Acessibilidade / Reportar erro

Precarização do trabalho docente: plataformas de ensino no contexto da fábrica difusa

Resumo

Este artigo discute questões relativas às diversas iniciativas de plataformização do trabalho docente no contexto atual. O trabalho consiste num esforço empírico de localização e cotejamento de plataformas digitais de ensino, propondo, também, uma análise crítica sustentada por corpo bibliográfico e analítico pertinente. O principal objetivo é indicar, por meio de uma análise sistematizada, como podem se operar, via plataformas digitais de ensino, o sequestro e a precarização do trabalho docente, dissimulado por uma semântica neoliberal que busca conferir edulcoradas associações de sentido idiomático (autonomia, empreendedorismo, etc.) a um processo em que aqueles que trabalham para ou sob o controle das plataformas digitais acabam sendo prejudicados.

educação; precarização; plataformas digitais; fábrica difusa; algoritmos

Abstract

This article discusses issues related to various initiatives for the platformization of teaching work in the current context. The study consists of an empirical effort to locate and compare digital teaching platforms, and proposes a critical analysis supported by a relevant bibliographic and analytical body. The main objective is to show, through a systematized analysis, how the kidnapping and precarization of teaching work via digital teaching platforms can occur. These operations are concealed by a neoliberal semantics that seeks to confer soothed idiomatic meaning associations (autonomy, entrepreneurship etc.) on a process in which those who work for or under the control of digital platforms end up being harmed.

education; precarization; digital platforms; diffuse factory; algorithms

Introdução

O presente artigo tem como premissa problematizar a questão da precarização do trabalho docente em face das novas tecnologias de comunicação e informação, compreendendo esse fenômeno como uma variante de um processo de reorganização da cadeia produtiva iniciado na segunda metade do século XX, denominado por intelectuais italianos fábrica difusa ( Negri, 2006NEGRI, A. (2006). Adeus, Sr. Socialismo. Que futuro para a esquerda? Porto, Ambar. ).

Tal processo marcado pela automatização, terceirização, descentralização e flexibilização das plantas industriais se impõe a partir dos anos de 1970 como forma de desmobilizar movimentos operários europeus, sobretudo, na Itália. No século XXI, a dispersão geográfica dos processos produtivos pelas periferias globais, em busca de mão de obra barata, isenções fiscais e legislação trabalhista flexível ou inexistente, converte-se em tendência global facilitada pelo avanço das redes telemáticas e informáticas, possibilitando trocas de informação instantâneas ( Lazzarato e Negri, 2001LAZZARATO, M.; NEGRI, A. (2001). Trabajo inmaterial: formas de vida y producción de subjetividade . Rio de Janeiro, DPA Editora. ).

A base empírica deste trabalho resulta de incursões de análise e cotejamento, em plataformas digitais de ensino. O resultado desse levantamento é tratado a partir de bibliografia crítica, buscando-se sustentar a hipótese de que, ao sabor dos algoritmos, num contexto de capitalismo industrial de plataforma (Amorim, Moreira e Bridi, 2022), o trabalho docente sofre, a partir da plataformização, um dramático processo de precarização, equivalente ao que ocorre em outras bases, como, por exemplo, a Uber.

Ancorando epistemicamente as análises está o pressuposto geral de que as tecnologias de comunicação, desde suas formas físicas mais simples às mais avançadas, não são apenas meios de expressão, mas, também, meios de produção. Com efeito, a comunicação e os seus meios materiais são intrínsecos a todas as formas humanas de trabalho e de organização social, tornando-se elementos indispensáveis tanto para as forças produtivas quanto para as relações sociais de produção e de poder daí decorrentes ( Williams, 1999WILLIAMS, R. (1999). Cultura e materialismo . São Paulo, Editora Unesp. , p. 71).

As linhas a seguir assumem, portanto, que as tecnologias informacionais e comunicativas não são apenas meios de expressão ou difusão, mas, antes, engendradoras de relações sociais de produção. Com efeito, a partir desse pressuposto, buscamos traçar um panorama crítico acerca dos processos de digitalização do ensino por parte dos chamados Learning Management Systems e de seus possíveis efeitos em termos de sequestro e precarização/uberização do trabalho docente.

Nesse contexto, não se pode desconsiderar as pressões sociais e econômicas, que têm atuado negativamente na oferta de trabalho docente no mercado formal, colaborando, num processo mais geral, com a facilitação da cooptação de professores para as plataformas digitais de ensino.

Assim, numa primeira etapa, o artigo apresenta a situação do trabalho no contexto brasileiro nos anos pré e imediatamente posteriores à pandemia de covid-19, tendo como ponto de partida a reforma trabalhista (lei n. 13.467, de 2017). O recorte não é aleatório, antes, serve para demarcar os desafios que o campo do trabalho formal e remunerado vem enfrentando no Brasil e, nesse enquadramento, o trabalho docente.

Na segunda etapa, decorrente da primeira, o artigo busca apresentar uma radiografia feita em plataformas digitais de conteúdo que oferecem tanto cursos rápidos quanto aulas de reforço ou mesmo palestras temáticas oferecendo, aos usuários/estudantes, mediante pagamento de taxas ou mensalidades, conexão síncrona e/ou assíncrona com professores ali cadastrados. Nesse ambiente, qual seja, o de serviços educacionais plataformizados, defende-se o argumento de que os professores encontram condições – problemáticas – de trabalho análogas às vistas na plataforma Uber. Sustenta-se, por fim, que a falta de regulamentação alimenta, por detrás de um discurso edulcorado de empreendedorismo, a precarização do trabalho docente.

Tudo isso se desenrolando numa contemporaneidade engendrada pelo compartilhamento coletivo de uma experiência temporal afetada: pelas catástrofes climáticas; pelo impacto da ação humana na terra em níveis ineditamente geológicos; pelo flagelo das pandemias; pela insegurança econômica diante de economias altamente tensionadas, conectadas e voláteis; pela obsolescência e desaparecimento de profissões tradicionais ou, no limite, em sua forma tradicional; por intranquilidades psíquicas geradas pela exposição das domesticidades, inadvertida ou voluntariamente, numa profusão alucinante de posts em plataformas de redes sociais digitais; pela ubiquidade do trabalho que se desenrola, na chamada fábrica difusa ( Negri, 2006NEGRI, A. (2006). Adeus, Sr. Socialismo. Que futuro para a esquerda? Porto, Ambar. ), a todo tempo e a todo lugar; pelos impactos e pressões desses elementos na configuração e ocupação das cidades. Ou seja, as linhas a seguir buscam uma abordagem acerca da precarização do trabalho docente nos tempos que alguns têm convencionado chamar Antropoceno ( Latour, 1994LATOUR, B. (1994). Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica . Rio de Janeiro, Editora 34. ; Turin, 2019TURIN, R. (2019). Tempos precários . Rio de Janeiro, Zazie edições. ).

Empreendedorismo ou precarização

Desde a década de 1990, o Brasil vem experimentando uma tendência crescente de precarização do trabalho. Essa situação que antes se concretizava a partir de formas atípicas de contratação, como trabalho temporário, autônomo, terceirizado, entre outras, recebeu uma chancela formal no Brasil da segunda década do século XXI. Corroborando essa tendência geral no mundo do trabalho, marcadamente, neoliberal, a reforma trabalhista (lei n. 13.467, de 2017) ratificou mudanças, nas regras sobre jornada de trabalho, remuneração e plano de carreira. Com a justificativa formal de gerar mais empregos, mas, também, atendendo às pressões de empregadores, essa reforma incorporaria, na prática, um léxico corrente tipicamente neoliberal. Destacam-se os chavões “flexibilidade”, “capacidades”, “resiliência”, “empreendedorismo” que, para além de simples palavras, têm tido, mesmo, um impacto semântico na configuração das subjetividades contemporâneas que, para o bem ou, talvez, mais para o mal, ainda está por ser medido ( Lazzarato e Negri, 2001LAZZARATO, M.; NEGRI, A. (2001). Trabajo inmaterial: formas de vida y producción de subjetividade . Rio de Janeiro, DPA Editora. ; Leary, 2018LEARY, J. P. (2018). Keywords: the new language of capitalism. Chicago, Haymarket Books. ; Turin, 2019TURIN, R. (2019). Tempos precários . Rio de Janeiro, Zazie edições. ).

