Acessibilidade / Reportar erro

Tecer redes, proteger relações: portugueses e africanos na vivência do compadrio (Minas Gerais, 1720-1750)

Resumos

Este artigo analisa as relações de compadrio tecidas em importante núcleo minerador no âmbito da América Portuguesa e levanta novas questões sobre o tema. Através da história de livres, escravos e forros procura-se entender como a sociedade colonial institucionalizou práticas ao transgredir a norma eclesiástica que proibia a participação de pais como padrinhos dos próprios filhos. Além disso, a análise aponta como os vínculos entre compadres, padrinhos e afilhados produziram várias reciprocidades e como o apadrinhamento também se refletia em legados e bens deixados por aqueles que fizeram do compadrio prática de eleição de uma povoação em processo de formação.

Brasil Colônia; escravidão; parentesco; compadrio.


This article analyzes the godparent relationships established in an important mining region in the Portuguese America and raises new questions about the topic. The story of free men, slaves and freed slaves helps to understand how colonial society institutionalized practices in violating the ecclesiastical rule that prohibits parents as godfathers of their own children. Furthermore, the analysis reveals how the ties between compadres, godfathers and godchildren produced reciprocity and cooperation and how the sponsorship custom results in legacies and material wealth for the population of a village in the process of formation.

Colonial Brazil; slavery; family relationship; godparent relationship.


Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

  • ARAÚJO, Emanuel. A arte da sedução feminina na colônia. In: PRIORE, Mary Del (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997, p. 45-77.
  • BACELLAR, Carlos de A. P. Recuperando sociabilidades no passado. In: BOTELHO, Tarcísio R. et al. História quantitativa e serial no Brasil: um balanço. Goiânia: ANPUH-MG, 2001.
  • CONSTITUIÇÕES Primeiras do Arcebispado da Bahia feitas e ordenadas pelo Ilustríssimo, e Reverendíssimo Senhor D. Sebastião Monteiro da Vide 5o arcebispo do dito Arcebispado, e do Conselho de sua Majestade: propostas, e aceitas em o Sínodo Diocesano, que o dito senhor celebrou em 12 de junho do ano de 1707. 1a edição Lisboa 1719 e Coimbra. 1720. São Paulo: Typografia 2 de Dezembro de Antônio Louzada Antunes, 1853.
  • ESPADA LIMA, Henrique. A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
  • FIGUEIREDO, Luciano. Barrocas famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997.
  • FURTADO, Júnia F. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
  • GOLDSCHMIDT, Eliana Rea. Compadrio de escravos em São Paulo colonial. VIII Reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH). São Paulo, 1989, p. 81-83.
  • GUDEMAN, Stephen. Spiritual relationship and selecting a godparent. Man, 10, 1975, p. 221-222.
  • GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart B. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravo na Bahia do século XVIII. In: REIS, João José(Org.). Escravidão e invenção da liberdade. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 33-59.
  • GINZBURG, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG, Carloet al. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1989.
  • HAMEISTER, Martha D. Para dar calor à nova povoação: estudo sobre estratégias sociais e familiares a partir dos registros batismais da vila do Rio Grande (1738-1763). Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ.(s/d)
  • LANNA, Marcos. A dívida divina: troca e patronagem no nordeste brasileiro. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.
  • LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
  • LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais - século XVIII e XIX. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Usp. São Paulo, 1988.
  • _____. Herança e relações familiares: os pretos forros nas Minas Gerais do século XVIII. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 9 no17, set.88/fev.89, p. 101-114.
  • MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. O apadrinhamento de africanos em Minas Colonial: o (re)encontro na América (Mariana, 1715-1750). Afro-Ásia, 36(2007), p. 39-80.
  • MINTZ, Sidney & WOLF, Eric. An analysis of ritual co-parenthood (compadrazgo). Southwestern Journal of Anthropology, 6, p. 341-368, 1950.
