Resumo
A luta dos moradores da Vila Autódromo para reinventar seu território, violentamente afetado pela marcha da reestruturação urbana na cidade do Rio de Janeiro, em tempos de urbanismo olímpico, é tomada como caso emblemático de produção do espaço conflitual. Este artigo evidencia os diversos instrumentos e estratégias que os moradores e apoiadores fizeram uso para resistir ao atual projeto de cidade. A capacidade imaginativa dos sujeitos ao longo dos anos permitiu inscrever o caso na esfera pública em múltiplas escalas: local, nacional e internacional. O trabalho constitui-se das seguintes partes: Vila Autódromo como território disputado; a mídia como instrumento ativo na produção do espaço; as violências institucionais no território; lugares para a comunicação da luta. Nas considerações finais são retomadas algumas ideias-chave relacionadas às gramáticas territoriais da insurgência, que enfatizam as possibilidades de aprendizado e emancipação para todos aqueles que participaram do processo.
Palavras-chave:
espaço conflitual; esfera pública; Vila Autódromo; Rio de Janeiro olímpico
Abstract
The struggle of the residents in Vila Autódromo to reinvent their territory, violently affected by the onslaught of urban restructuring during the times of Olympic urbanism in Rio de Janeiro, is taken as an emblematic case of the production of conflictual space. The present article describes the various instruments and strategies that the residents and their supporters have used in order to resist the current city project. The imaginative capacity of the subjects over recent years has helped to bring the case into the public sphere on several different levels: local, national and international. The present article is made up of the following sections: a brief description of Vila Autódromo as a disputed territory; the media as an active tool in the production of space; institutional violence on the territory; places for communicating the struggle; and insurgent territorial grammars. In the final considerations a number of the key ideas are taken up so as to emphasize the transformative, emancipatory learning possibilities for all those who have participated within the process.
Keywords:
conflictual space; public sphere; Vila Autódromo; Rio Olympics
O presente artigo baseia-se em uma tese: o caso da Vila Autódromo, na cidade do Rio de Janeiro, território visado pelos grandes interesses que movem a atual reestruturação do espaço, pode ser tomado como uma referência de espaço conflitual, posto que seus moradores, enquanto sujeitos da produção do espaço, lançam mão de diversos instrumentos, recursos e estratégias para resistir ao projeto de cidade, reinventar o espaço e reinscrevê-lo na esfera pública.
Avalia-se que grande parte da força política desse caso, tornado emblema da resistência popular à chamada “cidade olímpica” para os Jogos 2016, está na capacidade imaginativa para desfigurar, em diversas dimensões, os códigos do poder e reconfigurar o território na luta.
Para desenvolver a reflexão, o artigo estrutura-se pelas seguintes partes: breve caracterização da Vila Autódromo como território disputado; a mídia como instrumento ativo na produção do espaço; as violências institucionais no território como estratégias de poder; lugares e espaços para a comunicação da luta; as gramáticas territoriais da insurgência mensagens em disputa. Nas considerações finais são retomadas algumas ideias-chave em torno do caso para avaliar a tese inicialmente apresentada.
Vila Autódromo, um território visado
Nós não somos uma ameaça ao meio ambiente, nem à paisagem nem à segurança de ninguém. Nós ameaçamos apenas aqueles que querem violar o nosso direito constitucional à moradia. Nós somos uma ameaça só para aqueles que querem especular com a terra urbana e para os políticos que servem aos seus interesses. Eles têm o plano deles, que quer nos apagar do mapa. Nós temos o nosso plano, que afirma o nosso direito de continuar a existir. Nossa história de luta agora tem continuidade no nosso Plano Popular. (Altair Guimarães, Presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo em depoimento no vídeo Vila Autódromo: um bairro marcado para viver1 1 https://www.youtube.com/watch?v=RMgRZ-60i_I . Acesso em: 21 de setembro de 2016). )
A Vila Autódromo está localizada em uma área de propriedade do Governo do Estado do Rio de Janeiro às margens da Lagoa de Jacarepaguá, na Barra da Tijuca, principal área de expansão da produção imobiliária para média e alta renda no Rio de Janeiro (Mapa 1). No terreno, também público, contíguo ao assentamento foi construído o Parque Olímpico, principal cluster de equipamentos esportivos das Olimpíadas 2016. Em 2009, quando o Rio de Janeiro foi anunciado como sede dos Jogos Olímpicos 2016, a Vila Autódromo era um pequeno assentamento popular com cerca de 1300 moradores. Desde 1993 a população resistia às iniciativas da Prefeitura que, com as justificativas mais variadas2 2 Sobre esse ponto ver Vainer et al. (2013). , pretendia a remoção total do assentamento. A partir de 2009, as ameaças tornaram-se progressivamente mais intensas.
Em 2016, as justificativas para remoção listavam argumentos relacionados à desocupação da faixa marginal da Lagoa de Jacarepaguá e, especialmente, à suposta necessidade de evacuação de centenas de moradias para a construção de dois acessos ao Parque Olímpico. O projeto da Prefeitura previa a remoção de toda a população e sua transferência para um conjunto habitacional localizado a cerca de 2 quilômetros de distância em apartamentos quase sempre muito menores do que as residências ocupadas pelas famílias na comunidade.
Localização da Vila Autódromo indicando a área da comunidade em 2011 e o terreno que posteriormente foi ocupado pelo Parque Olímpico
Os termos do edital da parceria público-privada estabelecida para a construção do Parque Olímpico previam que o consórcio que ganhasse a licitação teria o direito de, após os jogos, utilizar cerca de 70% do terreno para construção de projeto imobiliário que inclui edifícios residenciais e comerciais e hotéis. Alterações na legislação urbanística permitiam novos usos e a intensificação da ocupação, viabilizando o novo negócio (MEDEIROS, 2016MEDEIROS, M. Parque Olímpico 2016: irregularidades no processo de concessão administrativa. In: VAINER, C. et al. (Org.). Os megaeventos e a cidade: perspectivas críticas. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2016. p. 187-214.). O consórcio que ganhou a licitação é formado por duas das maiores empreiteiras de obras públicas do Brasil - Odebrecht e Andrade Gutierrez - e pela empresa Carvalho Hosken S.A., grande proprietária de terrenos na Barra da Tijuca, especialmente nas vizinhanças do Parque Olímpico. É em terreno da Carvalho Hosken S.A. que, em maio de 2016, estava sendo finalizada a construção da Vila dos Atletas, empreendimento residencial lançado com o sugestivo nome de “Ilha Pura”.
As alianças entre Poder Executivo e grandes proprietários fundiários na promoção imobiliária na Barra da Tijuca remontam à década de 1960 e envolveram a realização de vultosos investimentos públicos em transporte que melhoraram significativamente o acesso e a ocupação da região. A partir do início dos anos 1990, uma nova leva de investimentos em estruturas de mobilidade (como a rodovia Linha Amarela e, mais recentemente, a implantação de corredores operados no Sistema Bus Rapid Transit - BRT e do Metrô) resultou na ocupação gradual da área imediatamente ao norte da Lagoa de Jacarepaguá, sendo boa parte dela de propriedade da Carvalho Hosken S.A. (CARDOSO, 1988CARDOSO, A. L. Construindo a Utopia: Modernidade e Urbanismo no Brasil. 1988. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1988.; COSENTINO, 2015COSENTINO, R. Barra da Tijuca e o projeto olímpico: A cidade do capital. 2015. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.). Virtualmente vazia em 1995, em vinte anos a área tornava-se uma nova centralidade complementar à concentração de shopping centers construídos entre as décadas de 70 e 90 na Barra da Tijuca.
