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O neo-cinismo* Publicado na Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 20 de Maio de 1893, p. 01.

The neo-cynicism

Resumo:

Primeiro artigo publicado sobre Nietzsche na imprensa brasileira, no ano de 1893, no diário carioca Gazeta de Notícias. Nele, o autor julga Nietzsche um pensador aristocrático, cínico, autor de teorias perniciosas e em nada autêntico em suas ideias, mas apenas um reprodutor dos gregos e modernos.

Palavras-chave:
Nietzsche; sobrehomem; cínico

Abstract:

First article on Nietzsche published in the Brazilian press, in the year 1893, on the Rio, on daily Gazeta de Notícias. In it, the author considers Nietzsche an aristocratic thinker, cynical, author of pernicious theories and nothing authentic in their ideas, but only one player of the Greeks and modern.

Keywords:
Nietzsche; overman; cynical

Bem curiosas as tendências filosóficas de algumas escolas alemãs que estão surgindo, e agora se acentuando. Há pouco tempo, apareceram preconizadores do imoralismo, eloquentemente pregado por Marx Stiner, escritor falecido, uns cinquenta anos atrás, na miséria e na obscuridade, apesar do grande talento com que expos e desenvolveu as suas ideias. Atualmente, fala-se com insistência sobre Frederico Nietzsche, o chefe do neocinismo, ou dos cínicos aristocráticos.

Nascido em 1844, esteve já doído varrido, tendo sido a sua loucura devida ao abuso dos narcóticos e dizem também da música, e à exageração do trabalho mental.

Divide ele a humanidade em duas raças, separadas por um abismo, os nobres e a plebe; e por nobres entende os homens de valor e iniciativa, os individualistas, os ambiciosos, ávidos de mando e de poder, os que buscam impor-se a todo o transe e qualquer que sejam os meios.

Encerra a gente acarneirada, os animais de carga, as bestas de montaria, escravos dos preconceitos, dos hábitos transmitidos, das tradições, mentiras, superstições e ideias convencionais herdadas de pais a filhos, todos irremissivelmente votados ao ódio e ao desprezo dos que lhe são superiores.

Tudo quanto o mundo se há feito de grande e belo, é devido aos homens de exceção, aos nobres; tudo que existe baixo, servil, incompleto e feio, provêm das democracias, quando o número abafa a preeminência e os lobos governam os leões.

Segundo Nietzsche, não existe uma moral geral humana, porém sim duas, cada qual para a raça a que é destinada. A obrigação única do nobre, constituído assim pela natureza, é desenvolver os seus instintos, de que é coroamento o egoísmo, isto é, a fé inabalável de que ele nasceu para que os mais se sacrificassem ao seu bem-estar e à expansão das suas qualidades excepcionais.

Tal ente não tem, não deve ter religião, nem pátria, nem família, nem vantagem alguma. Deus, nesse caso, é a encarnação do mal com a sua pretendida justiça e a apregoada necessidade de vendeta a bem do equilíbrio moral. Jesus não passa de um judeu da decadência, pregado na árvore venenosa da cruz.

Quando muito, não é o cristianismo senão poderoso meio de dominação nas mãos de padres hábeis, sobretudo jesuítas. Também, por isto, a mais bela auspiciosa carreira aberta às aspirações de mando da alma é, sem ostentação, a do papado.

Concentra-se o ideal de Nietzsche em Cesar, gênio organizador por excelência. Napoleão dá exemplo edificante do quanto as massas populares adoram quem as subjuga e calque aos pés.

Principal cuidado do homem superior - prevenir-se contra a mulher, a eterna Dalila. "É preferível, diz Nietzsche, cair nas garras de um assassino, do que ser motivo dos sonhos de formosa mulher". Que é o casamento? Simples degenerescência do concubinato. Só se deve exigir das mulheres volúpia e filhos bonitos, à maneira dos orientais.

Nada mais antipático do que a aspiração de algumas em se tornarem nobres. Madame de Staël, Madame Roland são simplesmente cômicas; George Sand se lhe afigura uma vaca cujas tetas são cheias de tinta, insuportável sempre nas suas pretensões à popularidade miserável e baixa, e a exprimir sentimentos generosos.

Os seus ideias - Maquiavel, La Rochefoucauld, padre Galiani, Stendhal, Dostoiévski. Os filósofos só têm servido para o atraso da humanidade. Spinoza, mero envenenador, Kant um tartufo. Darwin inteligência bem medíocre.

Deve o homem defender-se quanto puder da admiração. Entretanto, no passado há duas coisas que se impõem ao respeito - a Grécia e a Renascença. Neste período, sobreleva tudo Cesar Bórgia, o esplendido animal de rapina, o monstro admiravelmente são.

Vítima de pensamentos baixos, do conforme e do luxo ignóbeis, o homem da civilização moderna. Até a guerra, a grande e nobilitante escola, vai sendo abafada pela indústria e pelo mercantilismo, enervado o século atual com todo esse espalhafato de instrução pública e jornalismo, perturbam de modo insanável toda a hierarquia dos espíritos.

Devido à filantropia e higiene, os fracos, os imbecis, os doentios, mal constituídos, aleijados, vivem, reproduzem-se, e abastardam cada vez mais a triste humanidade. Só o sobrehomem, o tipo dos übermensch, produto de rigorosa seleção, pode salvar-nos de irremediável decadência e nojenta degradação.

Para tal resultado, escreveu Nietzsche a Bíblia dos Titãs, em que se afirmam os princípios destes: "Não poupes a teu vizinho. Foge do homem bom. Sê duro, inflexível, como o diamante. Tudo te é permitido, menos a fraqueza, chame-se ela vício ou virtude".

Graças ao excelente estudo crítico que nos guiou, ficam assim expostas, em seus delineamentos gerais, as teorias de Nietzsche, sem dúvida auspiciosas, mas em suma deletérias, perniciosas e ainda mais, bastante faltas de verdadeira originalidade.

Reproduzem, com efeito, não poucas ideias primordiais de filósofos da antiga Grécia e de escritores modernos, que não tiveram, contudo, a pretensão de fundar escolas, dando quando muito expansão ao gênio caprichoso e sombrio.

Fácil é, aliás, a plena refutação e vitoriosa contradita de todas aquelas asseverações deprimentes e perturbadoras da ordem moral, tão inflexível em suas leis e regras como as admiráveis normas que regem o mundo físico, a natureza terráquea e o estupendo movimento celeste dos planetas e das estrelas.

  • Publicado na Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 20 de Maio de 1893, p. 01.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015
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