  • KJERFVE, Tânia Maria G. N. & BRUGGER, Sílvia Maria. Compadrio: relação social e libertação espiritual em sociedades escravistas (Campos, 1754-1766). Estudos Afro-Asiáticos, no 20, jun. 1991, p. 223-238.
  • ORDENAÇÕES Filipinas, Livro I ao V. Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. 3v.
  • PRAXEDES, Vanda Lúcia. A teia e a trama da "fragilidade humana": os filhos ilegítimos em Minas Gerais, 17701840. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. Belo Horizonte, 2003.
  • ROSENTAL, Paul-André. Construir o "macro" pelo "micro": Fredrik Barth e a "microstoria". In: REVEL, Jacques (Org.). Jogos de escalas. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
  • RIOS, Ana Lugão. Família e transição. Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da UFF. Niterói, 1990.
  • RODRIGUES (Monsenhor), Flávio Carneiro. Segunda coletânea das visitas pastorais do século XVIII no Bispado de Mariana. Cadernos históricos do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana no 2. Mariana: Editora Dom Viçoso, 2005.
  • RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. (primeira edição de 1984, em inglês).
  • SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no Oeste Paulista. In: NOVAIS, Fernando A. (Coord. Geral) & ALENCASTRO, Luiz Felipe de (Org. do Volume). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, vol. 2, p. 233-290.
  • SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2004. (Primeira edição em 1982).
  • TINHORÃO, José Ramos. As festas no Brasil colonial. São Paulo: Ed. 34, 2000.
  • VENÂNCIO, Renato Pinto. Compadrio e liberdade: a escolha de padrinhos entre ex-escravos de Ouro Preto colonial. VJornada Setecentista, Curitiba, 2003. Mimeografado.
  • 1
    Este artigo é uma versão modificada e ampliada de capítulo da dissertação "'Quem tem padrinho não morre pagão': as re-lações de compadrio e apadrinhamento de escravos numa Vila Colonial (Mariana, 1715-1750)", (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, 2006).
  • 2
    GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart B. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravo na Bahia do século XVIII. In: REIS, João José (Org.). Escravidão e invenção da liberdade. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 33-59.
  • 3
    Após o importante estudo de Gudeman e Schwartz, podemos destacar, a partir da década de 1990, os seguintes trabalhos: RIOS, Ana Lugão. Família e transição. Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da UFF. Niterói, 1990; KJERFVE, Tânia Maria G. N. & BRUGGER, Sílvia Maria. Compadrio: relação social e libertação espiritual em sociedades escravistas (Campos, 1754-1766). Estudos Afro-Asiáticos, n. 20, Jun. 1991, p. 223-238; SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no Oeste Paulista. In: NOVAIS, Fernando A. (Coord. Geral) & ALENCASTRO, Luiz Felipe de (Org. do Volume). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, vol. 2, 1997, p. 233-290.
  • 4
    BACELLAR, Carlos de A. P. Recuperando sociabilidades no passado. In: BOTELHO, Tarcísio R. et al. História quantitativa e serial no Brasil: um balanço. Goiânia: ANPUH-MG, 2001, p. 33.
  • 5
    Id.Ibid.
  • 6
    HAMEISTER, Martha D. Para dar calor à nova povoação: estudo sobre estratégias sociais e familiares a partir dos registros batismais da vila do Rio Grande (1738-1763). Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ. Rio de Janeiro, 2006. A autora recorre a diferentes tipologias documentais, à bibliografia regional, a estudos de trajetórias, à construção de redes familiares ampliadas, à bibliografia antropológica, pontos fundamentais nos estudos de micro-história, para identificar o compadrio como "herança imaterial" da localidade enfocada.
  • 7
    Reais quintos e lista dos escravos da Vila do Carmo de 1723, AHCMM, cód. 166, fl. 1 a 14. Neste artigo, constam as seguin-tes abreviaturas: AEAM - Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana; AHCMM - Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Mariana; AHCSM - Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana; AHU - Arquivo Histórico Ultramarino.
  • 8
    RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 167 (primeira edição de 1984, em inglês).