Por outro lado, como mostra a pesquisa do Instituto Mais Democracia, organização não governamental sediada no Rio de Janeiro, a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, isoladas ou em parceria, estão envolvidas na construção ou operação da maioria dos projetos relacionados à Copa do Mundo 2014 ou às Olimpíadas 2016 (INSTITUTO MAIS DEMOCRACIA, 2013INSTITUTO MAIS DEMOCRACIA (IMD). Quem são os proprietários do Brasil? Disponível em: http://proprietariosdobrasil.org . Acesso em: 1 mar. 2016.
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). De acordo com o Instituto, a Odebrecht, por exemplo, chegou a participar da construção ou do controle e operação do Metrô, da rede de trens urbanos metropolitanos (Supervia), do BRT Transolímpica, do Veículo Leve sobre Trilhos na área central (VLT Rio), do arco metropolitano, do teleférico em uma das maiores favelas da cidade (Complexo do Alemão), da operação urbana Porto Maravilha, na área portuária carioca, assim como do parceria público-privada do Complexo esportivo do Maracanã e da reforma do estádio de futebol João Havelange (Engenhão). Mais recentemente, em agosto de 2015, consórcio formado pelas empresas Odebrecht Infraestrutura e Queiroz Galvão Construções foi autorizado pelo governo municipal a desenvolver estudos para a realização de operação urbana em uma área de 52 km² em bairros da região administrativa da Barra da Tijuca3
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A área abrange os bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim e partes de Recreio, Jacarepaguá e Barra da Tijuca, áreas de expansão imobiliária para as classes média e alta no Rio de Janeiro.
.
Enfim, são esses os parceiros da Prefeitura na construção do Parque Olímpico, obra que supostamente exige a erradicação da Vila Autódromo: o grande proprietário das áreas ainda vazias do entorno e empreiteiras cujas obras e interesses abrangem todo o território municipal e parte importante da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Ora, não é apenas o Parque Olímpico e seu financiamento que está em jogo quando são feitas decisões envolvendo cálculos financeiros, impactos e remoções de moradores locais. O Rio de Janeiro como um todo é uma imensa Parceria Público-Privada envolvendo poderosas empresas. No caso da Barra da Tijuca, envolve velhos incorporadores imobiliários locais, que, aproveitando-se do advento das Olimpíadas, veem a oportunidade de concluir um projeto de incorporação imobiliária da região que vem sendo desenvolvido há mais de 40 anos, de forma descontínua mas persistente, drenando recursos públicos de forma sistemática e valorizando de forma progressiva os preços dos imóveis da região, sem praticamente nenhuma contrapartida privada (RIBEIRO et al., 1987; COSENTINO, 2015COSENTINO, R. Barra da Tijuca e o projeto olímpico: A cidade do capital. 2015. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.).
O que pode a Prefeitura negar a tão poderosos e onipresentes parceiros? O que a eles procuram negar os moradores da Vila Autódromo?
As estratégias de resistência da Vila Autódromo acionam recursos variados, que agregam desde a mobilização interna até a cooperação de aliados e apoiadores que abrangem movimentos e articulações sociais4
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Merece destaque a atuação do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, que desde o início das pressões para remoção acompanha e apoia a resistência dos moradores da Vila Autódromo. O Comitê é formado por um conjunto de “movimentos sociais, ONGs, instituições acadêmicas, lideranças populares e os atingidos/as pelas ações arbitrárias da prefeitura” (COMITÊ POPULAR DA COPA E OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO, 2015).
, mídias alternativas, representantes de mandatos legislativos municipais, assessorias técnicas, ativistas individuais e mesmo órgãos públicos, como é o caso da Defensoria Pública Estadual, que faz a defesa jurídica da comunidade desde os anos 1990 (VAINER et al, 2013VAINER, C. et al. O Plano Popular da Vila Autódromo: uma experiência de planejamento conflitual. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 15., 2013, Recife. Anais do XV ENAnpur. Recife: ANPUR, 2013. Disponível em: http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/anais/article/view/4316/4186 . Acesso em: 15 ago. 2016.
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; OLIVEIRA; BIENENSTEIN; TANAKA 2016OLIVEIRA, F. L.; BIENENSTEIN, R.; TANAKA, G. A batalha da Vila Autódromo: “negociação” e resistência à remoção. In: VAINER, C. et al. (Org.). Os megaeventos e a cidade: perspectivas críticas. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2016. p. 483-512.).
Entre as estratégias desenvolvidas pelos moradores se destaca a elaboração do Plano Popular da Vila Autódromo, com assessoria de duas universidades federais, que buscava demostrar a compatibilidade entre a permanência da comunidade e a implantação de equipamentos para os Jogos Olímpicos. Como as justificativas oficiais se apoiavam em argumentos supostamente “técnicos”, especialmente aqueles relacionados à proteção ambiental ou à impossibilidade de um projeto de urbanização, a universidade - uma autoridade com reconhecimento social no campo científico e “técnico” - era vista pelos moradores como um apoio necessário para atestar a possibilidade e a viabilidade das condições de permanência de toda a comunidade.
O Plano Popular da Vila Autódromo (Mapa 2) rejeita a remoção involuntária de qualquer morador e sua elaboração envolveu a realização de pesquisas de campo, aplicação de questionários, análise de documentos, fotos aéreas e bases cartográficas e um processo de discussão que culminou na produção de propostas nas áreas de habitação, saneamento, infraestrutura, meio ambiente, serviços públicos e desenvolvimento cultural e comunitário, assim como na definição estratégias de organização popular e comunicação (ASSOCIAÇÃO DE MORADORES E PESCADORES DA VILA AUTÓDROMO, 2012ASSOCIAÇÃO DE MORADORES E PESCADORES DA VILA AUTÓDROMO (AMPVA). Plano Popular da Vila Autódromo: Plano de desenvolvimento urbano, econômico, social e cultural. Rio de Janeiro: AMPVA, 2012.).
Comparação entre a proposta da Prefeitura para a urbanização da Vila Autódromo e o Plano Popular elaborado pelos moradores com assessoria técnica da UFRJ e UFF, demonstrando como as remoções poderiam ser evitadas apesar das obras do Parque Olímpico
No Plano Popular da Vila Autódromo, são o contexto e a natureza do conflito que orientam o processo de planejamento, o conteúdo das propostas e mesmo o desenho dos projetos arquitetônicos (VAINER et al., 2013VAINER, C. et al. O Plano Popular da Vila Autódromo: uma experiência de planejamento conflitual. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 15., 2013, Recife. Anais do XV ENAnpur. Recife: ANPUR, 2013. Disponível em: http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/anais/article/view/4316/4186 . Acesso em: 15 ago. 2016.