Em todo caso, se a justificativa era gerar novos empregos a partir da flexibilização do mercado de trabalho, simplificando as relações entre trabalhadores e patrões, os anos subsequentes evidenciaram que essa reforma não surtiu os efeitos desejados. Senão, vejamos uma série de dados levantados pelo IBGE e aqui relacionados.

O número de empregados sem carteira assinada, em acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Pnad Contínua, divulgada em novembro de 2022, foi estimado em 13 milhões e 212 mil. Já a população desocupada, ou seja, aquelas pessoas que não tinham trabalho, num determinado período de referência, mas estavam dispostas a trabalhar e que, para isso, tomaram alguma providência efetiva nos últimos 30 dias, foi estimada em cerca de 9 milhões e 460 mil pessoas (IBGE, 2022a). Essas taxas de desocupação são as maiores desde a série histórica iniciada em 2012.

Os índices de pobreza também figuram entre os maiores da série histórica. Em 2021, considerando-se os marcadores de pobreza estabelecidos pelo Banco Mundial, o Brasil chegou à triste marca de 62,5 milhões de pessoas (quase 30% da população do País) nessa situação e, ainda, 17,9 milhões (8,4% de nossa população) em extrema pobreza. Trata-se de um aumento recorde desde o início da série, também, em 2012. Não menos importante e trágica é constatação de que, em 2021, todas as faixas de renda apresentaram queda no rendimento domiciliar per capita médio, sendo o recuo maior entre os mais pobres (IBGE, 2022b).

Para além do recrudescimento dos índices de pobreza, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2019 – Acidentes, violência, doenças transmissíveis, atividade sexual, características do trabalho e apoio social, um pouco anterior e, também, do IBGE, sinaliza que, no Brasil de 2019, 3,5 milhões de indivíduos interromperam suas atividades rotineiras devido a violências sofridas de ordem psicológica, física ou sexual. Desse conjunto, as mulheres (15,4%) foram as mais impactadas em comparação aos homens (7,6%), assim como pessoas autodeclaradas negras (14,5%) em contraste com 11,0% das pessoas autodeclaradas brancas e 12,2% das pardas ( IBGE, 2019IBGE (2019). Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2019 – Acidentes, violência, doenças transmissíveis, atividade sexual, características do trabalho e apoio social. Disponível em: < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/35687-em-2021-pobreza-tem-aumento-recorde-e-atinge-62-5-milhoes-de-pessoas-maior-nivel-desde-2012 >. Acesso em: 31 maio 2023.
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
).

Esses indicadores, a saber, desocupação, pobreza e violência, corroboram, portanto, críticas importantes à reforma trabalhista (lei n. 13.467, de 2017), demonstrando uma realidade muito mais dura do que aquela idealizada a partir dos termos tão caros ao léxico neoliberal “flexibilização”, “inovação”, “resiliência”, etc., que, por sua vez, foram mobilizados para justificar sua implantação. Realidade atravessada e catalisada, é bom que se diga, pelo contexto pandêmico. Nesse cenário, um elemento fundamental a ser considerado são as transformações tecnológicas que, se por um lado possibilitaram a emergência de novos espaços de trabalho, por outro, provocaram modificações nas relações e condições empregatícias, muitas delas engendradas e legitimadas pela reforma trabalhista.

O setor educacional, por sua vez, já pressionado antes pelas mudanças na configuração da reforma de 2017 sofrerá, assim, novo impacto com o advento da pandemia da covid-19. Nesse contexto, o que se viu foi uma impressionante aceleração do processo de digitalização da educação, acompanhando o que ocorria na sociedade como um todo. Em pouquíssimo tempo, professores e demais profissionais da área educacional precisaram se adaptar às novas exigências, mergulhando em processo disruptivo de transformação de suas práticas pedagógicas, inclusive, da gestão educacional, nas quais as tecnologias digitais, que já vinham ganhando importância, passaram a figurar no centro das atenções ( Nóvoa e Alvim, 2020NÓVOA, A.; ALVIM, Y. C. (2020). Os professores depois da Pandemia. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/mvX3xShv5C7dsMtLKTS75PB/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 10 fev 2022.
https://www.scielo.br/j/es/a/mvX3xShv5C7...
, p. 1).

Atuar em home office (improvisando espaços de transmissão doméstica), utilizar redes sociais, aplicativos de interação, games , gravar vídeos, produzir conteúdo para disponibilizar em rede, entre outras práticas, tornaram-se aptidão necessária à docência. Não se trataria apenas de uma mudança de forma. Ao habitar as mais variadas plataformas de web conferências, os professores passaram a enfrentar a contingência de falar para uma audiência invisível, sem saber se estavam sendo vistos e ouvidos e quando sim, tampouco, por quem estavam sendo observados. Se um suposto ensino ocorria, a verificação das aprendizagens ficou bastante deficitária. Além disso, sem muito preparo, de forma repentina, os professores tiveram que aprender a lidar com uma geração que aprende por memes e que, cada vez mais, na transição veloz das telas, vai associando o raciocinar/aprender a partir do enquadre do risível, do lúdico e do efêmero.

Nesse contexto de sobrecarga e insegurança laboral, situações de adoecimento de professores (depressão, síndrome de Burnout, estresse, ansiedade moderada ou grave) que, antes já existiam, com o advento da pandemia, se agravaram. É o que aponta Guimarães (2021)GUIMARÃES, L. M. da S. (2021). O ensino remoto emergencial e o mal-estar docente: uma análise dos seus impactos sobre as condições de trabalho dos professores de Sociologia no Estado do Paraná diante da pandemia de covid-19. Dissertação de mestrado. Curitiba, Universidade Federal do Paraná. em investigação sobre as condições de trabalho dos professores de sociologia, no Paraná, durante o período pandêmico. Não será surpreendente perceber quadros semelhantes no restante do País. Mobilizando dados do Ministério da Educação, Pereira, Santos e Manenti (2020) indicam que a difícil ou, mesmo, não adaptação à nova realidade de trabalho (remota e em período pandêmico) levou professores ao adoecimento físico e mental, implicando afastamentos por motivos de saúde, demissões, inclusive voluntárias.

Conforme delineiam Previtali e Fagini (2022), que analisaram o trabalho docente na Educação Básica Brasileira, especialmente a partir do advento da pandemia em meio à difusão do teletrabalho no bojo da Indústria 4.0, capitalismo neoliberal e da Nova Gestão Pública (NGP), o emprego repentino das novas tecnologias implicou o “aprofundamento da já precarizada carreira docente sob a pandemia”. Seguindo à risca o receituário neoliberal propalado pelo mundo globalizado, tais processos enfatizaram “processos de privatização e terceirização de forma a tornar serviços públicos nichos de negócios para o capital” (ibid., p. 157; itálico no original). É, justamente, de alguns desses nichos que trata este artigo.

Antes, porém, cabe advertir que não se trata aqui de atacar gratuitamente as novas tecnologias da comunicação, propalando uma nostalgia e o retorno ao pó de giz de calcário e ao quadro negro. As novas tecnologias da comunicação, a telemática, estão aí e são inescapáveis. Porém, é um perigo grave encará-las ingenuamente como panaceias. Deve-se, de forma atenta e cautelosa, levantar atenção às ciladas inerentes elas.

Entre tais armadilhas está a crença de que a tão propalada liberdade conquistada com a utilização das novas tecnologias digitais, a flexibilização de horários de trabalho, a autonomia do trabalhador são gratuitas. Na verdade, elas têm um preço. O argumento que se segue procura demonstrar que a digitalização do ensino, da maneira como tem sido feita, adquire a forma de dispositivo tal como empregado por Giorgio Agamben: uma estrutura de poder que opera em múltiplos níveis, incluindo a regulação do comportamento, a produção de subjetividades, a gestão de informações e a organização da vida social (Agamben, 2019).

Mais do que meios de comunicação, os Learning Management Systems são engendradores de relações sociais de produção, em que, num sistema de trocas desiguais, o lado precarizado é o do professor que, agora, vê seu esforço laboral cooptado, plataformizado, num processo entendido por especialistas como tributário de uma nova fase do capitalismo na qual a exploração econômica dos dados, mobilizando e mobilizados pelos algoritmos, ocupa lugar central nos novos empreendimentos privados ( Srnicek, 2017SRNICEK, N. (2017). Platform capitalism . Cambridge, Polity Press. ).

