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O Kasper está morto? Domesticação e doutrinação do Kaspertheater durante o Nacional-Socialismo

Kasper est-ilmort? Domestication et endoctrinement du Kaspertheater pendant le National-Socialisme

RESUMO

O texto apresenta resultados preliminares de pesquisa sobre as estratégias empregadas na apropriação do Kaspertheater para fins de propaganda no Nacional-Socialismo. Essa forma popular de teatro de bonecos alemã foi adaptada para peças de ideologia nazista, apresentadas em diversos circuitos, incluindo fronts de guerra. O artigo situa as relações entre arte e política nesse contexto e discute as ambiguidades dos usos da comicidade atrelados a programas de extrema-direita. Traz, como contraponto, encenações contemporâneas do Kaspertheater. Investiga as relações entre a cultura popular e a legitimação de projetos de identidade nacional, com o intuito de contribuir para esse debate no Brasil.

Palavras-chave:
Kaspertheater ; Arte e Política; Extrema- Direita; Cultur a Popular; Teatro de Formas Animadas

RÉSUMÉ

Ce texte présente les résultats préliminaires de la recherche sur les stratégies utilisées dans l'appropriation du Kaspertheater à des fins de propagande dans le National-Socialisme. Cette forme populaire de théâtre de marionnettes allemande a été adaptée pour des pièces de l'idéologienazie, jouées sur divers circuits, y compris les fronts de guerre. L'article place la relation entre l'art et la politique dans ce contexte et discute des ambiguïtés ende dans les usages du comique liées aux programmes d'extrême-droite. Il apporte, en contrepoint, des mises en scène contemporaines du Kaspertheater. Il étudie les relations entre la culture populaire et la légitimation des projets d'identité nationale, dans le but de contribuer à ce débat au Brésil.

Mots-clés:
Kaspertheater ; Art et Politique; Extrême-Droite; Culture Populaire; Théâtre de Formes Animées

ABSTRACT

The text presents preliminary results of research on the strategies employed in the appropriation of Kaspertheater for propaganda purposes under National-Socialism. This popular form of German puppet theater was adapted into Nazi ideological plays, and performed on various circuits, including war fronts. The article examines the relationship between art and politics in this context and discusses the ambiguities of the use of comicality linked to right-wing extremist programs, as a counterpoint to contemporary performances of Kaspertheater. It investigates the relations between popular culture and the legitimization of national identity projects, with the intention of contributing to this debate in Brazil.

Keywords:
Kaspertheater; Art and Politics; Far-Right; Popular Culture; Theatre in Animated Forms

Não é fácil para uma pessoa distanciar-se desses eventos. Tem-se frequentemente a impressão de que o furúnculo Hitler ainda não estourou. Lateja, mas o pus não saiu (Norbert Elias, 1997ELIAS, Norbert. Os Alemães. A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997., p. 31).

Esta pesquisa1 1 Este texto foi desenvolvido no contexto do projeto de pesquisa de pósdoutorado Estratégias artísticas, políticas e pedagógicas dos usos das formas populares de teatro de bonecos: o caso do Kaspertheater, realizado na Universidade de Bonn (Universität Bonn), na Alemanha, com supervisão da Prof. Dra. Karoline Noack, entre setembro de 2018 e outubro de 2019, através do Programa Bolsas para Pesquisa Capes/Humboldt para Pesquisador Experiente (Capes-Humboldt Forschungsstipendium für erfahrene Wissenschaftler / Capes-Humboldt Research Fellowships for experienced researchers). está situada nos campos de conhecimento das Artes, da Política, da Antropologia e da História. Aciona as relações entre arte e política, por meio dos usos estratégicos de dispositivos artísticos para projetos sociopolíticos mais amplos. Observa também os trânsitos entre modos de produção e criação; além de circunscrever os debates históricos e historiográficos dos estudos sobre o fascismo2 2 Agradeço aos professores Tatiana Poggi e Demian Melo pelo diálogo, pelas sugestões bibliográficas e pelos debates estabelecidos no curso Fascismo: História e Historiografia, do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que assisti como ouvinte. , os movimentos nacionalistas de extrema-direita e suas articulações com questões identitárias. O objeto em discussão é o Kaspertheater3 3 Outras denominações possíveis seriam Kasperltheater ou Kasperletheater. Entretanto, como ponderado por alguns bonequeiros, informantes desta pesquisa, essas designações indicariam a versão para o público infantil. Por isso opto por Kaspertheater, que é mais apropriado para esta discussão. , uma forma popular de teatro de bonecos alemão, e suas relações com programas político-pedagógicos durante o NacionalSocialismo na Alemanha. Este estudo incluiu a investigação em acervos documentais e em coleções de teatro de bonecos em Dresden, Munique, Lübeck, Bochum e Bad Kreuznach, na Alemanha, além da Coleção de Estudos de Teatro, da Universidade de Colônia (Theaterwissenschaftliche Sammlung -Universität Köln)4 4 Agradeço ao Prof. Dr. Peter Marx pelo suporte institucional dado à pesquisa. . Também compreendeu uma residência de pesquisa no centro de documentação do Instituto Internacional da Marionete (Institut International de la Marionnette)5 5 Agradeço à Raphaèle Fleury pelo suporte institucional dado à pesquisa. , em Charleville-Meziérès, na França, e uma visita à exposição Bonecos no Front (Loutky na frontě / Puppets on the Front), sobre o teatro de bonecos da República Tcheca nos fronts da Primeira Guerra Mundial (Matula, 2018MATULA, Richard. Loutky na frontě. Chrudim: Muzeum loutkářských kultur v Chrudimi, 2018.), no Museu de Teatro de Bonecos de Chrudim (Muzeum loutkářských kultur v Chrudimi / Chrudim Puppetry Museum)6 6 Agradeço à Christina Schenck pelo apoio nesta viagem. .

Importante mencionar ainda as visitas a algumas relevantes escolas de formação em teatro de bonecos na Europa, onde pude acessar seus currículos e assistir a algumas aulas. Refiro-me ao Departamento de Teatro Alternativo e de Bonecos, em livre tradução Department of Alternative and Puppet Theatre, da DAMU (The Academy of Performing Arts and Theatre Faculty), em Praga7 7 Agradeço à Profa. Katerina Dolenska pelo suporte institucional dado à pesquisa. ; à ESNAM (Ecole Nationale de la Marionnette), em Charleville-Mézières; e ao Departamento de Estudos de Teatro de Bonecos Contemporâneo, da Academia de Artes Dramáticas - Ernst Busch, em livre tradução (Studiengang Zeitgenössische Puppenspielkunst - Hochschule für Schauspielkunst - Ernst Busch)8 8 Agradeço à Profa. Susanna Poldauf pelo suporte institucional dado à pesquisa. , em Berlim. Faço menção a esses acervos, coleções e escolas para destacar a rede que se constituiu como base de pesquisa para este trabalho, e contrastar com o usual status de subalternidade do teatro de bonecos como objeto de estudo.

A experiência em ter o Kaspertheater como estudo de caso me surpreendeu, diversas vezes, pela recepção, por vezes irônica e desconfiada, entre certos campos intelectuais e artísticos, que ainda insistem em não atribuir valor artístico formal a essa linguagem teatral. O personagem Kasper teria surgido no século XVIII, na Áustria, ao que tudo indica, como derivação de um personagem mais antigo chamado Hanswurst, algo como João Linguiça em tradução livre. Cruel, ingênuo e engraçado, Kasper tem um ponto fraco: as tortas de maçã de sua esposa Gretel. Pode-se dizer que, em termos de características formais e elementos de jogo, há correspondências entre o Kasper alemão e outros personagens populares semelhantes, como o Kasparek (tcheco), o Guignol (francês), o Petrushka (russo), o Karagöz (turco), o Punch (inglês), o Dom Roberto (português), entre outros. Vale lembrar que todos são personagens cômicos e em técnicas de luva, exceto o Karagöz, que é uma figura do teatro de sombras.

No contexto atual, de forma generalista, o Kasper ou Kasperl é entendido, pelo senso comum, como uma forma de teatro de bonecos voltada ao público infantil, utilizado de forma amadora nas escolas, como instrumento pedagógico, para ensinar as crianças a escovar os dentes, a atravessar as ruas, sendo chamado, muitas vezes, de forma pejorativa, de Verkehrskasper (em tradução livre o Kasper do trânsito, do tráfego). Há também uma forte imagem depreciativa desse tipo de teatro, porque está relacionado a ideias e movimentos nacionalistas, malvistos na Alemanha de hoje. Por ter sido associado à propaganda nazista e, posteriormente, comunista, o Kasper é constantemente alvo de críticas negativas.

