obrigando seus dirigentes a assumir condutas mais radicais do que as que seriam adotadas sob condições usuais de operação. O abuso sistemático por parte do Executivo faz com que condutas que seriam prontamente percebidas como abusivas por parte dos outros poderes se tornem não apenas normais, mas talvez indispensáveis. Por isso, todo o sistema político democrático passa a funcionar de modo excepcional – seja por iniciativa de seus agressores, seja de seus defensores.

É por isso que tanto se questiona se as instituições estão ou não funcionando na vigência de um governo com tais características. Trata-se de um problema mal posto: não é tanto o caso de as instituições estarem ou não funcionando, mas sob que condições tal funcionamento se dá. Tal qual um organismo vivo acometido por uma doença, que passa a operar sob estresse e produz reações orgânicas diferentes das usuais, a estrutura institucional também passa a funcionar fora do compasso regular, com alguns órgãos precisando compensar a insuficiência ou a disfuncionalidade de outros. Ao se observar a interação do Executivo bolsonarista com os demais poderes (em especial o Poder Judiciário) e com os governos subnacionais (Abrucio et al., 2020Abrucio, F. L., Grin, E. J., Franzese, C., Segatto, C. I., & Couto, C. G. (2020). Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: Um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, 54(4), 663-677. https://doi.org/10.1590/0034-761220200354
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), tem-se uma demonstração de como tal fenômeno se dá.

As reiteradas transgressões dos limites constitucionais, a tentativa de invadir competências alheias, a abdicação do papel coordenador da presidência em sua relação com o Congresso, as omissões repetidas quanto a atribuições governamentais, o assédio institucional e o desmantelamento da burocracia pública (Cardoso et al., 2022Cardoso, J. C., Jr., Silva, F. A. B. da, Aguiar, M. F. de, & Sandim, T. L. (2022). Assédio institucional no Brasil: Avanço do autoritarismo e desconstrução do Estado. In J. C. Cardoso Jr., F. A. B. da Silva, M. F. de Aguiar, & T. L. Sandim (Orgs.), Assédio institucional no Brasil: avanço do autoritarismo e descontrução do Estado.Brasilia: Afipea; UFEPB.) vão tornando caóticas as relações políticas. Tais violações fazem com que o sistema de justiça seja chamado a agir numa frequência e numa intensidade extraordinárias. Caso não o fizesse, permitiria que se dessem as condições para uma concentração de poder excessiva nas mãos do Executivo, que por si mesma já seria uma nova disfunção, bastante danosa ao funcionamento da democracia, senão capaz de a destruir definitivamente. Porém, ao atuar como essa força de contenção, os atores judiciais caem numa armadilha circular: precisam agir mais porque mais provocados; ao agir mais, são acusados de invadir competências alheias; isso os leva a terem de se defender, o que suscita novas acusações de excessos judiciais e de parcialidade, numa espiral de radicalização.

O governo-movimento

Esse modus operandi do bolsonarismo no governo ocorre porque não se trata de um governo especialmente ocupado com a produção de políticas públicas – noutra faceta, talvez a principal, de sua anormalidade. Em vez disso, o governo se ocupa de mobilizar constantemente a sua base militante e ativar seus apoiadores, instrumentalmente fundamentais em sua estratégia de ataque continuado aos outros poderes. A esse fenômeno me refiro como governo-movimento (Couto, 2021bCouto, C. G. (2021b). Do governo-movimento ao pacto militar-fisiológico. In L. Avritzer, F. Kerche, & M. Marona (Orgs.), Governo Bolsonaro: Retrocesso democrático e degradação política (pp. 35-50). Autêntica.).

A característica de governo-movimento da gestão de Bolsonaro está relacionada exatamente ao aspecto não mediado nem institucionalizado do populismo, nos termos postos pela perspectiva político-estratégica de populismo (Weyland, 2017Weyland, K. (2017). Populism: A political-strategic approach. In C. R. Kaltwasser, P. Taggart, P. O. Espejo, & P. Ostiguy (Orgs.), The Oxford Handbook of Populism. (Vol. 1). Oxford University Press, 48-72. . https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780198803560.013.2
https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780198...
, 2021aWeyland, K. (2021a). Populism and authoritarianism. Routledge Handbook of Global Populism, Routledge; 1st edition, 319-333. https://doi.org/10.4324/9781315226446-26/populismauthoritarianism-kurt-weyland
https://doi.org/10.4324/9781315226446-26...
, 2021bWeyland, K. (2021b). Populism as a political strategy: An approach’s enduring – and increasing – advantages. Political Studies, 69(2), 185-189. https://doi.org/10.1177/00323217211002669
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). Em vez de atuar por intermédio das instituições e adaptando-se a elas, o governo populista procura sobrepor-se às instituições, minando-as e submetendo-as a suas próprias conveniências.

Por isso mesmo, o bolsonarismo não só prescinde de partidos, mas opera mais efetivamente sem as limitações institucionais que a dinâmica partidária impõe. O movimentismo bolsonarista serve como lógica operativa não só da atuação no Executivo, mas também no Legislativo. Em sua trajetória de político marginal, Bolsonaro operou embrionariamente como esse líder de movimento, embora sua marginalidade e seu individualismo, durante três décadas, não lhe tenham possibilitado atuar como líder de qualquer movimento efetivo. Isso só se tornou possível a partir da crise institucional deflagrada nas jornadas de junho de 2013, quando começa a colapsar a base sobre a qual se assentou a democracia da Nova República.

