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AS TRANSFORMAÇÕES DE FRANCIS CHATEAURAYNAUD: PERCEPÇÃO E REFLEXIVIDADE NA SEGUNDA ONDA DA SOCIOLOGIA PRAGMÁTICA FRANCESA

THE TRANSFORMATIONS OF FRANCIS CHATEAURAYNAUD: PERCEPTION AND REFLEXIVITY IN THE SECOND WAVE OF FRENCH PRAGMATIC SOCIOLOGY

Resumo

O artigo apresenta uma revisão da obra de Francis Chateauraynaud, contextualizando o autor no âmbito da sociologia pragmática francesa e discutindo suas principais contribuições para tal corrente. Chateauraynaud desponta como um dos principais nomes desse movimento surgido na França em meados da década de 1980, participando ativamente de sua renovação a partir da década seguinte. No artigo enfatiza-se o aspecto teórico da sua obra, em especial a complexificação da reflexão pragmática sobre a produção da crítica, o que o autor faz, principalmente, a partir de uma síntese dos elementos perceptivo e dialógico da ação social. Dessa forma, ele acompanha o desdobramento de sua sociologia da percepção em uma pragmática das transformações.

Palavras-chave
Francis Chateauraynaud; sociologia pragmática; percepção; problemas públicos; controvérsias socioambientais

Abstract

This article presents a review of the work of Francis Chateauraynaud, situating the author within the context of French pragmatic sociology and discussing his main contributions to the current. Chateauraynaud stands out as one of the main names of this movement that emerged in mid-1980s France, participating actively in its renewal from the following decade. Emphasis is given in the article to the theoretical dimension of his work, especially the complexification of the pragmatic reflection on the production of critique, which the author primarily does through a synthesis of the perceptual and dialogical elements of social action. In the process, the article accompanies the evolution of his sociology of perception into a pragmatics of transformations.

Keywords
Francis Chateauraynaud; pragmatic sociology; perception; public problems; socio-environmental controversies

INTRODUÇÃO

A quebra epistemológica promovida pelo projeto de uma sociologia da crítica na França de meados dos anos 1980, dirigida à forte presença da sociologia bourdieusiana em seu âmbito acadêmico, concentrou-se sobre a oposição à hipostasia da violência como forma predominante de sociabilidade. O Groupe de Sociologie Politique et Morale (GSPM) da EHESS foi fundado por Luc Boltanski, junto a nomes como Michael Pollak e Laurent Thévenot, em uma iniciativa para fomentar o desenvolvimento de outro enfoque sociológico, voltado não às formas de reprodução da estrutura, mas à competência crítica dos atores sociais ordinários para a resolução de situações conflituosas e problemas cotidianos. Um forte programa teórico na forma de uma sociologia da justiça e da moral cristalizou-se desde tal esforço, aparecendo, até hoje, como tendência mestra dessa tradição. O trabalho de Boltanski & Thévenot (1991)Boltanski, Luc & Thévenot, Laurent. (1991). De la justification: les économies de la grandeur. Paris: Gallimard. sobre as justificações consta desde então como sua espinha dorsal, fornecendo-lhe as bases teóricas, metodológicas e temáticas principais, ainda que não exclusivas.

Outra característica relevante desse esforço em comparação à escola bourdieusiana é sua divisão interna do trabalho intelectual. Bem menos hierárquico, a ele a sociologia da crítica boltanskiana, conquanto central, serviu mais como um guia inspirador do que como um projeto teórico fechado. A isso se soma a proximidade do projeto de Boltanski e Thévenot com as propostas de outros autores, que concomitantemente buscaram vias de renovação ao pensamento sociológico francês e que recorrentemente são associados, de uma forma ou outra, à linhagem contemporânea de uma sociologia pragmática. Podemos assim citar a abordagem sociotécnica de Bruno Latour e Michel Callon, os trabalhos de Isaac Joseph, Louis Queré e Bernard Conein (muito próximos ao interacionismo simbólico estadunidense e à etnometodologia) e a economia das convenções como constelações desse universo que se vinha formando desde os anos 1980.1 1 Há hoje ampla literatura secundária sobre a formação da sociologia pragmática francesa e sobre suas principais contribuições às ciências sociais. Destaco o livro de Nachi (2013) e os textos de Barthe et al. (2013) e Corrêa & Dias (2016). No encontro dessas influências deu-se o desenvolvimento, por parte de uma geração de epígonos, de uma segunda onda do pragmatismo francês, a ganhar força em meados dos anos 1990, apontando na direção de uma expansão de seu alcance analítico por meio de críticas imanentes a alguns de seus principais suportes. O balanço coletivo sobre as três décadas desse "estilo pragmático" realizado por alguns nomes dessa segunda onda nos leva a ver como, com ou contra seus antigos mestres, eles lograram aprofundar temas antigos e explorar novas questões (Barthe et al., 2013Barthe, Yannick et al. (2013). Sociologie pragmatique: mode d'emploi. Politix, 3/103, p. 175-204.). Francis Chateauraynaud, antigo aluno de Boltanski, tem estado na dianteira desse processo, sua obra sendo marcada por constante preocupação com regiões teóricas e metodológicas inexploradas por seus predecessores e, ultimamente, também com a (re)afirmação do compromisso com a herança clássica do pragmatismo.2 2 Além dele, nomes como Daniel Cefaï, Cyril Lemieux, Marc Breviglieri, Danny Trom, Luca Pattaroni, entre outros, também fazem parte dessa segunda onda. Trata-se, portanto, de uma definição tanto geracional quanto substancial, dada a renovação que esse grupo de autores trouxe a essa constelação sociológica (e não obstante a participação de nomes mais antigos nessa renovação). Sobre a ligação desigual e indireta entre a sociologia pragmática francesa e o pragmatismo clássico, ver Boltanski (2013: 10). O início de um diálogo mais explícito com a herança estadunidense ganharia força ao final dos anos 1990 (Stavo-Debauge, 2012).

O presente artigo apresenta a obra produzida por Chateauraynaud até o momento por meio de uma revisão pontuada por reflexões metateóricas que visam avaliar o conjunto da contribuição do autor à sociologia. O elemento teórico de sua obra receberá a maior parte de nossa atenção, em primeiro lugar porque ao nos deslocar por esse eixo podemos acessar outras importantes contribuições nela contidas. Em segundo lugar, e mais importante, porque, ao tentar superar, a partir de dentro, alguns dos limites teóricos da sociologia pragmática francesa, Chateauraynaud termina por fortalecer o potencial dessa abordagem para a renovação da teoria social contemporânea.

A ideia geral que o desenvolvimento das partes seguintes defende é que Chateauraynaud elabora as mais sólidas e pertinentes reconstruções conceituais na sociologia pragmática francesa em sua segunda onda, oferecendo uma pertinente articulação entre os aspectos perceptivo e comunicativo da ação. O texto sustenta essa afirmação ao longo de quatro seções. A primeira delas está focada no projeto de uma sociologia da percepção elaborado ao longo dos anos 1990; a segunda é dedicada à pragmática das transformações, abordagem iniciada pelo autor no final daquela década, e que hoje concentra os mais importantes resultados de seu projeto de renovação teórica; a terceira dedica-se especificamente à forma como poder e conhecimento têm sido pensados por Chateauraynaud neste último período de sua obra. Na última seção abordarei a forma como as inovações pontuadas anteriormente confluem para uma complexificação teórica que ajuda a reposicionar os papéis do discurso e da argumentação na sociologia.

Embora o artigo atravesse os principais trabalhos do autor, em autoria individual ou compartilhada, dois livros específicos receberão maior atenção. Ao nos dedicar à questão da percepção na primeira seção, nosso foco se centrará sobre Experts et faussaires (E&F)3 3 Para facilitar a leitura, sempre que um dos livros de Chateauraynaud for referenciado isso será feito com recurso às iniciais de seu título. Portanto, procederemos da seguinte forma: La faute professionelle (LFP), Experts et faussaires (E&F), Les sombres précurseurs (LSP), Prospero (PRO), Argumenter dans un champ de forces (ACF), Aux bords de l'irréversible (ABI). A citação de artigos seguirá a padronização normal. que, escrito em parceria com Christian Bessy e publicado em 1995, pioneiramente enfatizou o peso da questão ontológica dentro da sociologia pragmática. Grande parte das duas seções seguintes segue as discussões de Aux bords de l'irréversible (ABI), parceria com Josquin Debaz publicada recentemente (2017). O olhar a partir de ABI, que representa um marco de organização e sistematização de algumas das principais propostas que Chateauraynaud desenvolveu ao longo de sua carreira à luz da incorporação de novas questões, oferece uma visão panorâmica sobre a obra em discussão e facilita o deslocamento entre as propostas presentes em outros trabalhos do autor. O artigo não se limita à simples visitação da obra examinada, critica-a também, ressaltando seus pontos fortes e fracos e, nesta última situação, apontando algumas possíveis mudanças de rota.

