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Floresta de símbolos: bicho e poesia para crianças e adultos inteligentes

Forest of symbols: animal and poetry for intelligent children and adults

Resumo

Este trabalho serve-se de produções estéticas nos quadros da literatura infantojuvenil brasileira e a representação do animal no livro. O referencial é a criação poética de Manuel Bandeira para uma comparação entre as obras A arca de Noé, de Vinícius de Moraes, e Rimas da floresta, de José Santos. O eixo central para a comparação é a imagem do bicho e o modo de representá-lo na poesia contemporânea. Estes livros têm características, expressas em diversas correntes e múltiplas imagens, que os aproximam: a brincadeira, o humor, imaginação e realismo, aspectos ecoliterários, cultura popular e linguagem coloquial.

Palavras-chave:
literatura infantojuvenil; animais; poesia

Abstract

This work utilizes aesthetic productions on the framework of Brazilian children’s and youth literature and animal representation in the book. The framework is the poetic creation of Manuel Bandeira for a comparison between the works Arca de Noé, by Vinícius de Moraes, and Rimas da floresta, by José Santos. The main point for comparison is the image of the animal and the way of representing it within contemporary poetry. However, expressing different trends and multiple images, these books contain features in common that resemble them, such as fun and diversion, humor, imagination, realism, eco literature aspects, popular culture and colloquial language.

Key words:
children’s and youth literature; animal; poetry

Amar os animais é aprendizado de humanidade.

Guimarães Rosa

Chega-se à poesia por muitos caminhos. Na infância, ela é uma experiência direta e cotidiana: cantigas de ninar, de roda e canções populares. O alumbramento pode ser uma experiência imediata, a lembrança de um contador de histórias, um trecho de livro didático que habita o íntimo em formação. Segundo Nunes e Brito, entre a “Poesia e a Infância há vínculos manifestos” (Nunes e Brito, 1960NUNES, Cassiano e BRITO, Mário da Silva (1960). Poesia brasileira para a infância. São Paulo: Edição Saraiva., p. 6) que propiciam o estímulo da inteligência e a afinação da sensibilidade. Não está em discussão o tema controvertido sobre a existência ou não de uma literatura para crianças. José Paulo Paes traduz uma postura: “poesia para crianças e adultos inteligentes”. Daí, mais uma vez, a infância redescoberta: “é preciso reconhecer a poesia infantil como gênero literário integrado ao gênero lírico como um todo (...) criando para a criança um espaço de reconhecimento e de revelação do prazer, da fantasia e da realidade à sua volta” (Turchi, 1995TURCHI, Maria Zaíra (1995). “Marietta e a arte de contar histórias”. In: MELLO, Ana Maria Lisboa; SILVA, Vera Maria Tietzmann; TURCHI, Maria Zaíra. Literatura infanto-juvenil: prosa e poesia. Goiânia: UFG ., p. 167).

O lírico, enquanto imagem e ritmo, supre o contato direto com o mundo e contém, ao mesmo tempo, presença e ausência. Quando uma imagem ganha ritmo ela é capaz de perseguir, surpreender e abarcar relações inerentes ao objeto que muitas vezes está oculto. Uma experiência poética é capaz de colocar sua própria essência em crise, representar uma realidade e fazer parte dela:

De todas as experiências humanas, a mais fiel e fecunda é a experiência estética: quando todas as demais se enfraquecem e se extinguem, deixando-nos sempre mais separados e desprovidos, ela inesgotavelmente se enriquece e se aviva. O que é a existência humana senão momentos fugazes, gestos esquecidos, palavras devoradas pelo tempo, coisas mal possuídas, horas acumuladas, imagens esmaecidas, nada mais. No entanto, devotar à arte as forças da sensibilidade e da consciência é a certeza de não envelhecer nunca, nem perder, nem esquecer. Na arte não há a separação, mas a posse cada vez mais plena. Não há o limite, mas o recomeçar permanente. (Turchi, 1995TURCHI, Maria Zaíra (1995). “Marietta e a arte de contar histórias”. In: MELLO, Ana Maria Lisboa; SILVA, Vera Maria Tietzmann; TURCHI, Maria Zaíra. Literatura infanto-juvenil: prosa e poesia. Goiânia: UFG ., p.27)