A tese de doutorado em filosofia, em tradução livre, O Instituto de Teatro de Bonecos do Reich: uma contribuição para a história do teatro de animação (Das Reichsinstitut für Puppenspiel Ein Beitrag zur Geschichte des Figurentheaters), de Gerd Bohlmeier (1993)BOHLMEIER, Gerd. Das Reichinstitut für Puppenspiel: Ein Beitrag zur Geschichte des Figurentheaters. Braunschweig: Hochschule für Bildende Künste, 1993., constitui-se como uma relevante referência sobre a profissionalização de bonequeiros, a institucionalização dessa forma de teatro e seus usos como estratégia de propaganda durante o Nacional-Socialismo. A hipótese levantada na tese, de que a utilização do teatro de bonecos pelo Terceiro Reich foi planejada estrategicamente como um meio midiático de massa, é uma contribuição aos diversos estudos sobre a propaganda nazista, suporte principal à veloz propagação ideológica e à ampla adesão popular ao trágico projeto racista e genocida. A questão é desconcertante porque contrapõe a eficácia do teatro de bonecos, sua linguagem ingênua, seu aparato técnico simples, seus modestos custos de produção e circulação aos espetáculos, desfiles e rituais grandiosos para as massas, muito utilizados naquele contexto. As pesquisas críticas sobre tais dispositivos de propaganda estão, em sua maioria, focadas na utilização de meios midiáticos mais exemplares, como o cinema e a rádio, além dos espetáculos cívicos e de formas teatrais para as massas, como o Thingspiel (Niven, 2000NIVEN, William. The birth of Nazi drama?: Thing plays. In: LONDON, John (Ed.). Theatre under the Nazis. Manchester: Manchester University Press, 2000. P. 54-95.). O teatro de bonecos não é, de forma geral, mencionado.

Entretanto as fontes revelam a presença ampla do teatro de bonecos, especialmente o Kaspertheater, nos fronts da Segunda Guerra Mundial, encenado como divertimento para os soldados em combate, assim como em hospitais para alívio terapêutico dos soldados feridos. Há ainda registros de atividades de soldados bonequeiros nos fronts, e em campos de prisioneiros de guerra na Inglaterra, França e Estados Unidos, conforme nos contam os documentos encontrados na Coleção de Estudos de Teatro, da Universidade de Colônia (Theaterwissenschaftliche Sammlung - Universität Köln). Essas informações estão também nos trabalhos publicados por Silke Technau (1992TECHNAU, Silke. Zu Besuch in der Kasperbude. Streifzüge über den Jahrmarkt ins Figurentheater. Frankfurt/Main: Puppen & Masken, 1992.; 1997)TECHNAU, Silke. To Wihnachten sinn wi wedder dohus. Puppentheater im Kriegsgefangenenlager Aliceville/Alabama. In: KOLLAND, Dorothea (Org.). Frontpuppentheater. Puppenspieler im Kriegsgeschehen. PuppentheaterMuseum Berlin. Berlin: Elefanten-Press, 1997. P. 142-151. sobre Walter Büttner, bonequeiro que serviu como soldado, capturado em 1944 pelos americanos. Büttner ficou conhecido por suas apresentações para soldados no front e, depois, como prisioneiro de guerra em Aliceville, no Alabama. A movimentação de teatro de bonecos nos fronts da Segunda Guerra Mundial, e sua importância como instrumento de propaganda e de informação, não foi um fato isolado na Alemanha. O fenômeno ocorreu em outros países da Europa (Kolland; PuppentheaterMuseum..., 1997KOLLAND, Dorothea; PUPPENTHEATER-MUSEUM Berlin (Org.). Frontpuppentheater: Puppenspieler im Kriegsgeschehen. Berlin: Elefanten Press, 1997.; Fleury; Sermon, 2019FLEURY, Raphaéle; SERMON, Julie. Marionnettes et Pouvoir: censures, propagandes, resistences. Montpellier: Deuxième Époque, 2019.), incluindo também alguma documentação sobre a Primeira Guerra Mundial, como é o caso de Gaston Cony e o Guignol de la Guerre, na França (Plassard, 1990PLASSARD, Didier. Guignol va à la guerre. Puck, Charleville-Mézières, Institut International de la Marionnette, n. 3, p. 28-35, 1990.; 2017PLASSARD, Didier. La marionnette, ça sert aussi à faire la guerre. L’image des combattants au prisme du théâtre de marionnettes pendant la Première guerre mondiale. In: TOMMIES, POILUS, FRONTSCHWEINE - REPRÉSENTATIONS ARTISTIQUES DE SOI ET DE L’AUTRE DANS LA GRANDE GUERRE, 2017, Université Paul Valéry, Montpellier. Communication au coloque [...] Montpellier: Université Paul Valéry, nov. 2017. (mimeo).)9 9 Agradeço ao Prof. Dr. Didier Plassard, pelo diálogo e referências ofertadas. Também à Prof. Arianna Berenice De Sanctis pela mediação, interlocução e pelo convite para visitá-la na Université Paul Valéry Montpellier 3. , e também o material encontrado na exposição em Chrudim, na República Tcheca, mencionada acima.

O trabalho de Bohlmeier (1993)BOHLMEIER, Gerd. Das Reichinstitut für Puppenspiel: Ein Beitrag zur Geschichte des Figurentheaters. Braunschweig: Hochschule für Bildende Künste, 1993. é relevante, pois analisa o aparato institucional do Terceiro Reich e as estratégias políticas e pedagógicas para a criação do Instituto do Reich para o Teatro de Bonecos (Reichsinstitut für Puppenspiel), em 1938. A criação do instituto teve como objetivo a coordenação, o controle e a promoção de bonequeiros amadores e profissionais, orientando, a partir de publicações de manuais e distribuição de pequenas coleções de bonecos, o conteúdo e a estética para apresentações. Um exemplo é o catálogo Jogos e Cabeças (Personagens) para o Kaspertheater, em tradução livre Spiele und Köpfe für das Kaspertheater, publicado por volta de 1940, com textos de Siegfried Raeck10 10 Chefe Adjunto do Departamento de Cultura da Liderança Juvenil do Reich e também Diretor do Instituto do Reich para o Teatro de Bonecos (Oberbannführer und stellvertretender Chef des Kulturamts der Reichsjugendführung, Leiter des Reichsinstitut für Puppenspiel, tradução nossa). Oberbannführer é uma patente da hierarquia militar utilizada durante o nazismo para classificar integrantes da Juventude Hitlerista. , Dr. Hermann Schülze11 11 Dramaturgo do Instituto do Reich para o Teatro de Bonecos (Dramaturg des Reichsinstitut für Puppenspiel, tradução nossa). e Harro Siegel12 12 Diretor Adjunto do Instituto do Reich para o Teatro de Bonecos (Stellv. Leiter des Reichsinstitut für Puppenspiel, tradução nossa). , todos eles eram artistas. Os elementos do Kaspertheater, sua estrutura e dispositivos de apresentação, foram peças-chave para o projeto. A apropriação do Kasper para a propaganda ideológica o colocou como personagem central de uma série de peças antissemitas e pró-expansionistas do império alemão. Tive acesso a dez exemplares originais, em forma de apostila, dessas dramaturgias para teatro de bonecos, a maioria para Kaspertheater, com esse teor, organizadas pelo Instituto do Reich para o Teatro de Bonecos (Reichinstitut für Puppenspiel). As peças ainda estão sendo analisadas e resultarão, provavelmente, em mais dados para esta pesquisa. Esses e outros documentos foram encontrados no acervo da Coleção de Teatro de Bonecos, que integra as Coleções Públicas de Artes de Dresden, em tradução livre Puppentheatersammlung der Staatliche Kunstsammlungen Dresden13 13 Agradeço ao senhor Lars Rebehn, pesquisador e arquivista dessa coleção, pela acolhida e pelo compartilhamento de seu vasto conhecimento sobre o arquivo e o tema. A maioria dos documentos não está digitalizada, portanto a colaboração de Rebehn foi fundamental para esta pesquisa. .

