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Cor e hierarquia social no Brasil escravista: o caso do Paraná, passagem do século XVIII para o XIX

Resumos

Em geral os historiadores concordam que, sob a escravidão, a designação da cor das pessoas no Brasil tinha mais relação com a sua inserção social do que propriamente com a ascendência étnica. Nesse sentido, nesse artigo exponho alguns aspectos acerca do processo de diferenciação social, por meio da designação da cor, no interior do grupo de escravos e pobres livres que viviam no Paraná na passagem do XVIII para o XIX, uma região com poucos escravos e com predomínio de pequenas escravarias e de domicílios não escravistas de brancos e pardos pobres.

escravidão; hierarquia social; cor.


Historians generally agree that, under slavery, the designation of colour of people, in Brazil, had more relation with social insertion than ethinic ascendence. Therefore, in this article I expose many aspects of process of social diferenciation through designation of colour, in a group of slaves and poor free that lived in Paraná from the late eighteenth to early nineteenth, region with a small slave population, predominance of owners with few slaves and househoods of white and pardos poors without slaves.

slavery; social hierarchy; colour.


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  • 1
    GLYCERIO, Carolina. Brasil tem a cara do futuro, diz professor. Reportagem da BBC Brasil, 28/05/2007.(http://www.bbc. co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/05/printable/070528/_dna_brasilfuturo_cg.shtml).
  • 2
    PENA, Sergio Danilo et alii. Retrato molecular do Brasil. Ciência Hoje, v. 27, no 159, p. 16-25, 2000.
  • 3
    Depoimento do Professor Manolo Florentino (UFRJ), na mesma reportagem.
  • 4
    SCOTT, Rebecca J. Exploring the meaning of freedom: post emancipation societies in comparative perspective. In: SCOTT, Rebecca J. et al (orgs). The abolition of slavery and the aftermath of emancipation in Brazil. Duke University Press, 1988, pp. 407-428.
  • 5
    MERRICK, Thomas & GRAHAM, Douglas. População e desenvolvimento econômico no Brasil de 1800 até a atualidade. São Paulo: Editora Jorge Zahar, 1981.
  • 6
    MATTOS, Hebe; RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 17.
  • 7
    Idem, p. 21.
  • 8
    Idem, pp. 28-29. Grifo meu.
  • 9
    FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. Decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 4a ed., Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1968.
  • 10
    LICCARDO, A; SOBANSKI, A; CHODUR, N.L. O Paraná na história da mineração no Brasil do século XVII. Boletim Paranaense de Geociências, no 54, pp. 41-49, Curitiba: Editoria da UFPR, 2004, p. 46.
  • 11
    WACHOWICZ, Ruy C. História do Paraná. 6a ed., Curitiba: Editora Gráfica Vicentina, 1988, p. 57.
  • 12
    MARTINS, Romário. História do Paraná. Curitiba: Travessa dos Editores, 1995, p. 524.
  • 13
    A seção meridional do Caminho do Viamão, isto é, de Curitiba aos campos do Rio Grande, é mais moderna que a de São Paulo a Curitiba. Primitivamente essa via de comunicação chegava a Curitiba passando por Campo Largo e São José dos Pinhais, mas com a abertura da estrada da Mata, do rio Negro para o Sul, as próprias tropas lhe foram dando curso mais direto, seguindo da Lapa ao rio do Registro. MARTINS, Romário. Op. cit., p. 524.
  • 14
    Carta do ouvidor... Op. cit., p. 22.
  • 15
    Idem, pp. 22-23.
  • 16
    Nessas expedições participavam pequenos sitiantes e trabalhadores em busca de terras e oportunidades, mas chefiados predominantemente por criadores ou invernistas, ou seus prepostos, que estavam interessados em instalar-se em novas pastagens. In: IANNI, Octavio. Op. cit., p. 39.
  • 17
    MACHADO, Brasil Pinheiro. Esboço de uma sinopse da história regional do Paraná. Revista História: Questões & Debates, ano 8, número 14, dezembro de 1987, (Escrito em 1951), p. 194.