Nessa mesma linha de raciocínio, um importante intérprete do início do século XX foi Walter Benjamim. Sua visão continua atual: “esse tipo de coleção - a de livros infantis - só pode ser apreciado por quem se manteve fiel à alegria que experimentou quando criança, ao ler esses livros” (Benjamin, 1987BENJAMIN, Walter (1987). Obras Escolhidas: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Ed. Moderna. v. 1., p. 235). Essa alegria revisitada é uma forma de fidelidade, pois o leitor é coparticipante da beleza que a experiência estética revela:

Vivemos um final de século psicologizado, onde a infância é vista como uma etapa, a criança, um “vir a ser”. Esquecemos que nós adultos também somos um “vir a ser”, que continuamos nos transformando a cada momento e que esta é justamente a riqueza do momento. Esquecemos que o permanente talvez seja apenas as lembranças, ou nem elas, já que a memória vive na casa da imaginação. (Lago, 1992LAGO, Ângela (1992). “Um livro de areia”. In: Cadernos de Letras/Série: Literatura infanto-juvenil. Goiânia: UFG. n. 8., p. 16)

Acrescente-se a esta perspectiva a compreensão de que essas criações são brinquedos de ler, pois “é a brincadeira, e nada mais, que está na origem de todos os hábitos” (Benjamin, 1987BENJAMIN, Walter (1987). Obras Escolhidas: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Ed. Moderna. v. 1., p. 253). Esse pressuposto de que o livro é jogo, oferece uma dinâmica de interpretação que se concentra no prazer. Isto inclui multiplicidade no sentido empregado por Italo Calvino, o de uma literatura que sabe “tecer em conjunto os diversos saberes e os diversos códigos numa visão pluralística e multifacetada do mundo” (Calvino, 1990CALVINO, Italo (1990). Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das letras., p. 127). Isso inclui humor, leveza, imaginação, realismo, aspectos naturais, cultura popular e linguagem coloquial. O ritmo lavrado submete a matriz imagética a uma gama de relações que excitam os poderes de significação do enunciado. Se não alcançamos a plenitude na vida, se a repetição não nos oferece a totalidade do mundo, ela aumenta, ao menos, o desejo dessa totalidade:

Quem sabe o quanto é raro na poesia popular (e não popular) construir um sonho sem refugiar-se na evasão, apreciará estas pontas extremas de uma autoconsciência que não rechaça a invenção de um destino, esta força de realidade que explode inteiramente em fantasia. (id., p. 37)

Neste caso, a representação eleita para esta análise é a do bicho. Reconhecendo nessa modalidade estética e ínfima uma forma de arte, abrese uma alternativa: a presença do animal na literatura infantil brasileira. Mais especificamente três poetas sustentam esse paradigma: Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes e José Santos.

Nesse campo, Olavo Bilac foi quem primeiro escreveu, de forma mais consciente, uma poesia educativa e cívica. Alguns animais já povoam seus escritos: o pássaro, a borboleta, o boi e seres fabulares, tais como o leão e o camundongo, o lobo e o cão, a cigarra e a formiga:

Vede! Enquanto negligentes Estão as cigarras cantando, Vão as formigas prudentes Trabalhando e armazenando. Também quando chega o frio, E todo o fruto consome, A formiga, que no estio Trabalha, não sofre fome… Recorde-vos todo o dia Das lições da Natureza: O trabalho e a economia São as bases da riqueza. (Bilac, 1996BILAC, Olavo (1996). “Poesias infantis”. In: Obra reunida (Org. e Introd. Alexei Bueno). Rio de Janeiro: Nova Aguilar ., p. 307-8)