Fábrica difusa, Capitalismo de Plataforma e Capitalismo Industrial de Plataforma

Srnicek (2017)SRNICEK, N. (2017). Platform capitalism . Cambridge, Polity Press. denominou capitalismo de plataforma, o processo contemporâneo de acumulação financeira que supõe novos modelos de negócio nos quais os algoritmos e os dados, controlados e extraídos das redes telemáticas plataformizadas, têm papel preponderante.

Indo além e partindo do pressuposto de que os processos de acumulação financeira e exploração de trabalho via plataformas correspondem, na realidade, a uma comprovação empírica de reiteração histórica e, mais do que isso, da radicalização e do alastramento das lógicas industriais, Amorim, Moreira e Birdi (2022) acrescentaram industrial à expressão cunhada por Srnicek.

As iniciativas de nomear tecnicamente os processos contemporâneos de acumulação financeira, que admitem novos modelos de negócio, de aferição de lucros, de exploração do trabalho, são múltiplas e desafiadoras. No caso do capitalismo e de suas formas contemporâneas, a situação complica-se pela alta volatilidade dos fenômenos em curso. O presente artigo não tem por escopo uma iniciativa epistemológica em busca da nomeação mais precisa a definir o contexto atual do capitalismo. Procura, na verdade, mobilizar conceitos que podem ser usados como chave de compreensão e delimitação específica dos eventos que ocorrem dentro das Learning Management Systems , dando maior atenção à precarização do trabalho. Nessa direção, tendo em vista que a fórmula capitalismo industrial de plataforma assume as plataformas digitais, como “uma síntese da forma-indústria e uma das formas centrais contemporâneas de extração de sobretrabalho” (Amorim, Moreira e Birdi, 2022, p. 2), ela enquadra muito bem as situações que serão explicitadas na sequência deste artigo.

Do mesmo modo, aciona-se o conceito de fábrica difusa ( Negri, 2006NEGRI, A. (2006). Adeus, Sr. Socialismo. Que futuro para a esquerda? Porto, Ambar. ). Esse conceito é válido às intenções deste artigo na medida em que, como indicado antes, assinala os processos de dispersão, espraiamento e ubiquidade das cadeias de exploração do trabalho, que, como se defende, são marcas das plataformas. De mais a mais, confere traço de historicidade, sinalizando os processos de luta dos trabalhadores e a reacomodação do setor fabril a partir da década de 1970 do século XX que, por sua vez, deu arranque a processos de dispersão dos parques fabris e de suas linhas de produção.

A exploração do trabalho que antes era uma batalha na fábrica (entre os trabalhadores no chão e os patrões no centro de controle) ( Decca, 2004DECCA, E. S. DE. (2004). O nascimento das fábricas . São Paulo, Brasiliense. ) vai, aos poucos, ganhando novos contornos no capitalismo industrial de plataforma , advindos da sofisticação tecnológica e dos meios de controle laboral que ele possibilita. Se, na fábrica tradicional, os meios de produção ficavam nas mãos dos donos dos empreendimentos, no capitalismo industrial de plataforma, eles pertencem ao trabalhador. Tome-se o caso da Uber. Como se sabe, nessa plataforma o profissional precisa ingressar no mercado de trabalho levando, às suas expensas, todo o material necessário para a realização do serviço. Assim, ele deve arcar com o carro, a gasolina, a troca de óleo e o rodízio de pneus. Trata-se do processo de autogerenciamento subordinado, usando os termos de Abílio (2019)ABÍLIO, L. (2019). Uberização do trabalho: uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Revista Psicoperspectivas: Individuo y sociedad, v. 18, n. 3, pp. 1-11. .

Em outros casos de profissionais plataformizados, como no de uma manicure, por exemplo, o material de trabalho (alicates, esmaltes e demais aparatos) recai sob sua responsabilidade ( Abílio, 2017ABÍLIO, L. (2017). Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Campinas, Passa Palavra. Disponível em: https://passapalavra.info/2017/02/110685/. Acesso em: 1º jun 2023.
https://passapalavra.info/2017/02/110685...
). Se é um designer , é preciso que ele pague pelas licenças dos softwares bem como um computador potente e a conta de luz (André, Da Silva e Nascimento, 2019).

Nesse contexto, o proletário distancia-se daquele tradicionalmente descrito por Marx (2011)MARX, K. (2011). O capital . São Paulo, Boitempo. que ocupa o chão de fábrica. Isso porque, como indicamos antes, a fábrica mudou. Se, na fábrica têxtil discutida por Marx, o tempo (das jornadas abusivas até as de oito horas com intervalo, conquistadas a partir da luta histórica dos trabalhadores) e o espaço (dos galpões insalubres e inseguros) eram bem definidos; atualmente temos a fábrica difusa, que funciona a qualquer hora, em qualquer lugar, na qual o tempo e o espaço são subjugados em prol da aferição de lucros mediante cooptação de sobretrabalho.

O tempo transforma-se em todo o tempo que o trabalhador aguentar trabalhar, e o espaço transforma-se em toda cidade ou região a que o trabalhador conseguir chegar. Não existem mais limites nessa nova organização da cadeia produtiva. Nesse contexto de capitalismo industrial de plataforma (Amorim, Moreira e Birdi, 2022), há uma gigantesca ampliação da informalidade do trabalhador, com uma exploração direta dessa informalidade.

Com a expansão da relação de serviços, a terceirização e a produção que se confunde com o próprio território da cidade, percebemos um desmanche da proteção trabalhista social. Podemos dizer, também, que a flexibilidade do trabalho, que é alardeada pelas empresas, acaba por transferir os riscos e a insegurança para o trabalhador ( Standing, 2013STANDING, G. (2013). O precariado: a nova classe perigosa . Belo Horizonte, Autêntica. ).

Além disso, por meio dos computadores, smartphones e algoritmos das plataformas, que nunca param de notificar o indivíduo, temos uma invasão do espaço doméstico ( Bruno, 2009BRUNO, M. (2009). O novo homo economicus (do assujeitamento à servidão efetiva). Omarrare, n. 10, pp. 33-38. ). O trabalhador da fábrica difusa permanece trabalhando o quanto ele aguentar, até onde ele puder ir. Esse processo de precarização é tão multidimensional que afeta o sujeito em seus aspectos psicossociais, tanto dentro quanto fora do trabalho, chegando ao ponto de engendrar uma nova subjetividade (Franco, Druck e Selingmann-Silva, 2010).

A precarização parece ser evidente, quando analisada de forma distante do problema. Contudo, esse caráter ubíquo da fábrica difusa leva os trabalhadores a uma relação de simbiose, no sentido psicanalítico do termo, em que a ligação é tão íntima que prejudica a racionalização, as capacidades críticas dos trabalhadores e, não raro, retira-lhes a força para procurarem outros empregos ( Cant, 2021CANT, C. (2021). Delivery Fight! São Paulo, Veneta. ).

Para Cant (ibid.), o magnetismo discursivo das plataformas é grande, oferecendo, como atrativos, altos ganhos e independência total, como atesta a própria propaganda da Uber, senão, vejamos:

faça um bom dinheiro; você pode dirigir e ganhar tanto quanto você quiser; quanto mais você dirigir, mais você ganhará; defina seu próprio horário; sem escritório nem chefe; isso significa que você pode começar e parar quando quiser; e, na Uber, é você quem manda. (Uber, 2023)

Num contexto de regressões empregatícias, a propaganda é, de fato, muito persuasiva. Porém, ela alimenta uma espécie de ciclo vicioso que aprisiona o trabalhador, como informam Slee (2017)SLEE, T. (2017). Uberização. São Paulo, Elefante. e Cant (2021)CANT, C. (2021). Delivery Fight! São Paulo, Veneta. . Mas, para além do discurso sedutor, ainda há – perigosamente escondida – uma outra ferramenta que mobiliza esse ciclo, os algoritmos. A compreensão dos processos de precarização do trabalho contemporâneo, por meio da cooptação de trabalhadores por plataformas digitais, passa, inescapavelmente, pelos algoritmos.

Alan Turing, matemático inglês, em 1936, definiu algoritmos como um conjunto não ambíguo e ordenado de passos executáveis que definem um processo finito ( Turing, 1936TURING, A. (1936). On computable numbers, with an application to the entscheidungsproblem. On computable Numbers, n. 12, pp. 230-265. ). Ou seja, um algoritmo é um conjunto de regras e procedimentos lógicos que, com um determinado número de etapas, pretende levar à solução de um problema previamente definido ( Santos, 2022SANTOS, R. O. (2022). Redes sociais digitais na educação brasileira: seus perigos e suas possibilidades. São Paulo, Artesanato Educacional. ).

