Acessibilidade / Reportar erro

Nem tudo o que reluz é ouro: Florianópolis e o urbanismo competitivo

All that glitters is not gold: Florianópolis and competitive urbanism

Resumo

A busca de cidades em todo o mundo por sua inserção em um mercado competitivo global tem gerado consequências nas formas de planejamento e gestão urbanas, cada vez mais próximas de modelos empresariais e pouco representativas das realidades locais. Localizada no sul do Brasil e fora dos grandes circuitos de capital global, Florianópolis vem acompanhando essa tendência, com agentes públicos e privados apostando em suas características ambientais e em novos arranjos produtivos locais como propulsores de uma nova fase de desenvolvimento urbano atrelado aos modelos internacionais. Este artigo demonstra como os setores do turismo, tecnologia e inovação vêm sendo utilizados para a promoção e consolidação da imagem competitiva da capital catarinense, deixando como resultado lacunas, contradições e desequilíbrios territoriais.

urbanismo neoliberal; planejamento urbano estratégico; Florianópolis

Abstract

Cities all over the world have been struggling to be included in a competitive global market, and this has changed the forms of urban planning and management, making them be increasingly closer to business models and not very representative of local realities. Located in Southern Brazil, outside the great circuits of global capital, Florianópolis, the capital of the state of Santa Catarina, has been following this trend, with public and private agents betting on its environmental characteristics and on new economic arrangements to propel a new phase of urban development connected with the international models. This article demonstrates how the tourism, technology, and innovation sectors have been utilized to promote and consolidate the competitive image of the state capital, producing gaps, contradictions, and territorial imbalances.

neoliberal urbanism; strategic urban planning; Florianópolis

Introdução

"Capital mais segura e com a melhor qualidade de vida" – IBGE; "Uma das 10 cidades mais dinâmicas do mundo" – Newsweek; "Um dos melhores destinos para festas do planeta" – The New York Times; "Cidade criativa em gastronomia" – Unesco; "O Vale do Silício da América Latina" – BBC; "Um dos melhores destinos turísticos do Brasil" – TripAdvisor; "Melhor capital do Brasil em saúde" – Ministério da Saúde; "Uma das 20 praias mais belas do mundo" – Corriere Della Sera; "52% do território em áreas de conservação ambiental" – Sem fonte; "Capital Brasileira onde mais se pratica atividades ao ar livre" – Sede do Ironman Brasil; "Melhor cidade do Brasil para fazer turismo" – Prêmio O melhor de viagem; "Entre as principais cidades mais empreendedoras do Brasil" – Endeavor; "Uma das principais cidades escolhidas para sediar eventos internacionais" – Ranking ICCA

Os títulos acima foram retirados de um vídeo produzido e hospedado no canal do YouTube da Prefeitura de Florianópolis.1 1 Disponível: em https://www.youtube.com/watch?v=pHCZN0613pU. Acesso em: 15 ago 2022. A estes seria possível adicionar tantos outros que circulam nas falas de agentes públicos e privados e promovem a cidade como produto de destaque para fluxos de investidores nacionais e internacionais, em uma imagem “reluzente” da cidade. Se São Paulo não é Nova York, Florianópolis certamente não é Barcelona ou São Francisco, e seria errôneo realizar uma análise do impacto de políticas urbanas competitivas na cidade sem considerar o seu contexto específico. Assim, é no diálogo transescalar, identificando conexões internacionais, nacionais e locais, que é possível compreender como modelos de intervenção e gestão urbana orientadas para o desenvolvimento econômico e a atração de investimentos privados tentam transformar a capital catarinense na cidade de Barcelona ou no Vale do Silício brasileiro, como promovido pelo planejamento urbano local e divulgado pela prefeitura municipal. Entretanto, nem tudo o que reluz é ouro. Nesse sentido, embora Barcelona já seja reconhecida internacionalmente por suas qualidades ambientais e urbanas que atraem novos visitantes e moradores do mundo inteiro, ela também enfrenta problemas de segregação e gentrificação. Já o Vale do Silício, é importante esclarecer, é uma região da Califórnia, próxima de São Francisco, conhecida por abrigar empresas de inovação e alta tecnologia. Favorecendo-se da proximidade com universidades, das belezas do ambiente natural e da qualidade de vida das cidades naquela região estadunidense, o Vale do Silício prospera na imagem da economia criativa e na emergência de um novo sistema produtivo pautado na associação entre inovações tecnológicas e capital financeiro especulativo. No entanto, a região assim como o seu modelo socioeconômico já são reconhecidos pela concentração de riquezas, aumento das desigualdades sociais e diminuição de políticas sociais e de redes de apoio comunitárias.

Este artigo, portanto, propõe-se a identificar como modelos urbanos circulam por fluxos transnacionais, disseminando-se internacionalmente e se materializando em contextos espaciais distintos a partir de diálogos com os contextos políticos e econômicos locais. Assim, é explorado, para o caso da capital de Santa Catarina, como a trajetória da consolidação urbana do município a torna um território fértil para as concepções neoliberais de gestão e planejamento urbanos. Sob essa ótica, apresenta-se como essa influência tem interferido e aprofundado desequilíbrios historicamente consolidados na cidade, em nome da pretensão de inseri-la em um cenário competitivo mundial, baseado, principalmente, nos setores do turismo, da tecnologia e da inovação, com objetivo de firmar aqueles títulos locais mencionados acima e promovidos por agentes públicos e privados; ou seja, promovendo um descolamento entre a imagem propagandeada e a realidade socioespacial local. Para isso, são apresentados, nas primeiras duas seções, os desdobramentos históricos internacionais e nacionais que culminaram na imposição global dos princípios do sistema normativo político e econômico neoliberal para a concepção do planejamento urbano de cidades de todo o mundo e as consequências da sua adesão em contextos urbanos de economias periféricas. Nas duas seções seguintes, são apresentados os precedentes da urbanização de Florianópolis no século XX e seus arranjos políticos como caminhos direcionadores do cenário atual de um planejamento fragmentado e que tenta admitir a Ilha de Santa Catarina como uma cidade global, mas que, na prática, reproduz padrões de concentração de investimentos e agrava desigualdades sociais. Como conclusão, espera-se que, a partir da análise transescalar dos circuitos e fluxos dos ideais da competição urbana e do urbanismo neoliberal, sejam expostas as peculiaridades e as contradições de sua materialização local diante da sua construção imagética e comercial.

A emergência do neoliberalismo e a consolidação de políticas urbanas competitivas

Desde o início da década de 1970 até o final da década de 1980, o mundo, cada vez mais interconectado política e economicamente, passou por um período de instabilidades e incertezas, decorrente dos rearranjos do sistema capitalista e da emergência de um novo regime de acumulação e sistema de regulação (Brenner, Peck e Theodore, 2012; Santos, 2018SANTOS, E. A. C. (2018). Por uma teoria crítica do neoliberalismo: Marcuse no século XXI. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Após um momento de relativa estabilidade nos países de economia central, a eclosão de problemas fiscais do final da década de 1960, o descontrole do fluxo de moeda estadunidense e o contexto de crise internacional, gerado pelo embargo dos cartéis de petróleo, causaram o rompimento do ritmo econômico ascendente da era de ouro pós-guerras e da sociedade industrial avançada (Harvey, 2008HARVEY, D. (2008). O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo, Loyola.). O crescimento acelerado das taxas de desemprego e da inflação acabou por dar espaço para emergência e fortalecimento de teorias que defendiam o resgate das liberdades de mercado, com menor atuação e intervenção pública (ibid.; Kayser, 2019KAYSER, E. (2019). Neoliberalismo e temporalidade. In: XXX SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA. Recife, Associação Nacional de História.). Dado o contexto econômico de crise de acumulação produtiva e crítica ao Estado de bem-estar social, uma contrarresposta passou a ser posta em prática a partir da qual despontaram os primeiros passos de uma futura “revolução neoliberal” (Kayser, 2019KAYSER, E. (2019). Neoliberalismo e temporalidade. In: XXX SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA. Recife, Associação Nacional de História., p. 3).

Por um lado, seria necessário reajustar a ação pública, “enxugando” o Estado em suas capacidades sociais, para direcionar recursos para áreas mais dinâmicas, isto é, setores competitivos da economia. Por outro, a tendência de desregulamentação do mercado, intrínseca à lógica neoliberal e apoiada pelos desenvolvimentos tecnológicos do período, abriu espaço para o aumento da influência dos meios comercial, financeiro e especulativo, que passaram a substituir a predominância da economia de produção ligada às fábricas e aos bens materiais. A “rigidez” (Harvey, 1989HARVEY, D. (1989). Condição pós moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, Loyola., p. 135) do capitalismo industrial e dos investimentos programados para produção em massa não era capaz de acompanhar as instabilidades do sistema econômico. A saída, para os países centrais, foi recorrer à flexibilidade da política monetária, associada a medidas de aceleração do tempo de giro de capital, calcadas em inovações tecnológicas e informacionais (ibid.).

Estabeleceu-se, portanto, uma tendência de reestruturação econômica internacional, que regeu alterações de organização industrial, social e política. Nesse novo regime, definido por Harvey como de “acumulação flexível” (ibid., p. 140), as relações de trabalho, produção e consumo são pautadas na instabilidade das regulações e contratos trabalhistas, na proximidade das transações públicas e privadas, na “compressão do espaço-tempo” e na volatilidade dos bens produzidos. O setor de serviços, sobretudo na área relacionada ao mercado financeiro, promoveu o desponte de empresas e de seus diretores executivos como um novo poderio econômico, e está cada vez mais próximo das decisões de Estado e detentor de fortunas pessoais, alcançadas rapidamente ao longo desse processo de concentração política e econômica (ibid.; Harvey, 2008; Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.).