  • 18
    RITTER, Marina L. Op. cit., 1982, p. 43.
  • 19
    Idem, p. 33.
  • 20
    MACHADO, Brasil Pinheiro. Formação da estrutura agrária tradicional nos Campos Gerais. Boletim da Universidade do Paraná, Departamento de História, no 3, junho de 1963, p. 12.
  • 21
    WESTPHALEN, Cecília Maria. Afinal, existiu ou não regime escravo no Paraná? Revista da SBPH, no 13: 25-63, 1997, p. 47.
  • 22
    Idem, ibidem.
  • 23
    Saint-Hilaire, por exemplo, em 1820 registrou sua presença nas fazendas em que visitou. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela Comarca de Curitiba. Curitiba: Fundação Cultural, 1995.
  • 24
    IANNI, Octavio. Op. cit., p. 48.
  • 25
    RITTER, Marina. Op. cit., 1982, p. 33.
  • 26
    Cf. Mapas econômicos de Paranaguá... A respeito do porto de Paranaguá cf. WESTPHALEN, Cecília Maria. O porto de Paranaguá e as flutuações da economia ocidental no século XIX. Boletim do Departamento de História da UFPR, 20, 1973. Em fins do século XVIII Paranaguá também servia de ponto de comércio de mercadoria da Europa e do nordeste do Brasil com destino ao Rio da Prata.
  • 27
    BALHANA, Altiva. Op. cit., 1972, pp. 5-26.
  • 28
    GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito: um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX. Vitória: Lineart, 1993, pp. 35-40.
  • 29
    MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
  • 30
    Idem, p. 8.
  • 31
    Idem, ibidem.
  • 32
    Idem, p. 18.
  • 33
    Idem, ibidem.
  • 34
    Idem, p. 137.
  • 35
    Provimentos do Ouvidor Pardinho para Curitiba e Paranaguá (1721). Revista Monumenta, vol. 3, no 10, Curitiba: Aos Quatro Ventos, Inverno de 2000.
  • 36
    IANNI, Octavio. Op. cit., p. 125.
  • 37
    SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru: Edusc, 2001, p. 218.
  • 38
    WESTPHALEN, Cecília Maria. A introdução de escravos novos no litoral paranaense. Revista de História. São Paulo, Universidade de São Paulo, 44(89): 139-154, jan./mar. 1972 e GUTIÉRREZ, Horácio. Crioulos e africanos no Paraná, 1798-1830. Revista Brasileira de História. V. 8, no 16, março-agosto/1988.
  • 39
    Processos de Auto de contas, 1727, cópias do Centro de Documentação e Pesquisa da História nos Domínios Portugueses/Departamento de História/Universidade Federal do Paraná, originais no Arquivo Dom Leopoldo Duarte. Cúria Metropolitana de São Paulo.
  • 40
    GOLDSCHMIDT, Eliana Maria Réa. Casamentos mistos de escravos em São Paulo colonial. Dissertação de mestrado, FFLCH-USP, São Paulo, 1986, p. 20.
  • 41
    IANNI, Octavio. Op. Cit., p. 40.
  • 42
    Idem, p. 125.
  • 43
    Idem, p. 70.
  • 44
    Na capitania do Rio de Janeiro, por exemplo, metade da população era formada por cativos em 1789. No início da década de 1820, esse contingente baixou sua representação para um terço, embora na área rural os escravos continuassem compondo a metade da população. FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz nas senzalas: famílias escravas e tráfico Atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790, c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997, p. 45.
  • 45
    GUTIÉRREZ, Horácio. Demografia escrava numa economia não-exportadora: Paraná, 1800-1830. Estudos Econômicos, São Paulo, 17 (2): 297-314, maio/ago. 1987, pp. 298-300.
  • 46
    GUTIÉRREZ, Horácio. 1988. Op. cit., pp. 168-173.
  • 47
    COSTA, Iraci Del Nero; GUTIÉRREZ, Horácio. Op. cit. 1985, passim.