São os algoritmos os maiores ativos das empresas no contexto do capitalismo industrial de plataforma. São essas complexas operações matemáticas que definem, no caso de viagens de Uber, por exemplo, qual motorista vai pegar determinado passageiro e vice-versa. Slee (2017)SLEE, T. (2017). Uberização. São Paulo, Elefante. chama esse processo de economia de compartilhamento e o define como uma nova onda de negócios que se utilizam da internet aberta e de algoritmos proprietários para conectar consumidores com provedores de serviço, com a promessa de ajudar pessoas a tomar o controle de suas vidas, tornando-as microempresárias, empreendedoras de seu próprio negócio.

Novamente, os jargões com um forte apelo psicológico disfarçam o fato de que, desconhecendo a lógica algorítmica, escapam aos trabalhadores as intencionalidades das empresas para qual trabalham e a compreensão do processo que determina suas condições e jornada de trabalho. Qualquer tentativa de reação nesse caso tende a ser quixotesca.

Outro dado importante é o fato de que empresas, ao estilo Uber, têm como característica o fato de não terem funcionários. Segundo seus estatutos, todos os trabalhadores são meramente “parceiros”, um eufemismo para o termo “trabalhador precarizado”, já que, como dissemos, todos os ônus do negócio recaem sobre ele. Para Franco, Druck e Seligmann-Silva (2010, p. 231), as precarizações constantes na vida do trabalhador “são processos de dominação que mesclam insegurança, incerteza, sujeição, competição, proliferação da desconfiança e do individualismo, sequestro do tempo e da subjetividade”.

Mais do que apenas os ônus financeiros, recai sobre o trabalhador precarizado também o ônus da qualidade do serviço, que é medida por meio de algum sistema de reputação. Praticamente todas as empresas que trabalham de forma a precarizar o trabalhador submetem seus “parceiros” a serem julgados pelos tomadores de serviço. Com sistemas de notas ou estrelinhas, o indivíduo que contrata o prestador de serviço tem o direito de fazer uma avaliação daquele serviço prestado.

Essas avaliações, entretanto, são atravessadas por subjetividades diversas (de crises de mau humor, projeções psíquicas e, até mesmo, sexismo ou racismo) que, não raro, são injustas em relação aos trabalhadores. Não menos importante, tais ajuizamentos têm um grande peso sobre os algoritmos e, de acordo com essa sistemática de avaliação bastante questionável, bastam algumas notas baixas para o profissional ser punido ou até desligado do serviço que realiza por meio do aplicativo.

Será demonstrado que, nessa sistemática de avaliação plataformizada, os professores também estão na berlinda. É natural que alunos avaliem os professores, afinal, todos que passaram pelos bancos escolares já julgaram bem ou mal seus professores em algum ponto da vida. A diferença com a precarização algorítmica é que agora tais julgamentos são fatores decisivos para a permanência ou não de um professor em determinada escola digital ou aplicativo. Além disso, interferindo nesses processos de avaliação, achaques ideológicos aos professores tornaram-se bastante frequentes nos últimos anos ( Penna e Aquino, 2023PENNA, F.; AQUINO, R. (2023) A violência da extrema direita contra professores. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-violencia-da-extrema-direita-contra-professores/. Acesso em: 1º jun 2023.
https://diplomatique.org.br/a-violencia-...
).

Em muitos aplicativos, os alunos, ao final do curso, avaliam o professor e todo seu material didático, dando de zero a cinco estrelinhas em quesitos como “didática”, “material de apoio”, “conteúdo”, entre outros. Mas quantos alunos dessas plataformas possuem isenção suficiente e senso de justiça para, de fato, dar uma nota equilibrada no quesito “didática”, por exemplo? Quantos dominam métodos pedagógicos, didática e outros recursos que poderiam resultar numa avaliação equilibrada?

A norte-americana O’Neil (2017)O’NEIL, C. (2017). Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. Nova York, Crown Publishing Group. lembra que, na educação, algoritmos não podem ser usados para ranqueamentos ou decisões justas. Isso porque o contratante do serviço, ou seja, o aluno, não tem condições de compreender a extensão daquilo que está aprendendo imediatamente depois da aula ou do curso. Certos conceitos só são compreendidos em sua totalidade meses, talvez anos depois da aula. Certas ideias só podem ser executadas quando a oportunidade aparecer, e muitas vezes tais oportunidades aparecem apenas muito depois da aula. Apenas como breve exemplo, podemos citar o seno e o cosseno, pesadelos de muitos estudantes do ensino médio, normalmente só são compreendidos mais tarde, em uma faculdade de ciências exatas.

O resultado desse tipo de ranqueamento é tratar o professor como um profissional precarizado de outro tipo de serviço. Assim, da mesma forma que um motorista de Uber acaba se tornando submisso às estrelinhas de seus passageiros ( Slee, 2017SLEE, T. (2017). Uberização. São Paulo, Elefante. ), os professores também acabam tendo medo do julgamento de seus alunos. Um professor com receio desse julgamento pode ser devastador à educação ( O’Neil, 2017O’NEIL, C. (2017). Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. Nova York, Crown Publishing Group. ), uma vez que o processo educacional não depende apenas dos professores, mas também de toda a realidade e da interação social ( Vigotski, 1998VIGOTSKI, L. (1998). A formação social da mente . São Paulo, Martins Fontes. ).

Essas avaliações, entretanto, são feitas, e o são de forma displicente. Desconsideram uma miríade de variáveis relacionais, desde temperamentos pessoais até humor no dia e hora da avaliação. Ou seja, mais do que técnico, esse juízo é, profundamente, atravessado por subjetividades.

Não obstante, tais ajuizamentos têm um grande peso sobre os algoritmos, e, de acordo com este simulacro de “meritocracia”, bastam algumas notas baixas para o profissional ser punido ou até desligado do serviço que realiza por meio do aplicativo.

As plataformas digitais

Se os elementos elencados acima estão presentes entre profissionais que alienam seus serviços a plataformas digitais de transporte urbano, entregas de alimentos e outros, eles também passaram a fazer parte da vida dos professores que, por um motivo ou outro, alienam seus serviços às Learning Management Systems . Vejamos, doravante, alguns exemplos.

Em uma rápida busca na rede mundial de computadores, percebemos diversas plataformas que oferecem, aos alunos, cursos rápidos ou aulas de reforço, por vezes comprados de modo avulso, e, em alguns casos, por meio de assinatura, por meio da qual o indivíduo paga uma mensalidade e tem acesso a quantos cursos ou aulas quiser.

Exatamente como a Uber, que conecta passageiros com motoristas, a Superprof (www.superprof.com.br) coloca professores em contato com alunos. O estudante abre a plataforma, pesquisa qual área do conhecimento, disciplina ou conteúdo precisa aprender e lhe é oferecido um rol de professores para sanar aquela dúvida. Os professores são oferecidos aos potenciais alunos por meio de uma foto em grande destaque e uma frase que supostamente deveria cativar o aluno. Além disso, ao lado do nome do docente, há uma nota, em uma escala de 1 a 5, que são as notas dadas pelos alunos àquele educador. Um pouco abaixo, o valor da hora/aula cobrada pelo professor e uma informação se aquele profissional tem algum tipo de promoção, como a primeira aula gratuita ou desconto em pacotes de aulas. Quando o aluno clica na foto do docente, é aberta uma nova página, na qual há algumas outras informações sobre o professor, como sua formação, suas especialidades e alguns depoimentos de ex-alunos. Além da repetição da fotografia, do valor de cada aula e da nota geral da sua reputação.

Na Plurall (https://aulasparticulares.plurall.net/), o sistema de contratação é muito parecido com a plataforma apresentada acima. O potencial estudante entra na plataforma, cadastra-se e escolhe qual disciplina, tópico ou área do conhecimento precisa de ajuda, e um professor é destacado para o ajudar. Com uma navegação um pouco mais confusa em um primeiro momento, ela oferece algumas das mesmas indicações que as demais, ou seja: uma foto do docente, a disciplina ou conteúdo e o preço que ele cobra por aula. A diferença aqui é que os horários vagos de aula estão destacados, para o aluno programar seu horário antes mesmo de fazer contato com o professor. Além disso, não é visível o sistema de reputação.