UMA SOCIOLOGIA DA PERCEPÇÃO

Propondo uma "sociologia da percepção" em seu subtítulo, E&F tem como ponto de irradiação de inovações ao pragmatismo francês a incorporação a ele da preocupação com o elemento perceptivo presente tanto na abordagem ecológica de James Gibson quanto na fenomenologia materialista de Merleau-Ponty. A essas referências, somam-se um diálogo com a mesma questão na obra de Deleuze, autor cuja influência já pesava sobre Latour, além de elementos da etnometodologia e da economia das convenções. Em traços gerais, o projeto de Christian Bessy e Francis Chateauraynaud era construir uma sociologia das competências cognitivas enquanto competências perceptivas, estando elas presentes nas experiências ordinárias das pessoas no mundo. Para isso, abrem o programa da sociologia da crítica para formas interativas que escapam à racionalidade comunicativa das justificações e abordam o tema dos objetos na ação sem o tratar apenas como um fluxo contínuo de agregações reticulares. Os apoios convencionais da ação (Dodier, 1993Dodier, Nicolas. (1993). Les appuis conventionnels de l'action: eléments de pragmatique sociologique. Réseaux, 11/62, p. 63-85.) que aqui aparecem, portanto, não dizem respeito a princípios de bem comum, mas às representações de realidade a que recorrem os atores em processos interacionais de qualificação das experiências que, em seu proceder, estabelecem padrões de verdade e falsidade que sustentam o plano ontológico das relações sociais. Não obstante, como deixam claro os autores (E&F: 252) e como sublinha Lemieux (1995: 228)Lemieux, Cyril. (1995). Bessy, F. Chateauraynaud, Experts et faussaires. Pour une sociologie de la perception. Politix, 8/31, p. 228-232., uma das principais propostas de E&F é que as representações não bastam como fundamento de acordos; a partilha da experiência perceptiva é de parelha importância para o entendimento no curso da interação. A reflexão teórica encetada pelo trabalho se apoia em corpos de dossiês qualitativos produzidos por Bessy e Chateauraynaud, e que giram em torno da relação entre pessoas e objetos na produção do conhecimento de especialistas e experts (técnicos, colecionadores, críticos e connoisseurs em geral), bem como de sua apropriação insidiosa por golpistas e falsários.

Esses dossiês se distribuem por diferentes questões relacionadas à lógica de autentificação (E&F: 21-229): dinâmicas de produção e de investigação de falsificações no universo comercial; a atividade profissional de avaliadores, desde empregados de casas de penhor a experts em arte; por fim, a relação entre autenticidade/falsificação de dados históricos. Os autores se utilizam dos casos cobertos pelos dossiês para pôr em destaque quatro pontos sensíveis dos tipos de prática de que tratam: a existência de codificações de natureza simbólica que auxiliam na comunicação intersubjetiva em torno da incerteza sobre a validade de algum objeto; as impressões sensoriais provocadas pela fricção corpórea entre tal objeto e as pessoas que se relacionam com e sobre ele; os instrumentos de mensuração controlada que auxiliam na verificação e estimação dos objetos; e, por fim, os movimentos fluidos das redes que os fazem circularem em diferentes coordenadas. Seu intento é mostrar como os atores sociais organizam e qualificam suas experiências do tecido ontológico da vida social ao atravessar satisfatoriamente esses quatro elementos, o que não dependeria apenas de um saber fazer (savoir faire) procedimental, mas de saber tomar ou preender (savoir prendre) o real (Bessy & Chateauraynaud, 1992Bessy, Christian & Chateauraynaud, Francis. (1992). Le savoir-prendre: enquête sur l'estimation des objets. Techniques et Cultures, 2/54-55, p. 689-711.; E&F: 78). A expressão designa a competência necessária para o sucesso nos testes (épreuves) ontológicos que são identificados por Bessy e Chateauraynaud: quando o conflito e a incerteza soam mais alto do que o senso partilhado sobre a natureza das coisas, é preciso restituí-lo com base nos suportes convencionais, sensoriais, técnicos e reticulares ao alcance dos atores. Como observou Corrêa (2014: 52)Corrêa, Diogo Silva. (2014). Do problema social ao social como problema: elementos para uma leitura da sociologia pragmática francesa. Política & Trabalho, 40, p. 35-62., é a um imperativo de restabelecimento da "facticidade do mundo" que esse tipo de atividade responde.

Nesses testes convivem equivalência e incomensurabilidade. A respeito desse ponto, uma palavra se faz necessária sobre La faute professionelle (LFP), publicação em livro da tese de doutorado de Chateauraynaud (1991a)Chateauraynaud, Francis. (1991a). La faute professionnelle: une sociologie des conflits de responsabilité. Paris: Métailié., que focaliza as atribuições de responsabilidade no mundo do trabalho. Desde então, o trabalho do sociólogo é marcado por uma tentativa de explorar os limites colocados pelos principais nomes da sociologia pragmática e de seu entorno (ver também Chateauraynaud, 1991bChateauraynaud, Francis. (1991b). Forces et faiblesses de la nouvelle anthropologie des sciences. Critique, 529-530, p. 459-478.). Na transição entre as décadas de 1980 e 1990, duas concepções distintas sobre o conceito de teste rivalizavam. Latour (2001: 243)Latour, Bruno. (2001) [1984]. Pasteur: guerre et paix des microbes, suivi de Irréductions. Paris: La Découverte. anunciava só existirem testes de força ou fraqueza, enquanto Boltanski e Thévenot (1991: 168-174Boltanski, Luc & Thévenot, Laurent. (1991). De la justification: les économies de la grandeur. Paris: Gallimard.; ver também Nachi, 2013: 59-61)Nachi, Mohamed. (2013) [2006]. Introduction à la sociologie pragmatique. Paris: Armand Colin. dedicavam a maior parte de seu projeto aos testes de legitimidade. Em LFP (165ss), além de definir o teste como um momento em que simultaneamente ocorrem determinação e possibilidade de mudança de um estado de coisas, Chateauraynaud (1991a: 165-178)Chateauraynaud, Francis. (1991a). La faute professionnelle: une sociologie des conflits de responsabilité. Paris: Métailié. desafia a polarização entre força e legitimidade ao propor que esses dois elementos traduzem-se mutuamente no curso de tais processos.

Em sua parceria com Bessy, entretanto, a busca por renovação vai ainda mais longe, e é descortinada toda uma nova dimensão da ação social. Na parte final de E&F (239) encontra-se seu conceito central, apenas pontualmente já referido. Trata-se da preensão, "produto do encontro entre um dispositivo trazido pela ou pelas pessoas engajadas no teste e uma rede de corpos fornecendo saliências, dobras e interstícios" ou, posto de outra forma, da dialética entre os pontos de referência (repères) informacionais e as dobras da matéria (plis) experimentadas em testes corpóreos na relação entre pessoas e objetos.4 4 Os autores tomam o termo plis do diálogo que Deleuze estabelece com Leibniz (E&F: 245-246). Especificamente sobre seu uso do termo prise, a dupla identifica noções próximas nos trabalhos de Gibson, Bergson e do geógrafo Augustin Berque (E&F: 238-239). Posteriormente, Chateauraynaud (2006: 6) nota que Foucault utilizara a palavra, entretanto não conceitualmente, em sua formulação da noção de estratégia. Para Bessy e Chateauraynaud o estudo da organização qualificativa da experiência deve romper ao mesmo tempo com o legado representacionista durkheimiano e com o empirismo. A análise desse processo via o conceito de preensões visa conferir importância equiparada às representações sociais e às percepções corpo a corpo que se dão fora do âmbito da significação linguística, de maneira que estas constantemente desafiam as categorizações simbólicas supraindividuais, ainda assim indispensáveis para a coordenação coletiva das qualificações. Aqui a influência de Merleau-Ponty (1945)Merleau-Ponty, Maurice. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard. se destaca dentre as demais (Chateauraynaud, 1997Chateauraynaud, Francis. (1997). Vigilance et transformation: présence corporelle et responsabilité dans la conduite des dispositifs techniques. Réseaux, 15/85, p.101-127.: 123; Bessy & Chateauraynaud, 2014Bessy, Christian & Chateauraynaud, Francis. (2014). L'attention aux choses: chemins pragmatiques de l'authenticité. In: Experts et faussaires: pour une sociologie de la perception. 2 ed. Paris: Éditions Petra, p. 431-499.: 477); a formulação do conceito de preensão apresenta um tratamento sociológico ao projeto de integração entre ser e mundo elaborado pelo filósofo, que passa necessariamente pelo balanceamento entre a percepção e a objetividade da consciência no processamento da experiência. Assim sendo, a preensão é um processo generativo (ABI: 606) que inicia uma restituição entre corpo e qualificação, engajamento físico e enunciado (Bessy & Chateauraynaud, 1993Bessy, Christian & Chateauraynaud, Francis. (1993). Les ressorts de l'expertise. In: Conein, Bernard; Dodier, Nicolas & Thévenot, Laurent (orgs.). Les objets dans l'action. Paris: EHESS, p. 141-164.: 159).

Deve-se salientar que a maneira como os autores abordam a dimensão simbólica da ação, por meio da ideia de representações, é sobremaneira genérica. Sob influência da economia das convenções, que apresenta o mesmo problema, eles não especificam o que querem dizer conceitualmente com o termo, afora menções a dispositivos e padrões referenciais. Assim sendo, não sabemos com precisão o papel que valores, regras e normas, memórias ou elementos imaginários desempenham em seu modelo.5 5 Bessy e Chateauraynaud poderiam ter ido mais a fundo em sua exploração da obra de Merleau-Ponty e se aproveitado da forma como ele pensava a "textura imaginária do real" em sua estreita relação com a percepção e o inconsciente. Ver Merleau-Ponty (1964: 23-24). Os autores tentam contornar o sabor kantiano do termo representação ao substituí-lo recorrentemente pela noção de ponto de referência (E&F: 244ss). Tal procedimento, contudo, não logra especificar as dinâmicas próprias encontradas nos universos simbólicos, mesmo se os pensarmos em ligação direta à materialidade e suas sensações.