O poema acima denota bem o tom dessa poética conservadora. Sua coletânea foi encomendada pela editora “Casa Alves & Companhia” visando às “aulas de instrução primária”. Todos os poemas seguem esse padrão moralizante e educativo. De modo geral, até a década de 40 no Brasil, a literatura para crianças tinha esse comprometimento com a moral e a pedagogia: “O sujeito-de-enunciação do lírico era o adulto que se colocava num plano superior ao da criança para ensinar-lhe valores morais” (Turchi, 1995TURCHI, Maria Zaíra (1995). “Marietta e a arte de contar histórias”. In: MELLO, Ana Maria Lisboa; SILVA, Vera Maria Tietzmann; TURCHI, Maria Zaíra. Literatura infanto-juvenil: prosa e poesia. Goiânia: UFG ., p. 155). Na coletânea de Cassiano Nunes e Mário Brito, em 1960NUNES, Cassiano e BRITO, Mário da Silva (1960). Poesia brasileira para a infância. São Paulo: Edição Saraiva., a negação disso é um critério para a seleção (Nunes e Brito, 1960NUNES, Cassiano e BRITO, Mário da Silva (1960). Poesia brasileira para a infância. São Paulo: Edição Saraiva.).

Mas o lúdico, por exemplo, na poesia de Bandeira, é uma quebra de paradigmas. Certamente a sua expressão prenunciava os anseios modernistas, principalmente pelo riso e o despojamento, como em “Os sapos” (1919). O ritmo, as imagens e rimas alternadas ligam-se pela cultura popular reinventada na cantiga do “Sapo Cururu”:

OS SAPOS Enfunando os papos Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. A luz os deslumbra. Em ronco que aterra, Berra o sapo boi - Meu pai foi à guerra! - Não Foi! - Foi! - Não Foi! (Bandeira, 1993BANDEIRA, Manuel (1993). Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar., p. 158-9)

O jogo bandeiriano, a técnica aguçada e a ironia despretensiosa tendendo para a blague marcarão sua poética. Tratando de transformações na cultura brasileira, ele reinventa a capacidade de flagrar e olhar para a realidade. “Os Sapos”, utilizado como marco de vanguardismo na Semana de 1922, tem linguagem despojada característica da poesia infantil moderna e contemporânea voltadas para os bichos. Recorde-se que o poema de Bandeira foi publicado em 1919, no livro Carnaval, no qual há também uma ode a “Menipo” (id., p. 172-3). Ao longo de sua trajetória é possível mapear os bichinhos como parte da infância a ser redescoberta pela palavra: “Chambre Vide”, “Porquinho da Índia”, “Berimbau”, “Andorinha”.

Vinícius de Moraes e Cecília Meireles, dentre outros, são destaques de uma nova era dessa expressão brasileira. Ambos fizeram as crianças se envolverem com o texto ao mesclarem visadas lírico-lúdicas, narrativas e prosaicas.

Cecília Meireles, em Ou isto ou aquilo (1964), também traz alguns animais como matéria: “O cavalinho Branco, Os carneirinhos, O mosquito escreve, A égua e a água, O passarinho no sapé, A pombinha da mata, O lagarto medroso” (Meireles, 1990MEIRELES, Cecília (1990). Ou isto ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira ., p. 68). Percebem-se o jogo sonoro e visual, a tematização do cotidiano na infância e o reaproveitamento de temas folclóricos. De uma forma emocional constrói-se um mundo real sem que a criança perceba. Simples e divertidas, suas imagens abrem um canal para que o leitor participe do espaço discursivo. Recursos lúdicos, trocadilhos, onomatopeias, aliterações, assonâncias etc. permitem sentir prazer e “vivenciar a semelhança e os contrastes sonoros entre palavras, independente da sua significação” (Mello, et. al., 1995MELLO, Ana Maria Lisboa (1995). “O gênero lírico na literatura infantil”. In: MELLO, Ana Maria Lisboa; SILVA, Vera Maria Tietzmann; TURCHI, Maria Zaíra. Literatura infanto-juvenil: prosa e poesia. Goiânia: UFG ., p. 151). O cotidiano, a relação com a natureza, a condição humana surgem em um contexto específico: a imaginação sobrepõe e ultrapassa a realidade.