O ápice desse governo-movimento deu-se já após terminado o mandato presidencial, o que não é inesperado em se tratando de um governo com tais características. Na Intentona do 8 de Janeiro, militantes bolsonaristas, instados pelos reiterados ataques de seu líder à institucionalidade democrática, investiram furiosamente contra as sedes dos três poderes em Brasília, após dois meses acampados à frente de quartéis, clamando por um golpe militar. Esse golpe não se daria apenas contra o vitorioso nas urnas, Lula, mas contra toda a estrutura institucional – em especial o Poder Judiciário. Não à toa, além da intenção de derrubar o candidato presidencial vitorioso e já empossado, o bolsonarismo também exigia que as Forças Armadas interviessem no Supremo Tribunal Federal (STF) e no TSE, removendo os magistrados percebidos como antagonistas do líder.

EXTREMISMO NO GOVERNO: INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS SOB ESTRESSE

A análise usual da operação de instituições políticas poliárquicas tende a assumir como dado que os atores políticos relevantes atuem sem ter como objetivo o solapamento das próprias instituições. Ou seja, as disputas dão-se dentro dos marcos constitucionais definidos, respeitando-se direitos fundamentais dos diversos atores e respeitando – minimamente que seja – as regras do jogo competitivo. Mesmo comportamentos contrários à legalidade (como a corrupção) não têm como objetivo suprimir a institucionalidade democrática, respeitando os limites da preservação do regime. Noutros termos, nas poliarquias é de se esperar, por parte dos atores-chave, uma autocontenção que permita a preservação do jogo competitivo democrático.

Uma situação limítrofe de atuação dentro dessa lógica de preservação da poliarquia é o “jogo duro constitucional” (constitutional hard-ball) ou, nos termos de Glezer (2020)Glezer, R. (2020). Catimba constitucional: O STF, do antijogo à crise constitucional. Amazon.com.br; Arraes Editores. https://www.amazon.com.br/Catimba-Constitucional-STFAntijogo-Crise/dp/6586138582
https://www.amazon.com.br/Catimba-Consti...
, “catimba constitucional” (Balkin, 2008Balkin, J. M. (2008). Constitutional hardball and constitutional crises. QLR, 26(3), 579-598. https://heinonline.org/hol-cgi-bin/get_pdf.cgi?handle=hein.journals/qlr26§ion=23&casa_token=ULT7PZtqPpIAAAAA:BibD749_UwTnN4UnrcqcIHrSESc5Qes2xjlskPTlwiq3slnF0G3S6ZK-wQRTh6v6g35hcSct
https://heinonline.org/hol-cgi-bin/get_p...
; Tushnet, 2004Tushnet, M. (2004). Constitutional hardball. The John Marshall Law Review, 37, 523-553. https://heinonline.org/hol-cgi-bin/get_pdf.cgi?handle=hein.journals/jmlr37§ion=28
https://heinonline.org/hol-cgi-bin/get_p...
). Nela, atores políticos, mais do que simplesmente transgredir as regras – seja literalmente, seja no espírito da lei –, atuam de modo a violar direitos políticos e civis de adversários, mas ainda sem ter como objetivo o solapamento da democracia em seu conjunto. Isto é, a violação das normas do Estado Democrático de Direito dá-se de maneira localizada e não sistêmica.

Tal limite é ultrapassado, contudo, por quem busca deliberadamente uma ruptura do regime, seja estabelecendo uma autocracia plena, seja instituindo o que se tem denominado “democracias iliberais”. É esse o caso de populistas extremistas como Jair Bolsonaro.

Como outros líderes nacionais de perfil similar no período recente, Bolsonaro não atuou declaradamente para romper a estrutura institucional democrática, o que poderia fazer por meio de um autogolpe ou da decretação de um Estado de Sítio ou de Emergência que escalasse mais rapidamente rumo à implantação de uma autocracia plena ou um regime iliberal. Em vez disso, agiu de modo a estressar continuamente a estrutura de freios e contrapesos, desgastando outros atores institucionais, convertendo-os em inimigos políticos e produzindo um processo continuado de deslegitimação. Assim, tornou cada vez mais alto o custo de lhe impor freios e impedir ações suas voltadas ao desrespeito da institucionalidade democrática – mesmo quando perpetradas em nome de uma suposta defesa da ordem constitucional, ou, na peculiar linguagem política bolsonaresca, dentro das “quatro linhas da Constituição”.

Entre 2019 e 2022, o estressamento da institucionalidade do Estado de Direito a fragilizou e gerou riscos sérios de desdemocratização no Brasil. A ruptura da democracia propriamente dita não ocorreu porque houve muita resistência institucional e social às investidas do então presidente, em especial por parte do Poder Judiciário, de governos subnacionais, de setores da imprensa e de organizações da sociedade civil.

A Intentona do 8 de Janeiro foi apenas o ponto culminante e mais dramático desse processo de ataque à democracia, um ato desesperado de tentar obter numa última tentativa aquilo que não se logrou conquistar nos quatro anos anteriores. O fracasso dessa tentativa de golpe foi também resultado dessa continuada resistência, apesar do que as evidências parecem revelar como tentativas de sabotagem promovidas pelas próprias forças de segurança. E, assim como o golpismo bolsonarista se estendeu para além do final de seu mandato presidencial, as medidas de resistência a ele também precisarão seguir ativas. A declaração da inelegibilidade de Jair Bolsonaro em 30 de junho foi apenas mais um passo nesse processo. Não poderá ser o último.

REFERÊNCIAS

Editado por

Editor responsável: Marco Antonio Teixeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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