Com um visual menos atraente, há também a plataforma Profes (www.profes.com.br), que já em sua chamada alardeia “No Profes você encontra mais de 10 mil professores particulares ” (grifo do website). Nessa ferramenta, o aluno depara-se com uma série de professores na página inicial, e a plataforma mostra três de suas atuações. O aluno/usuário pode contratar professores para fazer um acompanhamento mais completo da sua situação acadêmica, ou para apenas uma aula, sobre um assunto, ou, também, para o auxiliar em suas tarefas. Há, aqui, uma diferença, entretanto. Pesquisando em maior profundidade o website, temos alternativas que vão de tarefas do ensino fundamental I ao doutorado. Há serviço para correção de teses, dissertações e TCCs, indicando que essa plataforma vai um pouco além do mero “ajudar em tarefas” cotidianas. Ela indica como se dá esse processo (Profes, 2023):

  • Entre no formulário e inicie o processo de criação da tarefa

  • Preencha os dados da tarefa a ser resolvida com detalhes

  • Finalize o pagamento, caução, no valor que você determinou

  • Enviaremos sua tarefa aos nossos melhores professores

  • Um professor Profes pegará a tarefa para resolução

  • Se você gostou, avalie a resolução e o valor será debitado

  • Ao aprovar a resolução, o valor será transferido ao professor

  • Se você não gostou da resolução, bloqueie a tarefa e peça reembolso do seu valor

  • O reembolso integral do seu valor será feito no seu cartão ou, caso boleto, na sua conta corrente

É interessante perceber que, neste fluxograma, o aluno sequer pode escolher qual profissional irá atuar em seu trabalho. Tal qual um motorista de Uber, que não pode ser escolhido pelo passageiro, aqui seu trabalho também fica à mercê da escolha algorítmica da plataforma.

Além de plataformas de aulas particulares no sentido mais voltado ao ensino tradicional, curricular, também existem os aplicativos para cursos livres, nos quais o professor também, no entender deste artigo, se sujeita à uberização. Um dos mais conhecidos é a empresa holandesa Hotmart, que já está capilarizada em sete países (Hotmart, 2023). Essa empresa diz em seus anúncios ser “A plataforma completa para transformar criadores de conteúdo em empreendedores”. Ela, tal qual a Uber, apenas intermedeia produtores de conteúdo (que podem ou não ser professores) e potenciais clientes. Nesse caso, ela atua mais como um canal de distribuição e vendas, ficando a cargo do próprio professor todo o restante dos processos necessários para dar seu curso. A Hotmart, em seu modelo de negócios, pensa em um professor que possui uma grande presença nas redes sociais digitais. Isso é explicitado quando o docente se cadastra. Para calcular ganhos, o principal número utilizado pela plataforma é a quantidade de seguidores em redes sociais digitais. Quanto mais seguidores, maior potencial de vendas de cursos.

Ao entrar na plataforma, o usuário e aluno pode escolher entre uma miríade de cursos, com também uma diversidade muito grande de tempo de duração e preços. Ao clicar no curso desejado, uma nova página será aberta, contendo normalmente um vídeo introdutório do professor, uma breve descrição do que se aprenderá ao fazer a inscrição, o valor do curso e a reputação dele, medida pelos alunos. Essa reputação, assim como o Uber ou demais aplicativos da economia compartilhada, é ranqueada entre zero e cinco estrelas.

Uma concorrente direta da Hotmart é a empresa norte-americana Udemy (www.udemy.com/), que promete ser “ marketplace líder global para ensino e aprendizado, conectando alunos de qualquer lugar aos melhores instrutores ao redor do mundo” (Udemy, 2023a). A plataforma diz-se focada em fazer a ponte entre estudantes e professores. Há uma enorme variedade de cursos e preços, e, segundo o website , há cursos não apenas para indivíduos, mas também para grupos de trabalho ou funcionários de empresas. Assim como a empresa anterior, a Udemy define-se como um canal de distribuição e vendas de conteúdos. E, assim como sua concorrente, cabe ao professor ser capaz de agir em todas as especificidades que competem à criação de um curso completo.

O potencial aluno, ao entrar na plataforma, depara-se com uma grande oferta de cursos que são mais vendidos, em geral, da área de informática, como linguagens de programação ou bancos de dados. Mas, ao buscar por outras áreas, o indivíduo tem à sua disposição cursos tão díspares entre si quanto criptomoedas e pintura em aquarela, panificação com fermentação natural e mecânica quântica. Cada um desses cursos possui uma apresentação, com um vídeo elaborado pelo professor, além de algumas frases de incentivo e explicação e a reputação do curso, marcada com estrelinhas que vão de zero a cinco. Há também o preço do curso, o nível desejado do estudante e sua duração média.

Outra empresa que diz unir pessoas é a Eduzz (www.eduzz.com.br). Ela promete ser um canal de venda de produtos e serviços, no qual um dos principais tipos de serviço são cursos on-line. Na empresa em questão, é interessante notar o foco nas vendas, ou seja, novamente tratando a educação como um produto, como apenas mais uma lata em uma prateleira.

Tal qual um trabalhador precarizado que leva refeições cruzando as grandes cidades do Brasil e do mundo, o professor, como aqui se busca argumentar, enreda-se voluntariamente ou involuntariamente numa malha de precarização.

Todo o equipamento utilizado pelo professor, seja nas plataformas de aulas de reforço, seja nas de cursos livres, é de sua inteira responsabilidade e investimento. É o docente quem paga a energia elétrica utilizada para a execução das aulas. Também é dele o computador, tablet ou celular que utiliza para gravar suas aulas ou transmissões ao vivo. Aulas estas que precisam ser gravadas ou transmitidas por meio de uma câmera, que também é parte do investimento do profissional da educação. Igualmente, as luzes que iluminam, o cenário utilizado, a cadeira e a mesa de trabalho. Todos esses insumos atravessando, no geral, a domesticidade e o ambiente privado desses professores. Entende-se, neste artigo, que a situação em que o trabalhador é o único responsável pelos seus meios de trabalho é de precarização. Importante salientar que, no contexto pandêmico, mesmo os professores com carteira assinada se viram – salvo honrosas exceções – tendo que arcar com as despesas de luz, eletrônicos, internet, para garantir a transmissão de suas aulas.

Mas a precarização não cessa apenas nas questões materiais. Embora, nem sempre treinado e formado para isso, o professor para ser reputado nesse contexto digital precisa – por conta – ser capaz de se portar bem diante de uma câmera, de forma espontânea, atrativa, lúdica e, talvez, executar as dancinhas que estão na ordem do dia. Além disso, é dele a responsabilidade pela roteirização da aula, que, como normalmente é em vídeo e conta com materiais de apoio, precisa de uma decupagem daquilo que será apresentado ao aluno. A estrutura, tanto do espaço de filmagem quanto dos elementos incidentais que podem vir a aparecer no pós-produção, é mais um dos elementos que cabem agora ao docente, bem como a questão da edição dos vídeos, que é talvez o processo mais importante de todo produto audiovisual, como já afirmava Benjamin (2010)BENJAMIN, W. (2010). Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política . São Paulo, Brasiliense. há quase uma centena de anos.

Além de todas essas questões técnicas do ponto de vista da comunicação, o professor plataformizado também deve ser capaz de captar alunos, de fazer perfis que atraiam os estudantes para que o escolham dentre a miríade de cursos ou professores da mesma área. Mais do que isso, deve ser capaz de pensar financeiramente, em termos de fluxo de caixa, investimentos, retornos financeiros, entre outras dezenas de elementos que são apanágios empresariais e que, por sua vez, são refratários a muitos sujeitos que escolheram o caminho da docência, justamente para não se envolverem com essas questões.

Esta é uma das características cruciais da precarização: tornar um indivíduo, que nem sempre se sente vocacionado para isso, não foi e, tampouco, quis ser formado para isso, uma “empresa”. Uma “empresa”, entretanto, que sobrecarrega o trabalhador de encargos, enquanto desonera os donos das plataformas de comunicação que, ao fim e ao cabo, apenas ligam estudantes e professores. Pode-se argumentar que o docente poderia contratar outros profissionais ou empresas para realizar as tarefas com as quais ele não consegue ter um bom rendimento. Mas, de novo, a precarização faz com que os rendimentos do indivíduo sejam tão baixos que isso se torna impossível ( Slee, 2017SLEE, T. (2017). Uberização. São Paulo, Elefante. ).