Ao passo que a “reestruturação produtiva” (Harvey, 1992 apud Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 48), tecnológica e informacional incluiu os preceitos da lógica neoliberal sobre o campo do trabalho e da política em geral, a dinâmica urbana socioespacial também ficou sujeita a um novo processo de modificação. O aumento exponencial do volume de fluxos econômicos internacionais e a progressiva desindustrialização de grandes cidades das economias centrais impactaram profundamente na matriz funcionalista modernista-tecnocrática de planejamento urbano, predominante até então, e que já não atendia às exigências do novo sistema flexível de acumulação (Maricato, 2000MARICATO, E. (2000). “Planejamento urbano no Brasil: as ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”. In: ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.; Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Dessa maneira, aos núcleos urbanos das economias centrais coube o papel de investir na progressiva especialização de grupos próprios do setor terciário avançado. Nessas localidades, passou-se a priorizar o desenvolvimento de atividades relativas à gestão empresarial, serviços financeiros, contabilidade, publicidade, informática e telecomunicações, além de outros serviços de apoio a essas empresas (Sassen, 1999 apud Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 87), em resposta às demandas das transações de mercado que despontavam como determinantes da dinâmica econômica empresarial e das multinacionais que nelas se concentravam (Carvalho, 2000CARVALHO, M. (2000). Cidade global: anotações críticas sobre um conceito. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v. 14, n. 4.; Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.).

Ainda, a racionalidade do mercado financeiro, cada vez mais imperante, fomentou esforços pela atratividade de negociações e investimentos entre o capital financeiro internacional e os poderes urbanos locais, o que coloca as cidades em um circuito mundial de competitividade interurbana por empregos e capital (Harvey, 1996HARVEY, D. (1996). Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates: revista de estudos regionais e urbanos, ano XVI, n. 39, pp. 48-64.; Vainer, 2000VAINER, C. (2000). “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico”. In ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda.). Ao longo da década de 1980, ganha fôlego a visão de que as grandes cidades do mundo deveriam se adaptar às exigências de competitividade da economia financeira internacionalizada e do aumento das atividades terciárias avançadas. Assim, da mesma forma que empresas, as cidades passaram a desenvolver estratégias políticas, econômicas e culturais, buscando oferecer “melhores condições do que as outras cidades para receber as forças da economia global, capazes de dar-lhes sobrevida e um novo dinamismo ‘conectado’ à ‘modernidade global’” (Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo., p 159), pautado pela atração de investimentos, majoritariamente privados e externos.

Nesse sentido, as cidades globais, como serão reconhecidas no senso comum, são aquelas que se configuram como núcleos gestores e promotores de transações entre economia nacional e mercado mundial, congregando atividades que contemplem o setor de serviços especializados e de alta tecnologia ligados a empresas e negócios transnacionais (Carvalho, 2000CARVALHO, M. (2000). Cidade global: anotações críticas sobre um conceito. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v. 14, n. 4.; Ferreira 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Sassen, 2001SASSEN, S. (2001). The global city: New York, London, Tokyo. Princeton, Princeton University Press.). Para essas cidades, isso significa, dentre outros atributos, receber intenso fluxo de turismo de negócios, abrigar bolsas de valores importantes e apresentar uma estrutura de apoio às empresas de atuação globalizada. Como consequência, por um lado, cidades que se propõem globais devem dispor de infraestrutura de inovação (telecomunicação e informática) e de suporte à cultura (centros para grandes eventos de circuito mundial), preferencialmente concentrada em distritos compostos por grande número de edifícios de alta tecnologia, precursores do conceito complementar de cidade inteligente2 2 Segundo Coutinho et al. (2019), o conceito de “cidade inteligente” ganha visibilidade em 2010, na Europa, em um contexto de reestruturação de indústrias de energia, focado em produções mais limpas e sustentáveis. No entanto, os autores inferem que a ideia é sustentada por grandes multinacionais das indústrias de tecnologia e serviços desde o começo do século XXI, visando à geração de novos mercados no setor. Em resumo, uma cidade inteligente é aquela que admite a influência das novas tecnologias de comunicação e informação no seu planejamento e administração (através de indicadores de desempenho) enquanto investe em áreas específicas do conhecimento, voltadas para empreendedorismo, comunicação, inovação tecnológica, design e outras profissões relativas à criatividade. Assim, é visada a otimização da cidade, para torná-la mais competitiva do ponto de vista do mercado internacional, cada vez mais conectado (Leite e Awad, 2012). (Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Harvey, 1996HARVEY, D. (1996). Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates: revista de estudos regionais e urbanos, ano XVI, n. 39, pp. 48-64.). Por outro lado, em termos sociais, demanda-se um alto grau de especialização do emprego voltado para negócios e serviços financeiros, ao mesmo tempo que se deve manter um número razoável de mão de obra para atividades de baixa remuneração, relativas a serviços de apoio logístico, como limpeza e segurança de edifícios, entre outros (Sassen, 2001SASSEN, S. (2001). The global city: New York, London, Tokyo. Princeton, Princeton University Press.). Portanto, fica clara a acentuação da desigualdade social nessas cidades ditas globais, com o aumento da diferença entre os empregos de alta especialização e bem-remunerados em relação à massa de trabalhadores prestadores de serviço e agora sem apoio de políticas sociais.

A partir do final da década de 1980 e durante a década de 1990, o princípio de cidade global passou a ser disseminado hegemonicamente para outros contextos urbanos, além daquele consolidado no Hemisfério Norte. Assim, progressivamente, as características historicamente estabelecidas para as grandes metrópoles dos países de industrialização avançada foram difundidas também para economias consideradas periféricas, através de movimentos político-econômicos de imposição da compreensão do domínio do capital como caminho para a garantia da sua inserção no circuito de fluxos econômicos internacionais, em especial a partir da globalização econômica e da ação de agências internacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Organização das Nações Unidas (Carvalho, 2000CARVALHO, M. (2000). Cidade global: anotações críticas sobre um conceito. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v. 14, n. 4.; Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). A esse arcabouço ideológico, atribui-se, para autores como Ferreira (2003)FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo., Harvey (1996)HARVEY, D. (1996). Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates: revista de estudos regionais e urbanos, ano XVI, n. 39, pp. 48-64. e Maricato (2000)MARICATO, E. (2000). “Planejamento urbano no Brasil: as ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”. In: ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes., o intuito de ampliar a soberania de economias avançadas, ao mesmo tempo que, para se adequar às novas adaptações produtivas, recorreu-se a empréstimos internacionais e à abertura de mercados, possibilitando o escoamento de acumulação para países em desenvolvimento, vistos como locais de consumo potencial.

Para operacionalizar essa movimentação, havia, portanto, a necessidade de se encontrarem fórmulas para que as cidades pudessem se tornar “globais”. A partir disso, despontam as teorias do planejamento urbano estratégico e marketing urbano, em substituição ao formato modernista-tecnocrático, com cartilhas internacionais de adesão aos princípios urbanos pós-industriais que seguem correntes até hoje. Com base histórica em conceitos e técnicas militares, transpostos, posteriormente, para o campo empresarial, o planejamento estratégico ganha visibilidade e adesão no âmbito urbano após a experiência de Barcelona, empreendida por ocasião dos Jogos Olímpicos de 1992. Sob a égide da competitividade, do liberalismo e da onipotência absoluta do capital, na lógica desse método de planejar e administrar, as cidades tornam-se “cidade-empresa” (Vainer, 2000VAINER, C. (2000). “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico”. In ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda., p. 90) e devem atuar em um mercado internacional de cidades, sendo competitivas, ágeis e flexíveis (Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.).

Esse método de planejamento se dá em torno da apropriação da cidade por interesses empresariais globalizados, com base no encolhimento do aspecto político, na eliminação do conflito e em condições do exercício da cidadania (Vainer, 2000VAINER, C. (2000). “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico”. In ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda.). Assim, sob um entendimento da cidade como mercadoria, inserida em um mercado extremamente competitivo, os princípios do chamado “marketing urbano” serão norteadores do processo de planejamento e gestão. Por essa ótica, deve-se valorizar e divulgar produtos urbanos – investimentos e empreendimentos específicos – que se constituem como de interesse para o mercado transnacional e apresentem boa imagem, tais como: espaços para convenções e feiras; parques industriais e tecnológicos; escritórios de informação e assessoramento a investidores e empresários; torres de comunicação e comércio e segurança adequada, entre outros. Para isso, portanto, deve-se configurar um centro urbano de gestão e serviços avançados, organizado, segundo Borja e Castells:

invariavelmente, em torno de um aeroporto internacional; um sistema de telecomunicações por satélite; hotéis de luxo, com segurança adequada; serviços de assistência secretarial de inglês; empresas financeiras e de consultoria com conhecimento da região; escritórios de governos regionais e locais capazes de proporcionar informação e infraestrutura de apoio ao investidor internacional; um mercado de trabalho local com pessoal qualificado em serviços avançados e infraestrutura tecnológica. (Borja; Castells, 1997 apud Vainer, 2000VAINER, C. (2000). “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico”. In ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda., p. 81)

Esses princípios norteadores da transformação das cidades encontrados no planejamento estratégico são estratégias para o enquadramento das cidades ao novo cenário econômico internacional, realizando um ajuste espacial (Harvey, 1996HARVEY, D. (1996). Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates: revista de estudos regionais e urbanos, ano XVI, n. 39, pp. 48-64.). Para o autor, são inerentes os esforços de exploração de vantagens específicas de cada contexto urbano para a produção de bens e serviços, seja através da provisão de capitais de risco para novos empreendimentos, seja pela redução de custos fundiários locais via subsídios, como redução ou isenção de impostos, crédito barato ou compra de terrenos. A esse aspecto é atribuída, também, a intenção de transformar a cidade em um centro de controle de serviços financeiros e de produção de conhecimento específico, voltado, principalmente, para setores de alta tecnologia e habilidades em mídia (ibid.). Esse direcionamento de recursos, por sua vez, implica a criação de espaços valorizados do ponto de vista da qualidade de vida, inovação cultural, tomando por princípios a renovação urbana e, eventualmente, a atividade turística: “Acima de tudo, a cidade tem que parecer como lugar inovador, excitante, criativo e seguro para viver, visitar, para jogar ou consumir” (ibid., p. 55).