Essa reflexão sobre a condição humana também acontece na tumultuada vida dos bichos da Arca de Noé, de Vinícius de Moraes. Os animais compõem e habitam a criança, na condição privilegiada de receptáculo aberto para o devaneio. Ela delicia-se com a festa das palavras e os poemas dão as coordenadas de um mundo complexo e cheio de implicações. Explorando a musicalidade, a rapidez e a exatidão, lições de Bandeira, nenhuma palavra excede, nenhuma palavra falta. O clima do jogo é plenamente alcançado com os animais. A abordagem, desde as fábulas e narrativas orais da Antiguidade, foi uma constante. A força simbólica reside no inconsciente, o elemento mais cotidiano e humano do bicho na natureza, do animal doméstico até à fera para ser vista no zoológico, na televisão, no cinema, na internet, ora ameaçando, ora surpreendendo: “A brincadeira nas construções verbais, o cômico nas situações ilógicas...” (Turchi, 1995TURCHI, Maria Zaíra (1995). “Marietta e a arte de contar histórias”. In: MELLO, Ana Maria Lisboa; SILVA, Vera Maria Tietzmann; TURCHI, Maria Zaíra. Literatura infanto-juvenil: prosa e poesia. Goiânia: UFG ., p. 160), nas falas dos animais, na representação da natureza, sem o compromisso moralizante e pedagógico, têm um colorido especial. Não existe o certo e o errado, mas o dinâmico, o simbólico, o divertido. Na Arca de Noé: “o autor produz literatura de acordo com o impulso criativo e celebrante” (id., p. 166) e a liberdade nos seus anseios e devaneios ganha múltiplos sentidos.

Publicado no ano de 1970, uma década depois vários cantores transformaram os poemas em canção. Dentre eles, destacam-se Elis Regina, Alceu Valença, Tom Jobim, Milton Nascimento e o próprio Vinícius de Moraes. Em forma de canção, tornaram-se cantigas populares e hoje são conhecidos em vários países. De modo geral, cada poema tem uma condição única, mas todos estão ligados pela narrativa mítica judaico-cristã na Bíblia - o assunto aparece em Gênesis, Matheus, Hebreus e Pedro.

Tem-se, no início, a presença de Noé. Aos poucos, isso ganha liberdade. Há sempre a caracterização dos animais que estariam na arca e um lirismo captado de uma brasilidade rural, por vezes cercada de urbanidade. Os bichos, por sua vez, são poetizados a partir de suas características físicas e por comparações com características humanas. Ao receberem essa espécie de humanização, eles têm algo de circense e lúdico. A musicalidade, o ritmo, a composição de imagens enformam o conjunto estético. Quanto às ilustrações, há uma tradição de publicá-las em preto e branco. Inicialmente uma necessidade editorial da época, posteriormente, uma opção provável para que a ilustração não concorra com o texto.

Na abertura, o tom geral: um Noé boêmio carrega um cacho de uva na mão e sonha com suas vinhas. Os bichos saem em pares e tudo vira motivo para a criatividade. O estilo ágil e brincante mescla-se com a ideia de que vida é luta pela sobrevivência. As forças movimentadas no reino animal são as mesmas a serem enfrentadas em sociedade. Enfim, na terra repovoada pelos animais, ainda no diálogo com a temática religiosa, há um longo poema denominado “Natal”. Divertido, de uma diversão cínica e abrasileirada, assemelha-se ao clássico de Manuel Bandeira citado anteriormente:

De repente o sol raiou E o galo cocoricou: - Cristo Nasceu! O Boi, no campo perdido Soltou um longo mugido; - Aonde? Aonde? Com seu balido tremido Ligeiro diz o cordeiro: - Em Belém! Em Belém! Eis senão quando, num zurro Se ouve a risada do burro: Foi sim que eu estava lá! E o papagaio que é gira Pôs-se a falar: ― É mentira! Os bichos de pena, em bando Reclamam protestando. O pombal todo arrulhava: - Cruz credo! Cruz credo! Brava a arara a gritar começa: - Mentira? Arara. Ora essa! - Cristo nasceu! Canta o galo. - Aonde? Pergunta o boi. - Num estábulo! - o cavalo Contente rincha onde foi. Vale o cordeiro também: - Em Belém! Mé! Em Belém! E os bichos todos pegaram O papagaio caturra E de raiva lhe aplicaram Uma grandíssima surra. (Moraes, 1991______ (1991). A arca de Noé: poemas infantis. Ilustrações de Laurabeatriz. São Paulo: Cia das Letras., p. 21-3)