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). Por isso, o processo pode ser lido como um processo de “planejamento conflitual”, em contraste não apenas com os processos de planejamento participativo produzidos nos espaços “convidados” dos órgãos públicos (MIRAFTAB, 2009MIRAFTAB, F. Insurgent planning: situating radical planning in the global South. Planning Theory, v. 8, n. 1, p. 32-50, fev. 2009. Disponível em: http://abahlali.org/files/Insurgent_Planning.pdf . Acesso em: 15 ago. 2016.
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), mas também com determinados processos autônomos, qualificados como “insurgentes” ou “radicais” que se apoiam em documentos completos, estratégias ou orientações especificas que permanecem pouco alterados ao longo do processo. O primeiro documento com os princípios e propostas principais do Plano Popular foi concluído apenas dois meses após o início do processo de planejamento e o embate permanente com a Prefeitura exigiu ajustes na temporalidade incerta, nas etapas imprecisas e imprevistas do processo de luta e resistência dos moradores.
No caso da Vila Autódromo, a dinâmica do conflito levou os sujeitos insurgentes a definirem novos espaços políticos em diversos lugares e em múltiplas escalas. Atos públicos foram realizados em espaços urbanos de grande visibilidade, como a área central da cidade do Rio de Janeiro, e celebrações religiosas e rituais da vida social do bairro passaram a ser deliberadamente inscritos em novos espaços, como o da Praia de Copacabana, atravessando escalas na busca de reconhecimento. Por sua vez, lideranças locais buscaram, diversas vezes, espaços de enunciação e legitimação da sua luta, e participaram de sessões nacionais, como a da Comissão de Direitos Humanos do Senado, em setembro de 2015, e internacionais, como a da Assembleia das Nações Unidas, em Genebra, em junho de 2016.
Sucessivas tentativas de reunião, formalizadas em protocolos nas secretarias dos governos municipal e estadual, ou reuniões realizadas na Prefeitura e no Instituto de Terras do Rio de Janeiro (ITERJ) revelam o permanente movimento dos sujeitos do conflito ao longo dos anos, e em diversas escalas, entre os “espaços inventados”, das lutas, ocupações e insurgências, e os “espaços convidados”, das instituições públicas, onde buscaram alargar as chances de negociação do Plano. Nesse processo, o par analítico “invented and invited spaces”, de Faranak Miraftab (2009MIRAFTAB, F. Insurgent planning: situating radical planning in the global South. Planning Theory, v. 8, n. 1, p. 32-50, fev. 2009. Disponível em: http://abahlali.org/files/Insurgent_Planning.pdf . Acesso em: 15 ago. 2016.
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), caracteriza esse trânsito, necessário, entre os espaços formais de participação e aqueles criados, forjados na luta. Os sujeitos do conflito buscavam redefinir possibilidades, acionar instrumentos e ocupar espaços nas situações de confronto.
O primeiro documento com os princípios e propostas principais do Plano Popular foi concluído apenas dois meses após o início do processo de planejamento e o embate permanente com a Prefeitura exigiu ajustes na temporalidade incerta, nas etapas imprecisas e imprevistas do processo de luta e resistência dos moradores.
De acordo com a dinâmica do conflito, o combate enfatizou o campo jurídico - com o suporte da Defensoria Pública -, a promoção de articulações políticas - seja com outros movimentos sociais de atingidos pelos megaeventos em curso ou articulações sociais mais amplas -, a realização de eventos e festas, manifestações públicas, entre outras ações. Não há aqui espaço para uma análise dos impasses, derrotas e vitórias parciais que caracterizam os diferentes momentos da luta dos moradores da Vila Autódromo, cujos processos de organização e planejamento - assim como os resultados do seu árduo e longo combate - podem ser lidos a partir de múltiplas perspectivas. Neste texto, escrito em 2016 durante o desfecho do conflito, acirrado a partir de 2009, a relativa coesão daqueles poucos que resistiram até o fim - ainda que com variadas, alternantes e voláteis divisões internas - é enfatizada frente à dispersão dos moradores violentamente removidos ou indenizados com valores próximos ou iguais aos de mercado, fato inédito em processos de remoção de assentamentos populares no Rio de Janeiro.
Ao invés da desolação da destruição quase total da comunidade (em maio de 2016 apenas 10 casas permaneciam de pé), preferimos destacar as possibilidades de aprendizado e emancipação que transformaram todos aqueles que participaram do processo - moradores e apoiadores. Destacamos, também, a vitória daquelas 20 famílias que, a partir da sua resistência, conseguiram o compromisso firmado em contrato assinado pela Prefeitura com a Defensoria Pública que garante a realização de projeto de urbanização e a construção no território da Vila Autódromo de novas casas em lotes individuais para todas as famílias resistentes, residências com dimensões e características bem mais favoráveis do que aquelas oferecidas no conjunto habitacional erguido pela Prefeitura.
A mídia como instrumento ativo da produção do espaço
Especialmente a partir do ano 2009, marco zero para a reestruturação urbana motivada pelos Jogos Olímpicos Rio 2016, vêm sendo travadas intensas batalhas no campo da comunicação. Os protagonistas dessas batalhas são, de um lado, a Prefeitura junto à coalizão de empresas vinculadas ao projeto do Parque Olímpico - Construtora Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken - e, de outro lado, os moradores do bairro em luta pela permanência, junto aos diversos coletivos de apoiadores - defensoria pública estadual, universidades, coletivos de defesa dos direitos humanos e moradia, Comitê Popular da Copa e Olimpíadas.
As narrativas da resistência à remoção buscam deslegitimar o presente estado de poder, constituído pela articulação entre poder público, empreiteiras e empresas de comunicação, especialmente as organizações Globo. Os sujeitos da resistência buscam reconstruir a esfera pública crítica, contra o establishment, e romper a rede de mensagens manipuladas com as quais a mídia influencia a opinião pública e legitima o projeto de cidade na busca por um amplo consenso.
Imediatamente após o anúncio oficial do Rio de Janeiro como cidade-sede dos Jogos Olímpicos 2016, no dia 2 de outubro de 2009, teve início uma campanha midiática relacionada aos projetos para a construção da chamada Cidade Olímpica. Dentre as primeiras medidas, o jornal O Globo destacava, no dia seguinte, a remoção de favelas e, especificamente, a remoção da Vila Autódromo.
A grande mídia - sobretudo as organizações Globo - tem operado como instrumento de violência simbólica ao longo dos anos em favor da desigualdade territorial, da exclusão e da gentrificação. Narrativas afirmativas dos projetos urbanos para os Jogos reforçam as obras espetaculares e legitimam a atual coalizão de poder, da qual esse conglomerado de comunicação faz parte. A existência de áreas informais é tratada com um determinismo superficial e a expansão das favelas é denunciada, por esse veículo, como processo naturalizado que deve ser combatido com repressão.