  • 9
    Não se pode esquecer os constrangimentos e violências senhoriais em ter a escrava de aceitar manter contato amoroso com seu senhor. Por outro lado, ela poderia, em alguns casos, ter calculado os benefícios dessa relação. Algumas vivências no termo de Mariana são bons exemplos dos limites e possibilidades da relação senhor-escrava: "João da Cunha [...] tem de suas portas adentro uma escrava por nome Rosa da qual tem um filho [...] e em certa ocasião [...] não querendo ela tornar para sua companhia andou com ela as pancadas". Em outra situação João Ribeiro Filgueira mantinha relação continuada com Apolônia, escrava, e os filhos do casal "os tem visto ele testemunha mais bem tratados do que se fossem a escravos e a ela tem visto também bem vestida e calçada". Testemunho, AEAM, Livro de Devassas 1722-1723 (1), fl. 87-87v.
  • 10
    GINZBURG, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG, Carlo et al. A microhistória e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1989, p. 169-178.
  • 11
    Carta de D. Lourenço, governador das Minas Gerais, sobre as desordens causadas pelo cônego João Vaz Ferreira na Vila Rica [sic] do Carmo quando estava por vigário naquela igreja, AHU, cx. 6, doc. 34, cd 2, fl. 1 (grifo nosso).
  • 12
    Ibidem (grifo nosso).
  • 13
    FIGUEIREDO, Luciano. Barrocas famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 25.
  • 14
    Processo de Habilitação Matrimonial, AEAM, n. 1979, arm. 2, pasta 198, fl. 6v.
  • 15
    Processo de Habilitação Matrimonial, AEAM, n. 3608, arm. 3, pasta 361, fl. 4v, 5 e 10v.
  • 16
    FURTADO, Júnia F. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 76. A historiadora Júnia Furtado foi quem primeiro destacou a relação do sargento-mor João Fernandes de Oliveira com seu compadre Domingos Pinto Machado.
  • 17
    Durante os primeiros anos que passou nas Minas, João Fernandes de Oliveira manteve relação afetiva com uma escrava, Lourença Batista. Segundo Júnia Furtado, dessa relação nasceu Teodósio, que o pai mandou estudar cirurgia na França, embora este tenha declarado, em testamento, que duvidava da paternidade, pois a mãe "sempre foi mulher meretriz" - gesto, comum, pois não foram raros os senhores que cuidavam com zelo de prole tida com suas cativas e, ao mesmo tempo, acusavam-nas de meretrizes. FURTADO, Júnia F. Op. cit., p.76. Contudo, sabemos que havia número escasso de mulheres nas Minas e que, em muitas tavernas e mesmo residências, a prática do comércio do corpo era recorrente e representava forma de sustentação para algumas damas.
  • 18
    Registro de Batismo, AEAM, Livro de Batismo O-3, fl. 37. Manteve-se a formatação original do assento. Importante des-tacar que, para o ano de 1723, 11 atas batismais de crianças escravas não possuem informações sobre a paternidade, num total de 28 registros.
  • 19
    GUDEMAN, Stephen. Spiritual relationship and selecting a godparent. In: Man, 10, p. 221-222, 1975. Segundo Gudeman, a proibição dos pais poderem assumir o apadrinhamento no batismo (instituída no século IX) viria da pressão e constatação, pelo clero, das práticas sociais de convidar outros indivíduos para patrocinador do ritual e, consequentemente, alargar o número de pessoas envolvidas. A Igreja incorporou, pois, às suas determinações, a prática costumeira das camadas populares. Embora essa nova diretriz estivesse amparada nas vivências de leigos e em suas estratégias de alianças com outros indivíduos fora do núcleo familiar básico, ela não contrariava as noções de teologia cristã, que distinguem os laços como naturais, originados do intercurso carnal - consanguíneo ou por aliança - e os laços espirituais, nascidos da recepção do batismo. Teologicamente, no batismo a criança nascida de uma relação carnal, biológica - seria libertada do pecado original e os padrinhos se tornariam os "segundos pais", fiadores da aceitação da fé cristã. Ibidem. A proibição dos pais atuarem como padrinhos foi declarada no Concílio de Munique, em 813, e no Concílio de Metz, em 888, os termos pais e patrocinadores (padrinhos) já aparecem separados. Cf. MINTZ, Sidney & WOLF, Eric. An analysis of ritual co-parenthood (compadrazgo). In: Southwestern Journal of Anthropology, 6, p. 341-368, 1950.