Na mesma tônica de animais falantes, perceptível em “Os Sapos”, anunciam o nascimento de Jesus Cristo. Os “bichos de presépio”, simbólicos e antropomórficos, empenham-se em se fazerem testemunhas do ocorrido. Mas o Papagaio, tipicamente nacional, insiste em contrariar e subverter o mito bíblico. Coloca-se como personagem da história, desmente a narrativa e leva uma surra por ser gira, irreverente e tagarela. Na linha bandeiriana, um coro de bichos-personagens tem voz, mas a destronização de um axioma (parnasianismo, cristianismo), elementos narrativos e dramáticos e o riso cínico definem esse papagaio.

De modo geral, é possível caracterizar cada bicho-poema. “O pinguim”, por exemplo, com sua forma peculiar de andar e a plumagem preta e branca é aproveitado para fazer rir. Sempre com pressa em seu desengonçado movimento pendular lembra um joão-bobo de paletó. Em “O Elefantinho” ocorre um tom fabular. O diminutivo, desde o título, provoca a inversão: um animal imenso foge com medo de um passarinho. Um dos poemas mais lúdicos é “O Pato”. A mesma irreverência do papagaio é retomada na imagem de um pato pateta. Não por acaso está entre os mais conhecidos de A arca de Noé e virou canção popular:

Lá vem o Pato Pata aqui, pata acolá Lá vem o Pato Para ver o que é que há. O Pato pateta Pintou o caneco Surrou a galinha Bateu no marreco Pulou do poleiro No pé do cavalo Levou um coice Criou um galo (...) Tantas fez o moço Que foi pra panela (id., p. 44)

O poema mostra as inquietações de um bicho, de um lado ao outro, sempre criando confusão. A impressão é que o pato pateta participa de uma grande aventura no seu mundo-galinheiro. O jeito desengonçado, as situações inesperadas e conflituosas com inúmeros animais o conduzem ao final tragicômico na panela. Outra ave meio amalucada é “O peru”. Com contornos carnavalizados, há uma dimensão irônica que discute o dito popular do ato de se pavonear, ou seja, de fingir ser o que não é. Meio doido, meio engraçado, imagina ser um outro, narcisista e belo: “O peru foi a passeio/ Pensando que era pavão/ Tico-tico riu-se tanto/ Que morreu de congestão” (id., p. 53).

Note como os poemas estabelecem relações humanizadas entre os bichos. A brincadeira acontece o tempo todo e cada motivo ganha contornos divertidos. Desta forma, Vinícius não só recompõe e amplia o mito bíblico, mas utiliza-se de elementos naturais, humanos e brasileiramente poéticos para manter sua força poética. Nelly Coelho (1995COELHO, Nelly Novaes (1995). Dicionário crítico da Literatura infantil e juvenil brasileira. São Paulo: Edusp., p. 42), mostrando que a Literatura é Arte, diz que “a poesia provoca emoções, dá prazer ou diverte e, acima de tudo, modifica a consciência do mundo de seu leitor”. Assim se define A arca de Noé.