Assim, campanhas desenvolvidas no jornal e na TV, como aquela intitulada “Ilegal, e daí?”, têm contribuído para a construção de representações dos moradores de favelas como “indesejáveis”, “inconvenientes”, “oportunistas” e “ilegais”. Tais narrativas, como “Rio: Favelas sem limites” (07/05/2015) e “Favelização exige pulso firme do Poder Público” (10/05/2015) criminalizam as pessoas, as famílias pobres, por estarem no caminho das novas paisagens de poder das torres envidraçadas, territórios reconfigurados em nome da era olímpica.
O atual aparato de produção simbólica, impulsionado pela coalizão de forças que comanda esse projeto de cidade - empresários, políticos de diversas esferas de governo e Comitê Olímpico Internacional (COI) - promove a “parque tematização” da cidade, com imagens de espaços a serem consumidos em escala mundial, uma espécie de “urbanalização” (MUÑOZ, 2010MUÑOZ, F. Urbanalización. Paisajes comunes, lugares globales. Barcelona: Gustavo Gilli, 2010.) da “Cidade Maravilhosa” e agora “olímpica”. Cenários “pacificados”, diferenças diluídas, desigualdades apagadas e valores homogeneizados têm consequências a longo prazo, como aponta Broudehoux (2014BROUDEHOUX, A. M. A construção da imagem urbana orientada por grandes eventos: potemkinismo, a mídia e a periferia. In: SÁNCHEZ, F. et al. (Org.). Copa do Mundo e as Cidades. Niterói: EDUFF, 2014. p. 19-33.) a partir do caso de Beijing, nas Olimpíadas de 2008. No Rio de Janeiro, a espetacularização do espaço e o branding do lugar têm suas contrafaces, com efeitos sobre a apropriação dos espaços públicos, a construção da cidadania e as conquistas de direitos urbanos. Para a operação dessa “máquina do espetáculo” (GUSMÃO DE OLIVEIRA, 2015GUSMÃO DE OLIVEIRA, N. O poder dos jogos e os jogos de poder: interesses em campo na produção da cidade para o espetáculo esportivo. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, ANPUR, 2015.), percebe-se a intensa atuação dos grupos de mídia hegemônicos nacionais, que buscam vender a cidade renovada.
Instrumentos simbólicos aplicados em diferentes peças publicitárias, emblemas, vídeos, filmes, jingles comemorativos, festivais internacionais e uma agenda densa de eventos tecem os cenários em direção aos Jogos 2016, mediante os quais são justificadas exceções e violências que recaem sobre aqueles considerados como estorvos à livre consagração do olimpismo ou, em termos mais precisos, da cidade dos negócios. Declarações do megaempresário da Barra da Tijuca Carlos de Carvalho, publicadas no jornal britânico The Guardian em 4 de agosto 2015 (WATTS, 2015WATTS, J. The Rio property developer hoping for a $1bn Olympic legacy of his own. The Guardian, 4 ago. 2015. Disponível em: https://www.theguardian.com/sport/2015/aug/04/rio-olympic-games-2016-property-developer-carlos-carvalho-barra . Acesso em: 15 ago. 2016.
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) não deixam dúvidas acerca dos reais propósitos dessa coalizão “pró-desenvolvimento”: remoção e “limpeza” social do território para a marcha vitoriosa dos negócios imobiliários. Nessa reportagem, o mesmo jornal apontou, com ironia, tal magnata imobiliário como um grande líder dos Jogos: “os medalhistas das Olimpíadas 2016 não serão decididos até o ano que vem, mas já existe um competidor que dispara na corrida ao ouro olímpico” (WATTS, 2015WATTS, J. The Rio property developer hoping for a $1bn Olympic legacy of his own. The Guardian, 4 ago. 2015. Disponível em: https://www.theguardian.com/sport/2015/aug/04/rio-olympic-games-2016-property-developer-carlos-carvalho-barra . Acesso em: 15 ago. 2016.
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).
Apesar disso, os moradores da Vila Autódromo, que se reconhecem como uma comunidade que luta pelo seu espaço de moradia há mais de trinta anos, aprenderam a reinventar seu território e a defendê-lo lançando mão de diferentes recursos. Dentre eles, destacam-se os instrumentos de comunicação, em diferentes formatos, suportes e ações, com o fim de divulgar os momentos do conflito. Mediante esses instrumentos, e com a ajuda de diversos coletivos de apoiadores, os moradores da Vila Autódromo alimentam, de modo contínuo, uma campanha de divulgação e validação da luta.
Usando do perfil do Facebook como principal canal de comunicação, o coletivo de moradores da Vila Autódromo publica em suas páginas as denúncias de violações aos direitos humanos, com a intensificação das remoções e demolições de casas, em 2014, e divulga os passos e estratégias da luta.
Narrativas oficiais e narrativas da resistência podem ser lidas como partes da luta simbólica e política pelo território da Vila Autódromo. Efetivamente, as diversas formas de violações da Prefeitura são interpeladas por falas e ações dos moradores, contudo, numa relação de poder assimétrica e desigual. A cada nova investida da Prefeitura na grande mídia, seja em matérias assinadas, editoriais ou campanhas de criminalização dos moradores do bairro, os mesmos responderam com rapidez, com o acionamento dos recursos de comunicação de que dispõem. Quando um grupo de professores e estudantes da UFRJ e da UFF, no ano 2011, foi chamado pela Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódromo (AMPVA) para assessorá-los na luta pelo espaço, havia mais de 550 famílias residindo no local. Após anos de remoções e conflitos, em maio de 2016, apenas 20 famílias conseguiram permanecer. O vídeo Um bairro marcado para viver foi uma das sínteses emblemáticas desse caso de planejamento conflitual, utilizada para a produção conjunta do Plano Popular da Vila Autódromo, instrumento técnico e político contra o despejo e pela permanência. Tal síntese buscava construir contranarrativas para cada uma das inúmeras argumentações mobilizadas pela Prefeitura para legitimar a remoção total daquele que era na sua visão, “Um bairro marcado para morrer”. Em 4 de outubro de 2011 o jornal O Globo anunciava: “Cadastro para a remoção da favela começa quarta-feira”. Nessa ocasião, a Prefeitura apresentou para os moradores da Vila Autódromo o futuro local das instalações olímpicas, bem como o projeto de habitação Parque Carioca a ser construído por meio do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Parte dos moradores, nos anos subsequentes, acabaram aceitando a remoção e o reassentamento nesse conjunto habitacional. Outras famílias, sob pressões de diversos tipos, terminaram por aceitar indenizações para deixar o bairro. Mais da metade das famílias, entretanto, continuou resistindo por mais três ou mesmo quatro anos.
Em março de 2012, The New York Times reportou “Uma batalha feroz pelo território está em curso na Vila Autódromo”. “As autoridades pensam ser progresso estar demolindo a nossa comunidade apenas para que possam receber os Jogos Olímpicos por alguns dias”, dizia uma moradora, e continuava: “mas nós os chocamos com nossa resistência”. Também em 2012, a mídia internacional destacou a “manifestação impressionante” que marcou o início da Conferência Rio + 205 5 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada na cidade no período de 13 a 22 de junho de 2012. . A Vila, em duas noites e dois dias de vigília, reuniu milhares de ativistas internacionais e nacionais naquela ocasião. O site Rio on Watch mostrou o potencial do conflito da Vila Autódromo de atravessar escalas e reunir vários sujeitos e movimentos para a luta contra o despejo e foi, assim, sendo transformada num caso-referência das lutas urbanas.