Importante destacar que algumas organizações orientadas para desenvolver políticas estatais para as férias e o lazer dos trabalhadores alemães, como a Força pela Alegria (Kraft durch Freude - KdF), fundada em novembro de 1933, integraram este projeto. Os acampamentos comunitários e navios para excursões turísticas, promovidos pela KdF, foram palcos para a circulação dos grupos de teatro de bonecos amadores e profissionais, possibilitando que os artistas trabalhassem durante a guerra. O projeto do instituto promoveu ainda a difusão do teatro de bonecos apresentado de forma amadora entre as associações de juventude, como a Juventude Hitlerista (Hitlerjugend), que participou ativamente. O fenômeno não foi um movimento pontual, muito pelo contrário, como revelam alguns números, mesmo que superestimados e não apenas referentes aos eventos de teatro de bonecos, eles incluem também apresentações nos territórios ocupados pela Alemanha nazista (Buchholz, 1976, p. 318 apud Bohlmeier, 1997BOHLMEIER, Gerd. Figurentheater im Ideologiekonsens: Das Reichinstitut für Puppenspiel. In: KOLLAND, Dorothea; PUPPENTHEATER-MUSEUM Berlin (Org.). Front Puppen Theater: Puppenspieler im Kriegsgeschehen. Berlin: Elefanten Press, 1997. P. 121-131., p. 126-127, tradução nossa)14 14 No original alemão: “Die grosse Relevanz, die der nationalsozialistische Propagandaapparat durch umfangreiche Unterhaltungsprogramme der psychologischen Truppenbetreuung einräumte, liess das Puppenspiel gemeisam mit Theater- und Varietéaufführingen, mit Konzerten und Gesangsdarbietungen zum willkommenen Medium werden. Die Ausmasse solcher Veranstaltungen spiegeln sich – selbst unter Berücksichtigung einer wahrscheinlichen propagandistischen überzogenheit – in den folgenden Zahlenangaben wider: ‘Im Deutschen Reich wie in den okkupierten Ländern fanden von September bis Ende Dezember 1939 ungefähr 12 400 Veranstaltungen mit ca. 7 Milionen Soldaten statt. Im Jahre 1940 waren es 137802 Darbietungen mit 51 530 000 teilnehmenden Soldaten. 1941 stiegen die Zahlen im Veranstaltungsbereich auf 187 198, wobei 67 789 569 Soldaten gezählt wurden’” (zit. N. Buchholz, 1976, S. 318; vgl. Kolland und Bach in diesem Buch). :

O aparato de propaganda nacional-socialista, que concedeu grande relevância aos extensos programas de entretenimento para o apoio psicológico às tropas, permitiu que o teatro de bonecos se tornasse um meio bem-vindo em conjunto com apresentações teatrais e de variedades, concertos e performances vocais. As dimensões de tais eventos são refletidas nos números a seguir, mesmo levando em consideração um provável exagero propagandístico: ‘De setembro ao final de dezembro de 1939, ocorreram cerca de 12.400 eventos no Reich alemão e nos territórios ocupados com cerca de 7 milhões de soldados. Em 1940, houve 137.802 apresentações com 51.530.000 soldados participantes. Em 1941, os números no âmbito dos eventos aumentaram para 187.198, com 67.789.569 soldados contados’.

O Kaspertheater pode ser considerado como o ‘típico teatro popular de bonecos da Alemanha’. Nesse sentido, legitimar o Kasper é também contribuir para a construção de uma imagem da Alemanha. Os projetos de identidade nacional se apoiam em elementos e matrizes definidos como pertencentes à cultura popular, expressões como o Kaspertheater são evocadas, muitas vezes, a partir de uma idealização, e não como verificadas em seus processos históricos e contextuais. A noção de cultura popular que apoia a constituição de tais projetos é uma ideia homogeneizadora, que impede ver os fenômenos dentro da dinâmica processual que lhes é própria, de enxergar quem são seus atores sociais de fato, e como agem. Há uma noção de cultura (Eagleton, 2011EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp, 2011.) em disputa, que precisa ser problematizada, especialmente no desenvolvimento de seus significados nos processos sociais alemães. Há uma linhagem genealógica do conceito de ‘cultura’ que o relaciona a meados do século XVIII ao início do século XIX, coincidindo com o movimento romântico na Alemanha.

Em seu livro Os Alemães. A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX, o sociólogo Norbert Elias (1997)ELIAS, Norbert. Os Alemães. A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. faz uma espécie de biografia social dos alemães. Através de alguns fatos da vida cotidiana, Elias demonstra o desenvolvimento da produção de uma autoimagem nacional entre as camadas médias da população já no século XVIII. Noções como civilização e cultura, fundamentalmente processuais, passam a ter um sentido imutável. Os vínculos aos símbolos da coletividade se tornam elementoschave para a legitimação desses conceitos e noções. É nesse momento também que algumas palavras, como pátria, povo, nação, nacional, etc., tornaram-se símbolos verbais e adquiriram sentidos que fundamentaram a geopolítica do século XX, marcada por duas grandes guerras mundiais, e que persistem, ainda hoje, em projetos político-ideológicos de extrema-direita. A citação é longa, mas de grande relevância (Elias, 1997ELIAS, Norbert. Os Alemães. A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997., p. 140-141):

É fácil perceber por que essa crença na ‘nação’ como um sacrossanto ‘nósideal’ surgiu numa era de sociedades de massa altamente diferenciadas, com serviço militar obrigatório e um crescente envolvimento da população total em conflito com outras sociedades de massa. Nessa situação, mera disciplina e obediência a um príncipe ou a um comandante militar não era suficiente para garantir o êxito de um país numa luta de poder com outros. Nessas condições, era necessário que todos os cidadãos, em aditamento a qualquer compulsão externa, também fossem compelidos por sua própria consciência e seus próprios ideais ou, por outras palavras, por uma compulsão que exerciam individualmente sobre si mesmos, a subordinar suas necessidades pessoais às da co-letividade, do país ou da nação, e a doar-lhes a própria vida, se necessário. Era imprescindível que os membros individuais de todas essas sociedades de massa altamente diferenciadas do século XX fossem motivados por uma crença inquestionável no valor da sociedade que formavam uns com os outros, da ‘nação’; pois nem sempre era possível explicar em termos fatuais os méritos da sociedade àqueles cujos serviços ou cujas vidas eram solicitados.

As produções culturais populares, como o Kaspertheater, por exemplo, são também símbolos de coletividade nacional por excelência. Essas relações e ideias serão amplamente desenvolvidas por intelectuais e artistas alemães dos movimentos pré-romântico (Sturm und Drang, tempestade e ímpeto, em tradução livre) e romântico, de meados do século XVIII ao início do século XIX. Estamos falando de autores como J. G. Herder (1744-1803), os irmãos Ludwig Carl Grimm (1785-1863) e Wilhelm Carl Grimm (1786-1859), Goethe (1749-1832), Lessing (1729-1781), entre outros. A adesão a essas ideias orientou tanto a produção de obras de compilação, de coletâneas de repertórios populares (canções, poesias, contos, histórias, lendas, etc.), quanto as obras autorais emblemáticas do período, fundamentadas na afirmação de uma consciência nacional, na libertação da arte das amarras do classicismo, na reação ao Iluminismo, etc.

Apesar de o movimento ter sido significativo na Alemanha, não foi exclusivo, mas um acontecimento da história moderna da Europa, como nos demonstra Peter Burke (1989)BURKE, Peter. A cultura popular na Idade Moderna: Europa, 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.. Frequentemente associado ao nacionalismo, esse impulso em direção à cultura popular se deu em diversos países, curiosamente nas regiões que podiam ser consideradas, na ocasião, como a periferia cultural da própria Europa, que era o caso da Alemanha. Burke (1989)BURKE, Peter. A cultura popular na Idade Moderna: Europa, 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. caracterizou esse momento como sendo o da descoberta do povo, em que a tradição colecionista dos fenômenos que envolviam a cultura popular ficaria em voga, implicando no nascimento da ciência do folclore e em teorias que aproximariam a arte de uma natureza, supostamente, mais primitiva, comunitária, selvagem, autêntica e pura, original, livre das regras classicistas, da influência estrangeira. Segundo Burke (1989, p. 38-39)BURKE, Peter. A cultura popular na Idade Moderna: Europa, 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989., “[...] esse movimento foi também uma reação contra o Iluminismo, tal como se caracterizava em Voltaire: contra o seu elitismo, contra seu abandono da tradição, contra sua ênfase na razão”. Esses autores estavam também à procura de uma arte legitimamente nacional.

O que há de novo em Herder, nos Grimm e seus seguidores é, em primeiro lugar, a ênfase no povo, e, em segundo, sua crença de que os ‘usos, costumes, cerimônias, superstições, baladas, provérbios, etc.’ faziam, cada um deles, parte de um todo, expressando o espírito de uma nação (Burke 1989BURKE, Peter. A cultura popular na Idade Moderna: Europa, 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989., p. 36).

Nessa concepção, a cultura popular, naturalmente, evocaria os preceitos que eram adequados às necessidades dos românticos. Não à toa, ainda segundo Burke (1989)BURKE, Peter. A cultura popular na Idade Moderna: Europa, 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989., foi notável à época o aparecimento de termos em língua alemã relacionados ao popular, como: Volkskunde, Volkslied, Volksdichtung, Volksmärchen, Volksfest (em tradução livre: folclore, canção popular, poesia popular, fábula popular e festa popular).