Assim, a concepção de planejamento e gestão de cidades, orientada pela extração de valor das potencialidades locais, acaba por fragmentar o processo total de planejamento e, consequentemente, produz cenários de maior polarização na distribuição social de renda e investimentos territoriais. Nesse sentido, o método de renovações urbanas faz-se essencial para a criação de um ideário coletivo interno, no intuito de “contrapor o sentido de alienação e anomia” (ibid., p. 60) e criar um sentido cívico, através da percepção de recuperação de um espaço. Por um lado, pretende-se criar um imaginário urbano atraente para os propósitos competitivos, através de intervenções que “revitalizam” espaços tidos como degradados e criam uma nova imagem de cidade interna e externamente. Por outro, sugestionados pela compreensão mercadológica do espaço urbano, abrem-se novas frentes de exploração do mercado imobiliário, da indústria do turismo e dos setores de comércio e serviços. Dessa forma, gera-se um padrão geográfico de cidades compostas de contrastes, com “um centro renovado, cercado por um mar de pobreza crescente” (ibid., p. 62), para o qual a trajetória e o crescimento do empresariamento urbano tendem a aprofundar as relações capitalistas de desenvolvimento desigual, submetido a alianças locais, movidas por interesses políticos (Harvey, 1996HARVEY, D. (1996). Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates: revista de estudos regionais e urbanos, ano XVI, n. 39, pp. 48-64.; Vainer, 2000VAINER, C. (2000). “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico”. In ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda.).

Por fim, todas as cidades acabam por vender os mesmos produtos, para os mesmos compradores, que têm as necessidades iguais – isto é, investidores internacionais –, gerando um processo de homogeneização urbana e de multiplicação de espaços similares. Portanto, a cidade-mercadoria tem um público consumidor específico e qualificado, constituído por usuários com um padrão de renda elevado (Vainer, 2000VAINER, C. (2000). “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico”. In ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda.). Por sua vez, a influência da compreensão empresarial sob a forma de planejar e conduzir contextos urbanos traz à tona uma aproximação gradual entre governos e entidades empresariais, sobretudo através de parcerias público-privadas, nas quais os ideais mercadológicos passam a influenciar direta ou indiretamente sobre intervenções no espaço. Por fim, fica claro que esse é um jogo de soma zero, uma vez que, se há vencedores em uma competição, claramente também há perdedores. Entre as cidades, perdem, portanto, os seus moradores (Harvey, 2008HARVEY, D. (2008). O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo, Loyola.).

Neoliberalismo realmente existente ou a transdução do modelo urbano para o contexto brasileiro

Para Brenner e Theodore (2002)BRENNER, N.; THEODORE, N. (2002). Cities and the geographies of actually existing neoliberalism. Antipode, v. 34, n. 3, pp. 349-379., o Estado figura como principal agente catalisador da aderência do interesse mercadológico sobre as agendas públicas. De acordo com os autores, os princípios rígidos da ideologia neoliberal, ao serem importados como um modelo único para todos os contextos econômicos e urbanos, presumem condições idênticas para todos os territórios e deixam de atender ou de corresponder às peculiaridades e às demandas internas preexistentes. Assim, atenta-se para a necessidade de uma percepção pragmática das múltiplas formas institucionais, de tendências de desenvolvimento e das diversas consequências sociopolíticas da importação desses princípios de gestão e planejamento, que geram efeitos localizados do “neoliberalismo realmente existente” (ibid.).

No campo de pesquisa nacional, essa compreensão é reverberada por Ferreira (2003)FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo., ao defender que, para as cidades brasileiras, com “a ‘chegada’ ao Brasil das opções econômicas neoliberais ligadas à chamada ‘globalização’, não há uma inflexão negativa, mas apenas a continuidade da desigualdade” preexistente (ibid., p. 112). Em outros termos, depreende-se que há um agravamento do cenário consolidado, que já se configurava a partir da concentração de renda e de uma estrutura social excludente, que remonta à própria colonização e à formação do País. Por um lado, a implementação do modelo neoliberal em território nacional ocasionou um aumento na quantidade de ricos e de suas posses, a partir de atividades econômicas ligadas ao sistema financeiro. Por outro lado, a agenda de reformas administrativas neoliberais aplicadas sobre o setor público e sobre regulamentação do trabalho, junto da reestruturação de empresas nacionais, contribuiu para o empobrecimento de parcelas da classe média e das camadas sociais mais baixas, em razão do desemprego e da deterioração do poder de compra (Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Filgueiras, 2006FILGUEIRAS, L. (2006). “O neoliberalismo no Brasil: estrutura, dinâmica e ajuste do modelo econômico”. In: BASUALDO, E. M.; ARCEO, E. Neoliberalismo y sectores dominantes. Tendencias globales y experiencias nacionales. Buenos Aires, Clacso, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales.; Rolnik, 2013ROLNIK, R. (2013). “Dez anos do Estatuto da cidade: das lutas pela reforma urbana às cidades da Copa do Mundo”. In: RIBEIRO, A. C. T.; VAZ, L. F.; SILVA, M. L. P. da. Leituras da cidade. Rio de Janeiro, Letra Capital.).

Seguindo esse pensamento, Maricato (2000MARICATO, E. (2000). “Planejamento urbano no Brasil: as ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”. In: ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes., p. 122) destaca a “racionalidade burguesa” imperante no Brasil a partir de uma perspectiva histórica do urbanismo, até a chegada do pensamento neoliberal. De maneira geral, a autora pontua, a partir de diferentes períodos históricos nacionais, como a caracterização do urbanismo e do planejamento urbano se desenhou a partir da cidade formal, instituída pela concentração de investimentos como produto de relações de hierarquias de classe. Assim, o modelo de ilhas de desenvolvimento urbano não é novidade; pelo contrário, podemos afirmar que ele está presente desde o período colonial, quando as cidades mantinham uma relação hierárquica com o restante do território e serviam de porta de entrada para a lógica de dominação sobre o que interessava ao mercado internacional (Oliveira, 1984 apud ibid., p. 136). Da mesma forma, podem ser observadas as influências externas no início do século XX, que difundiram os ideais higienistas que reformaram e dizimaram habitações de centros de cidade em nome do ideal de embelezamento urbano, como parte de um plano de elites de adequação ao ideário urbanístico moderno das capitais europeias (Maricato, 2000MARICATO, E. (2000). “Planejamento urbano no Brasil: as ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”. In: ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.). Claramente, essas políticas higienistas também podem ser relacionadas às atuais ações sobre centros urbanos como projetos de “revitalização”, tanto nas grandes cidades globais dos países de economia central, que geram um urbanismo gentrificador e revanchista (Smith, 1996SMITH, N. (1996). The new urban frontier: gentrification and the revanchist city. Londres, Routledge.), quanto na sua localização na periferia do capitalismo, enquanto ação de controle social e retomada econômica das centralidades tradicionais, como cenários culturais (Arantes, 2000ARANTES, O. (2000). “Uma estratégia fatal. A cultura nas novas gestões urbanas”. In: ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda.).

Destaca-se, ainda, o caráter estadista operado pelo tipo de planejamento urbano brasileiro durante o período do regime militar. Os moldes de concepção dos planos da época, tecnocráticos e autoritários, pouco se engajaram com a realidade sociocultural urbana, que havia sofrido um inchaço e um desequilíbrio de distribuição de renda, em decorrência da “industrialização com baixos salários” (Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Maricato, 2000MARICATO, E. (2000). “Planejamento urbano no Brasil: as ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”. In: ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes., p. 155). A população não foi ouvida e, frequentemente, nem mesmo os técnicos municipais. Paralelamente, mas não menos em consequência, foi durante esse período que as cidades informais mais cresceram. Periferias extensas, de residências autoconstruídas, com infraestrutura urbana precária permaneceram alienadas dessa realidade de planejamento, que concentrava investimentos em obras viárias, alimentadoras da especulação fundiária nos grandes centros urbanos.

Com o agravamento da crise econômica e política da década de 1980, a abertura democrática pós-ditadura significou uma janela de oportunidade para discussão dos direitos civis e programas públicos, incluindo a situação das cidades brasileiras. Se, na Constituição de 1988, foi incluído um capítulo acerca da política urbana; em 2001 é conquistada uma grande vitória com a promulgação da lei n. 10.257 de julho de 2001 – o Estatuto da Cidade – que regulamenta e dá instrumentos para a implantação dos princípios constitucionais da função social da cidade e da propriedade e da participação popular nos processos decisórios sobre a política urbana no País (Brasil, 2001BRASIL (2001). Presidência da República. Lei n. 10.257, de 10 de julho. Regulamenta os mis. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 jul. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm Acesso em: 14 dez 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
). O instrumento legal, resultado do esforço coletivo de frentes políticas nacionais de movimentos populares organizados e grupos sindicalistas, é baseado na demanda pela renovação das práticas e instrumentos do planejamento urbano, assim como pela garantia da regularização de assentamentos informais. Contudo, a adesão progressiva à agenda neoliberal em âmbito político e econômico no País desencadeou uma apropriação dos recursos do Estatuto pela lógica de mercado (Ferreira, 2003FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Rolnik, 2013ROLNIK, R. (2013). “Dez anos do Estatuto da cidade: das lutas pela reforma urbana às cidades da Copa do Mundo”. In: RIBEIRO, A. C. T.; VAZ, L. F.; SILVA, M. L. P. da. Leituras da cidade. Rio de Janeiro, Letra Capital.).