Não obstante, a solução encontrada pelos autores é inovadora por integrar em um mesmo arco de ação diferentes manifestações reflexivas. Ao passo que não deixam de lado a propriedade teleológica de espaços de cálculo abertos sobre as experiências ontoformativas, Bessy e Chateauraynaud também enxergam as sensações intuitivas provocadas pela extensão do corpo ao universo material que o circunda como portadoras de intencionalidade reflexiva. A formação de preensões por meio de testes possibilita a convergência dessas diferentes competências. De tal sorte, a expertise profissional de determinada atividade não repousa apenas sobre dispositivos formais, mas em grande medida se nutre dos âmbitos prático e intuitivo das experiências (E&F: 243). Outra forma de enxergar essa asserção é entender o sucesso do especialista como derivação de sua operação na região média entre um regime de captura (emprise),6 6 O termo francês emprise, como outros conceitos importantes de Chateauraynaud, é de difícil tradução para outras línguas. Neste artigo, adoto captura, em português, a partir da tradução de Diogo Silva Corrêa (ver Chateauraynaud, 2017). Não obstante, é preciso reconhecer que no campo político a palavra captura pode abranger significados não necessariamente alinhados ao conceito em tela, não raramente sendo aplicada como forma de negação da reflexividade dos "capturados". Quanto ao conceito de prise, também de difícil tradução, opto pelo termo preensão, proposto em outra ocasião pelo mesmo tradutor em versão não publicada do artigo "L'épreuve du tangible", que veio a compor ACF como seu capítulo 6. em que o ator se encontra "possuído" sensorialmente pela matéria devido à drástica proximidade, e um regime de objetividade, em que consegue colocá-la a distância e atuar exclusivamente por representações dela abstraídas (E&F: 259-267; ver também Bessy & Chateauraynaud, 1993: 158). Nesse sentido, a preensão se distingue da formulação bourdieusiana do habitus enquanto elemento articulador das práticas classificatórias da experiência pelo fato de esse se manter fiel à redução kantiana das sensações aos julgamentos, porquanto em sua conceitualização são codificações estruturais interiorizadas nos corpos que guiam, em primeiro plano, a sensorialidade (E&F: 266-267). Desde essa visão, a reflexividade para Bourdieu só seria possível a partir de uma postura objetivista, posição combatida com a simetria visada pelo conceito de preensão (idem, ver seção 5 abaixo). Temos nesse ponto uma fonte rica de possibilidades à teoria da ação social. Com a figura da preensão em E&F podemos começar a pensar em uma forma alternativa de princípio articulador das práticas, porquanto Bessy e Chateauraynaud forjam um instrumento analítico que nos permite enxergar o dinamismo que se dá na mediação entre os atores e o mundo externo a eles, sendo a cognição um processo em que convenções objetivamente estruturadas e percepções corporais tensionam-se mutuamente. Dessa forma, a inércia creditada às socializações primárias não necessariamente define de antemão o curso das ações, que ganham seus contornos sempre praticamente, disso abundando criatividade e inovação. Como veremos mais abaixo, esse é um ponto retomado, com restrições, em momento posterior da obra de Chateauraynaud.

CONTROVÉRSIAS ECOLÓGICAS E TRANSFORMAÇÕES PRAGMÁTICAS

Durante as duas décadas que se passaram até a publicação de Aux bords de l'irréversible, Chateauraynaud continuou a explorar o horizonte de possibilidades aberto em E&F, o que contribuiu para a sofisticação das ferramentas heurísticas da sociologia pragmática francesa. Foram três os movimentos mais gerais que marcaram sua obra ao longo desse intervalo. Em primeiro lugar, uma preocupação com a dilatação das escalas de análise a ser utilizadas por tal abordagem. Em 1999 ele escreveu com Didier Torny Les sombres précurseurs (LSP), um trabalho em que começou a incorporar a análise de problemas públicos, há tempos praticada na França por Isaac Joseph e seus associados. Temos aqui o marco inicial da segunda fase de sua obra. Sua aposta foi em uma perspectiva diacrônica, visando ao acompanhamento de problemas e controvérsias socioambientais desde seu nascimento, nas fases de vigilância e alerta, até sua normalização institucional. Na mesma ocasião, uma segunda tendência de seu pensamento se organizava ao apresentar o plano ontológico como indissociável de outros domínios da ação, o que se vê em sua caracterização da produção do alerta como uma atividade de natureza perceptiva e ética a um só tempo. Finalmente, a questão do poder também passa a ocupar suas reflexões em uma série de textos em que a figura da assimetria é retratada como aspecto que permeia amplamente as relações sociais, uma correção de rota que visava preencher a lacuna deixada pela sociologia da crítica quanto a esse ponto. Dessa forma, a crítica ao situacionismo metodológico das primeiras versões do pragmatismo francês, a afirmação da multidimensionalidade da ação e a tensão entre poder e contrapoder somam-se à questão da percepção e se tornam os pilares do que Chateuraynaud chamou de uma sociologia pragmática das transformações ou de balística sociológica.7 7 Em discussão não limitada à obra de Chateauraynaud já mencionei esses três elementos (Mello, 2017, cap. 4). Além disso, em seu trabalho comparativo entre as sociologias de Boltanski e Thévenot, Latour e Chateauraynaud, Corrêa (2014) indica a distensão temporal da análise e a sensibilidade ao elemento ontológico na reflexividade crítica como principais inovações do último autor à sociologia pragmática. A partir desse ponto do texto, busco mostrar que sua contribuição ultrapassa esses elementos.

O trabalho de pesquisa presente em LSP se debruça justamente sobre as operações críticas tocadas pelos atores quando se deparam com sinais de que um determinado fenômeno representa uma ameaça ou um risco coletivo. Inaugurando sua jornada no estudo sobre a temática socioambiental, ao qual se filia até o presente, nosso sociólogo muda a qualidade e a escala dos conflitos aos quais dedica sua atenção. Se no livro com Bessy as disputas giravam, em primeiro plano, em torno da autenticidade dos objetos, no trabalho com Torny passamos para grandes debates públicos de cariz técnico e político. A figura do alerta, central ao livro, é apresentada como um regime de testes que exige dos atores que por ele passam, os lançadores de alerta, provas (preuves) específicas para que suas denúncias sejam bem recebidas publicamente. Diferente dos regimes de justificação, o que está em jogo não é o engrandecimento moral dos atores, mas a tangibilidade das suas provas, determinada por sua resistência às variações perceptivas, instrumentais e argumentativas colocadas pelos conflitos em que são oferecidas (LSP: 40-46; ACF: 255). No caso em questão, a ação do lançador está a meio caminho da experiência corporal e da metrologia da deliberação pública e dirige às autoridades uma demanda de ação ou verificação sobre o risco percebido (LSP: 26-27).

O problema da configuração variável das arenas públicas em que mobilizações como o alerta tomam lugar, já assinalado em LSP, é trabalhado em profundidade em Argumenter dans un champ de forces, de 2011. À diferença de Daniel Cefaï, que aborda sistematicamente os problemas públicos na segunda onda da sociologia pragmática a partir de um enfoque concentradamente etnográfico (Cefaï et al., 2012Cefaï, Daniel et al. (2012). Ethnographies de la participation. Participations, 3/4, p.7-48.), Chateauraynaud associou a seu estudo ferramentas retiradas do campo das teorias da argumentação.8 8 A partir de seu olhar de linguista especialista na análise de argumetações, Doury (2012: 4-5) considera "geralmente indeciso" o emprego de conceitos como "argumento", "argumentações" e "enunciados" por parte de Chateauraynaud, assim como "discutível" a leitura que ele faz de alguns autores daquela área do conhecimento. Por outro lado, ela considera que essas "liberdades" derivam de uma "irreverência às vezes irritante, mas sem dúvida necessária" para que o sociólogo adapte tais subsídios à sua disciplina e ao seu projeto pragmático; assim sendo, o resultado de ACF seria "inegavelmente produtivo". Produzido sempre nas interações, o trabalho argumentativo organiza discursivamente o senso crítico dos atores engajados em controvérsias, e ao mesmo tempo em que é suporte para sua performance política junto a outras partes do conflito é também fundamental para a metaconfiguração coletiva das causas em jogo (ACF: cap. 2). Para entender o alcance de um argumento, a amplitude e a preensão que ele conquista, se faz necessária a observação de como os atores atravessam diferentes conformações de arenas de discussão e de confronto. De acordo com os tipos de interlocutores e de público e com o grau de simetria dos intercâmbios que cada configuração de arena apresenta teremos restrições (e facilitações) específicas sobre a performance argumentativa dos atores (ACF: 143ss).9 9 Associada a essa guinada argumentativa está o projeto do software Prospéro, desenvolvido junto com Jean-Pierre Charriau e dedicado à análise de dossiês textuais complexos. O Prospéro e sua utilização demandariam um espaço exclusivo para discussão, o que não cabe no enfoque teórico deste comentário à obra de Chateauraynaud. Além do livro de 2003 (PRO), o leitor pode encontrar ampla lista de indicações bibliográficas sobre o programa em: http://socioargu.hypotheses.org/623. Acesso em 23 fev. 2018.