Da Arca para as Rimas da Floresta, de José Santos e Laurabeatriz1 1 O livro não contém números de páginas, razão pela qual as referências a ele serão feitas pelos títulos dos poemas. . Publicado em 2007SANTOS, José e LAURABEATRIZ (2007). Rimas da floresta. Poesia para os animais ameaçados pelo homem. São Paulo: Peirópolis ., desde o subtítulo “Poesia para os animais ameaçados pelo homem” explica-se a seleção temática. Onze divertidos textos fazem parte da coleção “bicho-poema”, da editora Peirópolis. Profundamente contemporânea, a política editorial está voltada para a preservação do meio ambiente. O papel é certificado pelo FSC (Conselho Brasileiro de Manejo Florestal), livre de carbono. Além disso, metade dos direitos autorais foi doada à RENCTAS (Rede Nacional de Combate ao tráfico de Animais Silvestres). Esses detalhes exemplificam a visão de um mundo que se volta para o ecologicamente correto. Uma “bichografia” no final apresenta informações sobre os animais: habitat, características, ocorrência geográfica etc. Esta ação didática-objetiva reforça o ímpeto de ecologistas e pedagogos, atende um mercado crescente, mas a diversão, por sua vez, amplia-se nesse diálogo com as informações que vêm depois da brincadeira-leitura. Ressalte-se, porém, que a poeticidade, o lúdico e o estético alcançam uma “alegre descoberta empírica do mundo”. José Santos alia a preservação da palavra com a importância da preservação do mundo. Sua obra supera uma mensagem bio-ético-pedagógica e produz um discurso capaz de infundir grandeza nos temas humanos. Certamente Rimas da Floresta está entre as produções literárias recentes dignas de apreço por parte de crianças e adultos inteligentes, não sendo apenas mais um livro “apelativo e reacionário” absorvido pelo mercado (Dalcastagnè, 2005DALCASTAGNÈ, Regina (2005). “As virtudes do mercado”. In:. Entre fronteiras e cercado de armadilhas: problemas da representação na narrativa brasileira contemporânea. Brasília: EdUnB/Finatec., p. 129-135).

Em uma rápida incursão na contemporaneidade, é latente a exploração do tema nos últimos anos, sendo possível falar de uma ecoliteratura, definida a partir das relações entre representação artística e meio ambiente. Nos últimos dez anos, já catalogamos mais de trezentos livros de poesia, teatro e prosa voltados para os animais. Eis alguns bons exemplos: Novos Brasileirinhos, Boniteza Silvestre, A casa da onça e do bode, A flauta do tatu, O bicho folharal, A vida no abissal, Abecedário dos bichos que existem e não existem, Zoo, Conversa de Passarinhos, A volta ao mundo em 80 bichos.

Voltando para as Rimas da floresta, o poema de abertura, “Ararajuba”, movimenta ritmos, imagens e palavras, convidando para adentrar em uma floresta de símbolos:

ARARAJUBA Descobri nova palavra! Uma palavra bem rara, Colhida no meio do mato Como se fosse um cogumelo. Quando eu quero Pintar o céu De verde e amarelo, É hora de conjugar O verbo ararajubar! Vamos lá minha turma: Eu ararajubo, Tu ararajubas, E ele ararajuba. Vamos lá meu bem: Nós ararajubamos Vós ararajubais E eles ararajubam também. (Santos e LauraBeatriz, 2007SANTOS, José e LAURABEATRIZ (2007). Rimas da floresta. Poesia para os animais ameaçados pelo homem. São Paulo: Peirópolis .)

Bicho e palavra são raros e, desse motivo, a voz poética inventa um novo verbo, ou seja, inventa novas formas de utilizar um nome. Com essa profusão semântica e verbal, a cada verso as ararajubas multiplicam-se como as vozes conjugadas conjugando, ampliando os campos do imaginário: ecológicos, linguísticos e lúdicos. Um bando de meninos e um bando de araras anunciam uma poética: bicho e palavra preservados pela poesia. Essa exploração ecoliterária é executada, por exemplo, em “O mosquito escreve”, de Cecília Meireles (1990MEIRELES, Cecília (1990). Ou isto ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira .), e “As abelhas”, de Vinícius de Moraes (1991______ (1991). A arca de Noé: poemas infantis. Ilustrações de Laurabeatriz. São Paulo: Cia das Letras.). Assim, o verde-amarelo (de Bilac) ganha tons simbólicos, um verbo de brincar (e não de decorar) é conjugado e o espírito de grupo é alcançado pelo convite. As ilustrações realistas de LauraBeatriz, com as Araras (o volume tem 30X16) colocadas à esquerda e abaixo do texto, criam um enquadramento que projeta o olhar em direção aos versos. Neste caso, as ilustrações compactuam com aquilo que Benjamim considera ideal: “A imagem colorida faz a fantasia infantil mergulhar, sonhadoramente, em si mesma. (...) ela descreve com palavras essas imagens, ela escreve nelas. Ela penetra nas imagens. (...) A criança redige dentro da imagem” (Benjamin, 1987BENJAMIN, Walter (1987). Obras Escolhidas: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Ed. Moderna. v. 1., p. 242).