  • 20
    GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart B. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravo na Bahia do século XVIII. In: REIS, João José (Org.). Escravidão e invenção da liberdade. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 45.
  • 21
    Apud FIGUEIREDO, Luciano. Op. cit., p. 185-190 (grifo nosso).
  • 22
    Ibidem, p. 40-41.
  • 23
    Testemunho, AEAM, Livro de Devassas 1733 (3), fl. 15.
  • 24
    ARAÚJO, Emanuel. A arte da sedução feminina na colônia. In: PRIORE, Mary Del (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997, p. 53-54.
  • 25
    RODRIGUES (Monsenhor), Flávio Carneiro. Segunda coletânea das visitas pastorais do século XVIII no Bispado de Ma-riana. Cadernos históricos do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, no 2. Mariana: Editora Dom Viçoso, 2005, p. 13 (grifo nosso).
  • 26
    Segundo Eliana Goldschmidt, em São Paulo, o próprio pai natural tinha sido padrinho de um batizando escravo e, quan-do este entrou com o processo de habilitação para se casar, ele testemunhou que o filho já tinha sido batizado - pois não foi encontrado o assento batismal, em 1742.
  • 27
    Termo utilizado por Edoardo Grendi: "caracteristicamente, o historiador trabalha sobre muitos testemunhos indiretos: nessa situação o documento excepcional pode resultar excepcionalmente 'normal', exatamente porque revelador". Apud ESPADA LIMA, Henrique. A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 451.
  • 28
    Testemunho, AEAM, Livro de Devassas 1722-1723 (1), fl. 45v. Também constam da mesma devassa; Ibidem, fl. 42 a 67; as informações sobre os religiosos no parágrafo seguinte.
  • 29
    CONSTITUIÇÕES Primeiras do Arcebispado da Bahia feitas e ordenadas pelo Ilustríssimo, e Reverendíssimo Senhor D. Sebastião Monteiro da Vide 5º arcebispo do dito Arcebispado, e do Conselho de sua Majestade: propostas, e aceitas em o Sínodo Diocesano, que o dito senhor celebrou em 12 de junho do ano de 1707. 1ª edição Lisboa, 1719, e Coimbra, 1720. São Paulo: Typografia 2 de Dezembro de Antônio Louzada Antunes, 1853, p. 16.
  • 30
    Registro de Batismo, AEAM, Livro de Batismo O-3, fl. 31v.
  • 31
    Registro de Casamento, AEAM, Livro de Batismo O-2, fl. 69v.
  • 32
    FURTADO, Júnia F. Op. cit., p. 2003.
  • 33
    Registro de Óbito, AEAM, Livro de Óbito Q-12, fl. 37.
  • 34
    Registro de Batismo, AEAM, Livro O-3, fl. 91v. Quando reconheceu, pelo batismo, em 1723, sua filha com Joana mina, uma de suas cinco escravas, Domingos Pinto Machado tinha um total de 29 escravizados. As mulheres eram predominantemente da chamada Costa da Mina: Catarina cobu, Joana cobu, Joana (mãe de Rita), Antônia mina e Serafina benguela - a única cativa proveniente da África Centro-Ocidental.