Tanto os coletivos de apoiadores (como o Comitê Popular Copa e Olimpíadas ou a Organização Não Governamental (ONG) Rio on Watch), quanto alguns veículos de comunicação que escapam à blindagem da grande mídia local em diversas escalas, nacional e internacional (UOL/Folha de São Paulo, Le Monde Diplomatique, BBC, The Guardian, The New York Times, entre outros) somam-se às mídias alternativas locais para mostrar a violência territorial desse caso. UOL/Folha de São Paulo, por exemplo, divulgou, em 2013, a produção do Plano Popular: “Para evitar a remoção, comunidade vizinha ao futuro Parque Olímpico desenvolve proposta [de urbanização] para a Prefeitura do Rio de Janeiro”. “Nós não podemos pagar com nossas casas o direito de sediar os Jogos Olímpicos”, afirmava, então, uma moradora que participava da elaboração do Plano.
As fortes manifestações das jornadas de junho de 2013 no Brasil e no Rio resultaram em alguns recuos por parte do governo municipal e em alguns ganhos para o coletivo da Vila Autódromo. Naquele período, manchetes anunciavam “Eduardo Paes abre negociação para manter vizinha favela do Parque Olímpico”. Após nova reunião com o Prefeito, os moradores renovavam a esperança em ficar em seu espaço. Outra matéria, da UOL Esporte, Folha de São Paulo destacava: “Força-Tarefa compara o Plano Popular e a proposta da Prefeitura do Rio. Ambos os projetos foram analisados, na ocasião, por especialistas de diversas áreas, que emitiram parecer favorável ao Plano Popular”6 6 O Parecer, divulgado em julho de 2014, foi redigido pelo Grupo de Trabalho Acadêmico Profissional Multidisciplinar (GTAPM) formado por representantes das seguintes instituições: Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR), Conselho Regional de Serviço Social (CRESS-RJ), Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio de Janeiro (SARJ) e Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (SENGE). .
Em dezembro de 2013, o mesmo Plano Popular da Vila Autódromo foi o grande vencedor do Deutsche Bank Urban Age Award, promovido pela London School of Economics and Social Sciences. Houve, entretanto, absoluta blindagem da mídia local quanto à divulgação do prêmio. Com intensa pressão e negociações para que muitas famílias saíssem da Vila, a Prefeitura recorreu ao jornal O Globo para fortalecer a ideia positiva da mudança, de uma “favela” para um “condomínio”. O jornal publicou em abril de 2014, na primeira página do caderno Bairros, a matéria “Minha casa, uma outra vida”, com o subtítulo “Emoção marca a transferência dos moradores da Vila Autódromo ao Parque Carioca”. Em alusão ao Programa Minha casa, minha vida, essa representação, interposta pela narrativa jornalística, busca construir a oposição entre uma “vida melhor” e “pior vida” associada aos “favelados”. Em dezembro de 2014, um novo título aparece na primeira página do jornal O Globo Barra: “Bye bye, favela”.
No entanto, em março de 2015, com a aproximação da data dos Jogos, a Prefeitura radicaliza suas ações: “Paes muda o discurso e expropria, sem acordo, vizinhos da Rio-2016”. Tratava-se de um novo e violento trunfo na guerra feroz pelo território: desapropriação por decreto, que agora chegava às casas de moradores que ainda resistiam à remoção. Após o decreto foram intensificadas as remoções na comunidade. O jornal espanhol El Mundo publicava, em abril de 2015, uma matéria que traduzia o avassalador avanço do Parque Olímpico sobre o território do bairro popular, sob o título “Uma favela devorada pela Rio 2016”. Nessa reportagem, Luiz Claudio da Silva, morador da Vila Autódromo, dizia: “a sensação é que nossas casas estão agora no interior do Parque Olímpico”. A captura do território pela violência é caracterizada por Carlos Vainer, na edição do jornal Extra de 25 de fevereiro de 2016:
Houve demolições desnecessárias no miolo da Vila Autódromo. Mostramos que seria possível fazer alargamento das avenidas de acesso ao Parque Olímpico atingindo muito menos do que foi atingido. Não há motivo técnico ou econômico, apenas preconceito social, que justifique tantas remoções. Fizeram a avenida passar por cima das pessoas para limpar o terreno para a especulação imobiliária. É limpeza social a pretexto de alargamento das vias.
Nova data é constituída em marco da luta midiática pela Vila: no dia 8 de março de 2016, a Prefeitura demoliu a casa da família de Maria da Penha Macena, importante liderança da comunidade. A demolição teve forte carga simbólica para a resistência e foi noticiada amplamente por distintos veículos: O Globo, UOL/Folha, Rio on Watch, Record. No mesmo dia, poucas horas depois, a Prefeitura divulgou que realizaria uma coletiva de imprensa para mostrar o plano de urbanização da Vila Autódromo. Como não foram convidados para a apresentação, os moradores convocaram uma coletiva de imprensa da comunidade Vila Autódromo uma hora antes da coletiva oficial, no mesmo local. Ao tomar conhecimento de tal iniciativa, o prefeito mudou o local da sua coletiva, mas muitos repórteres compareceram ao endereço inicialmente divulgado, o que garantiu aos moradores um contraponto à voz da prefeitura.
No mesmo dia em que sua casa era demolida, Dona Penha receberia o Diploma Mulher Cidadã conferido pela Assembleia Legislativa estadual como parte das comemorações do Dia Internacional da Mulher. Durante aquela semana foram publicadas diversas matérias, e as mídias se utilizaram do clima dramático e da contradição entre a demolição da casa de Dona Penha, de manhã, e a homenagem por ela recebida à noite. O fato político criado com a tensão entre a coletiva de imprensa oficial chamada pela Prefeitura e a coletiva insurgente convocada pelos moradores foi também um contraponto importante naquele dia. A partir desse dia mudava o tom da narrativa, inclusive da mídia dominante, com críticas e denúncias às violações. A ONG Justiça Global divulgou no dia 9 de março entrevista com a Dona Penha:
Eles podem derrubar a casa, mas não podem me derrubar. Eu continuo firme na luta. Vou permanecer nessa comunidade. Por causa de um megaevento, eles tiram sua casa e te deixam na rua. O que eu espero é que eles me deem outra moradia. Infelizmente, esse Dia da Mulher vai ficar marcado como o dia em que fui despejada, mas a vida continua.
A degradação do território como estratégia de poder
As demolições na Vila Autódromo começaram em março de 2014 e a degradação da comunidade foi abrupta. Em menos de um mês, 123 edificações foram demolidas pela Prefeitura. O acúmulo de entulhos e a precarização das vias carroçáveis e da infraestrutura de abastecimento de água e esgotamento sanitário, causada pelo intenso tráfego de veículos de grande porte a serviço da obra do Parque Olímpico, em pouco tempo transformaram a vida na comunidade.