Há uma ideologia clara por trás dessas definições e construções. Em muitos casos transparece o desejo de se construírem projetos de cultura supostamente originais, por isso explicativos de modelos identitários nacionais. O Kaspertheater também é constituído por tal imagem idealizada, por isso me parece relevante entender o porquê da eficácia da evocação dessas expressões como justificativa para projetos de identidade nacional. Nesse sentido, analisar o fenômeno do teatro de bonecos durante o NacionalSocialismo e a Segunda Guerra Mundial é uma possibilidade de olhar a história sobre um outro ponto de vista, colaborando para a construção de outras historiografias que relacionem de modo mais integrado as relações entre micro e macropolíticas.

Se não há separação entre arte e política, e é o que demonstra o vigoroso debate contemporâneo, pesquisas que relacionam essas áreas podem contribuir para a ampliação e revisão de procedimentos historiográficos, por exemplo. O campo fundamental de atuação de artistas e agentes de cultura, bem como da política, é o do imaginário, a capacidade de inventar, legitimar, reconhecer, incidir e propor modos de vida. Na arte, essa disputa se dá por dentro, nas relações entre os criadores e seu campo produtivo; entre as obras e o público; na capacidade de afetar não exclusivamente pela temática, mas pela experiência provocada; na busca de uma perspectiva não pedagógica, ampliando canais de comunicação, compreendendo que os dispositivos e as técnicas também são políticos (Benjamin, 1994BENJAMIN, Walter. O autor como produtor. Conferência pronunciada no Instituto para o Estudo do Fascismo, em 27 de abril de 1934. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. P. 120-136.).

Certos fenômenos nas artes e na cultura, especialmente aqueles forjados em processos de longa duração, compreendidos como tradicionais ou populares, noções bastante problemáticas que não serão aqui desenvolvidas, podem revelar aspectos importantes de situações e tramas sociais em conjunturas históricas específicas. Desse modo, o Kaspertheater, como matéria de cultura, pode ser considerado um fato social total nos termos de Marcel Mauss (2003, p. 187)MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a Dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. P. 183-314., pois, nele:

[...] exprimem-se, de uma só vez, as mais diversas instituições: religiosas, jurídicas e morais – estas sendo políticas e familiares ao mesmo tempo –; econômicas – estas supondo formas particulares de produção e do consumo, ou melhor, do fornecimento e da distribuição –; sem contar os fenômenos estéticos em que resultam esses fatos e os fenômenos morfológicos que essas instituições manifestam.

Assim sendo, a análise do Kasper neste recorte histórico pode nos fornecer informações sobre a operacionalidade dessa linguagem teatral, mas também sobre o sistema social no qual esteve imerso, possibilitando, talvez, novas contribuições para o debate da relação entre arte e fascismo, por exemplo.

Mas por que o Kasper foi eficaz a adaptações com fins didáticos e propagandísticos? Já no início da ascensão nazista notou-se o papel central da arte como propagadora de ideais e como base para a constituição de um projeto de propaganda inovador. Os biógrafos de Adolf Hitler têm traçado seu perfil como de alguém próximo e sensível às artes, mesmo que ressentido e frustrado por não ter se tornado artista. Aos 18 anos de idade, tentou entrar para a Academia de Artes de Viena, mas não logrou êxito nos exames. Em sua avaliação, o reitor da Academia disse que ele não tinha vocação para a pintura, mas sim para a arquitetura (Kershaw, 2010KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p. 48-49).

Vale mencionar ainda a relação de Hitler com diversos artistas e sua presença constante nos meios da arte, mesmo durante a guerra (Grosshans, 1983GROSSHANS, Henry. Hitler and the Artists. New York; London: Holmes & Meier, 1983.). Além da implementação de diversos projetos arquitetônicos e artísticos, entre eles os desfiles militares, os grandes comícios e as exposições, que Hitler fazia questão de acompanhar de perto e influenciar nas decisões. Destaque para a Grande Exposição de Arte Alemã (Große Deutsche Kunstausstellung), que aconteceu anualmente entre 1937 até 1944, mesmo durante o processo inicial de derrota da Alemanha na guerra. As exposições ocorreram na Casa da Arte Alemã (Haus der deutscher Kunst), em Munique, um projeto desenvolvido pelos arquitetos do Terceiro Reich, supervisionado diretamente por Hitler. Na primeira edição, em julho de 1937, foram abertas duas exibições paralelas: uma de arte alemã, mencionada acima, cuja curadoria foi definida pelo próprio Hitler; e a Arte Degenerada (Entartete Kunst), criada como contraste da primeira, com viés claramente antissemita, tendo como objetivo condenar e ridicularizar a noção de arte moderna, cujos artistas e suas produções eram veementemente rejeitados por ele e, por consequência, pelo regime. O discurso de abertura proferido por Hitler foi revelador para a relação indissociável entre arte e política e a centralidade da produção artística para os ideais do Terceiro Reich. Destaco o seguinte trecho (Hitler apud Mosse, 1966MOSSE, George Lachmann (Ed.). Nazi Culture: Intellectual, Cultural and Social Life in the Third Reich. New York: Grosset & Dunlap Publishers, 1966., p. 14, tradução nossa)15 15 No original inglês: “But the House is not enough: it must house an Exhibition, and if now I venture to speak of art I can claim a title to do so from the contribution which I myself have made to the restoration of German art. For our modern German state that I with my associates have created has alone brought into existence the conditions for a new, vigorous flowering of art. It is not Bolshevist art collectors or their henchmen who have laid the foundations: we have provided vast sums for the encouragement of art, we have set before itself great, new tasks. As in politics, so in German art-life: we are determined to make a clean sweep of phrases. Ability is the necessary qualification if an artist wishes his work to be exhibited here. People have attempted to recommend modern art by saying that it is the expression of a new age: but art does not create a new age, it is the general life of peoples which fashions itself anew and therefore often seeks after a new expression. A new epoch is not created by littérateurs but by fighters, those who really fashion and lead peoples, who thus make history”. :

Mas a Casa não é suficiente: deve abrigar uma Exposição, e se agora me aventuro a falar de arte, posso reivindicar um título para fazê-lo pela contribuição que eu mesmo fiz para a restauração da arte alemã, pois só o nosso Estado alemão moderno, que eu criei com meus associados, trouxe à existência as condições para um novo e vigoroso florescimento da arte. Não foram os colecionadores de arte bolchevique ou seus capangas que lançaram as bases: fornecemos grandes somas para o encorajamento da arte, colocamos diante dela grandes e novas tarefas. Como na política, também na vida artística alemã: estamos determinados a fazer uma varredura limpa das frases. Habilidade é a qualificação necessária se um artista deseja que sua obra seja exibida aqui. As pessoas tentaram recomendar a arte moderna dizendo que ela é a expressão de uma nova era: mas a arte não cria uma nova era, é a vida geral dos povos que se modela de novo e, portanto, muitas vezes busca uma nova expressão. Uma nova época não é criada por literatos, mas por lutadores, aqueles que realmente moldam e lideram os povos, que assim fazem história.

Entre 5 e 10 de setembro de 1934 aconteceu o Sexto Congresso do Partido Nazista (Reichsparteitag), em Nuremberg. O congresso foi organizado por Joseph Goebbels, que já havia assumido o comando do Ministério para o Esclarecimento Popular e Propaganda do Reich (Reichsministerium für Volksaufklärung und Propaganda), criado em 13 de março de 1933, um mês e meio depois de Hitler ter sido nomeado chanceler da Alemanha. O evento foi documentado por Leni Riefenstahl, jovem cineasta, que teve à disposição o mais avançado aparato técnico cinematográfico possível na época, ampliando imageticamente a heroicização e espetacularidade nazista. O filme documentário Triunfo da Vontade (Triumph des Willens) foi lançado em 28 de março de 1935 e preparou, através dos discursos e imagens monumentais, as bases que fundamentariam a guerra que já estava por vir. Vejamos o trecho do discurso de Goebblels que foi destacado pela cineasta no filme16 16 No original alemão: “Möge die helle Flamme unserer Begeisterung niemals zum Erlöschen kommen. Sie allein gibt auch der schöpferischen Kunst einer modernen politischen Propaganda Licht und Wärme. Auf den Tiefen des Volkes stiege sie empor und zu den Tiefen des Volkes muss sie immer wieder hernieder steigen, um dort ihre Wurzeln zu suchen und ihre Kraft zu finden. Es mag gut sein, Macht zu besitzer, die auf Gewehren ruht, besser aber und begluckender ist es, das Herz eines Volkes zu gewinnen und es auch zu behalten”. (tradução nossa):

Que a chama brilhante do nosso entusiasmo nunca se apague. Só ele dá luz e calor à arte criativa da propaganda política moderna. Do fundo do povo ele ascendeu e no fundo do povo deve descer repetidas vezes para aí encontrar as suas raízes e encontrar a sua força. Pode ser bom ter poder baseado em armas, mas é melhor e mais estimulante conquistar o coração de um povo e mantê-lo.