O olhar dirigido ao desdobramento temporal do constante movimento de remodelamento dos problemas públicos a partir do trânsito dos atores por diferentes registros de argumentação é justamente o que sustenta a proposta de uma pragmática das transformações. É significativa a nova recolocação da concepção de teste que Chateauraynaud realiza nessa sua segunda fase. Assim como é recorrente na sociologia pragmática francesa, em seus primeiros trabalhos ele ainda limitava a utilização do conceito à sua capacidade de encerramento de controvérsias. Desde a pesquisa sobre o alerta e o risco, entretanto, aquilo que Martuccelli (2015)Martuccelli, Danilo. (2015). Les deux voies de la notion d'épreuve en sociologie. Sociologie, 6/1, p. 43-60. chamou de teste-sanção aparece entremeado por características de um teste-desafio: a abertura de arenas públicas e o ingresso nelas não são definidos apenas pela possibilidade de conclusão de problemas, mas também por lá se encontrarem horizontes de superação de obstáculos, especialmente aqueles de origem societal e histórica, que se interpõem ao longo das trajetórias dos atores. Mesmo se o fim de um conflito estiver na lista de objetivos de um ou mais sujeitos nele envolvidos, o que nem sempre ocorre, a pragmática das transformações se preocupa com a maneira reflexiva com a qual eles contornam ou ultrapassam os desafios que aparecem na esteira das transformações das arenas públicas.

As disputas nas arenas públicas continuam como objetos centrais em ABI, parceria com Josquin Debaz, historiador das ciências e colaborador do Groupe de Sociologie Pragmatique et Réflexive (GSPR-EHESS), fundado e dirigido por Chateauraynaud. Ele traz a conciliação de várias áreas de experimentação abertas pelo autor ao longo dos anos pelo diálogo com um dos mais candentes temas da reflexão sobre o mundo contemporâneo: a possibilidade de uma catástrofe global, total e irreversível, gerada pela trajetória da relação entre ser humano e natureza ao longo daquilo que muitos têm chamado de período do antropoceno. ABI expande a articulação iniciada em ACF entre a sociologia da percepção e a pragmática das transformações, ou, visto de outra forma, a incorporação sistemática daquela nesta.

Crise, risco e, principalmente, irreversibilidade são as figuras que povoam de forma mais proeminente a argumentação inicial de Chateauraynaud e Debaz, que começam do alto, visitando tanto as teses do crescente debate em torno do conceito de antropoceno quanto, no plano institucional, alguns elementos das principais formações discursivas produzidas por controvérsias ambientais correntes (ABI: caps.1 e 2). De início, os autores localizam na literatura sobre o antropoceno uma espécie de grande narrativa crítica que, a partir de uma preocupação com o futuro do planeta por conta das mudanças climáticas e problemas ecológicos recentes, segue na direção da universalização de uma "humanidade comum", ambiguamente tratada como vítima e culpada da extensão dos danos (ABI: 37). Em muitas ocasiões essa grande narrativa dá a base para o presságio do colapso e da catástrofe total, uma vez que as ações desse "nós" universalizado sobre o planeta teriam já alcançado o ponto de irreversibilidade, ou estariam, ao menos, muito próximo disso. Para Chateauraynaud e Debaz, o problema com esse tipo de enunciado não está em seu conteúdo crítico ou político, mas no tipo de raciocínio sociológico totalizante que abraça, já que as causas e processos que constituem os conflitos ecológicos são assim tomados como autoevidentes, determinados por uma lógica pré-programada estabelecida pelo padrão nocivo de interação entre humanos e natureza desde a modernidade industrial. A entrada pela pragmática das transformações a esse tema não desconsidera tal padrão, tampouco as ameaças que dele derivam, mas opta pelo acompanhamento das disputas e discussões que dão base a diferentes enunciados coletivos elaborados nas interações entre os atores que delas participam. O olhar para as grandes narrativas deve assim tomá-las como objetos, buscar retroceder às suas origens, acompanhar seus pontos de inflexão e períodos dormentes e, principalmente, observar como os atores se esforçam para classificar e hierarquizar, cooperativa ou conflituosamente, problemas, causas e soluções em busca de uma mínima convergência para a ação conjunta.

A própria noção de risco, cuja popularidade nas ciências sociais cresceu junto com a obra de, entre outros, Ulrich Beck, passa por essa lente. A ideia nesse ponto é que o alcance a e força do paradigma do risco no mundo contemporâneo podem ser compreendidos com a observação dos fluxos de intercâmbio e disputa entre diferentes setores e especialistas, desde teóricos do social a técnicos e analistas de ONGs e agências governamentais (ABI: cap. 3). Com isso, os autores entram em uma de suas discussões mais importantes: a relação entre as articulações críticas encetadas pelos atores nos debates públicos e os processos de encenação de futuro a que lançam mão para coordenar seus projetos presentes. Chateauraynaud e Debaz propõem que a reflexividade dos atores não está somente na abertura de espaços de cálculo em que prevalece a racionalidade instrumental, mas também na tensão deles com a postura investigativa ou abdutiva (Dewey e Peirce, respectivamente) que rotineiramente é adotada por eles em suas buscas de superação da incerteza e da insegurança (ABI: 134-135; 161). O vai e vem entre o sensível das investigações, os dispositivos de mensuração e equivalência e as ponderações dentro de padrões axiomáticos preestabelecidos é o que fornece as provas de que precisam os atores para demonstrar a tangibilidade de suas queixas, demandas ou argumentos e assim fortalecer suas causas (ABI: 133-136; 146-147). Mas, justamente pelo fato de o jogo de provas ser definido sempre na prática, a incerteza é elemento passível de redução, não de eliminação total. Por esse motivo, visões de futuro permeiam a atuação crítica e reflexiva dos atores, que prospectivamente traçam linhas do porvir em relação direta com experiências passadas e presentes. Ao mesmo tempo em que as disputas que correm nos problemas públicos e nas controvérsias competem pela mudança ou conservação do estado de coisas atual elas divergem quanto à caracterização do possível. Aqui temos uma importante característica da primeira inflexão da obra de Chateauraynaud mencionada neste tópico: seu reposicionamento quanto ao quadro temporal da ação não se limitou a um gesto cronográfico, porquanto, para além da proposta da diacronização da análise, encontramos também a valorização de um olhar à temporalidade metadiscursiva dos atores, o que ele retira das teorias da argumentação (PRO: 78; 113ss). Grande parte do fator desafiante dos testes críticos está relacionada com os arranjos que os atores tecem entre provas sensíveis, axiomáticas e de mensuração e delas com os marcos temporais em suas produções discursivas (ABI: 160-161; ACF: 103-107).

Há nisso uma importante reflexão sobre a dinâmica de determinação na relação entre ação e estrutura, algo não muito bem discutido pelo pragmatismo francês. Em um diálogo com Wallerstein, afirmam os autores que "enfrentar as incertezas conduz a ligar as tendências longas marcadas por forte inércia, ela própria considerada indiscutível, aos eventos reconfiguradores cujo alcance permanece indeterminado por certa duração" (ABI: 144). Chateauraynaud e Debaz não negam a existência de grandes forças sociais extrassituacionais, mas submetem seu potencial de causalidade aos testes vivenciados pelos atores e às provas que eles produzem em engajamento reflexivo com seu meio. Ambos são fontes de bifurcações e ricochetes que podem mudar mais ou menos drasticamente o curso de processos aparentemente irreversíveis. A mudança, portanto, é colocada como um constante desafio nos testes vivenciados pelos atores em suas investigações, pois eles devem administrar em suas articulações críticas diferentes referências temporais que vão de memórias a projetos.

Essas discussões atualizam o tema das preensões com relação aos objetos e concepções metodológicas trabalhadas por Chateauraynaud desde LSP, quando começou a tratar de riscos e alertas. Com início naquele livro, mas com maior intensidade em ABI, observamos um processo de complexificação do conceito de maneira que as preensões não estão mais limitadas a testes pontuais em situações face a face, como na verificação de autenticidade de uma cédula ou de um quadro. Em acompanhamento à nova abordagem com relação aos testes, fala-se, em vez disso, a respeito dos processos de formação de grandes preensões coletivas que, embora possuam alcance variado, muitas vezes se alongam no tempo e envolvem uma miríade de atores. Conciliando a fenomenologia perceptiva com o pragmatismo, as preensões estão agora associadas à ideia da (auto)produção dos públicos por meio do entrecruzamento dos atores, seus argumentos e contra-argumentos. Uma coletividade é formada à medida que suas partes buscam bases mínimas comuns para uma mesma (ou aproximada) preensão sobre o mundo, o que ocorre a partir da dinâmica entre as experiências partilhadas pelos atores em seu meio e os dispositivos e representações axiomáticas que pesam sobre eles. Dessa forma, a constante fricção entre dobras materiais e pontos convencionais de referência continua como elemento operacionalizador do conceito, mas dessa vez, como já indicado pela natureza dos três tipos de provas acima mencionados, a dimensão ontológica das preensões é posta lado a lado das dimensões epistêmica e axiológica (ABI: 135; ver também ACF: 47, 104-107; Chateauraynaud, 2016Chateauraynaud, Francis. (2016). Pragmatiques des transformations et sociologie des controverses: les logiques d'enquête face au temps long des processus. In: Chateauraynaud, Francis; Cohen, Yves (orgs.). Histoires pragmatiques. Paris: EHESS, p.349-385.: 368-370). Ainda que também ancorados nas experiências perceptivas e afetivas de seus atores, os agenciamentos coletivos que se cruzam nas arenas de disputa dependem igualmente de conhecimentos práticos e técnicos e de normas e valores para poder abrir seus espaços de cálculo e articular sua expressão pública.