A remoção iniciada com o reassentamento de moradores no Parque Carioca7 7 O Parque Carioca foi construído na Estrada dos Bandeirantes em Jacarepaguá, a aproximadamente 2 km da Vila Autódromo. O padrão construtivo diferenciado daquele do PMCMV e a proximidade com o antigo local de residência são exceções se comparados aos demais processos de remoção promovidos pela Prefeitura na década de 2010. intensificou-se com a estratégia da Prefeitura de aumentar o valor das indenizações oferecidas e considerar o valor de mercado nessa negociação8 8 As indenizações no valor de mercado e considerando o valor dos terrenos é uma outra exceção no histórico de remoções no Rio de Janeiro. . O processo conflituoso9 9 Para mais informações ver Mendes (2014). , que culminou com a decisão judicial que autorizou a demolição das casas negociadas para reassentamento, não permitia, entretanto, a demolição de edificações objeto de indenização. À revelia da decisão judicial, a Prefeitura intensificou as demolições de maneira ilegal e insegura, demolindo edificações contíguas ou mesmo o segundo pavimento de moradias negociadas parcialmente, deixando o restante da estrutura com vergalhões expostos e rachaduras produzidas pelo impacto da demolição.
As obras do Parque Olímpico começam a avançar sobre a Vila Autódromo em maio de 2014, e a primeira ofensiva empreendida pela Prefeitura foi o corte das árvores localizadas na entrada da comunidade, muitas delas plantadas ao longo dos anos pelos próprios moradores. Os moradores organizaram plantões para impedir que novas árvores fossem cortadas, mas a ação da Prefeitura se intensificou nos meses seguintes, tornando o ambiente, já precarizado e descaracterizado, cada vez mais árido. “Nós tentamos impedir, mas não tivemos muito sucesso. Não tinha muito o que argumentar pois eles tinham licença que a própria Prefeitura concedeu” (depoimento de Dona Penha, moradora da Vila Autódromo).
A segunda ofensiva da Prefeitura com o propósito claro de diminuir gradativamente a área da comunidade, ganhar território e aumentar a pressão para a remoção, consistia na instalação de um tapume paralelo ao muro do antigo autódromo que separava o Parque Olímpico da Vila Autódromo e que corria ao longo da Avenida Autódromo, principal via de acesso do assentamento. A justificativa oficial era que o corredor entre o tapume e o muro permitiria o tráfego de veículos de grande porte com maior segurança. Apesar da resistência dos moradores, o tapume foi instalado e os moradores continuaram convivendo com a insegurança e os danos causados pela intensa circulação de tratores e escavadeiras no que restou da principal via da comunidade. A Prefeitura tentou ainda demolir o parquinho infantil, construído há muitos anos na Avenida Autódromo pelos próprios moradores. Dessa vez, contudo, a intensa mobilização dos moradores conseguiu que a única área de lazer da comunidade fosse provisoriamente preservada. (Figuras 1-2)
As demolições foram executadas ao longo de 2014 em total desacordo com a legislação vigente10 10 O Decreto Municipal n° 23.235 de 04 de agosto de 2003 dispõe sobre os requisitos de segurança a serem observados no processo de demolição de imóveis no Município. Para mais informações ver: http://wpro.rio.rj.gov.br/decretosmunicipais/. deixando um rastro de edificações fissuradas, tubulações de esgotamento sanitário e abastecimento de água rompidas, vergalhões expostos, entulhos de demolição acumulados e múltiplos focos de atração de roedores e insetos. A área da comunidade conhecida como miolo11 11 O miolo da comunidade corresponde à Área de Especial Interesse Social (AEIS) instituída pela Lei Complementar n° 74, de 14 de Janeiro de 2005 e se restringe à parcela não atingida pelas obras do Parque Olímpico, de ampliação da Avenida Embaixador Abelardo Bueno e de retificação do córrego Pavuninha. , contudo, ainda conservava certa integridade, a despeito da degradação da estrutura urbana em geral. Apesar da divulgação sistemática da informação falsa de que a maioria dos moradores já havia consentido em deixar a Vila Autódromo - uma estratégia complementar da Prefeitura para minar a resistência dos moradores e legitimar o processo de remoção -, um Mapa da Resistência elaborado pela assessoria técnica dos moradores identificava que 187 famílias ainda resistiam ao final de 2014.
O principal golpe contra a luta da Vila Autódromo, em março de 2015, foram os Decretos de Desapropriação12 12 Decretos n° 39.851, 39.852 e 39.853. emitidos pela Prefeitura, que declaram de utilidade pública, para fins de desapropriação, 48 imóveis da Vila Autódromo. A sede da Associação de Moradores13 13 De acordo com o projeto de traçado das vias apresentado pela Prefeitura em outubro de 2013, a sede da AMPVA não era atingida pelas obras viárias do Parque Olímpico. , além das casas das principais lideranças comunitárias da Vila Autódromo, Altair Guimarães, Jane Nascimento, Inalva Mendes Brito e Maria da Penha Macena, constavam nos decretos. A maioria das casas implicadas nos decretos foram demolidas até o fim de 2015 e a gradativa degradação da comunidade, somada ao terror imposto cotidianamente pela Prefeitura, impeliu outros moradores a negociarem e, finalmente, a deixarem a Vila Autódromo. Até o fim de 2015, mais 117 casas foram demolidas, inclusive aquelas de lideranças históricas da comunidade. Permaneciam a sede da Associação e a casa da Dona Penha, que se tornou um símbolo de resistência e um espaço de sociabilidade e luta.
Paralelamente às ações de avanço territorial do Parque Olímpico sobre o bairro e simultaneamente à destruição das casas, assistia-se à cotidiana atuação intimidadora de funcionários, a decisões conservadoras e desfavoráveis do judiciário, além de notícias falsas ou boatos preconceituosos na mídia. O reflexo da incessante pressão da Prefeitura, entretanto, nem sempre surtia o efeito desejado e muitas vezes serviu para dar maior coesão e ímpeto à resistência dos moradores. Novas estratégias de enfrentamento são concebidas, novos canais de negociação são tentados, moradores menos envolvidos passam a se engajar ativamente nas atividades de mobilização. Por outro lado, surgem novos apoiadores, enquanto os aliados mais antigos - como a Defensoria Pública, as assessorias técnicas e o Comitê Popular da Copa e OlimpíadasCOMITÊ POPULAR DA COPA E OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO (CPCO-RJ). Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: CPCO-RJ, 2014. - intensificam suas ações e novas iniciativas se desdobram na guerra pela manutenção do território da Vila Autódromo.