Para Rolnik (ibid.), a cultura de padrões político-elitistas de decisão de investimentos públicos, historicamente consolidada no contexto brasileiro, é retomada através da lógica descentralizadora e da articulação entre representantes de governos e redes oligárquicas. “[...] Além da inovação político-cultural, também ali estão presentes e vigorosos o clientelismo e uma espécie de neocorporativismo, renovando, com a entrada de novos atores, as velhas gramáticas que estruturam as relações políticas no país” (n.p.). Esse cenário, por sua vez, acaba tornando deficitária a aplicação plena do regimento legal, dentro de seus princípios fundamentais: “trata-se de uma lei que pode ou não ser implementada, a depender da vontade e capacidade do poder político local de inseri-la no vasto campo das intermediações do sistema político” (Rolnik, 2009, p. 46).

Sobre o aspecto da participação popular, salienta-se a sua apropriação pela agenda de reformas neoliberais do Estado brasileiro, como meio de garantir consensos. Nesse sentido, é necessário esclarecer que o planejamento estratégico realiza uma “negação radical da cidade enquanto espaço político” (Vainer, 2000VAINER, C. (2000). “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico”. In ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda., p. 91), através do estabelecimento de um consenso comum entre os seus habitantes, eliminando discordâncias e interferências que possam ameaçar o propósito do interesse de mercado. Dessa maneira, a unidade apolítica poderá se dar a partir de três condições: a sensação generalizada de crise, com objetivo de produzir efeito de trégua nos conflitos internos; a criação de um patriotismo de cidade, como vetor de reprodução das condições de pertencimento e vontade coletiva, apoiado em obras e serviços visíveis; e o encolhimento político, a partir da criação de uma liderança urbana capaz de manter a trégua e a unidade política urbana, capaz de afrontar, com base no patriotismo cívico, outras cidades (ibid.).

Ainda, de acordo com Ferreira (2003)FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo., o planejamento estratégico apropria-se do princípio da participação popular com o objetivo de torná-la em um instrumento ideológico para ratificar a busca pela legitimidade através de uma mobilização patriótica, que, na prática, favorece atores que pouco têm a ver com causas sociais. Nesse sentido, é importante destacar que, no cenário nacional, discursos em favor da participação e da revalorização da sociedade civil pouco representaram, de fato, uma conexão clara e uma inclusão efetiva de cidadãos nos processos decisórios, já que “instituições de gestão participativas não foram incorporadas no desenho e processos decisórios das políticas e programas recentes de financiamento do desenvolvimento urbano” (Rolnik, 2013ROLNIK, R. (2013). “Dez anos do Estatuto da cidade: das lutas pela reforma urbana às cidades da Copa do Mundo”. In: RIBEIRO, A. C. T.; VAZ, L. F.; SILVA, M. L. P. da. Leituras da cidade. Rio de Janeiro, Letra Capital., p. 94).

Sob essa perspectiva, menciona-se a paradoxalidade da implementação dos dispositivos do Estatuto das Cidades atrelada à simultânea integração do planejamento estratégico sobre as administrações urbanas e a caracterização política nacional. Rolnik (ibid.) cita, como exemplo, o instrumento das Operações Urbanas Consorciadas, concebidas como áreas sob controle de parcerias público-privadas, não submetidas às regras gerais de regulação da cidade, voltadas a atrair investimentos e promover melhorias sociais e ambientais, em consonância com o projeto mais amplo de cidade. Na experiência prática, essas áreas tornam-se objeto de pressões externas de interesses privados, que minam o princípio redistributivo previsto pela fundamentação legal e as submetem a processos de exploração e maximização da valorização imobiliária, concentradores e excludentes (Maricato e Ferreira, 2002MARICATO, E.; FERREIRA, J. S. W. (2002). “Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?”. In: OSÓRIO, L. M. (org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor.).

Fica claro, portanto, que a qualidade de vida urbana se tornou mercadoria para os mais abastados, da mesma forma que a cidade se dedica cada vez mais a atividades de consumo, como o turismo e aquelas baseadas em alta tecnologia, comércio e serviços. A tendência do urbanismo neoliberal é, então, a de estimular a formação de nichos de mercado, baseados em um estilo de vida urbano, a partir de um padrão de renda que o acompanhe. Em torno disso, a polarização na distribuição de classes transcreve-se em aspectos espaciais, em territórios cada vez mais privatizados e menos públicos, efetivamente. Portanto, como consequência da adoção do planejamento estratégico na realidade brasileira são apontadas as obras grandiosas de centros urbanos corporativos e outros projetos competitivos e que contrastam com a ocupação – consentida, até certo ponto, pelo poder público – irregular de áreas ambientalmente frágeis, que oferecem riscos de saúde e de vida aos seus moradores.

Ainda assim, a política urbana neoliberal acredita que, ao canalizar a redistribuição de recursos para polos de crescimento empresarial, um efeito de “transbordamento” (Harvey, 2014HARVEY, D. (2014). Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes., p. 65) seria responsável por superar, a longo prazo, as desigualdades regionais e territoriais da cidade. No entanto, sabe-se que, na prática, o que se tem é o agravamento dos contrastes urbanos preexistentes e, ainda, uma tendência ao enfraquecimento dos ideais de comunidade, cidadania e pertença, ameaçados pelo mal-estar da ética neoliberal individualista. Como diz Arantes acerca do planejamento estratégico na realidade brasileira de grande desigualdade socioespacial:

[...] parece muito menos plausível que num tal contexto alguém minimamente responsável – para dizer o menos – possa imaginar um governo de cidade que se limite basicamente a agenciar negócios, muito menos que se sinta à vontade propondo uma corrida competitiva em que é muito óbvio que uns se dão bem na exata medida em que outros se dão mal. (Arantes, 2000ARANTES, O. (2000). “Uma estratégia fatal. A cultura nas novas gestões urbanas”. In: ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda., p. 68)

A busca da imagem reluzente de cidade da tecnologia e inovação em Florianópolis

O mais recente Índice de Cidades Empreendedoras da Endeavor, numa parceria com a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), aponta Florianópolis como a segunda melhor cidade para se empreender no Brasil, atrás somente de São Paulo, a segunda maior metrópole da América Latina. As condições de inovação e capital humano foram os destaques da cidade, que ocupou a primeira posição nos dois pilares, de um total de sete analisados. (Engelmann, 2021ENGELMANN, I. (2021). Como o setor de tecnologia ajudou a colocar três cidades de SC entre as mais atrativas para novos negócios. Diário Catarinense. Florianópolis. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/noticias/como-o-setor-de-tecnologia-ajudou-a-colocar-tres-cidades-catarinenses-entre-as-mais. Acesso em: 14 ago 2022.
https://www.nsctotal.com.br/noticias/com...
, n.p.)

Florianópolis, como visto na Figura 1, possui a maior parte de seu território localizada em uma ilha, de grande riqueza e diversidade ambiental. Reconhecida internacionalmente por suas características naturais e por indicadores de qualidade de vida, a capital de Santa Catarina teve seu desenvolvimento urbano recente baseado em recursos compatíveis com o discurso político e econômico neoliberal. Desse modo, sob a lente do neoliberalismo, ali se desenhou um território fértil para as novas concepções de espaço urbano (Aguiar, 2015AGUIAR, A. R. de (2015). Analisando o Floripa 2030: um modelo hegemônico de cidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Rizzo, 2013RIZZO, P. M. B. (2013). O planejamento urbano no contexto da globalização: caso do plano diretor do campeche em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Sugai, 2015SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora UFSC.).

Figura 1
– Localização de Florianópolis

A capital de Santa Catarina teve um processo de ocupação lento e gradual, marcado por um modelo polinucleado e pela falta da formação de uma esfera econômica independente de sua posição política, sem ter um setor industrial representativo e com uma marcante influência do funcionalismo público em sua composição social e paisagem construída. Os anos 1930 e 1940, em Florianópolis, foram marcados por desdobramentos que influenciariam o desenvolvimento urbano da cidade até o fim desse mesmo século. Segundo Sugai (2015)SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora UFSC., desde a primeira década mencionada, observou-se uma reorganização da ocupação da cidade, decorrente de políticas higienistas operadas, sobretudo, no bairro Centro, e que definiu cursos de periferização de camadas de baixa renda – as quais passaram a ocupar encostas de morros e terras da parte continental da região metropolitana – enquanto houve a concentração de grupos de maior poder econômico na porção ao norte da área central da Ilha. Nesse mesmo período, passou-se a despertar o interesse pelas praias situadas no extremo setentrional, por conta do seu potencial turístico e de suas características naturais – águas mais quentes e proteção dos ventos –, fatores que iriam, posteriormente, influenciar na distribuição de investimentos no município (ibid.).

Com base em princípios funcionalistas e na reestruturação viária, em 1955 é finalizado o primeiro plano diretor da cidade, que, dentre outros aspectos, buscava propor ações de redefinição urbana e adequações modernizadoras, sob o comprometimento de pensar a cidade em sua totalidade pela primeira vez. Naquele contexto, o plano definia o uso e a ocupação do solo apenas para o núcleo urbano central de Florianópolis, no continente e na parte insular. Como alavanca do progresso econômico do município, propunham-se a modernização do porto da cidade e a concentração de atividades industriais e comerciais na orla continental. No entanto, da maior parte das premissas estabelecidas pelo instrumento de planejamento, foram implementadas, primordialmente, aquelas que contemplavam o vetor norte, de interesse imobiliário cada vez mais pungente, como a implantação da casa do governador no bairro Agronômica, a construção do aterro da Baía Norte e a avenida Beira-mar Norte (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Sugai, 2015SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora UFSC.).