Tudo isso é muito positivo, ainda que seja discutível a utilização do termo federação de causas (ACF: 54-61; ABI: 29ss) para o tratamento desse processo; demasiadamente descritivo, ele se limita às operações de hierarquização e convergência de causas, não captando um sem-número de propriedades que fazem parte da constituição de um grupo. No livro de Chateauraynaud e Debaz, bem como em LSP e ACF, a noção de subjetividade coletiva é geralmente contemplada a partir de um movimento radial, que leva em conta exclusivamente aqueles elementos necessários para as interações e disputas com outros grupos. Quando não é esse exatamente o caso, é tratada de maneira ad hoc devido à sua importância empírica, mas não conceitualizada sistematicamente.10 10 Portanto, uma categoria residual (Parsons, 1949: 16-20). Com relação a esse ponto, Martuccelli (2015: 49)Martuccelli, Danilo. (2015). Les deux voies de la notion d'épreuve en sociologie. Sociologie, 6/1, p. 43-60. está parcialmente correto em sua leitura de Chateauraynaud, uma vez que as propriedades mais subjetivas do teste-desafio, voltadas para a problematização de si, não são bem abordadas pelo autor.11 11 Martuccelli ignora que desde LSP a concepção de teste em Chateauraynaud não se reduz apenas à forma teste-sanção, o que já vimos não ser procedente. Muito pontualmente, ele apenas anuncia a necessidade de uma "pragmática da interioridade" articulada à ecologia da percepção como desdobramento de sua abordagem às assimetrias do poder e referencia o conceito de conversas internas de Archer como subsídio a contar para tal esforço (Chateauraynaud, 2015Chateauraynaud, Francis. (2015). L'emprise comme éxperience. Enquêtes pragmatiques et théories du pouvoir. SociologieS [on-line], Dossiê Pragmatismes et Sciences Sociales. Disponível em <http://sociologies.revues.org/4931>. Acesso em 23 fev. 2015.
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: 17; ABI: 776, 243-244). Esse exercício pode ser promissor, mas é preciso cuidar para que ele não reduza o espaço dos elementos não racionalizados da experiência na compreensão das formulações da crítica social, algo que, como temos visto, está no centro das preocupações da obra de Chateauraynaud.12 12 A cenarização de futuro presente nesse alerta se deve ao aceno de Chateauraynaud à sociologia archeriana, uma vez que a teoria das conversas internas da britânica é marcada por forte cartesianismo. Uma crítica a esse recentramento do sujeito, que vai na contramão do self do pragmatismo, pode ser encontrada em Oliveira (2011: 131). Uma opção é retornar à ideia de preensão e pensá-la com e contra Bourdieu. Se for possível assumi-la como princípio articulador das práticas, é preciso voltar o conceito para o universo interno dos atores individuais e coletivos e assim acompanhar o modo como eles concebem, "tomam" e "aderem" a si mesmos no seu engajamento reflexivo com o mundo. Para isso não faltam subsídios no pragmatismo (fonte, aliás, do debate sobre conversas internas na sociologia contemporânea), que devemos acessar observando suas afinidades com a fenomenologia da percepção, o que preservaria a síntese que se encontra no coração da pragmática das transformações. Se o habitus bourdieusiano é um sistema de disposições incutido nos atores, a preensão pode ser pensada como uma ergonomia existencial que se desdobra entre eles e seus ambientes.13 13 Em minha tese de doutorado, dedicada à dinâmica das coletividades, propus uma leitura da preensão como um conceito analítico, que se volta para um duplo e inseparável processo empírico: quando um grupo se dedica à expansão em direção ao mundo engaja-se, ao mesmo tempo e em medida variável, na constituição de um self coletivo. Em uma palavra, a lógica sugerida é que tomar o mundo é tomar a si próprio, e vice-versa (ver Mello, 2017). Penso que o mesmo procedimento pode ser válido no que tange à subjetividade individual, tema que, aliás, frequenta as discussões da sociologia pragmática desde a sua formação (especificamente na obra de Michael Pollak), embora sua importância tenha permanecido periférica ao estudo das controvérsias públicas. Essa sugestão, portanto, coaduna-se com a necessidade de maior investimento em uma pragmática das tensões individuais, algo apontado por Corrêa e Dias (2016) e que já vem sendo trabalho por autores como Pérrilleux (2001) e Breviglieri (2007).

Sem embargo, tanto em ACF (cap. 7) quanto em ABI (pt. 3) a renovação do conceito de preensão leva a análise dos problemas públicos à aspereza do chão, utilizando termos de Wittgenstein (2009: 51)Wittgenstein, Ludwig. (2009) [1953]. Philosophical investigations. Malden: Wiley-Blackwell.. Isso parece responder ao questionamento sobre a possibilidade de se aliar a análise de temporalidades longas e o acompanhamento próximo das experiências dos atores, endereçado anos atrás por Caïra (2000: 246-247)Caïra, Olivier. (2000). Chateauraynaud F., Torny D. Les sombres précurseurs. Une sociologie de l'alerte et du risque. Politix, 13/52, p.243-247., às ideias presentes em LSP. Deve-se notar o modo como o meio (milieu), entendido tanto como campo interativo quanto como mundo sensível, veio a tomar o lugar da concepção latouriana de rede no pensamento de Chateauraynaud, que de opção heurística foi reduzida a forma de descrição de configurações grupais. Isso parte de um esforço de reformulação da noção de plano de imanência, importante nas sociologias de Latour e Boltanski, de forma a adequá-la à abordagem da pragmática das transformações. Inicialmente, Chateauraynaud referenciava a ideia de meio por influência de Simondon (E&F: 66; ACF: 290) em encontro a uma presença difusa da ideia de mundo sensível em Merleau-Ponty. Mais recentemente, o conceito de malha (meshwork) de Tim Ingold (2011: 63)Ingold, Tim. (2011). Being alive: essays on movement, knowledge and description. London/New York: Routledge. tem sido importante para o sociólogo caracterizar o meio como o ambiente singularmente experimentado pelos atores (Bessy & Chateauraynaud, 2014: 481-486; ABI: 105-106Bessy, Christian & Chateauraynaud, Francis. (2014). L'attention aux choses: chemins pragmatiques de l'authenticité. In: Experts et faussaires: pour une sociologie de la perception. 2 ed. Paris: Éditions Petra, p. 431-499.), a discussão de Foucault sobre a governamentalidade o ajuda a pensá-lo junto à temática do poder (Chateauraynaud, 2015Chateauraynaud, Francis. (2015). L'emprise comme éxperience. Enquêtes pragmatiques et théories du pouvoir. SociologieS [on-line], Dossiê Pragmatismes et Sciences Sociales. Disponível em <http://sociologies.revues.org/4931>. Acesso em 23 fev. 2015.
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: 6-7) e a filosofia de James confere um apoio pragmático a esse exercício (ABI: 420-421, 602). Portanto, à diferença da agregação actancial das redes latourianas, o meio é tomado como a textura material da vida, como o entorno vivido pelos seres em seus encontros cooperativos ou conflituosos.

Com efeito, nesse movimento um posicionamento adotado por Chateauraynaud desde E&F é reforçado e aprofundado. Se o aspecto mais visível das disputas públicas é o intercâmbio argumentativo entre as partes (altamente dependente do universo representacional, como sói ser), não o devemos tomar como mero arranjo linguístico, pois suas articulações estão sempre entremeadas pelo percebido e pelo sentido. No trabalho com Debaz, por exemplo, ele se vale de uma série de casos localizados entre os Estados Unidos e a Europa, mas atravessando diferentes escalas, com o intuito de mostrar como os meios em que transitam os atores são fontes constantes de imprevisibilidade e criatividade à ação, o que faz com que grandes narrativas institucionais de convergência, de teor tanto técnico quanto político, sejam a todo tempo lançadas a teste. Em virtude disso, ao se limitar ao elemento estritamente verbal das controvérsias, como dar conta, por exemplo, da complexidade da tensão ontológica derivada dos materiais do ciclo de combustível nuclear (corium) em disputas sobre a energia proveniente dessa fonte? A produção de preensões sobre tais materiais, especialmente em situações de desastre, é extremamente difícil devido à sua altíssima instabilidade, que desafia até mesmo o regime epistêmico do discurso científico; isso leva cientistas e demais especialistas a se utilizar de recursos metafóricos (magma, lava, massa, mistura) na tentativa de os descrever, produzindo apenas, ao fim e ao cabo, "vagas aproximações" (ABI: 254-262). Questionamentos como esses, com forte teor pragmático, nos convidam a observar o prolongamento da percepção desde os meios até instâncias de sistematização expressiva e a reconhecer o trabalho despendido pelos atores, que comunicativamente se engajam nesse processo ao partilhar suas subjetividades afetivas e perceptivas (ABI: 376, 421). Isso aponta para a importância da articulação entre a análise discursiva e formas mais correntes de trabalho de campo, que possibilitam ao pesquisador um contato direto com os atores e os meios. A síntese entre pragmatismo e a fenomenologia merleau-pontiana está bem avançada a essa altura. Podemos enxergar claramente como Chateauraynaud e Debaz conciliam o fator da percepção com o fundamento interativo dos públicos e a epistemologia investigativa de Dewey (ela própria comportando uma ontologia exploratória do mundo). Como resultado, "a atitude de olhar além das primeiras coisas, dos princípios, das ‘categorias', das supostas necessidades [...]" (James, 1979James, William. (1979) [1907]. Pragmatismo. In: James, William. Os Pensadores. São Paulo: Abril, p. 2-109.: 21, grifo do original) e assim ver o laço entre o pensável e o sensível, o dizível e o tátil.