A precarização, porém, vai além, quando compreendemos o processo a partir da chave fábrica difusa. Nesse caso, além de ter que ser uma empresa que funciona apenas com um funcionário, também o professor é uma empresa que trabalha vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana e em todos os lugares, na cidade e até fora dela. A invasão do tempo e do espaço do professor em situação precarizada é alarmante. Principalmente após a pandemia de covid-19, não são raros os relatos de docentes que são acionados pelos alunos nas mais diversas circunstâncias, inclusive, de madrugada, na hora do sono. E conseguir dar um basta nisso é muito difícil, em uma situação na qual o indivíduo precisa trabalhar muito para conseguir o mínimo para viver uma vida digna (André, Da Silva e Nascimento, 2019).

Algoritmos de plataformas como Superprof, por exemplo, forçam que o educador reaja às mensagens de alunos em poucas horas. Os professores mais bem avaliados respondem em uma ou duas horas no máximo. Há professores que respondem em até seis horas, mas esses têm avaliações menores. Ora, se o dia tem 24 horas e as pessoas precisam responder em até duas, isso significa que basta um provável aluno morar na Europa ou na Austrália para invadir o horário de descanso do professor.

Além disso, como podemos perceber, ao avaliar os horários disponíveis na plataforma Plurall, boa parte dos professores estão disponíveis para aulas das 8 da manhã às 22 horas, de segunda até segunda, sem tempo para descanso semanal, ou seja, seu horário de trabalho excede e muito o humanamente aceitável. Situação que faz lembrar o contexto fabril e o proletariado das primeiras etapas da Revolução Industrial.

Na plataforma Profes, a situação é ainda mais nebulosa, já que um dos principais conceitos dela é resolver tarefas para os alunos. Não parece muito adequado, didaticamente falando, que um profissional resolva questões e tarefas para um estudante. Se a ideia básica da ciência é a construção do conhecimento a partir da tentativa, do erro e, depois, do acerto (Vigotsky, 1998), como isso se dará quando é um terceiro que realiza uma tarefa? Mais do que isso, o professor na fábrica difusa, além de precarizado, é também invisibilizado, já que o aluno sequer sabe quem foi que resolveu a questão ou o trabalho para ele.

A plataforma diz, com todas as letras “Enviaremos sua tarefa aos nossos melhores professores / Um professor Profes pegará a tarefa para resolução / Se você gostou, avalie a resolução e o valor será debitado” (Profes, 2023). A invisibilização do professor parece, afinal, o paroxismo da precarização. Os direitos autorais sequer são respeitados, sem, evidentemente, mencionar, ainda, o problema ético envolvido na situação. Quando passamos às plataformas de vendas de cursos livres, a presença da uberização torna-se ainda mais forte.

Na empresa Hotmart, já no momento do cadastro, o professor é avaliado pelas suas redes sociais. Como já dissemos, quanto mais seguidores tiver, maiores as chances de ter um bom negócio, segundo a empresa. Ou seja, coloca-se, também como responsabilidade do docente, a necessidade de ser um “influenciador digital”, ou seja, alguém que pode influenciar pessoas por meio das plataformas de redes sociais digitais. Nessa empresa, um curso é tratado como um produto, e o docente tratado como empreendedor. Ou seja, apenas transações comerciais, nas quais a empresa pega uma gorda fatia. Não parece haver um genuíno interesse para a melhoria da condição de vida nem do professor, nem do estudante. A plataforma permite-se cobrar uma grande fatia do resultado financeiro da pessoa que desenvolve seus cursos. Essa cobrança, inclusive, mostra outro traço que Slee (2017)SLEE, T. (2017). Uberização. São Paulo, Elefante. associa à uberização, que é se aproveitar da vulnerabilidade das pessoas para impor comissões cada vez mais altas. Além disso, a porcentagem ou o valor dessas comissões nunca estão completamente claras ao usuário/docente.

De acordo com o próprio website da Hotmart (2023)HOTMART (2023). Hotmart – About us. Disponível em: < https://www.hotmart.co/?_gl=1 >. Acesso em: 15 fev 2023.
https://www.hotmart.co/?_gl=1...
, existem algumas formas de cobrança por parte da plataforma: primeiramente uma taxa de intermediação, que é variável de acordo com o valor do produto. Ou seja, de antemão, o proponente a um curso não sabe quanto precisará pagar à empresa holandesa. Em outra cobrança, há a taxa de licença, na qual a cada curso vendido a empresa fica com 9,9% do valor do curso e mais R$0,50. Entretanto, se o curso ou produto custar menos de R$10,00, a empresa abocanha 20% do valor arrecadado pelo professor. Mas não para por aí: ela quase que exige que os cursos sejam prioritariamente em vídeo. Mas, para isso, o docente tem que pagar R$2,49 por visualização, sob o pretexto de utilizar o player de vídeo da empresa. Com tais taxas exorbitantes, fica evidente a precarização. Com o passar do tempo, mais e mais os proponentes dos cursos sentem-se proletários em uma grande fábrica que os explora.

O que não é diferente na Udemy, sua concorrente norte-americana. Há um depoimento em uma das páginas de curso que diz o seguinte: “Faça a inscrição no curso por meio do link da Bio do meu Instagram: @xxxxx (dados apagados por motivo de privacidade), desta forma recebo 90% do valor do curso. Quando a compra é realizada por meio de pesquisa diretamente no site da Udemy, recebo apenas 5% do valor do curso” (Udemy, 2023c). Isso significa que a empresa que supostamente é apenas um canal de vendas fica com 95% dos ganhos dessa professora, caso o aluno a descubra pela própria plataforma. A empresa, apesar de não negar essa informação fornecida pela professora, uma vez que o texto está dentro de suas páginas, informa que, por meio de um cupom fornecido pelo docente, os ganhos brutos são de 97%, enquanto as vendas que não são feitas por meio do instrutor ganham apenas 37% do faturamento bruto do curso (Udemy, 2023d). Aplicadas as taxas e demais transações, os valores são muito parecidos com aqueles que a docente explanou em sua página.

Ou seja: o profissional da educação precisa responder por toda a estrutura do curso a ser vendido, precisa ter todo o equipamento e custos originários dele, precisa ser capaz de criar e editar os vídeos e os textos que irão para os alunos, além de precisar fomentar a captação de alunos e ser o financeiro da sua empresa de uma pessoa só, entre outras tantas atribuições. E, depois de ter feito tudo isso, receberá apenas uma porcentagem de 37% do valor bruto do seu curso, evidenciando uma das principais características da precarização, que é a baixa remuneração ou uma remuneração que explora a mais-valia do trabalhador de uma forma acintosa.

A Eduzz, que tem um sistema de pagamento ainda mais complexo e confuso, envolvendo pelo menos outras três subempresas (Alumy, Nutror, Órbita), não é muito diferente, já que, de acordo com seu website , cobra 4,9% mais um real para cada curso e ainda mais 3,9% para cada aluno que compra o produto.

Para além da questão financeira, há também a questão da falta de liberdade do profissional. Com a enganosa propaganda de que o docente poderá vender o que quiser, da forma que quiser, esconde-se um conjunto de regras bem estritas e que revelam aquilo que Slee (2017)SLEE, T. (2017). Uberização. São Paulo, Elefante. já afirmava ao dizer que as empresas da suposta economia de compartilhamento impõem regras cada vez mais rigorosas de seus “parceiros”. O docente precisa responder a seus alunos em um espaço pequeno de horas, tal qual a fábrica difusa já preconizava, forçando o trabalhador a estar o tempo todo e em todo lugar disponível. Além disso, precisam renovar os vídeos ou os textos a cada período de tempo, promovendo mais custos para o docente. Esses vídeos, de acordo com a Udemy (2023b), também precisam ter qualidade de pelo menos 720p, contendo pelo menos 30 minutos, com boa qualidade de áudio, pelo menos uma imagem exclusiva do curso, entre outras exigências. A Eduzz chega a escrever em seu website: “Você precisa criar conteúdo de maneira consistente. Reserve um tempo durante o dia para publicar um novo vídeo” (ibid.), mostrando como há uma cobrança ininterrupta sobre o produtor do material.