  • 48
    GUTIÉRREZ, Horácio. citado por PENA, Eduarto Spiller. O jogo da face. A astúcia escrava frente aos senhores e à lei na Curitiba provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, p. 29.
  • 49
    LARA, Silvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 350.
  • 50
    LIMA, Carlos A. M. Um pai amoroso os espera: sobre mestiçagem e hibridismo nas Américas Ibéricas. In: GEBRAN, Philomena et al. Desigualdades. 1a ed. Rio de Janeiro, 2003, v. 1, p. 71.
  • 51
    Cruzando as informações da lista de 1803 com uma listagem de registros de batismos e de casamentos da paróquia do Patrocínio de São José dos Pinhais, pude levantar alguns laços de parentesco. Embora não seja uma observação conclusiva, encontrei uma forte tendência, nos casos de mães solteiras pardas, em se identificar seus filhos pela mesma cor; e no caso das mães solteiras negras, alguns dos filhos eram registrados como negros e outros como pardos. Dos poucos casais que pude identificar, encontrei a mesma tendência: um casal pardo teve seus filhos listados como pardos, um casal negro e dois casais mistos (negro com parda) tiveram parte dos filhos identificados como negros e outra parte como pardos.
  • 52
    Sérgio Nadalin, por exemplo, cita o caso de Gregório Gonçalves e sua mulher Anna Maria de Lima, cuja ata de casamento, em 1772, na Igreja Matriz de Nossa Senhora da luz dos Pinhais (Curitiba), identifica Anna como mulata forra, mas é omissa quanto à origem de Gregório. O autor aponta possibilidade de ser ele um mestiço, provavelmente filho de um mameluco com indígena, como sugere sua descrição física: "Gregório Gonsalves Fernz {Fernandez} estatura baixa cara comprida trigreiro cabelo pretto e corredio." (NADALIN, S. O. A população no passado colonial brasileiro: mobilidade versus estabilidade. Revista Topoi, Rio de Janeiro, v. 4, no 7, 2003, pp. 229-267). Um outro exemplo dessa imprecisão, agora nas listas nominativas de São José dos Pinhais, é o de Jerônimo Teixeira, recenseado como pardo em 1782, como "oriundo da terra" em 1790, e como mulato em 1798.
  • 53
    LIMA, Adriano Morais.Trajetórias de crioulos: um estudo das relações comunitárias de escravos e forros no termo da Vila de Curitiba (c. 1760 - c. 1830). Dissertação de mestrado, Curitiba: PPGHIS-UFPR, 2001.
  • 54
    LIMA, Carlos A.M. Sertanejos e pessoas republicanas: livres de cor em Castro e Guaratuba (1801-1835). Estudos afro-asiáticos, 2002, ano vol. 24, no 2, pp. 317-344.
  • 55
    Segundo dados das listas nominativas de São José dos Pinhais, em 1803, havia ao menos um escravo em 40% dos domicílios de chefia branca, ao menos um agregado em 27% deles, e ao menos um parente em 26%. No mesmo ano não havia escravos em nenhum dos domicílios chefiados por não brancos, e os percentuais de agregados e parentes eram, respectivamente, de 11% e 23%. Em 1827 esses percentuais eram de 31%, 27% e 26% em domicílios chefiados por brancos, e de 0,7%, 7% e 13% nos domicílios chefiados por não brancos.
  • 56
    Listas nominativas de São José dos Pinhais, 1803 e 1818. Acervo CEDOPE/UFPR, originais no Arquivo do Estado de São Paulo.
  • 57
    O cruzamento das informações do Inventário de Bens Rústicos de 1818 com aquelas presentes na lista nominativa de São José dos Pinhais, do mesmo ano, me permitiu essa avaliação da relação entre a cor e a propriedade de terras. Do cruzamento obtive uma amostra de 90 proprietários que detinham 95 das 205 propriedades registradas no Inventário (portanto 46% delas) e a cerca de 40% das terras ocupadas na freguesia. Desses 90 proprietários, 70 aparecem recenseados como brancos na lista nominativa de 1818, 19 como pardos e apenas um como negro. Os 20 proprietários não brancos, juntos, detinham apenas 3,6% da área de terras da amostragem (num ano em que os pardos e negros eram 42,5% da população livre da freguesia), e suas propriedades eram quase sempre minúsculas.