Havia, portanto, uma disputa entre frações de elites locais pela destinação de recursos públicos de infraestrutura urbana, assim como por novos equipamentos e empreendimentos de valorização de terras, que se materializa na dificuldade de implementação das proposições do Plano Diretor de 1955. A exemplo, menciona-se o campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que era previsto pelo dispositivo de planejamento para ser instalado no núcleo central da cidade. Sua localização, no entanto, foi alvo de contendas de grupos econômicos de alto poder aquisitivo, dentre os quais figuravam aqueles interessados em valorizar a área do bairro Trindade,3 3 A implantação da universidade no bairro mencionado, em 1960, representou, segundo Sugai (2015, p. 92): “não apenas a abertura de uma nova frente para o capital imobiliário, mas, também, um indicador de que a área estava destinada à ocupação e expansão das elites”. em direção ao norte da Ilha (Sugai, 2015SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora UFSC.). Na mesma década, passou-se a observar a consolidação do caráter econômico de comércio e de serviços na região de Florianópolis, com presença do capital turístico em conjunto com o capital imobiliário e a construção civil despontando como predominantes e geradores das expansões urbanas em direção às praias (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Sugai, 2015SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora UFSC.).

Seguindo esse percurso, a década de 1970 representou um período de diversas transformações no que diz respeito ao processo de urbanização de Florianópolis, a suas tendências de expansão e às dinâmicas socioeconômicas. Por um lado, a aprovação de um novo plano de desenvolvimento urbano não significou alterações no padrão socioespacial da cidade. Por outro, enquanto as atividades industriais passaram a ser induzidas a se concentrar nos municípios vizinhos, a conclusão da BR-101 contribuiu para o incremento e a solidificação das atividades turísticas que ganhavam força desde a década de 1960, além de contribuir para o aumento do fluxo migratório rumo à península central (ibid.). Ainda, segundo Arruda (2019)ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina., este último processo marcou a atração de um grande contingente populacional de camadas de menor renda em busca de trabalho, que se fixou na porção continental do município e em cidades vizinhas, as quais apresentaram taxas de crescimento maiores do que a própria capital, na época. Do ponto de vista sociopolítico, é relevante a colocação de Sugai sobre esse processo, em que se ressalta o interesse da administração pública na

[...] possibilidade de utilizar mão de obra migrante dos municípios vizinhos, sem necessitar dispor de recursos públicos para melhorar sua condição de vida urbana e, ainda, poder isolar fisicamente e espacialmente essas camadas mais pobres [Assim, garantiu-se] que, em 1974, no primeiro levantamento feito no país sobre as condições dos municípios brasileiros, Florianópolis fosse, surpreendentemente, classificada como a melhor capital do país. (Sugai, 2015SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora UFSC., p. 114)

Nesse sentido, cabe ressaltar que “a cidade também experimentaria a migração de um contingente populacional com um perfil diferente: o do setor de mais alta renda” (Aguiar, 2015AGUIAR, A. R. de (2015). Analisando o Floripa 2030: um modelo hegemônico de cidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina., p. 112). Esse grupo chegava à cidade atraído pela propagação do discurso local acerca da qualidade de vida e das belezas naturais e, principalmente, pela instalação de grandes estatais na cidade, como a Companhia de Energia Elétrica Santa Catarina (Celesc), as Centrais Elétricas do Sul do Brasil (Eletrosul) e a Telecomunicações de Santa Catarina (Telesc), além da expansão das universidades públicas, como a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e a já mencionada UFSC. Todas essas instituições seriam transformadoras do contexto urbano da Ilha e, mais tarde, precursoras da sua nova alternativa econômica baseada no setor tecnológico e diretamente conectado a essas instituições públicas (ibid.). Ainda, como impacto direto desse processo, obteve-se um crescimento imobiliário na área central da cidade, em bairros próximos às estatais, que se intensificou durante as últimas décadas do século XX (Sugai, 2015SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora UFSC.).

Essa conjuntura seria, portanto, precursora de discursos promotores da cidade como capital de vocações turísticas e tecnológicas, adotados nas décadas seguintes e que iriam ao encontro das premissas do novo modelo normativo neoliberal, baseado no setor terciário avançado. Dessa forma, o planejamento de Florianópolis passou a ser norteado cada vez mais pela exploração dessas duas atividades econômicas, a partir da aplicação de instrumentos estratégicos e do direcionamento de investimentos, norteados pelos interesses de grupos econômicos ligados, primordialmente, ao empreendedorismo (Aguiar, 2015AGUIAR, A. R. de (2015). Analisando o Floripa 2030: um modelo hegemônico de cidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.).

A adoção de marcas, a criação de slogans, a comparação da cidade a outros locais turísticos de veraneio internacionais, além de intervenções territoriais e legais, como um plano diretor específico para balneários sendo aprovado na década de 1980, geraram modificações na paisagem e uma descaracterização das relações mantidas historicamente pelas comunidades tradicionais. Com intuito de transformar as particularidades culturais locais em produto de venda e tornar a cidade atrativa para visitantes, operou-se um esforço em estabelecer uma identidade para o município, que se afastava dos conflitos e desequilíbrios sociais, criados pelo padrão local de investimentos públicos e planejamento urbano, voltados a nichos específicos. Nesse sentido, o slogan “Ilha da Magia” é um exemplo do aspecto de difusão positiva da cidade e de sua imagem “reluzente” que oculta conflitos locais (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Aguiar; 2015AGUIAR, A. R. de (2015). Analisando o Floripa 2030: um modelo hegemônico de cidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Lins, 2011LINS, H. N. (2011). Cidades fractais: a Ilha da Magia e seus alquimistas. Pesquisa & Debate. São Paulo, v. 22, n. 1, pp. 95-117.; Rizzo, 2013RIZZO, P. M. B. (2013). O planejamento urbano no contexto da globalização: caso do plano diretor do campeche em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.).

Enquanto a atividade turística apresenta fatores limitantes, como a sazonalidade e a empregabilidade restrita, os segmentos de Tecnologia e Inovação (T&I) e de comunicação passaram a figurar na Ilha como alternativa para o setor terciário; ao final da década de 1980, como expoente econômico; e, posteriormente, como direcionador do desenvolvimento e da forma de planejamento da cidade de Florianópolis. Desde então, os segmentos de turismo e de T&I buscam apoio entre si, através de suas concepções ressonantes com os preceitos neoliberais, cada vez mais influentes sobre as instâncias de vida e de modelos mercadológicos de urbanidade (Aguiar, 2015AGUIAR, A. R. de (2015). Analisando o Floripa 2030: um modelo hegemônico de cidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Arruda, 2019)ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.. Justamente, para Lins (2011)LINS, H. N. (2011). Cidades fractais: a Ilha da Magia e seus alquimistas. Pesquisa & Debate. São Paulo, v. 22, n. 1, pp. 95-117., ambas as atividades se fundamentam em princípios territoriais que se entrelaçam: “A trajetória de ambos se mostra indissociável dos atributos exibidos pela área, tendo contribuído, ao mesmo tempo, para fortalecer a atratividade destes” (p. 112).

Após o período de consolidação do setor tecnológico local, baseado em relações econômicas de fortalecimento mútuo entre empresas e entidades educacionais e coletivas, como a Fundação Centros de Referência (Certi), entidade de direito privado estabelecida na UFSC, e a Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate), o setor público municipal passou a investir esforços efetivos na tentativa de inserção da Ilha no cenário mundial de cidades referências em tecnologia. A abertura a mercados externos no País, iniciada no final da década de 1980 e efetivada durante a década de 1990, junto a um novo plano urbanístico para a concepção de um polo tecnológico composto de uma rede de parques, convergia para o objetivo de atrair possíveis investimentos de empresas de fora do país (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Rizzo, 2013RIZZO, P. M. B. (2013). O planejamento urbano no contexto da globalização: caso do plano diretor do campeche em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.). À época, também foram concedidos incentivos fiscais como a isenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) para empresas de alta tecnologia no município, através da lei ordinária n. 2994 de 1988. A justificativa para a promulgação do instrumento legal foi que os empreendimentos do setor eram concentradores de empregos e geradores de desenvolvimento urbano (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.). No entanto,

[...] aqueles que idealizaram o Polo Tecnológico tinham em mente um modelo de distritos luxuosos para atrair multinacionais e que as pequenas e médias empresas locais não poderiam custear para se instalarem nos referidos parques. (Rizzo, 2013RIZZO, P. M. B. (2013). O planejamento urbano no contexto da globalização: caso do plano diretor do campeche em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina., p. 185)

Foram propostos, à época, o Parque Tecnológico Alfa, no norte da Ilha, o Parque Tecnológico Beta, no sul da Ilha, e o Parque Tecnológico Gama, na porção continental da cidade. Ainda assim, apesar do empenho investido pelo Estado e de empreendedores da área, apenas um dos três parques propostos pelo plano de polo tecnológico foi efetivamente implantado, já que dois deles – Beta e Gama – foram descartados por resistência popular, devido à natureza descaracterizante e destoante dos contextos urbanos em que se propunha inseri-los, como foi o caso da reação da comunidade do Campeche, na área insular meridional (ibid.). O Parque Alfa, localizado na SC-401, via estruturante de ligação da área central do município com os balneários do norte da Ilha, estabeleceu-se em uma área em que já havia outras empresas de tecnologia e representou o início de novos investimentos que reproduziriam a tendência de desenvolvimento direcionado para o vetor setentrional, anteriormente estabelecida pelo setor turístico e elites locais (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.).

O início dos anos 2000 marca, nesse sentido, uma inflexão definitiva do planejamento de Florianópolis para a sua concepção como cidade voltada à tecnologia e à inovação, a partir da economia do conhecimento e economia limpa, valendo-se, também, de seus atributos naturais para a manutenção de sua imagem turística. O percurso temporal entre o último (1997) e o atual Plano Diretor (2014, com revisão sendo realizada em 2022) marca o avanço do alinhamento do planejamento e das intervenções urbanas da capital de Santa Catarina rumo aos princípios empresariais e de cidades inteligentes, inovadoras e sustentáveis, ressonante com o discurso do circuito internacional de cidades competitivas do neoliberalismo (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Rizzo, 2013RIZZO, P. M. B. (2013). O planejamento urbano no contexto da globalização: caso do plano diretor do campeche em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.). Não à toa, uma das versões da atual revisão do Plano Diretor da cidade foi nomeada “Floripa Mais Empregos” e a associação entre as gestões municipais e empresários locais está clara nos cargos nomeados nas diferentes gestões da prefeitura municipal.