O professor precarizado, como se vê nesses poucos exemplos, está, infelizmente, cada dia mais sujeito às plataformas e a seus algoritmos, bem como a esse capitalismo exacerbado no qual “colaboradores” sem nenhuma seguridade social trabalham o tempo todo, em todo lugar na fábrica difusa, utilizando seu conhecimento e suas ferramentas para ganhar uma fração do dinheiro arrecadado com seu esforço.

É importante mencionar, ainda, a questão dos ranqueamentos, mediante atribuições de conceito aos quais, tanto quanto em plataformas tipo Uber, os professores se sujeitam. É a possibilidade de indivíduos, sem a devida instrução, darem notas a professores, como já foi abordado.

Com efeito, a implicação desse tipo de ranqueamento é tratar o professor como um profissional precarizado, tal como de outro tipo de serviço. Assim, da mesma forma que um motorista de Uber acaba se tornando submisso às estrelinhas de seus passageiros ( Slee, 2017SLEE, T. (2017). Uberização. São Paulo, Elefante. ), os professores também acabam tendo receio do julgamento de seus alunos.

Por fim, além do ranqueamento algoritmizado, outro ponto que aflige os trabalhadores precarizados é a noção de necessidade de empreendedorismo. Incentivado pelas plataformas, que desejam gastar cada vez menos em prol do ganho financeiro, o trabalhador é aliciado no sentido de ser o “gestor da própria carreira”, sendo levado à ideia de que existe uma fórmula mágica para o problema do desemprego ou da falta de dinheiro. É interessante destacar que essa fórmula ajuda de muitas maneiras as empresas que podem precarizar o trabalhador, mas ajuda também o Estado que, de certa maneira, incentiva tais práticas para não precisar gastar com funcionários.

Novamente focados na educação, basta ver a quantidade de professores contratados por meio dos Processos de Seleção Simplificada (PSS), que não têm a seguridade de um professor concursado e devem estar preparados para assumir uma miríade de disciplinas muitas vezes longe da sua área de formação, em atuação correlata aos demais trabalhadores que precisam empreender em suas funções.

Na fábrica difusa (Bihr, 1998), o trabalhador precisa ser um empreendedor em todo tempo e espaço. E precisa saber lidar com os algoritmos que o vigiam durante todo o tempo de seu labor ( Zuboff, 2019ZUBOFF, S. (2019). The age of surveillance capitalism . EUA, Profile Books. ). O “professor empreendedor”, então, precisa conhecer e se relacionar com as plataformas de registro de estudantes, como o Registro de Classe On-line , do estado do Paraná, ou a Secretaria Escolar Digital, do estado de São Paulo. Mas isso é pouco, porque o mesmo professor, movido pela insegurança da precarização e a propaganda do empreendedorismo, também precisa saber lidar com as redes sociais digitais, como Instagram, TikTok ou WhatsApp ( Santos, 2022SANTOS, R. O. (2022). Redes sociais digitais na educação brasileira: seus perigos e suas possibilidades. São Paulo, Artesanato Educacional. ). Isso, entretanto, continua sendo pouco, principalmente no pós-pandemia de covid-19, uma vez que se espera que o professor consiga ser capaz de criar vídeos para plataformas proprietárias ou para o YouTube. E, então, o docente depara-se com a necessidade de aprender a editar áudio e vídeo ( Stadler e Santos, 2020STADLER, P. C.; SANTOS, R. O. (2020). Boas práticas para a produção de vídeos educativos na linguagem de youtubers. Imagens da educação, v. 10, n. 1, pp. 86-101. ).

Assim, fica patente que cabe ao professor plataformizado a responsabilidade pela sua constante adequação às necessidades dos seus clientes. As escolas, por mais que se esforcem, não conseguem dar conta de tamanha demanda por cursos e também pelas especificidades deles. A formação continuada do professor acaba sempre estando defasada em relação aos algoritmos que se movem e se modificam à velocidade da luz.

Com a estratégia da fábrica difusa, que se estende por toda a cidade ( Cant, 2021CANT, C. (2021). Delivery Fight! São Paulo, Veneta. ), escolas públicas ou particulares, com maior ou menor aporte financeiro, acabam por forçar o professor a sempre se atualizar, sempre buscar novas formas de se fazer entender pelos aprendizes. Porém, menos que em respeito aos interesses de crescimento pessoal, o professor precisa se adequar às novas linguagens e tecnologias pelas lógicas de funcionamento e de extração de sobretrabalho de uma máquina educacional que se assemelha em muito a uma fábrica qualquer, que visa meramente ao lucro.

Lucro este que decide quais ferramentas o professor precisa conhecer ou em quais se aprimorar. A lógica de aprendizado contínuo do professor não está alicerçada naquilo que é mais necessário à sua disciplina, mas sim na necessidade capitalista de empresas que manipulam algoritmos precarizadores e, não menos importante, no medo provocado pela instabilidade e insegurança de uma vida profissional com pouca ou nenhuma garantia e direitos trabalhistas ( Standing, 2013STANDING, G. (2013). O precariado: a nova classe perigosa . Belo Horizonte, Autêntica. ).

Conclusão

No mundo do Antropoceno e do capitalismo industrial de plataforma, desde que haja equipamentos e conexão com a internet, é possível trabalhar em qualquer tempo e em qualquer lugar. Residências, praças, galerias, parques, espaços públicos e privados em geral e toda a cidade de certa maneira convertem-se em um grande espaço de trabalho. A cidade transforma-se numa grande fábrica: a fábrica difusa.

O maior ativo de qualquer fábrica difusa na contemporaneidade são seus algoritmos. Com essa estratégia, os trabalhadores sequer conseguem perceber as intenções da empresa para qual trabalham e muito menos têm condições de entender o algoritmo ao qual está submetido. Nesse sistema de trocas desiguais, o trabalhador sai seriamente prejudicado.

Por meio dos algoritmos da fábrica difusa e de um capitalismo cada vez mais cruel, docentes sofrem a cada dia um processo crescente de precarização de sua profissão. Ainda que a desvalorização social da profissão docente no Brasil consista numa triste realidade histórica, o que se vê acontecer atualmente é de grande desestímulo a essa profissão tão necessária ao desenvolvimento de nosso País. Se, nos ambientes formais de ensino, os docentes são cada vez mais enquadrados como prestadores de serviços de um sistema profundamente mercantilizado, tanto pior a situação do professor nas plataformas. Em meio ao assédio discursivo, vê-se esgotado e afogado em algoritmos. Há uma espécie de senso comum sobre a necessidade de aprimoração da educação em amplitude, quantidade e qualidade da educação. A mercantilização cada vez mais agressiva da educação, precarizando as condições de trabalho e vida dos professores, como se vê no caso das plataformas, não só não resolve os problemas do País nesse sentido como atua para os aprofundar.