O poema seguinte “Rimando com o Cachorro Vinagre”, uma releitura de “Cachorro-do-mato-vinagre” (de Lalau), retoma a metalinguagem. Porém, o nome “azeda” a fruição dos versos e desafia o “autor” a não ser um “cabeça-de-bagre”. Em “Cuidado com o Peixe-Boi”, além das características humanizadas, tal qual Vinícius de Moraes fazia, José Santos amplia essa poeticidade. O personagem, lento e desengonçado, enseja um paradoxo vital: tem caracteres terrestres, a denominação aquática, mas não é nem peixe, nem boi. O efeito tragicômico surge da presença de uma maritaca (da família do papagaio, já analisado em A arca de Noé). O termo, utilizado na cultura popular para designar pessoa que fala demais, é explorado na imagem da ave que, ao zombar do mamífero, gera uma tensão dramática, afinal, se o peixe é boi, sua esposa é “vaca” e os filhos, “bezerros”.

No poema “O contador de histórias” novamente o animal tem “voz”. O recurso retoma a ideia de preservação, mas amplia as possibilidades discursivas e o contato com o imaginário infantil, pois existe uma tradição de bichos-falantes advinda de narrativas orais e fabulares: “Pousado num pé de coco/ Vou contando, vou contando, Um pedacinho da história/ De nós, os tucanos-toco./ Quem quer ouvir um pouco?”. Como se estivesse em uma roda, lembra o interior do Brasil com suas pausas noturnas para histórias, momentos prazerosos em sala de aula e biblioteca, as visitas ao Sítio do Picapau Amarelo.

Os outros poemas-bicho são o “Agente secreto”, com o mico-leão-dacara-dourada e sua ânsia de liberdade. O “Papagaio-verdadeiro” dentro do ovo, aflito para sair e saber o que as pessoas vão achar dele. “O casamento dos tatus”: um convite à música. “A Hárpia” trata de um animal quase extinto; em tom de denúncia, mostra que embora seja uma ave de rapina, não prejudica o ecossistema. “Onde está a Periquitamboia?” também utiliza o estranhamento linguístico: mistura de periquita com jiboia. O esconde-esconde, anunciado no título, também é explorado pela ilustração, em cores vivas, tão reais quanto as da cobra. Mas é ela quem se esconde do homem. A cobra, de um verde-amarelo bilaquiano, mimetizase, para se proteger. O mimetismo, recorde-se, é explorado em A chave do tamanho por Emília e sua turma. Quando estão pequenos, como insetos, utilizam a artimanha natural dos animais.

Essa exploração da palavra e da cor, cuja referência no Brasil é Ziraldo, também acontece em “O quintal do Seu Batista”. A partir do universo da criança-leitora que vive na cidade, há uma brincadeira com o nome do bicho e o fato de ela ter o epíteto “pintada”: “Parece uma mata fechada./ Um dia passei por lá,/ Fazendo uma caminhada./ (...) Mas que surpresa danada!/ Mas que susto sem igual!/ Só que a onça era pintada,/ E secava no quintal” (Santos e LauraBeatriz, 2007SANTOS, José e LAURABEATRIZ (2007). Rimas da floresta. Poesia para os animais ameaçados pelo homem. São Paulo: Peirópolis .). “Seu Batista” é uma projeção de J. Santos e LauraBeatriz - criadores de animais-imagens para que eles (r)existam. Nesse poema uma criança narra e descreve os acontecimentos. Criativa, sua imaginação aguçada permite que o simples fato de atravessar um quintal se metamorfoseie numa aventura pela floresta da onça pintada.