PODER, CONHECIMENTO E ASSIMETRIA

Como mencionado, a solidificação de uma reflexão sobre o poder também está na base da pragmática das transformações. O raciocínio aqui é relativamente simples. Nem todos os atores desfrutam do mesmo grau de autonomia para elaborar ou disputar preensões sobre o mundo e sobre si mesmos, pois em grande parte das vezes isso é feito sob a influência de terceiros, o que gera um constante enviesamento das práticas de categorização das experiências. A figura do regime de captura, mencionada acima, é retomada como o ponto extremo em um gradiente de assimetrias de preensão, sendo ele o momento-limite em que a totalidade dos projetos e dos recursos de uma entidade torna-se material de manipulação de outra. Estando ligada ao conceito de preensão, essa forma de desproporção manifesta-se não só no plano simbólico da experiência, mas também na forma como os atores acessam e vivenciam os meios. Constituídas por fora das hierarquias visíveis, não raro entre os nós de redes cooperativas supostamente horizontais, e amparadas pela legitimidade de seus estatutos, essas assimetrias podem enraizar-se mais ou menos profundamente na interioridade dos seres. Mas, condicionadas elas próprias aos movimentos entre estes e seus meios, são também, a princípio, sempre reversíveis; Giddens e, como observado, Foucault são referências importantes aqui (Chateauraynaud, 2006Chateauraynaud, Francis. (2006). Les asymétries de prises: des formes de pouvoir dans un monde en réseaux. Paris: Documento do GSPR.: 6ss, 2015: 7-8).

Chateauraynaud e Debaz exploram mais detidamente essa dinâmica assimétrica quando abordam o papel do lobby nas controvérsias sanitárias e a tensão entre interesses privados e saúde pública que ele suscita (ABI: 228-235). A inseparabilidade entre força e legitimidade, que ocupa as reflexões de Chateauraynaud desde o início de sua carreira, se faz transparente nesse ponto (Chateauraynaud, 1999Chateauraynaud, Francis. (1999). Les rélations d'emprise: une pragmatique des asymétries de prises. Paris: Documento do GSPR.: 9). A polêmica questão do desvelamento, enraizado na tradição crítica da sociologia e explicitamente renunciado pelo projeto de Boltanski, é recolocado em discussão, devido, principalmente, ao aspecto invisível, não público da captura. Os autores oferecem uma pertinente ponderação ao tema, mostrando que a competência dos atores não é anulada necessariamente pelo envolvimento não consciente em assimetrias de força desde sub-reptícios enviesamentos de percepção, e que é justamente isso que faz com que a possibilidade de reversão esteja sempre no horizonte. Como colocado por Chateauraynaud, devemos tomar o desvelamento não como "operação necessária a priori, mas como uma investigação que começa por conferir o maior crédito ao que fazem e dizem os atores" (PRO: 57; ver também LSP: 90-91).

Em ABI essa discussão conduz às bases de uma leitura da pragmática das transformações ao capitalismo contemporâneo. A principal proposta é a necessidade de renunciar à visão unitária tanto com relação à interpretação da natureza do capitalismo quanto à apreensão das formas de resistência e de luta contra a dominação. A produção da hegemonia, na perspectiva de Chateauraynaud e Debaz, vale-se de uma pluralidade de formas de exploração e de sujeição não necessariamente ajustáveis umas às outras, o que faz com que os sistemas de dominação sejam eles próprios complexos e instáveis (ABI: 534-535); logicamente, os movimentos críticos que nascem em resposta a tais esquemas espelham tal pluralidade em suas experiências contestatórias. Sete dessas formas são tipificadas pelos autores: o capitalismo de Estado industrial-militar, o capitalismo financeiro, o capitalismo cognitivo, o capitalismo biogeofísico, o capitalismo da grande indústria, o capitalismo de marcas e distribuição e o capitalismo de mão de obra (ABI: 534-539).

O posicionamento epistemológico da pragmática das transformações marcado por Chateauraynaud e Debaz enceta uma reflexão sobre a relação entre poder e conhecimento. Em nome de um pluralismo epistemológico que dirigem contra o modelo clássico das teorias gerais das ciências sociais, que se esforçariam pela fixação de modelos logicamente coerentes e, por isso, supostamente mais aptos à explicação dos fenômenos, os autores propõem que o bom aparato analítico deva unificar sem uniformizar suas ferramentas conceituais, de maneira que elas possam captar as transformações experimentadas pelos atores e lhes conferir um quadro interpretativo "tão flexível quanto transponível" (ABI: 496).

Como estratégia para fazer valer a pluralidade anunciada sem assim abraçar o relativismo, Chateauraynaud e Debaz introduzem mais um procedimento analítico, dessa vez voltado para a tipificação dos diferentes registros possíveis a suportar as transformações das disputas públicas. Seis lógicas (de relações) sociais, distribuídas em três pares opostos, são então apresentadas. O discurso dominante é uma lógica que produz a coerência entre conceitos, normas, representações, instituições e valores das forças hegemônicas, sendo a todo tempo desafiado pela lógica do contradiscurso (ABI: 499-503). A terceira lógica é a dos dispositivos de avaliação e de gestão, que em nome da técnica atuam na proceduralização das experiências sociais. Oposta a ela está a lógica dos alertas e riscos emergentes, que constantemente desafiam suas projeções e normalizações (ABI: 503-508). Os meios sob controle de uma entidade fornecem a quinta lógica, marcada pela busca forçosa da unificação daquela a ela oposta, fornecida pelos meios heterogêneos em interação, altamente diversos e incertos (ABI: 508-512). De certa forma, podemos ver que em cada um desses três pares predomina uma das dimensões da ação que já vimos - o plano axiológico, o epistêmico e o ontológico, respectivamente. A principal novidade aqui estabelecida é que no curso dos problemas e controvérsias os elementos a que correspondem essas três dimensões são movimentados pelas disputas de poder que se desenvolvem entre os atores. O eixo que separa em lados opostos os três pares de lógicas sociais pode ser entendido como a tensão entre a produção e o reequilíbrio de assimetrias. Sem lugar, portanto, para mundos compostos exclusivamente por violência e dominação ou para a utopia da regulação universal da justiça. Para Chateauraynaud e Debaz, o erro de muitas abordagens sociológicas está na visão exclusiva que elas lançam a uma ou outra dessas lógicas. Para eles, não é possível alcançar a amplitude do mundo social ao se investir apenas em uma teoria da dominação ou da resistência, em uma ciência do risco ou de sua administração etc. Em vez disso, é mais frutífero acompanhar a dinâmica de transformações entre esses diferentes modelos, o que é conduzido pelos atores e por suas causas.

Como apontado pelos autores (ABI: 133-134), essa proposta está em sintonia com a visão sobre a relação entre os dados da experiência e a produção científica presente nas discussões epistemológicas da fase tardia de Mead. Esse posicionamento revela semelhanças com a epistemologia de Whitehead, autor que frequenta pouco as referências de Chateauraynaud, mas que além de Mead influenciou tanto Merleau-Ponty quanto Latour. Em sua crítica à ortodoxia da ciência moderna e sua concepção de posição simples, Whitehead (2006: cap. 4)Whitehead, Alfred North. (2006) [1925]. A ciência e o mundo moderno. São Paulo: Paulus. defendeu o movimento contínuo das relações ao longo do espaço-tempo como o fundamento processual da realidade. Ora, é justamente um conceito de preensão, entendido como a apreensão que pode ou não ser cognitiva (Whitehead, 2006Whitehead, Alfred North. (2006) [1925]. A ciência e o mundo moderno. São Paulo: Paulus.: 91), que em suas páginas aparece como o elemento de unificação entre duas ou mais entidades; a operação pela qual uma delas toma a(s) outra(s) como objeto(s) de sua experiência. Assim como na filosofia de Whitehead, na sociologia pragmática de Chateauraynaud e Debaz a formalização teórica precisa atentar para o perigo da falácia da concretude deslocada e acompanhar de perto as formas com as quais os atores alcançam e se relacionam com aspectos do mundo, perpassadas amiúde por assimetrias de graus variados.

COMENTÁRIOS FINAIS: REFLEXIVIDADE SIMÉTRICA, OU O QUE FALAR PODE FAZER?