Ocupar a Vila, uma estratégia territorial
Na manhã do dia 3 de junho de 2015 a Vila Autódromo amanheceu cercada por agentes da Secretaria de Ordem Pública (SEOP) e da Guarda Municipal do Rio de Janeiro. Os agentes da Prefeitura acompanhados de um Oficial de Justiça, tentaram realizar a imissão na posse e a demolição do imóvel de Ocimar da Silva Miranda, localizado à Rua Francisco Landi nº 39. A ação truculenta da Guarda Municipal deixou diversos moradores da comunidade feridos, inclusive Dona Penha, que teve o nariz fraturado por um golpe de cassetete. A resistência dos moradores e a atuação do Núcleo de Terras e Habitação (NUTH) da defensoria estadual impediram a imissão na posse, e os agentes da Prefeitura deixaram o local no fim da tarde sem que o imóvel fosse demolido. A vitória da resistência fortaleceu a luta pela permanência. A urgência da defesa da comunidade incentivou ainda mais a união dos moradores e a articulação com outras comunidades e movimentos sociais. Nesse contexto, nasce o Movimento #Ocupa Vila Autódromo que promoveu a realização de eventos e atividades que possibilitaram a constante presença de apoiadores externos, com intuito de inibir as práticas intimidadoras da Prefeitura.
Ao longo do ano, diversas atividades foram promovidas pelo novo movimento, além das festas tradicionais da comunidade, como a Festa Junina e a festa da Igreja São José Operário no Dia do Trabalhador. O movimento de ocupação da Vila Autódromo fortaleceu-se e, no dia 15 de agosto, o 1º Festival Cultural #Ocupa Vila Autódromo foi realizado com muito sucesso e grande alegria. Assim, uma sequência de eventos promoveu, nos anos 2015 e 2016, peças teatrais, cortejos musicais, orquestras, mostras de filmes, performances de palhaços e mimos, shows, lançamentos de livros e, principalmente, alegria para dar novos significados a esse território assolado pela violência e destruição. (Figuras 3 e 4)
O terror das demolições recomeça em 2016 quando, depois de uma intensa disputa jurídica, a justiça autoriza a imissão na posse da sede da AMPVA e, posteriormente, das casas da mãe de santo Heloísa Helena Costa Berto e de Dona Penha Macena. A sede da AMPVA foi demolida dia 24 de fevereiro (Figura 5), cercada de moradores e apoiadores que vivenciaram, naquele ato, a violência da Prefeitura sobre o símbolo material da luta comunitária. Apesar da consternação, os moradores organizaram-se e contestaram, estampando nas paredes de todas as casas da comunidade os dizeres “Associação de Moradores da Vila Autódromo”. Enquanto um símbolo era destruído, um novo código era edificado, e a resistência expressava-se em cada casa e família remanescente.(Figura 6)
Desfigurar os códigos de poder e reconfigurar o território na luta
O espaço é construído a partir da multiplicidade de relações sociais em todas as escalas, desde o global até as relações sociais dentro da cidade, dos bairros e da casa. O espaço é geralmente associado ao universal e ao global, e o lugar ao pontual ou mesmo contingente e específico (MASSEY, 1994 MASSEY, D. Space, place, and gender. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1994), gerando um antagonismo hierárquico que perde muito de seu sentido em contextos conflituosos de disputa pelo território. A luta da Vila Autódromo aciona diversas estratégias e se estabelece a partir de ações políticas explícitas, que posicionam a comunidade como um espaço de importância internacional que reflete um processo global de aprofundamento da mercantilização da cidade. Mas as ações cotidianas, não visibilizadas, também são essenciais para a resistência. Na luta cotidiana, a Vila Autódromo se estabelece como um lugar de vida comunitária, coletividade e expressão lúdica e espirituosa da situação de extrema precariedade, vulnerabilidade e violência que o processo de remoção impõe diariamente aos moradores.
O global e o local conectam-se nas estratégias de luta da Vila Autódromo e refletem e representam as realidades dos vários lugares invisibilizados pelo poder. O Plano Popular da Vila Autódromo, que, ao longo do tempo, foi sendo transformado e atualizado para refletir as mudanças impostas pelas demolições, foi a primeira ação política que evidenciou a comunidade como um lugar que existe, que resiste e que tem direitos que estão sendo sistematicamente desrespeitados pelo Poder Público. Os moradores da Vila Autódromo reestruturam cotidianamente seu território a partir de ações visíveis e invisíveis que respondem ativamente à materialidade da violência e da coerção evidenciadas pela gradativa e intencional degradação da comunidade. Na luta da Vila Autódromo pela moradia e direito à cidade, a ação política está sempre sendo materializada e exposta no território.
Uma das várias respostas da comunidade à degradação cotidiana foi a instalação da guarita na entrada da comunidade para impedir o tráfego dos tratores, escavadeiras e caminhões que, ao demolir as casas, também rompiam as tubulações de abastecimento de água e esgotamento sanitário. As obras foram constantemente interrompidas pelos moradores com a liberação da circulação condicionada ao conserto das instalações danificadas. Essa estratégia permitiu a manutenção da habitabilidade mínima necessária para a resistência dos moradores. Além disso, nas situações em que a Prefeitura se recusou a realizar os consertos, os próprios moradores realizaram reparos na infraestrutura urbana da comunidade em sistema de mutirão. Ações cotidianas e não visibilizadas que não só permitiram a permanência na Vila Autódromo, mas também fortaleceram os laços comunitários entre os moradores.
A ressignificação da destruição de forma lúdica também é uma estratégia permanente dos moradores (Figura 7). Na tradicional festa de São José Operário, casas parcialmente demolidas foram reapropriadas com a instalação de brincadeiras, como o popular jogo da lata (Figura 8), e para a comercialização das comidas e bebidas da festa. No 1º Festival Cultural #Ocupa Vila Autódromo, edificações foram utilizadas pelo Coletivo Projetação como plataforma de um protesto audiovisual que contava em projeções do histórico de violações de direitos e violência das remoções. A requalificação do parquinho infantil da Vila Autódromo foi uma atividade importante do movimento #Ocupa Vila Autódromo e fortaleceu a estratégia de reocupar e qualificar os espaços degradados pelas demolições.
Edificação descaracterizada e semidemolida utilizada para o jogo da lata durante festa comunitária
A destruição é também visibilizada e ressignificada pelas pichações nos tapumes das obras do Parque Olímpico, suporte midiático de forte apelo ao longo da luta que escancara a violência política que há entre a paisagem das torres envidraçadas, erguidas para a festa olímpica, e a paisagem de um bairro popular destruído para dar lugar a uma festa que, efetivamente, é do capital imobiliário. (Figuras 9-10) As pichações, que marcam também os escombros, destroços e vestígios do que o bairro foi um dia, são sempre cambiantes, conforme as diferentes conjunturas da luta. Ao interpelar os poderes constituídos, ao desafiar com ironia a coalizão dominante, os empresários, o Prefeito, os juízes, o Governador, ao lembrar os direitos conquistados pelos moradores nesse bairro construído ao longo de décadas de luta, essa grande narrativa impactou outras mídias e foi registrada por diversos jornalistas de importantes veículos internacionais como The Guardian, Le Monde Diplomatique e The New York Times.