  • 35
    Inventário de Domingos Pinto Machado (1728), AHCSM, cx. 50, auto 1144, fl. 1 e 2. A ação do Juízo dos Ausentes era periodicamente motivo de queixas à Coroa. Os pais que morriam sem testamento tinham regularmente seus bens confiscados pelo Juízo dos Ausentes, o que impedia muitas vezes os filhos ilegítimos de se tornar herdeiros de seus pais. Assim, havia constante conflito entre famílias e o Juízo dos Ausentes na Capitania mineira. Conferir os protestos do juiz de Órfãos de Sabará, em 1730, estudado por PRAXEDES, Vanda Lúcia. A teia e a trama da 'fragilidade humana': os filhos ilegítimos em Minas Gerais, 1770-1840. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. Belo Horizonte, 2003, p. 21-22.
  • 36
    ORDENAÇÕES Filipinas, Livro I ao V. Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. Título 91, parág. 1, 2 e 3. 3 v.
  • 37
    Inventário, AHCSM, cx. 50, auto 1144, fl. 4 e 4v. (grifo nosso).
  • 38
    Ibidem, fl. 4v a 5.
  • 39
    A incerteza que se depreende deste caso mostra, como proposto por Barth, que ela prevalece em toda ação social: "uma das características principais da ação social é que seu resultado depende das ações paralelas, ou da reação, das outras pessoas. Resulta daí uma incerteza quanto às consequências de todo comportamento, a qual é levada em conta pelos indivíduos: ela os impede de contar abstratamente com um sistema de normas para ajudá-los a prever sem ambiguidade os efeitos dos seus atos". Fredrik Barth apud ROSENTAL, Paul-André. Construir o "macro" pelo "micro": Fredrik Barth e a "microstoria". In: REVEL 1998, p. 157.
  • 40
    FIGUEIREDO, Luciano. Op. cit., p. 119.
  • 41
    Testemunho, AEAM, Livro de Devassas 1722-1723 (1), fl. 86. Os relatos da posse do primeiro Bispo de Mariana, em 1748, enfatizam que, quando os negros escravos que moravam fora da cidade, vinham nos dias santos, durante as comemorações da posse de dom frei Manuel da Cruz, trazer feixes de lenha, colocados na residência episcopal, entravam "pela cidade formados em duas alas, com bandeiras, tambores e instrumentos e cantos a seu modo". Esses comportamentos sugerem que, em muitas comemorações de batizados de filhos de casais escravos, principalmente africanos, as celebrações poderiam ocorrer também a seu modo. Citado por TINHORÃO, José Ramos. As festas no Brasil colonial. São Paulo: Ed. 34, 2000, p. 112.
  • 42
    Ibidem, fl. 86v.
  • 43
    Registro de Batismo, AEAM, Livro O-2, fl.7.
  • 44
    Casos como o do coronel Salvador Furtado de Mendonça, considerado um dos fundadores da Vila do Carmo, são exemplares. Segundo Lewkowicz, o famoso bandeirante, contemplou em seu testamento tanto os filhos do casamento cristão quanto de sua relação consensual com a mameluca liberta Andresa de Castilho. Por outro lado, o cuidado com as filhas ilegítimas não impedia a relação senhorial muitas vezes extremamente cruel com os escravizados, mesmo ainda jovens. Segundo Bento Furtado, Deve-me mais meu pai o coronel Salvador Fernandes Furtado um rapaz de 12 até 14 anos que me custou 200 oitavas de ouro ao guarda mor Capitão Rodrigues de Souza o qual rapaz morreu de castigo que meu pai lhe mandou fazer. Apud LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais - século XVIII e XIX. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Usp. São Paulo, 1988, p. 309-310.
  • 45
    Justificação, AHCSM, cód. 301, auto 6130, 1º Ofício, fl. 1. As novas testemunhas, além de confirmarem as declarações dos primeiros depoentes, reforçaram a relação afetiva que Domingos Pinto Machado tinha com sua filha. João Fernandes, além de convocar três moradores do Carmo, que certamente moravam nos Monsus, procurou um homem de negócios, para dar seu testemunho. Manuel José de Andrade, que vivia de sua venda e tinha 36 anos, disse que, "indo [...] em uma ocasião falar ao defunto [...] a sua casa e achando-o na Sua Lavra ali o viu estar com amor a Rita de que se trata[va] ensinando orações". Gregório Ribeiro, rico minerador, 38 anos, relatou que, indo "uma noite a falar a [...] Domingos [...] e achando-o já recolhido na Cama aí o vira estar com amor [a] Rita de que [a] trata[va] nos braços". Caetano Gazino, "vivia de sua faisqueira, 45 anos, sabia por haver sido Camarada de [...] Domingos [...] a morar com ele junto em uma casa" que Rita era tratada como filha pelo pai. Inventário, AHCSM, cx. 50, auto 1144, fl. 14v.