Em conclusão, podemos especificar uma característica derivada das proposições de maior destaque vistas acima. Com a forma com que se amontaram ao projeto colocado em E&F os três movimentos apresentados nas duas últimas seções, o trabalho de Chateauraynaud logrou estabelecer uma relação entre as ideias de percepção e discurso que inclui uma concepção simétrica da noção de reflexividade, o que o leva a superar a forma como esta aparece no projeto da sociologia da crítica de Boltanski e Thévenot, mas também nos escritos de outros autores mais ou menos próximos daquela constelação teórica e que também lhe serviram de influência, como Latour e Bourdieu. Em consequência, no lugar de nos conduzir à busca sobre o que falar quer dizer (Bourdieu, 1982Bourdieu, Pierre. (1982). Ce que parler veut dire. Paris: Fayard.), Chateauraynaud dirige nossa atenção especificamente a um questionamento: o que falar pode fazer?

Para entendermos como essa versão de simetria aparece em Chateauraynaud, vejamos como o autor estabelece a relação entre discurso e reflexividade em contraste a esses autores.14 14 Em Prospéro (PRO: 53-59, cap. 4) Chateauraynaud discute abertamente suas diferenças especificamente metodológicas quanto a Bourdieu, Boltanski e Thévenot e Latour no que concerne à análise discursiva. . Tomando o discurso como ponto de partida, encontramos em Bourdieu uma apropriação importante do tema, que a partir de ambições antiestruturalistas se esforçou por desautonomizar seu estudo, retratando a fala e suas formas como veículos da distinção hierárquica entre os diferentes grupos da sociedade, característica essa geralmente inacessível ao controle consciente dos atores ordinários. Elaboradas em franca oposição a tal formulação, as sociologias de Boltanski e Latour ofereceram renovadas posturas metodológicas que recolocaram a posição do discurso no estudo da ação. O primeiro privilegia o tratamento daquele como um meio de expressão do senso de justiça dos atores, o ele que faz de maneira a identificar a reflexividade a altos níveis de formalidade e clareza dos testes de legitimidade (Boltanski e Chiapello, 1999Boltanski, Luc & Chiapello, Ève. (1999). Le nouvel esprit du capitalisme. Paris: Gallimard.: 406-412). No segundo o discurso é apresentado não como uma modalidade de ação, mas como uma rede de actantes que "se mistura tanto às coisas quanto às sociedades" (Latour, 1997Latour, Bruno. (1997) [1991]. Nous n'avons jamais été modernes. Paris: La Découverte.: 123). Seus componentes são tratados de maneira qualitativamente indistinta por um proceder que se preocupa, em primeiro plano, com o acompanhamento dos jogos de poder sem fim presentes nas traduções e retraduções de um actante a outro. A ideia de reflexividade presente nos dois casos é marcada pelos aspectos prático e rotineiro com os quais ela aparece associada ao conceito de account na etnometodologia, embora Latour não retenha sua definição como uma operação interpretativa dos indivíduos (Lynch, 2000Lynch, Michael. (2000). Against reflexivity as an academical virtue and source of priviledged knowledge. Theory, Culture and Society, 17/3, p. 26-54.: 34). A mesma corrente influenciou igualmente as posturas simétricas de ambos os autores, o primeiro adotando uma simetria restrita (Nachi, 2013Nachi, Mohamed. (2013) [2006]. Introduction à la sociologie pragmatique. Paris: Armand Colin.: 33-36), de natureza mais claramente metodológica, e o segundo abraçando uma simetria generalizada (Nachi, 2013Nachi, Mohamed. (2013) [2006]. Introduction à la sociologie pragmatique. Paris: Armand Colin.: 32-33), com alcance metafísico.

Ainda que comprometida com uma análise não polarizada entre pessoas e objetos, de forma a reconhecer o papel ativo destes juntos àquelas, a pragmática das transformações rejeita a reflexividade compressa a que chega Latour ao negligenciar as diferentes propriedades das classes de actantes que mobiliza, entre elas a dos seres humanos. A alternativa, contudo, não é a aderência à sociologia de Boltanski, para quem a reflexividade é elemento eminentemente racional. Ao concentrar sua abordagem pragmática sobre as relações entre seres humanos em extensão aos seus meios, Chateauraynaud localiza a reflexividade na profusão de experiências vividas entre domínios de representação e materialidade ou, mais especificamente, nas preensões elaboradas pelos atores neles engajados. Assim como na antropologia de Ingold (2011: 3)Ingold, Tim. (2011). Being alive: essays on movement, knowledge and description. London/New York: Routledge. a ação humana está em alça de mira não como derivação de qualquer essência a-histórica, mas como produto de contínuas movimentações de pessoas pelos meios que habitam, atravessam e experimentam. A ideia de reflexividade enquanto elemento prático e rotineiro da ação humana também se encontra aqui presente, mas é desdobrada em complexificações conceituais de considerável relevância. Em primeiro lugar, ela atravessa igualmente os planos ontológico, axiológico e epistêmico. Em segundo, e mais importante devido ao impacto que traz ao pensamento sociológico, manifesta-se tanto como ação racional e teleológica quanto como percepção, quando opera por fora da linguagem, mormente nos âmbitos sensório e afetivo da experiência. Temos então uma reflexividade simétrica em dois eixos.15 15 Há aqui uma similaridade com a forma com que Domingues (2004: 101-102) pensa a reflexividade. Não sendo leitores um do outro e mantendo diálogos com universos de autores com pequena interseção, penso que essa proximidade tem a ver com projetos semelhantes em testar os limites do pensamento sociológico a partir da década de 1990. Um esforço mais sistemático de aproximação entre os dois autores está em Mello (2017).

Sendo assim, a abertura de espaços de cálculo é indissociável das sensações corporeamente vivenciadas pelos atores, cumprindo a lógica de argumentação em situações de disputa, um papel muito importante na comunicação/transição de uma dessas formas da experiência à outra. No curso da atividade crítica os atores operam na coordenação da atenção sobre os dados sensíveis e em sua verificação mediante códigos e padronizações (Chateauraynaud, 1997Chateauraynaud, Francis. (1997). Vigilance et transformation: présence corporelle et responsabilité dans la conduite des dispositifs techniques. Réseaux, 15/85, p.101-127.: 119ss), produzindo assim ajustes (mais ou menos coesos e duradouros) na forma de argumentos com o potencial de fortalecer suas causas. Na produção da tangibilidade de tais argumentos, sua consistência moral é, a princípio, de igual relevância a sua constituição epistêmica e ontológica. Na pragmática das tranformações, portanto, a ação discursiva não se resume à presença ou ausência de razão ou força. Pelo contrário, ela ocorre no entrelaçamento de diferentes formas reflexivas que se manifestam variável e assimetricamente pela movimentação dos atores em seus meios e que colaboram com o estabelecimento de preensões comuns sobre as experiências coletivas. Em resposta à questão colocada no início da seção, vemos que o discurso é então considerado um meio possível, mas não necessariamente suficiente, aos atores para se colocar no mundo, apropriar-se de suas experiências e se lançar ao trabalho de cenarização de futuro. Sua modelagem sobre a experiência não substitui nem tampouco ultrapassa a percepção; na verdade, ambas são constantemente desafiadas pelos testes recíprocos que correm de parte a parte. Justamente por isso a produção discursiva pode ser catalisadora da agência ao levar os atores à constante justaposição entre suas vivências e seus projetos por meio de suas investigações sobre o mundo.

Ao fim e ao cabo, essa contribuição excede os limites da sociologia pragmática. A sociologia de Chateauraynaud engrossa o movimento difuso, mas vigoroso, de uma "virada afetiva" iniciada em meados da década de 1990 (Clough, 2010Clough, Patricia T. (2010) [2008]. The affective turn: political economy, biomedia and bodies. In: Gregg, Melissa & Seigworth, Gregory J. (orgs.). The affect theory reader. Durham/London: Duke University Press, p. 206-225.) e que vem dando continuidade às inovações trazidas desde a década de 1970 pelo "novo movimento teórico" nas ciências sociais. A síntese entre a sensorialidade da experiência e a discursividade das argumentações, que alternativamente podemos pensar como aquela entre dobras/pontos de referência, ou percepção/linguagem atende à observação de Vandenberghe (2012: 15)Vandenberghe, Frédéric. (2012). Uma história filosófica da sociologia alemã, 1. São Paulo: Annablume. sobre a necessidade atual de a teoria social explorar outras oposições para além daquela bastante trabalhada entre ação/estrutura.