Para finalizar, um poema que segue a mesma linhagem de “Os Sapos” e “Natal”:

A JIBOIA Era uma jiboia Lambisgoia, Preguiçosa E cheia de lero lero. Vigiava Os sapos do brejo E falava: Esse eu quero, esse eu não quero! ― Não é que aquela perereca Daria uma boa moqueca? ― Se eu pegasse essa jia, Cozinhava uma iguaria.. ― Ou comeria rã Com macarrão. E um belo bifão Faria deste sapo-boi... Mas o sapo-boi, Que bobo Não tem nada, Deu um pulo Bem alto E se foi, Encerrando esse papo. É como diz o ditado: Cobra parada não engole sapo! (id., ibid.)

Antes, o susto: a ilustração da jiboia é imensa e a localização de sua cabeça (abaixo, à esquerda) faz com que o leitor “fique com a mão em cima dela”, ao passar a página.

O animal peçonhento quer comer os sapos, e a luta pela sobrevivência tem dimensão realista. A caçadora estuda as maneiras de capturar suas presas e, aos moldes dos dois poemas intitulados “Belo Belo”, por Manuel Bandeira (op. cit., p. 260 e 281), há um personagem que hesita. Além disso, os “lero lero” e os “quero quero” reforçam esse caráter da personagem e marcam o ritmo do texto. No poema, a saparia é variada: sapo-boi, sapotanoeiro, sapo-pipa e o sapo cururu.

No poema de José Santos, temos: a perereca, a rã, a jia e, na cena principal, o sapo-boi e a jiboia. Essa variedade, por sua vez, leva a jiboia a hesitar e a ficar escolhendo o bicho a ser devorado. O tom fabular ganha visada cômica no espaço do brejo, na dimensão mágica da criança, a realidade integra o contexto: a moqueca, o macarrão, o bifão são alimentos apetitosos e convidativos. Mas a cobra escolhe tanto que acaba perdendo: “cobra parada não engole sapo!” Outra inversão: a expressão engolir sapo é negativa em nossa cultura, mas aqui seria o ideal para a jiboia.

Com isto, o diálogo com a tradição das fábulas (sem a moral) e a percepção de uma infância revisitada em Manuel Bandeira compõem essa poética de uma floresta de símbolos. Isto reafirma que não há didatismo na concepção poética de Santos. Tudo ocorre com leveza: o lúdico e o poético, a pintura realista e vivaz; a composição das palavras e das imagens dos bichos convida a sentir o universo natural e fazer dele como algo arraigado à condição humana. Afinal, brincadeira e discurso estão na origem de todos os hábitos.

Se a representação de animais é longeva na história da humanidade; na poesia brasileira, ela ganha certas peculiaridades. Manuel Bandeira, de modo geral, A arca de Noé, de Vinícius de Moraes (1986MORAES, Vinicius de (1986). Poemas infantis de Vinicius de Moraes. A arca de Noé. 16. ed. Rio de Janeiro: José Olimpio.), e Rimas da Floresta, de José Santos (2007SANTOS, José e LAURABEATRIZ (2007). Rimas da floresta. Poesia para os animais ameaçados pelo homem. São Paulo: Peirópolis .) empenham-se na consolidação de uma tradição. A vontade de redescobrir a infância, a aproximação do ecoliterário e o desejo de manter-se nesse universo menor, de palavra e imagem, se assemelham. Historicamente, algumas transformações nas intenções do olhar do escritor variam. Porém, nessa variante, a imagem do bicho sempre permitiu e permite jogo, riso, alegria de ser criança e alegria de aproximar o que é natural do que é humano.

Em suas limitações, esse é um exercício de recepção e de crítica literária voltada para as ideias de nossa época. Essa floresta de símbolos na literatura infantojuvenil mostra que a representação poética bichográfica certamente será matéria de poesia neste novo milênio. Assim, pode-se afirmar que Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes e José Santos, por meio da palavra e da imagem do bicho, propõem que um bem precioso para a humanidade seja preservado: a infância.

Referências bibliográficas

  • BANDEIRA, Manuel (1993). Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar.
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  • 1
    O livro não contém números de páginas, razão pela qual as referências a ele serão feitas pelos títulos dos poemas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2010

Histórico

  • Recebido
    Fev 2010
  • Aceito
    Abr 2010
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