Destaca-se, nesse período, a criação do Sapiens Parque, a partir da lei complementar n. 134 de 2004. O projeto, que se caracteriza como um complexo urbano voltado a atividades de alta tecnologia, lazer e moradia, dá continuidade à política de implantação de parques tecnológicos como meio de constituição de um polo de tecnologia na capital. O Sapiens é concebido como uma Sociedade Anônima de Capital Fechado, formada por uma aliança entre entidades privadas, como a Certi, e empresas derivadas, com apoio de entidades públicas.4 4 Arruda (2019) menciona que a Sociedade Anônima é administrada pela SCPar e pela Codesc, empresa pública e de economia mista. Além disso, são constituintes da sociedade a Fundação Certi e o Instituto Sapientia, fundado a partir de um núcleo da Certi. Também apoiam o empreendimento o Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovações e a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). Na época da promulgação da lei complementar, o projeto foi defendido pelo poder público como atraidor de investimentos e gerador de empregos para a cidade e previsto em área pertencente ao governo do Estado (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Rizzo, 2013RIZZO, P. M. B. (2013). O planejamento urbano no contexto da globalização: caso do plano diretor do campeche em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Sapiens Parque, 2018c). Outro aspecto relevante diz respeito aos investimentos públicos no projeto: estimados em mais de R$100 milhões e sob justificativa de apoio ao setor de alta tecnologia e seus efeitos multiplicadores na economia local (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.). Ou seja, há um grande dispêndio de recursos públicos, que ainda incluem outras formas de incentivos, como abatimentos fiscais, sendo justificadas pelos possíveis transbordamentos para a sociedade, como mencionado na seção anterior a partir de Harvey (2014)HARVEY, D. (2014). Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes.. Salienta-se, no entanto, que o Parque pouco se relaciona com o contexto ambiental e socioeconômico do entorno, para o qual se preveem impactos negativos com a sua implantação integral, até hoje não consolidada, mesmo com o investimento em novos parques tecnológicos na cidade e na promoção da rota da inovação (Silva, 2011SILVA, B. F. da (2011). O Projeto Sapiens Parque: impactos socioeconômicos e ambientais em Florianópolis. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 13, n. 25, pp. 163- 184.).

A rota da inovação na Ilha do Silício e a reestruturação da cidade

O Sapiens Parque faz parte de uma série de desdobramentos legais e intervenções espaciais do início do século XXI, que voltaram a reafirmar a porção norte da Ilha como parte fundamental do vetor de desenvolvimento urbano da cidade. A aproximação entre os setores de tecnologia e turismo pelos ideais de exploração do território local para a economia terciária avançada e os interesses historicamente estabelecidos por grupos de alta renda do município, junto de novas empresas recém-chegadas, proporcionaram novos avanços em investimentos privados e públicos que visavam a consolidar a área setentrional como promotora de uma imagem inovadora da cidade (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Aguiar, 2015AGUIAR, A. R. de (2015). Analisando o Floripa 2030: um modelo hegemônico de cidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Lins, 2011LINS, H. N. (2011). Cidades fractais: a Ilha da Magia e seus alquimistas. Pesquisa & Debate. São Paulo, v. 22, n. 1, pp. 95-117.).

Dentre estes, é representativa a transferência da Acate do Parque Alfa para a sua sede própria, no bairro Saco Grande. O empreendimento, implantado em 2009, é atualmente denominado Centro de Inovação Acate Primavera e abriga uma incubadora, uma aceleradora, sedes de empresas, restaurantes e serviços de padrão de renda elevado, além de espaços de coworking, todos estes considerados ambientes inovadores e propulsores da economia do conhecimento. A esta última, atribuem-se, como definição geral, o acúmulo e o aproveitamento de qualificação profissional, voltada principalmente para o setor terciário avançado – por meio do fornecimento de estrutura acadêmica e/ou atração de mão de obra e/ou investimentos públicos –, como motor e essência da competitividade da cidade a longo prazo (Aguiar, 2015AGUIAR, A. R. de (2015). Analisando o Floripa 2030: um modelo hegemônico de cidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina., Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.). Ainda, o Acate Primavera margeia a SC-401, principal via de acesso ao norte do município e que é um dos principais componentes da Rota da Inovação de Florianópolis, percurso que é também chamado de “Rota do Silício Catarinense” (Capelas, 2018CAPELAS, B. (2018). ‘Rota do Silício’, SC-401 mostra evolução das startups de Florianópolis. Estado de S.Paulo. Florianópolis. Disponível em: https://link.estadao.com.br/noticias/inovacao,rota-do-silicio-sc-401-mostra-evolucao-das-startups-de-florianopolis,70002413938. Acesso em: 20 set 2021.
https://link.estadao.com.br/noticias/ino...
, n.p.).

A Rota foi proposta por uma parceria entre Prefeitura Municipal de Florianópolis, Acate, Certi e Sapiens Parque e tem como ponto de partida o Aeroporto Internacional de Florianópolis, seguindo rumo ao norte da Ilha até o Sapiens Parque e interligando “instituições consideradas chaves para o desenvolvimento do empreendedorismo tecnológico local” (Santa Catarina, 2014 apud Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina., p. 132). No seu decorrer, são perpassadas instituições de ensino, parques tecnológicos, condomínios empresariais, órgãos governamentais e outras entidades consideradas interessantes para a potencialização da produção da economia do conhecimento (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.).

Ao analisar o traçado da Rota, no entanto, algumas particularidades vêm à tona e deixam clara a relação com o corolário do planejamento estratégico e a homogeneização das cidades, como mencionado anteriormente. A primeira delas fica evidente ao cruzar o caminho da Rota da Inovação com o mapeamento de setores censitários de Florianópolis, graduados pelo fator renda domiciliar média do recenseamento do IBGE. Percebe-se que há um acompanhamento de concentração de renda ao longo do percurso, que, ao mesmo tempo, mantém-se quase em totalidade oposto aos setores em que os índices são mais baixos, como visto na Figura 2 e que mapeia a desigualdade socioespacial da cidade.

Figura 2
– Rota da inovação e renda por setor censitário de Florianópolis

Também é sintomático da aplicação do planejamento estratégico em Florianópolis, como citação anterior de Borja e Castells (apud Vainer, 2000VAINER, C. (2000). “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico”. In ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda.), que o ponto de partida da rota seja representado pelo aeroporto, que indica a entrada de atores externos – e, preferencialmente, internacionais – para fins laborais e de investimento na cidade. Ainda, passando pelas universidades e outros parques tecnológicos, o ponto final da rota é o já mencionado Sapiens Parque, no norte da Ilha e próximo de bairros da elite local e famosos balneários turísticos, como o Jurerê Internacional.

Jurerê Internacional é conhecido pela bela praia, pelas mansões e pelas festas e figura constantemente entre as imagens competitivas de Florianópolis, ao atrair não somente visitantes, mas muitos novos moradores de perfil de alta escolaridade e alta renda, que migraram para a capital catarinense nas últimas décadas. Já configurado como um bairro da cidade, o empreendimento é investimento de uma empreendedora gaúcha que contratou um escritório estadunidense para alterar o perfil da área, transformando-a em uma área de alto padrão urbanístico, contando com ampla oferta de serviços privativos, como segurança e infraestrutura de lazer diurno e noturno, e inspirada por praias internacionais como Miami (EUA) e Ibiza (Espanha). No entanto, e mesmo utilizando de um intensivo marketing voltado para as suas belezas naturais e sustentabilidade urbanística, Jurerê Internacional foi um dos alvos de investigação da Polícia Federal com relação à compra de licenças ambientais. Denominada Moeda Verde, essa operação investigou diversos empreendimentos de grande porte na ilha e seus processos de aprovação, encontrando casos de irregularidades e corrupção (TRF 4, 2019). Se Jurerê Internacional não é um caso isolado, e a própria Operação da Polícia Federal investigou outros empreendimentos na cidade, torna-se clara aqui a diferença entre a imagem reluzente e a realidade da cidade. Ainda, os beach clubs de Jurerê Internacional – estruturas construídas nos antigos pontos de apoio às atividades de lazer na praia, mas que se transformaram em espaços que recebem festas diurnas e noturnas – foram alvo de processo judicial desencadeado por conta da privatização da orla e que resulta na sentença pela demolição dos espaços construídos sobre áreas de marinha e restinga, que não haviam sido aprovados no projeto original de Jurerê Internacional (TRF 4, 2017). Ou seja, contrapõe-se o bem comum e coletivo de preservação ambiental dos ecossistemas de Florianópolis a um ideal de mercadorização da paisagem local (Siqueira, 2021SIQUEIRA, M. T. (2021). Comunidades planejadas: utopia e segregação socioespacial em Florianópolis, Brasil. Bitacora Urbano Territorial, v. 31, pp. 139-151.).

Finalmente, chama a atenção que a rota passe no centro tradicional de Florianópolis, demarcando um processo de reestruturação urbana para a implantação de um distrito criativo, denominado Centro Sapiens. Com inspiração no projeto 22@Barcelona, a área situada na ala leste do núcleo fundacional do município engloba um perímetro que abrange monumentos e edificações tombadas em nível municipal, estadual e federal e que, até meados da última década, encontrava-se em processo de precarização, após a saída de investimentos públicos e privados, incluindo a transferência do principal terminal de transporte público urbano das proximidades (Arruda, 2019ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.; Chibiaqui, 2018CHIBIAQUI, A. M. (2018). Área central de Florianópolis: implicações das propostas de revitalização urbana no espaço e na paisagem do setor leste. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.).