  • 46
    Respectivamente: Registro de Batismo, AEAM, Livro de Batismo O-4, fl. 21v. Em 1731, ao batizar sua escrava adulta, Teresa mina é listada morando ainda no Monsus. Registro de Batismo, AEAM, Livro O-4, fl. 64v. Assento de Entrada, AEAM, Livro da Irmandade de São Benedito de Mariana P-20, fl. 27v. Registro de Batismo, AEAM, Livro de Batismo O-4, fl. 64v. Assento de Entrada, AEAM, Livro da Irmandade de N. S. do Rosário de Mariana, Livro P-28, fl. 18.
  • 47
    SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2004. (Primeira edição em 1982).
  • 48
    Testamento, AEAM, Livro de Óbito Q-16, fl. 133v a 135v.
  • 49
    Testamento, AEAM, no 1166, fl. 2v.
  • 50
    Testamento, AEAM, Livro de Óbito Q-15, fl. 39.
  • 51
    LEWKOWICZ, Ida. Herança e relações familiares: os pretos forros nas Minas Gerais do século XVIII. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 9 no 17, p. 101-114, set.88/fev.89, p. 109.
  • 52
    Testamento, AHCSM, Livro 63, fl. 1.
  • 53
    As alforrias de inocentes na pia batismal e nos cartórios de Mariana estavam, na maioria das vezes, diretamente ligadas à legitimação dos senhores e pais livres, por relações consensuais com escravas. As mulheres cativas, muitas vezes, mediram os benefícios de suas relações amorosas com os senhores, nem sempre desejadas e consentidas. Mesmo não conseguindo a própria alforria, elas puderam ver seus filhos alforriados e, em alguns casos, com tratamento diferenciado em relação às demais crianças cativas. No entanto, a maioria das alforrias onerosas foi financiada, direta ou indiretamente, pelos padrinhos, o que poderia refletir a importância do compadrio em sociedades escravistas.
  • 54
    Testamento, AEAM, Livro de Batismo O-8, fl. 41v.
  • 55
    Sobre as relações interétnica e intraétnicas estabelecidas no batismo de escravos adultos em Mariana conferir o estudo: MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. O apadrinhamento de africanos em Minas Colonial: o (re)encontro na América (Mariana, 1715-1750). Revista Afro-Ásia, 36 (2007), 39-80.
  • 56
    LANNA, Marcos. A dívida divina: troca e patronagem no nordeste brasileiro. Campinas: Editora da Unicamp, 1995, p. 23, 198.
  • 57
    Respectivamente: Processo de Habilitação Matrimonial, AEAM, no 1876, arm. 2, pasta 188; Justificação, AHCSM, cód. 301, auto 6130, 1oOfício, fl. 1; Registro de Casamento, AEAM, Livro de Casamento O-24, fl. 33v.
  • 58
    Justificação, AHCSM, cód. 301, auto 6123, 1oOfício. Manuel Fernandes de Oliveira, 31 anos, morador em Águas Claras, freguesia de São Caetano, declarou ter "larga amizade" com Domingos Gonçalves Rodrigues e a outra testemunha, Ventura Fernandes de Oliveira, 32 anos, morando à época na Vila, declarou ter com o marido de Rita "celebrado vários contratos e sempre nele descobriu idoneidade". Provavelmente, as relações de amizade e negócio de Ventura e Manuel de Oliveira com Domingos Rodrigues foram importantes para a concretização do noivado com Rita.
  • 59
    LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2010
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: topoi@revistatopoi.org