Interessa-me esse trecho por alguns motivos. O discurso de Goebbels corrobora o que desejo argumentar sobre a eficácia dos usos do teatro de bonecos popular como dispositivo de propaganda ideológica pelo Terceiro Reich. O Kasper é um personagem carismático e conhecido por todos os alemães há muitas gerações. Sua personalidade de trickster, seu caráter ambíguo que não respeita hierarquias, sua irreverência e cinismo, dão-lhe liberdade de fazer o que quiser. O Kasper é um personagem livre, anárquico, versatilidade que o possibilita ocupar qualquer função em um dispositivo dramatúrgico, que por sua vez possui espaços abertos à improvisação. Essa agilidade proporciona uma fácil aderência a projetos de propaganda pró ou contra alguma coisa. Por articular sentidos simbólicos coletivos, portanto identitários, possui grande eficácia afetiva, criando uma conexão emocional direta com o público. Essas emoções provocadas pelo Kasper despertam os sentidos sem necessariamente operarem em uma lógica intelectual ou racionalizada. Esse aparato afetivo engloba também sentimentos de solidariedade sociais e comunitários, em especial aqueles que legitimam a autoconsciência, a autoimagem de ser alemão.

Minha hipótese é a de que o Kasper, como personagem cômico por excelência, os recursos cômicos empregados nessa forma teatral e a própria comicidade produzida são a base para a construção dessa empatia instantânea com o público. Arrisco a dizer que a comicidade garantiria a eficácia dos efeitos morais, éticos e ideológicos que se desejam obter com as críticas, que tendem a ser amenizadas pelos aspectos lúdicos e uma suposta ingenuidade.

Há uma diferença entre as formas de produção cômica no que diz respeito ao efeito risível que se deseja obter. Nesse sentido, rir de si, rir de alguma coisa ou de alguém e rir com as pessoas indicariam modos distintos de operação de comicidade. De uma forma geral, a produção cômica evoca éticas e sentidos políticos, afinal é diferente rir de alguém numa posição de poder e rir de alguém numa posição de subalternidade, mesmo que, em ambos os casos, a produção de estereótipos seja evidente. É diferente rir daquele que oprime do que rir daquele que é oprimido. Cabe observar que a subversão contida na produção cômica, por exemplo, quando o alvo são pessoas ou esferas de poder político, é usualmente compreendida como de tendência politicamente progressista.

Há uma ideia de senso comum, da qual também compartilhei por muito anos, de que o riso é libertador e produtor de consciência social. Mas nem sempre. No caso aqui considerado, a produção cômica se prestou adequadamente aos objetivos do aparato político-ideológico do NacionalSocialismo. No Kaspertheater, dentro desse enquadramento institucional do Instituto do Reich para o Teatro de Bonecos (Reichsinstitut für Puppenspiel), os recursos cômicos foram utilizados para ridicularizar o inimigo, por exemplo, através de bonecos caricatos de Winston Churchill17 17 Primeiro Ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial. , chamado jocosamente de Mr. Lügenmaul, o Senhor Mentiroso, e Neville Chamberlain18 18 Primeiro Ministro do Reino Unido entre maio de 1937 e maio de 1940. , o Mr. Regenschirm, o Senhor Guarda-Chuva (Reichsinstitut..., 1940REICHSINSTITUT für Puppenspiele (Org.). Spiele und Köpfe für das Kaspertheater. Berlin, 1940., p. 29), ou por meio de representações da figura do judeu, absorvendo todo aparato ideológico antissemita (Kolland; Puppentheater-Museum..., 1997KOLLAND, Dorothea; PUPPENTHEATER-MUSEUM Berlin (Org.). Frontpuppentheater: Puppenspieler im Kriegsgeschehen. Berlin: Elefanten Press, 1997., p. 67).

O fenômeno pode ser também observado na conjuntura atual de ascensão de ideologias de extrema-direita no contexto geopolítico mundial, colocando governos conservadores de volta ao poder pelo voto democrático. Também o estágio contemporâneo do capitalismo é propenso aos manejos estratégicos de recursos cômicos, o que pode ser verificado em suas utilizações na publicidade, na autoironia de políticos e celebridades, nas paródias televisivas, no esvaziamento do sentido ritualístico das festas, na produção imediata e ininterrupta de memes nas redes sociais, etc. O uso de um humor cínico por instâncias de poder, que supostamente deveriam ser os alvos cômicos, esvazia, em minha opinião, a potência subversiva e transformadora do riso. Safatle (2008, p. 1-2)SAFATLE, Vladimir. Sobre um riso que não reconcilia: Notas a respeito da ‘ideologia da ironizacão’. A Parte Rei: Revista de Filosofia, n. 55, p. 1-13, jan. 2008. Acesso em: 26 jul. 2021. Disponível em: http://serbal.pntic.mec.es/~cmunoz11/safatle55.pdf. Acesso em: 02 jun. 2021.
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discute essa questão analisando como os recursos cômicos se atualizaram internamente nos dispositivos capitalísticos: “A força do capitalismo viria do fato dele não se levar mais a sério, já que ele minaria a todo o momento o valor da lei que ele próprio enuncia”. E ele continua: “Ou seja, poderíamos todos tomar distância dos conteúdos normativos do universo ideológico capitalista porque o próprio discurso do poder já ri de si mesmo”. Então a análise da comicidade popular, compreendida de forma generalista como sendo subversiva, necessita ser complexificada, porque, afinal, os campos populares não operam exclusivamente as agendas progressistas. É, ademais, interessante notar que, mesmo com propósitos e projetos políticos distintos, os modos de usar os recursos cômicos são praticamente os mesmos.

Esse “[...] caráter ‘carnavalesco’ da ideologia fascista, caráter de paródia que absorve, ao mesmo tempo, conteúdos ideológicos aparentemente contraditórios”, como diz Safatle (2008, p. 5)SAFATLE, Vladimir. Sobre um riso que não reconcilia: Notas a respeito da ‘ideologia da ironizacão’. A Parte Rei: Revista de Filosofia, n. 55, p. 1-13, jan. 2008. Acesso em: 26 jul. 2021. Disponível em: http://serbal.pntic.mec.es/~cmunoz11/safatle55.pdf. Acesso em: 02 jun. 2021.
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, impele-nos a reposicionar nossas concepções a respeito das relações entre comicidade e política. Se a memetização da política nas redes sociais, por exemplo, ao produzir conteúdo político humorístico, populariza a narrativa crítica, quebrando seu usual elitismo, ela não resolve, e também não se propõe a resolver, o impasse de como retomar a consequência pragmática das lutas.

O Kasper também possui uma contradição insolúvel. Ele não pode perder seu caráter anárquico ou não teria mais sentido, estaria morto. Em sua domesticação ideológica no Nacional-Socialismo, mesmo reconfigurado para um objetivo doutrinário, ele não abandonou seu caráter anárquico. Então o Kasper, adaptado ao dispositivo de ideologia nazista, foi ao mesmo tempo anárquico e domesticado. Em entrevista concedida a mim e à pesquisadora Mareike Gaubitz19 19 Agradeço à pesquisadora Mareike Gaubitz e à administradora geral Annette Dabs, pela acolhida durante a minha residência de pesquisa no Deutsches Forum für Figurentheater und Puppenspielkunst e.V., em Bochum. , o pesquisador Gerd Bohlmeier reflete sobre essa questão (tradução nossa)20 20 No original alemão: “Es ist ein Widerspruch in sich, die Figur des Kaspers zu domestizieren. Es ist das Auftreten und die äußere Erscheinungsform, die Kasper Figur war immer, und ist es bis heute, diejenige, die eigentlich nicht domestiziert ist. Wenn der Kasper das Krokodil erschlägt, begeht er Totschlag: er schlägt ein Tier tot. Wenn, das ist ganz schlimm, im Nationalsozialismus der Kasper den Juden erschlägt, ist er ein Mörder. Er ist, bis hin zum Verkehrskasper, immer irgendwo Anarchist, der nicht den gängigen Regeln entspricht. Würde er, laut meiner These, die gängigen Regeln einhalten, wäre die Kasperfigur tot. Und die Ursachen dafür liegen eigentlich lang vorher. Man muss Kasper verstehen als denjenigen, der immer eine positive Identifikationsfigur ist, ob Kinder, ob Erwachsene, auf den Jahrmärkten des 17., 18., 19. Jahrhunderts: sie stehen immer auf der Seite des Kaspers. Die Ursachen dafür liegen darin, dass die Kasper Figur immer die Stimme des Volkes war” (Entrevista transcrita por Rut-Lina Gonçalves Schenck). :

Domesticar a figura do Kasper é uma contradição em si. É a sua apresentação e a forma de aparência externa. A figura do Kasper sempre foi, e é até hoje, aquela que no fundo não é domesticável. Se o Kasper mata o crocodilo, ele comete homicídio culposo: ele mata um animal. Se ele é muito mau, o Kasper mata judeus no Nacional-Socialismo, ele é um assassino. Ele é até o responsável pelo trânsito, mas ainda, em algum lugar, um anarquista, que não cumpre as regras usuais. Se ele, de acordo com minha tese, cumprisse as regras usuais, a figura do Kasper estaria morta. E as causas são realmente muito anteriores. É preciso entender o Kasper como aquele que é sempre uma figura de identificação positiva, sejam crianças, adultos, nas feiras dos séculos XVII, XVIII e XIX: eles estão sempre do lado dos Kaspers. As razões para isso são que a figura do Kasper sempre foi a voz do povo.