O projeto, originado no ano de 2015, deu-se a partir de uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Florianópolis, o Sapiens Parque e a Universidade Federal de Santa Catarina, com objetivo de fomentar atividades relacionadas à economia criativa e de serviços sob justificativa de reabilitar a área que carecia de investimentos públicos. Desde então, diversas intervenções e transformações da paisagem local vêm buscando estabelecer um caráter alinhado com atividades relacionadas à tecnologia e a serviços de nichos mercadológicos, a partir da apropriação de espaços e edificações históricas, com estabelecimentos como espaços de coworking, empresas de tecnologia, design e comunicação; hostels, comércios “criativos” e de artigos vintage – brechós e antiquários –, além de estabelecimentos gastronômicos (Via, 2018VIA (2018). Centro Sapiens: Ações para o fomento da Economia Criativa. VIA Estação Conhecimento. Florianópolis. Disponível em: https://via.ufsc.br/centrosapiensatuapara/. Acesso em: 14 ago 2022.
https://via.ufsc.br/centrosapiensatuapar...
, n.p.).

Efetivamente, o Centro Sapiens empenhou-se na aprovação de legislação municipal com “incentivos fiscais destinados a atrair a instalação de empresas startups e outras iniciativas da economia criativa no local”.5 5 Disponível em https://www.cmf.sc.gov.br/imprensa/noticias/Noticias/27/2022/215. Acesso em: 15 ago 2022. A exemplo, toma-se a ocupação do Museu da Escola Catarinense (Mesc), atualmente administrado pela Udesc, por grupos colaborativos incubadores de novos empreendimentos relacionados às atividades mencionadas anteriormente. Eles foram responsáveis, também, pela requalificação de “criatividade urbana” (Passold, 2018PASSOLD, L. (2018). Florianópolis vai ganhar primeiro coworking público. CO STUDIO. Disponível em: https://costudio.art.br/tag/praca/. Acesso em: 14 ago 2022.
https://costudio.art.br/tag/praca/...
, n.p.) da quadra de esportes denominada Square Lab e situada no terreno da edificação vizinha do museu, abandonada há 14 anos. Entretanto, a edificação vizinha, a não tão “competitiva” antiga escola Antonieta de Barros, nome da primeira deputada negra eleita no Brasil, encontra-se até hoje interditada e aguarda por manutenções e reformas, ainda que, em 2021, uma lei tenha a doado para a Udesc e definido o fim de 2022 como data-limite para que o prédio fosse reabilitado e usado para atividades educacionais e culturais voltadas à comunidade e como centro de memória e preservação da cultura negra (Santa Catarina, 2019SANTA CATARINA (2019). Lei n. 17.837 de 26 de dezembro. Autoriza a doação de imóvel no Município de Florianópolis. Diário Oficial [do] Estado de Santa Catarina, Poder Executivo. Florianópolis, SC. Acesso em: 14 ago 2022.).

Ainda, corroborando a imagem competitiva almejada, destaca-se a proposta recente da Prefeitura Municipal de substituição dos paralelepípedos tombados das ruas da área, das algumas das mais antigas da cidade, em um projeto que propõe uma “revitalização” do núcleo fundacional para melhorar a acessibilidade e “igualar Florianópolis a outras cidades do mundo”. Objeto de diversas manifestações de grupos representantes de diferentes setores que denunciam a desvalorização das raízes históricas locais em nome da padronização dos elementos que compõem a imagem da cidade, a intervenção foi interrompida pelo Ministério Público de Santa Catarina, com a alegação de que o projeto contrariava diversas leis, por não ter sido submetido aos órgãos de patrimônio, não apresentar análise de patrimônio histórico e urbanística, além de não contar com arquitetos como responsáveis técnicos (ARQSC, 2022ARQSC (2022). Movimento #vivacentroleste: manifesto reafirma urgência de melhorias para a região. Florianópolis. Disponível em: https://arqsc.com.br/movimento-vivacentroleste-manifesto-reafirma-urgencia-de-melhorias/. Acesso em: 14 ago 2022.
https://arqsc.com.br/movimento-vivacentr...
; G1 SC, 2021G1 SC (2021). Justiça suspende início de obras de revitalização do Centro Histórico de Florianópolis. Florianópolis. Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2021/12/27/justica-suspende-inicio-de-obras-de-revitalizacao-do-centro-historico-de-florianopolis.ghtml. Acesso em: 14 ago 2022.
https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/n...
).

A iniciativa do Centro Sapiens foi responsável, portanto, por uma tendência de mudança no perfil de urbanidade previamente estabelecido no local. De acordo com Chibiaqui (2018)CHIBIAQUI, A. M. (2018). Área central de Florianópolis: implicações das propostas de revitalização urbana no espaço e na paisagem do setor leste. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina., uma das premissas estabelecidas, no documento de apresentação do projeto, diz respeito à concepção do local para o público externo a ele e à cidade, inferindo-se que:

O conjunto de requisitos de qualidade de clientes, hóspedes ou turistas satisfeitos vai formar a imagem do local. A imagem formada no mercado ao longo do tempo acarreta, se for positiva, mais clientes e mais turistas. Além disso, os clientes podem ser segmentados de forma que eles gastem mais no destino. Entretanto, a lógica contrária também é verdadeira. Quanto mais negativa a imagem for no mercado, maior é a possibilidade de perder o número de clientes ou turistas, ou perder na qualidade ou dinheiro deixado nos destinos. (Centro Sapiens, 2016, apud Chibiaqui, 2018CHIBIAQUI, A. M. (2018). Área central de Florianópolis: implicações das propostas de revitalização urbana no espaço e na paisagem do setor leste. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina., p. 129)

Assim, os novos estabelecimentos e os novos projetos urbanos ali empreendidos após a concepção do Centro Sapiens apresentam características de uma cultura globalizada e ligada a grupos econômicos de renda elevada que, aos poucos, empenham-se em transformar o espaço físico e o caráter de frequentadores, com tendências claramente gentrificadoras e de exclusão de grupos socialmente vulneráveis.

Considerações finais

O urbanismo neoliberal e o planejamento estratégico desprendem-se da cultura e das necessidades efetivas locais em nome da criação de uma paisagem competitiva, de uma imagem reluzente. Buscam-se parâmetros, modelos e títulos que possam atrair investidores e, no seu rastro, resta o discurso de efeitos multiplicadores e de transbordamentos para toda a cidade, mas que nunca se concretizam. Ainda que reproduzidos dentro dos mesmos princípios e características em diversos locais do mundo, é necessário identificar como esses fluxos transnacionais circulam modelos urbanos que se disseminam globalmente e se materializam localmente, a partir de relações políticas e econômicas específicas e em formatos contextuais. Nesse sentido, ao longo do presente artigo demonstrou-se como investimentos públicos e privados, operados em Florianópolis nas últimas décadas, buscam uma aproximação das concepções de uma cidade neoliberal, focadas na extração de valor mercadológico do território e na sua promoção para empresas, turistas e novos moradores. O marketing urbano local tem se pautado, entre outros, nas qualidades ambientais e nos novos arranjos produtivos locais que encontram apoio nas universidades, instituições públicas e privadas para a promoção do turismo e das indústrias de alta tecnologia e inovação.

Discursos e imagens, no entanto, têm impactos concretos. O primeiro deles é no próprio ecossistema de uma cidade de grande riqueza e fragilidade ambiental, que vem sendo ocupada de maneira desordenada por grupos de alta e baixa renda. Embora os efeitos mais nocivos da irregularidade recaiam sobre aqueles com maior vulnerabilidade socioeconômica que foram atraídos pelas promessas de empregos e qualidade de vida, em Florianópolis, condomínios fechados, resorts e balneários, shopping centers e outros empreendimentos que aparecem nas propagandas da cidade também estão em áreas de preservação ou não seguem a regulamentação ambiental e urbanística local.

Segundo e diretamente relacionado, o planejamento urbano da cidade expõe os interesses políticos e econômicos que permeiam o seu desenvolvimento espacial e vão de encontro a opiniões técnicas. Como exemplos, temos a promoção dos balneários turísticos da Ilha antes das diretrizes propostas pelos planos urbanos e projetos de “revitalização” do centro fundacional da cidade, sem aprovações dos órgãos de preservação do patrimônio cultural ou acompanhamento de um arquiteto responsável. Ainda assim, saem do papel e são efetivamente implementadas iniciativas voltadas à proposta de um novo arranjo econômico local que integra universidades, instituições públicas e privadas, em uma rede de centros de tecnologia que se aproveitam dos incentivos fiscais, qualidades ambientais locais e trabalho remoto para fomentar a localização de empresas e seus funcionários.

Como conclusão, se nem tudo o que reluz é ouro, a promoção de novos usos residenciais e não residenciais em Florianópolis alterou a estrutura da cidade, produziu novas localizações e novas contradições e desequilíbrios territoriais, com o alargamento e intensificação das desigualdades socioespaciais. Seja pela rota da inovação ou pela Ilha da Magia, fica claro também que os títulos e slogans mascaram a face mais dura das desigualdades da cidade e que não interessam aos olhos dos investidores.