  • 58
    SAMARA, Eni de Mesquita. O papel do agregado na região de Itu. 1780 a 1830. Coleção Museu Paulista, série História, vol. 6, São Paulo: Museu Paulista, 1977, p. 42.
  • 59
    BACELLAR, Carlos. Agregados em casa, agregados na roça: uma discussão In: SILVA. Maria Beatriz Nizza da (org). Sexualidade, família e religião na colonização do brasil. Lisboa: Livros Horizonte, 2001, p. 187-199.
  • 60
    SAMARA. Op. cit., pp. 43-47 e 73-74.
  • 61
    Esses dados me foram generosamente cedidos por Roberto Guedes Ferreira, retirados de um banco de dados por ele criado para a confecção de tese de doutoramento.
  • 62
    VILHENA, Luiz dos Santos. Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas contidas em XX cartas {1802} Bahia, Imprensa Oficial do Estado, 1921, pp. 44-45. Apud: LARA, Silvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa. Tese de Livre Docência. Campinas: UNICAMP, 2004, pp. 186-187.
  • 63
    IANNI, Octavio. Op. cit., pp. 74-75.
  • 64
    FERREIRA, Roberto Guedes. Op. cit., p. 101.
  • 65
    Idem, introdução.
  • 66
    MONTEIRO, John Manuel. Op, cit., pp. 165-166.
  • 67
    MATTOS, Hebe. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, pp. 6-18.
  • 68
    FERREIRA, Roberto Guedes. Op. cit., p. 101.
  • 69
    Idem, pp. 93-108.
  • 70
    Lista Nominativa de Paranaguá, 1803, 3a Cia, casa 4.
  • 71
    Livro 1 de Casamentos da Paróquia de São José dos Pinhais, fl. 75. Arquivo da Paróquia de São José dos Pinhais, Pr.
  • 72
    Izabel foi batizada em novembro de 1755 (Livro 1 de Batismos de São José dos Pinhais, fl. 83) e Maria, em 1774 (Livro 1 da mesma paróquia, fls. 106v/ 107). Arquivo da Paróquia de São José dos Pinhais, Pr.
  • 73
    Francisco, nascido em 1784 (Livro 1 de Batismos, fl. 99), Leonor, em 1789 (Livro 1, fl. 106v), Maria, em 1792 (Livro 1, fl. 115V). Izabel, em 1793 (Livro 1, fl. 120v), Joaquim, em 1795 (Livro 1, fl. 130); Manoel, em 1797 (Livro 1, fl. 133) e João, em 1800, (Livro 1, fl. 138v). Arquivo da Paróquia de São José dos Pinhais, PR.
  • 74
    Livro 1 de casamentos de São José dos Pinhais, fl. 53v. Arquivo da Paróquia de São José dos Pinhais, Pr.
  • 75
    Citado como forro nos registros de batismo de seus três filhos: Antonio, em 1777 (Livro 1, fls. 88v), Rita, em 1780 (livro 1, fls. 92v) e Anna, em 1788 (livro 1, 105v). Arquivo da Paróquia de São José dos Pinhais, PR. Citado como cabra forro no Autos de Livramento, 1785, Ouvidoria geral de Paranaguá, 26p., JP1433 CX 69, Arquivo Público do Paraná
  • 76
    Livro 1 de casamentos de São José dos Pinhais, fls. 85. Arquivo da Paróquia de São José dos Pinhais, PR.
  • 77
    Autos de petição de caução. 1750. 40 p. Série Esponsais / Século XVIII (1720-1750), microfilme rolo 6, do acervo do CEDOPE. Original no Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo.
  • 78
    FERREIRA, Roberto G. Op. cit., p. 89.
  • 79
    LIMA, Carlos A.Medeiros de. Op. cit. 2003, pp. 71-72.
  • 80
    RUSSEL-WOOD, A J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 297.
  • 81
    LARA, Silvia H. Op. cit., 2004, p. 153.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2008
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