Referências

  • ABÍLIO, L. (2017). Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Campinas, Passa Palavra. Disponível em: https://passapalavra.info/2017/02/110685/ Acesso em: 1º jun 2023.
    » https://passapalavra.info/2017/02/110685/
  • ABÍLIO, L. (2019). Uberização do trabalho: uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Revista Psicoperspectivas: Individuo y sociedad, v. 18, n. 3, pp. 1-11.
  • AGAMBEN, G. (2019). O que é um dispositivo? Chapecó, Argos.
  • ALLIEZ, E.; FEHER, M. (1888). “Os estilhaços do capital”. In: ALLIEZ, E.; FEHER, M. (eds.). Contratempo . Rio de Janeiro, Forense.
  • AMORIM, H.; MOREIRA CARDOSO, A. C.; BRIDI, M. A. (2022). Capitalismo industrial de plataforma: externalizações, sínteses e resistências. Caderno CRH. Salvador, v. 35, pp. 1-15. DOI: https://doi.org/10.9771/ccrh.v35i0.49956
    » https://doi.org/10.9771/ccrh.v35i0.49956
  • ANDRÉ, R. G.; DA SILVA, R. O.; NASCIMENTO, R. P. (2019). “Precário não é, mas eu acho que é escravo”: análise do trabalho dos motoristas da Uber sob o enfoque da precarização. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, v. 18, n. 1, pp. 7-34.
  • BENJAMIN, W. (2010). Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política . São Paulo, Brasiliense.
  • BIRH, A. (1998). Da grande noite à alternativa . São Paulo, Boitempo.
  • BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, E. (2009). O novo espírito do capitalismo . São Paulo, WMF.
  • BRIDI, M. A.; LIMA, J. C. (orgs.) (2018). Flexíveis, virtuais e precários? Os trabalhadores em tecnologias de informação . Curitiba, Editora UFPR.
  • BRUNO, M. (2009). O novo homo economicus (do assujeitamento à servidão efetiva). Omarrare, n. 10, pp. 33-38.
  • CANT, C. (2021). Delivery Fight! São Paulo, Veneta.
  • DECCA, E. S. DE. (2004). O nascimento das fábricas . São Paulo, Brasiliense.
  • FRANCO, T.; DRUCK, G.; SELIGMANN-SILVA, E. (2010). As novas relações de trabalho, o desgaste mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho precarizado. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional , v. 35, n. 122, pp. 229-248.
  • GUIMARÃES, L. M. da S. (2021). O ensino remoto emergencial e o mal-estar docente: uma análise dos seus impactos sobre as condições de trabalho dos professores de Sociologia no Estado do Paraná diante da pandemia de covid-19. Dissertação de mestrado. Curitiba, Universidade Federal do Paraná.
  • HOTMART (2023). Hotmart – About us. Disponível em: < https://www.hotmart.co/?_gl=1 >. Acesso em: 15 fev 2023.
    » https://www.hotmart.co/?_gl=1
  • IBGE (2019). Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2019 – Acidentes, violência, doenças transmissíveis, atividade sexual, características do trabalho e apoio social. Disponível em: < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/35687-em-2021-pobreza-tem-aumento-recorde-e-atinge-62-5-milhoes-de-pessoas-maior-nivel-desde-2012 >. Acesso em: 31 maio 2023.
    » https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/35687-em-2021-pobreza-tem-aumento-recorde-e-atinge-62-5-milhoes-de-pessoas-maior-nivel-desde-2012
  • IBGE (2022a). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Pnad Contínua . Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Trimestral/Comentarios_Sinteticos/2022_3_trimestre/pnadc_202203_trimestre_comentarios_sinteticos_Brasil_Grandes_Regioes_e_Unidades_da_Federacao.pdf Acesso em: 9 fev 2023.
    » https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Trimestral/Comentarios_Sinteticos/2022_3_trimestre/pnadc_202203_trimestre_comentarios_sinteticos_Brasil_Grandes_Regioes_e_Unidades_da_Federacao.pdf
  • IBGE (2022b). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua . Disponível em: < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/35687-em-2021-pobreza-tem-aumento-recorde-e-atinge-62-5-milhoes-de-pessoas-maior-nivel-desde-2012 >. Acesso em: 31 maio 2023.
    » https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/35687-em-2021-pobreza-tem-aumento-recorde-e-atinge-62-5-milhoes-de-pessoas-maior-nivel-desde-2012
  • LATOUR, B. (1994). Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica . Rio de Janeiro, Editora 34.
  • LAZZARATO, M.; NEGRI, A. (2001). Trabajo inmaterial: formas de vida y producción de subjetividade . Rio de Janeiro, DPA Editora.
  • LEARY, J. P. (2018). Keywords: the new language of capitalism. Chicago, Haymarket Books.
  • LUC BOLTANSKI, E. C. (2009). O novo espírito do capitalismo . São Paulo, Martins Fontes.
  • MARX, K. (2011). O capital . São Paulo, Boitempo.
  • NEGRI, A. (2006). Adeus, Sr. Socialismo. Que futuro para a esquerda? Porto, Ambar.
  • NÓVOA, A.; ALVIM, Y. C. (2020). Os professores depois da Pandemia. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/mvX3xShv5C7dsMtLKTS75PB/?format=pdf⟨=pt Acesso em: 10 fev 2022.
    » https://www.scielo.br/j/es/a/mvX3xShv5C7dsMtLKTS75PB/?format=pdf⟨=pt
  • O’NEIL, C. (2017). Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. Nova York, Crown Publishing Group.
  • PENNA, F.; AQUINO, R. (2023) A violência da extrema direita contra professores. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-violencia-da-extrema-direita-contra-professores/ Acesso em: 1º jun 2023.
    » https://diplomatique.org.br/a-violencia-da-extrema-direita-contra-professores/
  • PEREIRA, H. P.; SANTOS, F. V.; MANENTI, M. A. (2020). Saúde Mental de Docentes em tempos de pandemia: os impactos das atividades remotas. Boletim de Conjuntura. Boa Vista, v. 3, n. 9, pp. 26-32. DOI: 10.5281/zenodo.3986851. Disponível em: https://revista.ioles.com.br/boca/index.php/revista/article/view/74 Acesso em: 22 ago 2023.
    » https://revista.ioles.com.br/boca/index.php/revista/article/view/74
  • PREVITALI, F. S.; FAGIANI, C. C. (2022). Trabalho docente na educação básica no Brasil sob indústria 4.0. Revista Katálysis. Florianópolis, v. 25, n. 1, pp. 156-165. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-0259.2022.e82504
    » https://doi.org/10.1590/1982-0259.2022.e82504
  • PROFES (2023). Tarefas Profes. Disponível em: < https://profes.com.br/tarefas/ >. Acesso em: 15 fev 2023.
    » https://profes.com.br/tarefas/
  • SANTOS, R. O. (2022). Redes sociais digitais na educação brasileira: seus perigos e suas possibilidades. São Paulo, Artesanato Educacional.
  • SLEE, T. (2017). Uberização. São Paulo, Elefante.
  • SRNICEK, N. (2017). Platform capitalism . Cambridge, Polity Press.
  • STADLER, P. C.; SANTOS, R. O. (2020). Boas práticas para a produção de vídeos educativos na linguagem de youtubers. Imagens da educação, v. 10, n. 1, pp. 86-101.
  • STANDING, G. (2013). O precariado: a nova classe perigosa . Belo Horizonte, Autêntica.
  • TURIN, R. (2019). Tempos precários . Rio de Janeiro, Zazie edições.
  • TURING, A. (1936). On computable numbers, with an application to the entscheidungsproblem. On computable Numbers, n. 12, pp. 230-265.
  • UBER, INC. (2023). Venha trabalhar na Uber. Disponível em: < https://www.uber.com/br/pt-br/business/sign-up >. Acesso em: 15 fev 2023.
    » https://www.uber.com/br/pt-br/business/sign-up
  • UDEMY (2023a). Udemy. Disponível em: < https://about.udemy.com/pt-br/ >. Acesso em: 15 fev 2023.
    » https://about.udemy.com/pt-br/
  • UDEMY (2023b). Checklist de qualidade do curso Udemy. Disponível em: < https://support.udemy.com/hc/pt/articles/229604988-Checklist-de-Qualidade-do-Curso-Udemy >. Acesso em: 23 fev. 2023.
    » https://support.udemy.com/hc/pt/articles/229604988-Checklist-de-Qualidade-do-Curso-Udemy
  • UDEMY (2023c). Curso sala de aula invertida. Disponível em: < https://www.udemy.com/course/salainvertida/ >. Acesso em: 23 fev 2023.
    » https://www.udemy.com/course/salainvertida/
  • UDEMY (2023d). Parcela de receita de instrutor. Disponível em: < https://support.udemy.com/hc/pt/articles/229605008-Parcela-de-Receita-de-Instrutor#:~:text=Vendas%20que%20n%C3%A3o%20ocorrem%20por,link%20de%20indica%C3%A7%C3%A3o%20de%20curso >. Acesso em: 23 fev 2023.
    » https://support.udemy.com/hc/pt/articles/229605008-Parcela-de-Receita-de-Instrutor#:~:text=Vendas%20que%20n%C3%A3o%20ocorrem%20por,link%20de%20indica%C3%A7%C3%A3o%20de%20curso
  • VIGOTSKI, L. (1998). A formação social da mente . São Paulo, Martins Fontes.
  • WILLIAMS, R. (1999). Cultura e materialismo . São Paulo, Editora Unesp.
  • WILLIAMS, R. (2016). Televisão: tecnologia e forma cultural . São Paulo, Boitempo.
  • ZUBOFF, S. (2019). The age of surveillance capitalism . EUA, Profile Books.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2023
  • Aceito
    7 Jun 2023
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Rua Ministro de Godói, 969 - 4° andar - sala 4E20 - Perdizes, 05015-001 - São Paulo - SP - Brasil , Telefone: (55-11) 94148.9100 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cadernosmetropole@outlook.com