É comum encontrar, entre os bonequeiros e pesquisadores, esse debate sobre uma possível morte do Kasper. Durante minha pesquisa na Alemanha, fiz diversas entrevistas com bonequeiros21 21 Entrevistas realizadas com os artistas: Hans-Jochen Menzel (em Berlim), Astrid Griesbach (em Berlim), Markus Dorner (em Bad Kreuznach), Jens Hellwig (em Dresden), Silke Technau (em Lübeck), Stephan Schlafke (em Lübeck). que ainda apresentam o Kasper e com pesquisadores22 22 Entrevistas realizadas com os pesquisadores: Manfred Wegner (em Munique), Didier Plassard (em Montpellier, na França), Lars Rebehn (em Dresden), Gerd Bohlmeier (em Bochum), Annika Schulte (em Lübeck), Antonia Napp (em Lübeck), Sonja Riehn (em Lübeck), Peter Marx (em Colônia). de teatro de bonecos, e essa questão apareceu em quase todas as conversas. A preocupação tem sido perceber se ainda faz sentido apresentar o Kasper hoje. O caráter amadorístico e a generalização de que as apresentações de Kasper são voltadas para o público infantil são também provocadoras, é como se o Kasper tivesse, no princípio, em seu sentido autêntico um caráter subversivo, e então, ao se docilizar, ele perderia a sua essência. É interessante notar que a percepção sobre o Kasper está enquadrada ainda em questões correlatas ao romantismo, quando a noção de originalidade e a invenção do típico alemão se iniciam e se legitimam, como mencionado acima neste texto.

Também é relevante destacar que os bonequeiros que apresentam o Kasper sabem identificar os bonequeiros que são virtuosos, que conhecem o jogo do Kasper a fundo, daqueles que são amadores, ou ainda dos que são somente bons atores. Pode-se dizer, então, que há um universo de técnicas, elementos, modos de jogo, etc., que são identificáveis e, portanto, passíveis de transmissão e compartilhamento. Tais dados apontam, a meu ver, para um processo de legitimação de um tipo de conhecimento específico, de longa duração na história, que justificaria o lastro de tradição que o Kasper possui, ou que se deseja que o Kasper possua. Esse conhecimento compartilhado envolve os artistas, os espectadores especializados e os pesquisadores. Abordei esses processos de legitimação em minha tese de doutorado sobre o teatro de mamulengos (Alcure, 2007ALCURE, Adriana Schneider. A Zona da Mata é rica de cana e brincadeira: uma etnografia do mamulengo. 2007. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.), uma forma popular tradicional de teatro de bonecos pernambucana. O Teatro de Bonecos Popular do Nordeste foi registrado como Patrimônio Cultural Imaterial, inscrito no Livro de Formas de Expressão pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em março de 2015.

Esse debate tem servido de fundamento e inspiração para a criação de dramaturgias contemporâneas voltadas para o Kasper, que tentam atualizá-lo refletindo sobre sua história e sobre esses momentos em que foi utilizado para fins ideológicos e pedagógicos. Faz-se também uma distinção entre o Kasper original popular, conhecido como Jahrmarkt (parque de diversões, em tradução livre), apresentado tal como se fazia há 100 anos, ou seja, em feiras, mercados, praças, etc., do Kasper apresentado por artistas de teatro, ou que estudaram teatro. Isso também é contraditório, porque quase não há bonequeiros do estilo Jahrmarkt, ou, quando há, são considerados mais amadores, num sentido pejorativo. Por outro lado, os bonequeiros que são considerados bons jogadores de Kasper são profissionais que, em sua maioria, cursaram escolas de teatro de bonecos, especialmente na República Democrática Alemã (RDA) ou Alemanha Oriental (DDR - Deutsche Demokratische Republik), onde a figura do Kasper seguiu sendo apresentada com vigor político durante a Guerra Fria. A pesquisadora e bonequeira Silke Technau (1992)TECHNAU, Silke. Zu Besuch in der Kasperbude. Streifzüge über den Jahrmarkt ins Figurentheater. Frankfurt/Main: Puppen & Masken, 1992. tem feito interessantes reflexões acerca do tema.

Em 2007, o bonequeiro Lutz Großmann23 23 Vide: http://lutzgrossmann.net/Stuecke/Kasper/ Acesso em: 28 jul. 2021. realizou o espetáculo Kasper tot. Schluß mit lustig? (Kasper morto. O fim da graça?, em tradução livre), com direção de Hans-Jochen Menzel, também bonequeiro e professor do Departamento de Estudos de Teatro de Bonecos Contemporâneo, da Academia de Artes Dramáticas - Ernst Busch (Studiengang Zeitgenössische Puppenspielkunst - Hochschule für Schauspielkunst - Ernst Busch), em Berlim. No espetáculo para adultos, Kasper está em depressão e entra num embate filosófico com as personagens da Morte e do Diabo, tentando encontrar sentido para a sua sobrevivência24 24 Pode-se ver um trecho neste link: https://www.youtube.com/watch?v=zr-i-PqiV-s Acesso em: 28 jul. 2021. . A figura do boneco nada se parece à forma estética padrão do Kasper risonho, com seu gorro vermelho, forma consagrada por Max Jacob e seu Hohnsteiner Kasper, cuja atuação durante o NacionalSocialismo foi de aderência, mas que não vamos abordar, por ora, neste texto. No Kasper de Lutz Großmann, pelo contrário, são destacadas suas feições humanas, de uma pessoa comum, o mesmo para as figuras da morte e do diabo, que são humanizadas.

Em outubro de 2017, estreou Kasper unser25 25 O título faz um jogo com a expressão e oração cristã Pai Nosso. (Kasper Nosso, em tradução livre), atuação e texto de Anna Menzel e Hans-Jochen Menzel, com direção de Astrid Griesbach, que tive a oportunidade de assistir, em 2018, no Schaubude Berlin, teatro especializado em espetáculos de teatro de formas animadas. Na peça, Gretel, a namorada de Kasper, está morta. Ele está depressivo, obeso, afundado em dívidas e na burocracia alemã, imerso numa imensa crise emocional e financeira, tenta o suicídio, mas não consegue morrer. Kasper aparece aqui como uma figura frágil, melancólica, tragicômica. Aqui também a estética do boneco se distancia da clássica figura do Hohnsteiner Kasper, para trazer um Kasper envelhecido, maltratado, uma espécie de bufão.

Hans-Jochen Menzel trabalha, desde 1981, como bonequeiro, diretor, autor e professor, tendo desenvolvido seu trabalho na Alemanha Oriental. Em recente entrevista a um jornal26 26 Entrevista disponível para assinantes no link: https://www.faz.net/aktuell/gesellschaft/menschen/hans-jochen-menzel-war-freier-puppenspieler-in-der-ddr-16462039.html Acesso em: 28 jul. 2021. , Menzel fala dos problemas que teve com a censura e com as normas do aparato institucional regulador da produção cultural na Alemanha Oriental, subordinada à Stasi, forma abreviada para Ministério para a Segurança do Estado (Stasi - Ministerium für Staatssicherheit). Também Astrid Griesbach constituiu sua formação e seu trabalho na Alemanha Oriental. Em entrevista, Astrid Griesbach me contou sobre as escolhas do espetáculo, do embate ideológico presente na trajetória do Kasper e o contexto na Alemanha Oriental (tradução nossa).27 27 No original alemão: “Wir wollten keinen trallala Kasper. Wir haben wirklich viel darüber nachgedacht, wo er heute ist. Wo ist der? Und der ist schon behäbig geworden, er ist alt geworden. Er hat auch viel zu schleppen, denn er hat einiges mitgemacht. Er ist ja auch schon ein paar Jahrhunderte alt, aber trotzdem ist er irgendwie resigniert. Er hat auch keine Idee, aber ein Kasper muss keine Idee haben und keine Ideologie. Das ist genau der Punkt gewesen.Wir dachten zwischendurch, es wird immer düsterer, aber das hat auch ganz viel mit uns, mit unserer Ideologie zu tun. Mit unserer Biographie, Jochen und ich sind beide aus der DDR. Er ist aus dem Erzgebirge und ich bin aus dem Thüringer Wald, also gar nicht so weit voneinander entfernt. Wir haben beide das Gefühl, dass der Kasper eigentlich so eine geile Figur ist, aber heute, wo du alles sagen kannst, hast du ja eigentlich keine Wirkung mehr. Wenn du alles machen kannst, kannst du nichts machen. Das ist ja das Problem” (Entrevista transcrita por Rut-Lina Gonçalves Schenck).