Referências

  • AGUIAR, A. R. de (2015). Analisando o Floripa 2030: um modelo hegemônico de cidade. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.
  • ARANTES, O. (2000). “Uma estratégia fatal. A cultura nas novas gestões urbanas”. In: ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda.
  • ARQSC (2022). Movimento #vivacentroleste: manifesto reafirma urgência de melhorias para a região. Florianópolis. Disponível em: https://arqsc.com.br/movimento-vivacentroleste-manifesto-reafirma-urgencia-de-melhorias/ Acesso em: 14 ago 2022.
    » https://arqsc.com.br/movimento-vivacentroleste-manifesto-reafirma-urgencia-de-melhorias/
  • ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.
  • BRASIL (2001). Presidência da República. Lei n. 10.257, de 10 de julho. Regulamenta os mis. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 jul. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm Acesso em: 14 dez 2020.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm
  • BRENNER, N.; THEODORE, N. (2002). Cities and the geographies of actually existing neoliberalism. Antipode, v. 34, n. 3, pp. 349-379.
  • BRENNER, N.; PECK, J.; THEODORE, N. (2012). Após a neoliberalização? Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 27, n. 14, pp. 15-39.
  • CAPELAS, B. (2018). ‘Rota do Silício’, SC-401 mostra evolução das startups de Florianópolis. Estado de S.Paulo. Florianópolis. Disponível em: https://link.estadao.com.br/noticias/inovacao,rota-do-silicio-sc-401-mostra-evolucao-das-startups-de-florianopolis,70002413938 Acesso em: 20 set 2021.
    » https://link.estadao.com.br/noticias/inovacao,rota-do-silicio-sc-401-mostra-evolucao-das-startups-de-florianopolis,70002413938
  • CARVALHO, M. (2000). Cidade global: anotações críticas sobre um conceito. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v. 14, n. 4.
  • CHIBIAQUI, A. M. (2018). Área central de Florianópolis: implicações das propostas de revitalização urbana no espaço e na paisagem do setor leste. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.
  • COUTINHO, S. M. V.; VASCONCELLOS, M. da P.; ABÍLIO, C. C. C.; ALVARENGA NETO, C. A. (2019). Indicadores para cidades inteligentes: a emergência de um novo clichê. Revista de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, v. 8, n. 2, pp. 389-405. Universidade Nove de Julho.
  • ENGELMANN, I. (2021). Como o setor de tecnologia ajudou a colocar três cidades de SC entre as mais atrativas para novos negócios. Diário Catarinense. Florianópolis. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/noticias/como-o-setor-de-tecnologia-ajudou-a-colocar-tres-cidades-catarinenses-entre-as-mais Acesso em: 14 ago 2022.
    » https://www.nsctotal.com.br/noticias/como-o-setor-de-tecnologia-ajudou-a-colocar-tres-cidades-catarinenses-entre-as-mais
  • FERREIRA, J. S. W. (2003). São Paulo: o mito da cidade global. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
  • FILGUEIRAS, L. (2006). “O neoliberalismo no Brasil: estrutura, dinâmica e ajuste do modelo econômico”. In: BASUALDO, E. M.; ARCEO, E. Neoliberalismo y sectores dominantes. Tendencias globales y experiencias nacionales. Buenos Aires, Clacso, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales.
  • G1 SC (2021). Justiça suspende início de obras de revitalização do Centro Histórico de Florianópolis. Florianópolis. Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2021/12/27/justica-suspende-inicio-de-obras-de-revitalizacao-do-centro-historico-de-florianopolis.ghtml Acesso em: 14 ago 2022.
    » https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2021/12/27/justica-suspende-inicio-de-obras-de-revitalizacao-do-centro-historico-de-florianopolis.ghtml
  • HARVEY, D. (1989). Condição pós moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, Loyola.
  • HARVEY, D. (1996). Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & Debates: revista de estudos regionais e urbanos, ano XVI, n. 39, pp. 48-64.
  • HARVEY, D. (2008). O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo, Loyola.
  • HARVEY, D. (2014). Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes.
  • IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2022). Downloads. Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/downloads-geociencias.html Acesso em: 11 nov 2022.
    » https://www.ibge.gov.br/geociencias/downloads-geociencias.html
  • ILOG TECNOLOGIA (2018). Ilog na Rota da Inovação. Estado de S.Paulo. Florianópolis. Disponível em: https://www.ilog.com.br/blog/novidades/ilog-na-rota-da-inovacao/ Acesso em: 14 ago 2022.
    » https://www.ilog.com.br/blog/novidades/ilog-na-rota-da-inovacao/
  • KAYSER, E. (2019). Neoliberalismo e temporalidade. In: XXX SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA. Recife, Associação Nacional de História.
  • LEITE, C.; AWAD, J. C. M. (2012). Cidades sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto Alegre, Bookman.
  • LINS, H. N. (2011). Cidades fractais: a Ilha da Magia e seus alquimistas. Pesquisa & Debate. São Paulo, v. 22, n. 1, pp. 95-117.
  • MARICATO, E. (2000). “Planejamento urbano no Brasil: as ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”. In: ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.
  • MARICATO, E.; FERREIRA, J. S. W. (2002). “Operação urbana consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?”. In: OSÓRIO, L. M. (org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor.
  • PASSOLD, L. (2018). Florianópolis vai ganhar primeiro coworking público. CO STUDIO. Disponível em: https://costudio.art.br/tag/praca/ Acesso em: 14 ago 2022.
    » https://costudio.art.br/tag/praca/
  • RIZZO, P. M. B. (2013). O planejamento urbano no contexto da globalização: caso do plano diretor do campeche em Florianópolis. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.
  • ROLNIK, R. (2009). Democracia no fio da navalha: limites e possibilidades para a implementação de uma agenda de Reforma Urbana no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 11, n. 2, pp. 31-50.
  • ROLNIK, R. (2013). “Dez anos do Estatuto da cidade: das lutas pela reforma urbana às cidades da Copa do Mundo”. In: RIBEIRO, A. C. T.; VAZ, L. F.; SILVA, M. L. P. da. Leituras da cidade. Rio de Janeiro, Letra Capital.
  • SANTA CATARINA (2019). Lei n. 17.837 de 26 de dezembro. Autoriza a doação de imóvel no Município de Florianópolis. Diário Oficial [do] Estado de Santa Catarina, Poder Executivo. Florianópolis, SC. Acesso em: 14 ago 2022.
  • SANTOS, E. A. C. (2018). Por uma teoria crítica do neoliberalismo: Marcuse no século XXI. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
  • SAPIENS PARQUE (2018c). Sobre o Sapiens. Sapiens Parque. Florianópolis. Disponível em: http://sapiensparque.sc.gov.br/sobre/ Acesso em: 14 ago 2022.
    » http://sapiensparque.sc.gov.br/sobre/
  • SASSEN, S. (2001). The global city: New York, London, Tokyo. Princeton, Princeton University Press.
  • SILVA, B. F. da (2011). O Projeto Sapiens Parque: impactos socioeconômicos e ambientais em Florianópolis. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 13, n. 25, pp. 163- 184.
  • SIQUEIRA, M. T. (2021). Comunidades planejadas: utopia e segregação socioespacial em Florianópolis, Brasil. Bitacora Urbano Territorial, v. 31, pp. 139-151.
  • SMITH, N. (1996). The new urban frontier: gentrification and the revanchist city. Londres, Routledge.
  • SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora UFSC.
  • TRF4 – Tribunal Regional Federal da 4a Região (2017). Beach Clubs de Jurerê Internacional: TRF4 mantém postos de praia originais e manda demolir construções excedentes. Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=13252&tw=1. Acesso em: 13 dez 2022.
    » https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=13252&tw=1
  • TRF4 – Tribunal Regional Federal da 4a Região (2019). Operação Moeda Verde: TRF4 conclui julgamento de recurso dos réus. Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=14555. Acesso em: 13 dez 2022.
    » https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=14555
  • VAINER, C. (2000). “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico”. In ARANTES, O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, Coleção Zero à Esquerda.
  • VIA (2018). Centro Sapiens: Ações para o fomento da Economia Criativa. VIA Estação Conhecimento. Florianópolis. Disponível em: https://via.ufsc.br/centrosapiensatuapara/ Acesso em: 14 ago 2022.
    » https://via.ufsc.br/centrosapiensatuapara/

Notas

  • 1
    Disponível: em https://www.youtube.com/watch?v=pHCZN0613pU. Acesso em: 15 ago 2022.
  • 2
    Segundo Coutinho et al. (2019)COUTINHO, S. M. V.; VASCONCELLOS, M. da P.; ABÍLIO, C. C. C.; ALVARENGA NETO, C. A. (2019). Indicadores para cidades inteligentes: a emergência de um novo clichê. Revista de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, v. 8, n. 2, pp. 389-405. Universidade Nove de Julho., o conceito de “cidade inteligente” ganha visibilidade em 2010, na Europa, em um contexto de reestruturação de indústrias de energia, focado em produções mais limpas e sustentáveis. No entanto, os autores inferem que a ideia é sustentada por grandes multinacionais das indústrias de tecnologia e serviços desde o começo do século XXI, visando à geração de novos mercados no setor. Em resumo, uma cidade inteligente é aquela que admite a influência das novas tecnologias de comunicação e informação no seu planejamento e administração (através de indicadores de desempenho) enquanto investe em áreas específicas do conhecimento, voltadas para empreendedorismo, comunicação, inovação tecnológica, design e outras profissões relativas à criatividade. Assim, é visada a otimização da cidade, para torná-la mais competitiva do ponto de vista do mercado internacional, cada vez mais conectado (Leite e Awad, 2012LEITE, C.; AWAD, J. C. M. (2012). Cidades sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto Alegre, Bookman.).
  • 3
    A implantação da universidade no bairro mencionado, em 1960, representou, segundo Sugai (2015SUGAI, M. I. (2015). Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis, Editora UFSC., p. 92): “não apenas a abertura de uma nova frente para o capital imobiliário, mas, também, um indicador de que a área estava destinada à ocupação e expansão das elites”.
  • 4
    Arruda (2019)ARRUDA, M. E. I. (2019). Intenções, instituições e território: a trama da espacialização do setor de tecnologia e inovação em Florianópolis. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina. menciona que a Sociedade Anônima é administrada pela SCPar e pela Codesc, empresa pública e de economia mista. Além disso, são constituintes da sociedade a Fundação Certi e o Instituto Sapientia, fundado a partir de um núcleo da Certi. Também apoiam o empreendimento o Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovações e a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc).
  • 5

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2022
  • Aceito
    31 Out 2022
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Rua Ministro de Godói, 969 - 4° andar - sala 4E20 - Perdizes, 05015-001 - São Paulo - SP - Brasil , Telefone: (55-11) 94148.9100 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cadernosmetropole@outlook.com