NOTAS

  • 1
    Há hoje ampla literatura secundária sobre a formação da sociologia pragmática francesa e sobre suas principais contribuições às ciências sociais. Destaco o livro de Nachi (2013)Nachi, Mohamed. (2013) [2006]. Introduction à la sociologie pragmatique. Paris: Armand Colin. e os textos de Barthe et al. (2013)Barthe, Yannick et al. (2013). Sociologie pragmatique: mode d'emploi. Politix, 3/103, p. 175-204. e Corrêa & Dias (2016)Corrêa, Diogo Silva & Dias, Rodrigo de Castro. (2016). Crítica e os momentos críticos: De la justification e a guinada pragmática na sociologia francesa. Mana, 22/1, p. 67-99..
  • 2
    Além dele, nomes como Daniel Cefaï, Cyril Lemieux, Marc Breviglieri, Danny Trom, Luca Pattaroni, entre outros, também fazem parte dessa segunda onda. Trata-se, portanto, de uma definição tanto geracional quanto substancial, dada a renovação que esse grupo de autores trouxe a essa constelação sociológica (e não obstante a participação de nomes mais antigos nessa renovação). Sobre a ligação desigual e indireta entre a sociologia pragmática francesa e o pragmatismo clássico, ver Boltanski (2013: 10)Boltanski, Luc. (2013) [2006]. Introduction. In: Nachi, Mohamed. Introduction à la sociologie pragmatique. Paris: Armand Colin, p. 9-16.. O início de um diálogo mais explícito com a herança estadunidense ganharia força ao final dos anos 1990 (Stavo-Debauge, 2012Stavo-Debauge, Joan. (2012). La sociologie dite "pragmatique" et la philosophie pragmatiste, une rencontre tardive. Texto preparado para o seminário "Pourquoi le Pragmatisme? L'Intérêt du Pragmatisme pour les Sciences Humaines et Sociales. Villa Vigoni, Itália, 15-18 julho.).
  • 3
    Para facilitar a leitura, sempre que um dos livros de Chateauraynaud for referenciado isso será feito com recurso às iniciais de seu título. Portanto, procederemos da seguinte forma: La faute professionelle (LFP), Experts et faussaires (E&F), Les sombres précurseurs (LSP), Prospero (PRO), Argumenter dans un champ de forces (ACF), Aux bords de l'irréversible (ABI). A citação de artigos seguirá a padronização normal.
  • 4
    Os autores tomam o termo plis do diálogo que Deleuze estabelece com Leibniz (E&F: 245-246). Especificamente sobre seu uso do termo prise, a dupla identifica noções próximas nos trabalhos de Gibson, Bergson e do geógrafo Augustin Berque (E&F: 238-239). Posteriormente, Chateauraynaud (2006: 6)Chateauraynaud, Francis. (2006). Les asymétries de prises: des formes de pouvoir dans un monde en réseaux. Paris: Documento do GSPR. nota que Foucault utilizara a palavra, entretanto não conceitualmente, em sua formulação da noção de estratégia.
  • 5
    Bessy e Chateauraynaud poderiam ter ido mais a fundo em sua exploração da obra de Merleau-Ponty e se aproveitado da forma como ele pensava a "textura imaginária do real" em sua estreita relação com a percepção e o inconsciente. Ver Merleau-Ponty (1964: 23-24)Merleau-Ponty, Maurice. (1964). L'oeil et l'esprit. Paris: Gallimard..
  • 6
    O termo francês emprise, como outros conceitos importantes de Chateauraynaud, é de difícil tradução para outras línguas. Neste artigo, adoto captura, em português, a partir da tradução de Diogo Silva Corrêa (ver Chateauraynaud, 2017Chateauraynaud, Francis. (2017). A Captura como experiência: investigações pragmáticas e teorias do poder. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32/95, e329504. Disponível em <http://dx.doi.org/10.17666/329504/2017>. Acesso em 01 fev. 2018.
    http://dx.doi.org/10.17666/329504/2017...
    ). Não obstante, é preciso reconhecer que no campo político a palavra captura pode abranger significados não necessariamente alinhados ao conceito em tela, não raramente sendo aplicada como forma de negação da reflexividade dos "capturados". Quanto ao conceito de prise, também de difícil tradução, opto pelo termo preensão, proposto em outra ocasião pelo mesmo tradutor em versão não publicada do artigo "L'épreuve du tangible", que veio a compor ACF como seu capítulo 6.
  • 7
    Em discussão não limitada à obra de Chateauraynaud já mencionei esses três elementos (Mello, 2017Mello, Fabrício Cardoso de. (2017). Assimetria e contestação: uma sociologia pragmatista das subjetividades coletivas. Tese de Doutorado. PPGS/IESP/Universidade do Estado do Rio de Janeiro., cap. 4). Além disso, em seu trabalho comparativo entre as sociologias de Boltanski e Thévenot, Latour e Chateauraynaud, Corrêa (2014)Boltanski, Luc & Thévenot, Laurent. (1991). De la justification: les économies de la grandeur. Paris: Gallimard. indica a distensão temporal da análise e a sensibilidade ao elemento ontológico na reflexividade crítica como principais inovações do último autor à sociologia pragmática. A partir desse ponto do texto, busco mostrar que sua contribuição ultrapassa esses elementos.
  • 8
    A partir de seu olhar de linguista especialista na análise de argumetações, Doury (2012: 4-5)Doury, Marianne. (2012). Chateauraynaud, Francis. 2011. Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique (Paris: Editions Petra, coll. Pragmatismes). Argumentation & Analyse du Discours [on-line], 8. Disponível em <https://journals.openedition.org/aad/1245>. Acesso em 01 out. 2016.
    https://journals.openedition.org/aad/124...
    considera "geralmente indeciso" o emprego de conceitos como "argumento", "argumentações" e "enunciados" por parte de Chateauraynaud, assim como "discutível" a leitura que ele faz de alguns autores daquela área do conhecimento. Por outro lado, ela considera que essas "liberdades" derivam de uma "irreverência às vezes irritante, mas sem dúvida necessária" para que o sociólogo adapte tais subsídios à sua disciplina e ao seu projeto pragmático; assim sendo, o resultado de ACF seria "inegavelmente produtivo".
  • 9
    Associada a essa guinada argumentativa está o projeto do software Prospéro, desenvolvido junto com Jean-Pierre Charriau e dedicado à análise de dossiês textuais complexos. O Prospéro e sua utilização demandariam um espaço exclusivo para discussão, o que não cabe no enfoque teórico deste comentário à obra de Chateauraynaud. Além do livro de 2003 (PRO), o leitor pode encontrar ampla lista de indicações bibliográficas sobre o programa em: http://socioargu.hypotheses.org/623. Acesso em 23 fev. 2018.
  • 10
    Portanto, uma categoria residual (Parsons, 1949Parsons, Talcott. (1949) [1937]. The structure of social action. New York: Free Press.: 16-20).
  • 11
    Martuccelli ignora que desde LSP a concepção de teste em Chateauraynaud não se reduz apenas à forma teste-sanção, o que já vimos não ser procedente.
  • 12
    A cenarização de futuro presente nesse alerta se deve ao aceno de Chateauraynaud à sociologia archeriana, uma vez que a teoria das conversas internas da britânica é marcada por forte cartesianismo. Uma crítica a esse recentramento do sujeito, que vai na contramão do self do pragmatismo, pode ser encontrada em Oliveira (2011: 131)Oliveira, Nuno. (2011). Entre Cila e Caríbdis: o realismo social de Margaret Archer. Sociologia, Problemas e Práticas, 65, p. 119-139..
  • 13
    Em minha tese de doutorado, dedicada à dinâmica das coletividades, propus uma leitura da preensão como um conceito analítico, que se volta para um duplo e inseparável processo empírico: quando um grupo se dedica à expansão em direção ao mundo engaja-se, ao mesmo tempo e em medida variável, na constituição de um self coletivo. Em uma palavra, a lógica sugerida é que tomar o mundo é tomar a si próprio, e vice-versa (ver Mello, 2017Mello, Fabrício Cardoso de. (2017). Assimetria e contestação: uma sociologia pragmatista das subjetividades coletivas. Tese de Doutorado. PPGS/IESP/Universidade do Estado do Rio de Janeiro.). Penso que o mesmo procedimento pode ser válido no que tange à subjetividade individual, tema que, aliás, frequenta as discussões da sociologia pragmática desde a sua formação (especificamente na obra de Michael Pollak), embora sua importância tenha permanecido periférica ao estudo das controvérsias públicas. Essa sugestão, portanto, coaduna-se com a necessidade de maior investimento em uma pragmática das tensões individuais, algo apontado por Corrêa e Dias (2016)Corrêa, Diogo Silva & Dias, Rodrigo de Castro. (2016). Crítica e os momentos críticos: De la justification e a guinada pragmática na sociologia francesa. Mana, 22/1, p. 67-99. e que já vem sendo trabalho por autores como Pérrilleux (2001)Pérrilleux, Thomas. (2001). Les tensions de la flexibilité. Paris: Desclée de Brouwer. e Breviglieri (2007)Breviglieri, Marc. (2007). Ouvrir le monde en personne: une anthropologie des adolescenses. In: Breviglieri, Marc & Cicchelli, Vicenzo. Adolescences méditerranéennes. L'espace public à petits pas. Paris: INJEP-L'Harmattan, p. 19-59..
  • 14
    Em Prospéro (PRO: 53-59, cap. 4) Chateauraynaud discute abertamente suas diferenças especificamente metodológicas quanto a Bourdieu, Boltanski e Thévenot e Latour no que concerne à análise discursiva.
  • 15
    Há aqui uma similaridade com a forma com que Domingues (2004: 101-102)Domingues, José Maurício. (2004) [2002]. Reflexividade, individualismo e modernidade. In: Ensaios de sociologia. Belo Horizonte: UFMG, p. 85-110. pensa a reflexividade. Não sendo leitores um do outro e mantendo diálogos com universos de autores com pequena interseção, penso que essa proximidade tem a ver com projetos semelhantes em testar os limites do pensamento sociológico a partir da década de 1990. Um esforço mais sistemático de aproximação entre os dois autores está em Mello (2017)Mello, Fabrício Cardoso de. (2017). Assimetria e contestação: uma sociologia pragmatista das subjetividades coletivas. Tese de Doutorado. PPGS/IESP/Universidade do Estado do Rio de Janeiro..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2018
  • Revisado
    21 Out 2018
  • Aceito
    16 Nov 2018
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