Não queríamos um Kasper trallala. Nós realmente pensamos muito sobre onde ele está hoje. Onde ele está? E ele ficou lento, ele ficou velho. Ele também carrega muita coisa, porque já passou por muita coisa. Ele já tem alguns séculos de idade, no entanto, está de alguma forma resignado. Ele também não tem ideia, mas um Kasper não deve ter ideia, nem ideologia. Esse é exatamente o ponto. Nós pensamos no meio, está ficando mais escuro, mas isso tem muito a ver conosco, com nossa ideologia. Com nossa biografia, Jochen e eu somos da RDA (Alemanha Oriental). Ele é do Erzgebirge e eu sou da Floresta da Turíngia, não tão longe um do outro. Nós dois temos a sensação de que o Kasper é realmente uma figura muito legal, mas hoje, onde você pode dizer tudo, na verdade não tem efeito. Se você pode fazer qualquer coisa, você não pode fazer nada. Esse é o problema.

Os Kaspers de Lutz Großmann e de Hans-Jochen Menzel são, na minha opinião, arrebatadores e contundentes. Eles trazem uma contradição temporal. Eles se afastam da imagem estereotipada do Kasper, consolidada durante a sua institucionalização no Nacional-Socialismo, cuja forma, paradoxalmente, reivindica um lugar na tradição. Ao abandonarem essa tradição, eles reencontram o Kasper não de forma essencial, mas capturando os sentidos que fundamentam a figura cômica, arcaica, por excelência, mas, talvez, por isso mesmo, portadora de uma capacidade de atualização contextual e conjuntural.

O contexto ampliado e as questões históricas desses trabalhos artísticos serão aprofundadas nas etapas de continuidade desta pesquisa. Seu enquadramento se dá no desenvolvimento ideológico e institucional do Kaspertheater na Alemanha Oriental. O fenômeno tem muitas variantes, que englobam a promoção e os incentivos governamentais para a formação de atores na linguagem do teatro de bonecos, através da criação de escolas, por exemplo. Como se observa, o teatro de formas animadas se desenvolveu com muito vigor no leste europeu, durante o período da Guerra Fria, e a Alemanha teve um papel importante nesse sentido. Outro aspecto é a presença dessa linguagem numa cena artística jovem de contracultura, que desafiava os limites impostos pelo controle e pela censura oficiais, justamente o contexto desses artistas contemporâneos aqui citados. Para esta análise, será necessário ampliar as fontes e retornar para mais uma etapa de trabalho de campo.

Os resultados parciais da pesquisa apresentados aqui neste texto revelam que as relações entre o Kaspertheater e o Nacional-Socialismo são complexas, pouco exploradas e muito controversas. O tema indica a existência de vários modos de abordagem e recortes, que ainda precisam ser percorridos nesta pesquisa. A próxima etapa consiste na análise dos exemplares originais dos textos dramatúrgicos para teatro de bonecos, organizados pelo Instituto do Reich para o Teatro de Bonecos (Reichinstitut für Puppenspiel) e disseminados entre grupos amadores e profissionais no período, na Alemanha. Parece-me relevante analisar as estratégias textuais e os recursos cômicos utilizados, além de observar as matrizes que originaram as adaptações, as composições das personagens, os mecanismos de paródia e os espaços de improvisação.

Outra vertente de investigação é trabalhar sobre as cartas pessoais e documentos da circulação dos bonequeiros nos fronts e nos territórios ocupados. Também igualmente pertinente é analisar os documentos sobre as apresentações de soldados bonequeiros nas prisões militares. Essa documentação ainda está pouco explorada. O mesmo vale para a presença do teatro de bonecos nos campos de concentração e extermínio. No importante documentário Noite e Neblina, de Alain Resnais, de 1955, há um trecho que menciona, em segundos, um boneco de luva, como um entre outros objetos pertencentes aos deportados para o complexo de campos de Auschwitz-Birkenau, na Polônia. Seria preciso revisitar esses arquivos específicos e procurar tais fontes, que não estão indexadas para esse tema.

Também me parece relevante conhecer a vida e a obra de alguns bonequeiros alemães que aderiram ao regime e se tornaram figuras importantes para a linguagem do teatro de bonecos. Esse é um assunto controverso, porque, como se sabe, havia um constrangimento explícito e violento para a filiação generalizada ao Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP - Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei), conhecido como Partido Nazista. Muitos bonequeiros foram filiados e, ainda hoje, discute-se em que medida eles eram de fato apoiadores do regime, ou se eram oportunistas, ou se temiam as consequências da não filiação. O bonequeiro Max Jacob e seu Hohnsteiner Kasper, por exemplo, é um desses casos polêmicos. Seu trabalho teve muito êxito durante o regime, tendo se tornado um símbolo do típico Kaspertheater alemão. Posteriormente, popularizou-se no cinema e nos primeiros programas de televisão com o uso de bonecos (Jacob, 1981JACOB, Max. Mein Kasper und ich. 2. verbesserte Auflage. Stuttgart: OGHAM Verlag, 1981.). Em 1957, na retomada após a Segunda Guerra Mundial, Max Jacob foi presidente da Union Internationale de la Marionnette (UNIMA, União Internacional da Marionete). Fundada em 1929, em Praga, a UNIMA é uma organização não governamental ligada à UNESCO28 28 Informações sobre a instituição em: https://www.unima.org/ Acesso em: 24 jan. 2022. , muito importante para a promoção e o desenvolvimento do teatro de formas animadas no mundo.

Por último, um dos objetivos pertinentes desta pesquisa é, a meu ver, a possibilidade de aproximações e diálogos com fenômenos semelhantes aqui entre nós, especialmente no campo de estudos do teatro popular de bonecos. Há a presença de bonequeiros especializados em Kasperltheater em algumas cidades na região sul do Brasil, inclusive uma versão do Hohnsteiner Kasper em Pomerode, município do estado de Santa Catarina (Emmel, 2007EMMEL, Ina. O Hohnsteinerkasper em Pomerode. Móin - Móin: Revista de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas, Jaraguá do Sul, SCAR/UDESC, ano 2, v. 3, p. 207-228, 2007.). Infelizmente, ainda não encontrei referências que problematizem a relação com o Nacional-Socialismo. Mas, na conjuntura política atual, em que há um crescimento visível de grupos neonazistas no Brasil, considero relevante observar os modos de chegada do Kaspertheater no País, suas escolhas estéticas, influências e linhagens.

Por ora, parece-me que podemos concordar que o Kasper não está morto. Sua função cômica, anárquica se atualiza como potência política. Na medida em que o Kasper é a própria expressão da vox popoli, da inconformidade, da heterogeneidade e da diversidade, ele traz, portanto, a antítese das características que compõem o ethos fascista. Entretanto, por ser a voz do povo, a fronteira que separa o Kasper de sua manifestação populista é tênue, quase imprecisa. A consciência dessa fronteira é dada por aquele que dá vida ao boneco. Portanto, a potência do Kasper, a meu ver, está menos na tradição que se reivindica em seu nome e mais na sensibilidade do bonequeiro que o recria, nas escolhas estéticas, éticas e políticas que faz em seu trabalho. Encontrar o Kasper talvez seja um procedimento não temporal, como se o arcaico se manifestasse no agora e não em sua busca num passado ideal. Neste presente contexto, de ascensão da ultradireita em diversos países, mais do que nunca as escolhas importam. E, talvez, o Kasper, com seus processos, procedimentos e técnicas, e também outras figuras cômicas, com lastros arcaicos e históricos semelhantes, possam nos ensinar a ver mais além.

Notas

  • 1
    Este texto foi desenvolvido no contexto do projeto de pesquisa de pósdoutorado Estratégias artísticas, políticas e pedagógicas dos usos das formas populares de teatro de bonecos: o caso do Kaspertheater, realizado na Universidade de Bonn (Universität Bonn), na Alemanha, com supervisão da Prof. Dra. Karoline Noack, entre setembro de 2018 e outubro de 2019, através do Programa Bolsas para Pesquisa Capes/Humboldt para Pesquisador Experiente (Capes-Humboldt Forschungsstipendium für erfahrene Wissenschaftler / Capes-Humboldt Research Fellowships for experienced researchers).
  • 2
    Agradeço aos professores Tatiana Poggi e Demian Melo pelo diálogo, pelas sugestões bibliográficas e pelos debates estabelecidos no curso Fascismo: História e Historiografia, do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que assisti como ouvinte.
  • 3
    Outras denominações possíveis seriam Kasperltheater ou Kasperletheater. Entretanto, como ponderado por alguns bonequeiros, informantes desta pesquisa, essas designações indicariam a versão para o público infantil. Por isso opto por Kaspertheater, que é mais apropriado para esta discussão.
  • 4
    Agradeço ao Prof. Dr. Peter Marx pelo suporte institucional dado à pesquisa.
  • 5
    Agradeço à Raphaèle Fleury pelo suporte institucional dado à pesquisa.
  • 6
    Agradeço à Christina Schenck pelo apoio nesta viagem.
  • 7
    Agradeço à Profa. Katerina Dolenska pelo suporte institucional dado à pesquisa.
  • 8
    Agradeço à Profa. Susanna Poldauf pelo suporte institucional dado à pesquisa.
  • 9
    Agradeço ao Prof. Dr. Didier Plassard, pelo diálogo e referências ofertadas. Também à Prof. Arianna Berenice De Sanctis pela mediação, interlocução e pelo convite para visitá-la na Université Paul Valéry Montpellier 3.
  • 10
    Chefe Adjunto do Departamento de Cultura da Liderança Juvenil do Reich e também Diretor do Instituto do Reich para o Teatro de Bonecos (Oberbannführer und stellvertretender Chef des Kulturamts der Reichsjugendführung, Leiter des Reichsinstitut für Puppenspiel, tradução nossa). Oberbannführer é uma patente da hierarquia militar utilizada durante o nazismo para classificar integrantes da Juventude Hitlerista.
  • 11
    Dramaturgo do Instituto do Reich para o Teatro de Bonecos (Dramaturg des Reichsinstitut für Puppenspiel, tradução nossa).
  • 12
    Diretor Adjunto do Instituto do Reich para o Teatro de Bonecos (Stellv. Leiter des Reichsinstitut für Puppenspiel, tradução nossa).
  • 13
    Agradeço ao senhor Lars Rebehn, pesquisador e arquivista dessa coleção, pela acolhida e pelo compartilhamento de seu vasto conhecimento sobre o arquivo e o tema. A maioria dos documentos não está digitalizada, portanto a colaboração de Rebehn foi fundamental para esta pesquisa.
  • 14
    No original alemão: “Die grosse Relevanz, die der nationalsozialistische Propagandaapparat durch umfangreiche Unterhaltungsprogramme der psychologischen Truppenbetreuung einräumte, liess das Puppenspiel gemeisam mit Theater- und Varietéaufführingen, mit Konzerten und Gesangsdarbietungen zum willkommenen Medium werden. Die Ausmasse solcher Veranstaltungen spiegeln sich – selbst unter Berücksichtigung einer wahrscheinlichen propagandistischen überzogenheit – in den folgenden Zahlenangaben wider: ‘Im Deutschen Reich wie in den okkupierten Ländern fanden von September bis Ende Dezember 1939 ungefähr 12 400 Veranstaltungen mit ca. 7 Milionen Soldaten statt. Im Jahre 1940 waren es 137802 Darbietungen mit 51 530 000 teilnehmenden Soldaten. 1941 stiegen die Zahlen im Veranstaltungsbereich auf 187 198, wobei 67 789 569 Soldaten gezählt wurden’” (zit. N. Buchholz, 1976, S. 318; vgl. Kolland und Bach in diesem Buch).
  • 15
    No original inglês: “But the House is not enough: it must house an Exhibition, and if now I venture to speak of art I can claim a title to do so from the contribution which I myself have made to the restoration of German art. For our modern German state that I with my associates have created has alone brought into existence the conditions for a new, vigorous flowering of art. It is not Bolshevist art collectors or their henchmen who have laid the foundations: we have provided vast sums for the encouragement of art, we have set before itself great, new tasks. As in politics, so in German art-life: we are determined to make a clean sweep of phrases. Ability is the necessary qualification if an artist wishes his work to be exhibited here. People have attempted to recommend modern art by saying that it is the expression of a new age: but art does not create a new age, it is the general life of peoples which fashions itself anew and therefore often seeks after a new expression. A new epoch is not created by littérateurs but by fighters, those who really fashion and lead peoples, who thus make history”.
  • 16
    No original alemão: “Möge die helle Flamme unserer Begeisterung niemals zum Erlöschen kommen. Sie allein gibt auch der schöpferischen Kunst einer modernen politischen Propaganda Licht und Wärme. Auf den Tiefen des Volkes stiege sie empor und zu den Tiefen des Volkes muss sie immer wieder hernieder steigen, um dort ihre Wurzeln zu suchen und ihre Kraft zu finden. Es mag gut sein, Macht zu besitzer, die auf Gewehren ruht, besser aber und begluckender ist es, das Herz eines Volkes zu gewinnen und es auch zu behalten”.
  • 17
    Primeiro Ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial.
  • 18
    Primeiro Ministro do Reino Unido entre maio de 1937 e maio de 1940.
  • 19
    Agradeço à pesquisadora Mareike Gaubitz e à administradora geral Annette Dabs, pela acolhida durante a minha residência de pesquisa no Deutsches Forum für Figurentheater und Puppenspielkunst e.V., em Bochum.
  • 20
    No original alemão: “Es ist ein Widerspruch in sich, die Figur des Kaspers zu domestizieren. Es ist das Auftreten und die äußere Erscheinungsform, die Kasper Figur war immer, und ist es bis heute, diejenige, die eigentlich nicht domestiziert ist. Wenn der Kasper das Krokodil erschlägt, begeht er Totschlag: er schlägt ein Tier tot. Wenn, das ist ganz schlimm, im Nationalsozialismus der Kasper den Juden erschlägt, ist er ein Mörder. Er ist, bis hin zum Verkehrskasper, immer irgendwo Anarchist, der nicht den gängigen Regeln entspricht. Würde er, laut meiner These, die gängigen Regeln einhalten, wäre die Kasperfigur tot. Und die Ursachen dafür liegen eigentlich lang vorher. Man muss Kasper verstehen als denjenigen, der immer eine positive Identifikationsfigur ist, ob Kinder, ob Erwachsene, auf den Jahrmärkten des 17., 18., 19. Jahrhunderts: sie stehen immer auf der Seite des Kaspers. Die Ursachen dafür liegen darin, dass die Kasper Figur immer die Stimme des Volkes war” (Entrevista transcrita por Rut-Lina Gonçalves Schenck).
  • 21
    Entrevistas realizadas com os artistas: Hans-Jochen Menzel (em Berlim), Astrid Griesbach (em Berlim), Markus Dorner (em Bad Kreuznach), Jens Hellwig (em Dresden), Silke Technau (em Lübeck), Stephan Schlafke (em Lübeck).
  • 22
    Entrevistas realizadas com os pesquisadores: Manfred Wegner (em Munique), Didier Plassard (em Montpellier, na França), Lars Rebehn (em Dresden), Gerd Bohlmeier (em Bochum), Annika Schulte (em Lübeck), Antonia Napp (em Lübeck), Sonja Riehn (em Lübeck), Peter Marx (em Colônia).
  • 23
    Vide: http://lutzgrossmann.net/Stuecke/Kasper/ Acesso em: 28 jul. 2021.
  • 24
    Pode-se ver um trecho neste link: https://www.youtube.com/watch?v=zr-i-PqiV-s Acesso em: 28 jul. 2021.
  • 25
    O título faz um jogo com a expressão e oração cristã Pai Nosso.
  • 26
  • 27
    No original alemão: “Wir wollten keinen trallala Kasper. Wir haben wirklich viel darüber nachgedacht, wo er heute ist. Wo ist der? Und der ist schon behäbig geworden, er ist alt geworden. Er hat auch viel zu schleppen, denn er hat einiges mitgemacht. Er ist ja auch schon ein paar Jahrhunderte alt, aber trotzdem ist er irgendwie resigniert. Er hat auch keine Idee, aber ein Kasper muss keine Idee haben und keine Ideologie. Das ist genau der Punkt gewesen.Wir dachten zwischendurch, es wird immer düsterer, aber das hat auch ganz viel mit uns, mit unserer Ideologie zu tun. Mit unserer Biographie, Jochen und ich sind beide aus der DDR. Er ist aus dem Erzgebirge und ich bin aus dem Thüringer Wald, also gar nicht so weit voneinander entfernt. Wir haben beide das Gefühl, dass der Kasper eigentlich so eine geile Figur ist, aber heute, wo du alles sagen kannst, hast du ja eigentlich keine Wirkung mehr. Wenn du alles machen kannst, kannst du nichts machen. Das ist ja das Problem” (Entrevista transcrita por Rut-Lina Gonçalves Schenck).
  • 28
    Informações sobre a instituição em: https://www.unima.org/ Acesso em: 24 jan. 2022.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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Editado por

Editores responsáveis: Rossana Della Costa; Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2021
  • Aceito
    26 Jan 2022
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