Pichações realizadas na Vila Autódromo como modo de protesto e visibilização das violações e ilegalidades do processo de remoção
As atividades do #Ocupa Vila Autódromo em 2015 e 2016 foram organizadas para estimular a ocupação dos espaços remanescentes, diretamente afetados pelas intensas remoções e, ao mesmo tempo, fortalecer a resistência dos moradores. Ao promover dinâmicas culturais comunicativas entre os moradores e outros grupos impactados pelas operações urbanas, o #Ocupa desenha pontes com instituições apoiadoras e coletivos sociais e recupera os espaços comunitários usurpados pela Prefeitura. Em fevereiro de 2016, foi iniciado o Desafio #UrbanizaJá, uma dinâmica na qual as pessoas gravam pequenos vídeos desafiando o Prefeito a urbanizar a Vila. Artistas, intelectuais, estudantes, moradores de outras comunidades e ocupações, coletivos internacionais e representantes de movimentos sociais participaram da dinâmica.
O espaço utilizado para as atividades do #Ocupa tornou-se um marco na Vila Autódromo ao ser recuperado pela comunidade para a luta. A edificação demolida, antes uma igreja pentecostal, transformou-se um local de convivência comunitária e celebração. O antigo altar virou um palco; a escada, um camarote improvisado. A Prefeitura foi gradativamente degradando e subtraindo a área do Espaço #Ocupa, mas as atividades de ocupação cultural continuaram. (Figuras 11-12) Um mutirão de urbanização e requalificação comunitária do Espaço #Ocupa foi promovida em fevereiro de 2016 e permitiu que novas atividades culturais fossem realizadas semanalmente até abril, quando a Prefeitura demoliu definitivamente o espaço, comprometendo-se, entretanto, a construir um novo espaço cultural comunitário na Vila Autódromo, quando a comunidade for urbanizada.
Considerações finais: as gramáticas territoriais da insurgência
A categoria “gramática territorial” (GUTERMAN; SÁNCHEZ; LAIBER, 2015GUTERMAN, B.; SÁNCHEZ, F.; LAIBER, P. Rio Olímpico 2016: Ciudad Maravillosa es la que Lucha. In: ARICO, G. MANSILLA, J. A.; STANCHIERI, M. L. Mierda de ciudad. Una rearticulación crítica del urbanismo neoliberal desde las ciencias sociales. Barcelona: Pollen Edicions, 2015. p. 109-121., p. 110) permite análises relacionais no espaço ao mapear ações territoriais dos sujeitos da coalizão dominante e os sujeitos do campo da resistência. Define-se tal categoria como um conjunto de ações combinadas e reconhecíveis nos territórios, em suas inscrições espaciais e deslocamentos, nas relações transescalares que os sujeitos estabelecem, nas escolhas locacionais pelos sujeitos conforme diferentes conjunturas, no uso de instrumentos comunicacionais nos espaços públicos, no acionamento de contrapontos às imagens oficiais dos lugares, na subversão de sentidos tradicionais atribuídos aos lugares urbanos e edifícios emblemáticos, na busca dos holofotes das grandes mídias pela cuidadosa inscrição territorial dos conflitos, para dar-lhes centralidade.
Efetivamente, os conflitos urbanos e as disputas simbólicas, na atual cena urbana carioca, geram gramáticas territoriais novas. Tais gramáticas desafiam as chamadas “geometrias de poder” (MASSEY, 2008MASSEY, D. Pelo espaço. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.), seja nas corpo-grafias e microrresistências (JEUDY; JACQUES, 2006JEUDY, H.-P.; JACQUES, P. B. (Org.). Corpos e cenários urbanos: Territórios urbanos e políticas culturais. Salvador: EDUFBA, 2006.) ou nas grandes manifestações nos espaços públicos. Interferem, assim, nas formas relacionais dos sujeitos, na busca pelo alargamento da democracia.
Os moradores da Vila Autódromo, ao longo de anos de luta, conquistaram um saber circulatório entre as fronteiras imprecisas da cidade formal e informal, visto que aprenderam a mover-se de uma escala a outra, das assembleias de bairro às reuniões com representantes do governo federal. Reuniões com a Prefeitura, negociações com o Governo do Estado, mediadas pela Defensoria Pública, depoimentos na Comissão de Direitos Humanos do Senado ou gestões junto a ministérios, na esfera federal, constituem evidências dessa expertise conquistada, no que se refere à capacidade de atravessar escalas de poder (SWYNGEDOUW, 2000 SWYNGEDOUW, E. Authoritarian Governance, Power and the Politics of Rescaling. Environment and Planning D: Society and Space. v. 18, n. 1, p. 63-76, fev. 2000.) e inscrever a luta simultaneamente nessas esferas e instâncias, em busca de reconhecimento. Da microescala das pichações nas casas, tapumes e paredes cegas às manifestações massivas, das festas locais ao ativismo nas redes sociais e plataformas mundiais, foi sendo forjada a referência dessa luta de um bairro pela sua permanência no mapa da cidade olímpica.
As ações comunicativas dos moradores da Vila Autódromo transcendem o território local e instauram-se em espaços emblemáticos da Cidade Olímpica. Essas ações, além de dar visibilidade à luta específica, disputam as narrativas da cidade com as mídias oficiais e colaboram para tecer elos com outros coletivos em luta por direitos.
Equipamentos urbanos no centro da cidade, painéis de informação no Museu do Amanhã, estações de ônibus BRT aparecem adesivados com a mensagem “Viva a Vila Autódromo. Rio sem Remoções”. Também suportes móveis, como carros e ônibus circulam, desde 2013, com essa mensagem. Até mesmo centenas de bicicletas de aluguel laranjas estampadas com a marca do Banco Itaú, identificadas como objetos midiáticos da cidade-empresa, foram capturadas num final de semana de maio de 2015 e ressignificadas com a consigna “Viva a Vila Autódromo” em suas cestinhas. A então chamada “bicicleta insurgente” amanheceu como mais uma ameaça à integração simbólica da “Cidade Maravilhosa e Olímpica” a mostrar que, para alguns, “Cidade maravilhosa é a que luta”, como traduz a síntese do Coletivo Projetação.
A apenas cem dias de distância, no mês de maio, o clima no Rio em relação aos Jogos 2016 é bastante silencioso. Com a crise política e econômica brasileira que conspira contra uma atmosfera de otimismo em relação aos Jogos, com as epidemias de Dengue e Zica provocadas pelo mosquito Aedes Aegypti, os moradores da cidade não parecem animados, nem estão abraçando o espírito olímpico como desejaria a Prefeitura. Por outro lado, a luta da Vila Autódromo já se constituiu num marco do planejamento conflitual e da história urbana do Rio de Janeiro no rumo das Olimpíadas.
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https://www.youtube.com/watch?v=RMgRZ-60i_I . Acesso em: 21 de setembro de 2016).
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Sobre esse ponto ver Vainer et al. (2013)VAINER, C. et al. O Plano Popular da Vila Autódromo: uma experiência de planejamento conflitual. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 15., 2013, Recife. Anais do XV ENAnpur. Recife: ANPUR, 2013. Disponível em: http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/anais/article/view/4316/4186 . Acesso em: 15 ago. 2016.
http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeu... . -
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A área abrange os bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim e partes de Recreio, Jacarepaguá e Barra da Tijuca, áreas de expansão imobiliária para as classes média e alta no Rio de Janeiro.
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Merece destaque a atuação do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, que desde o início das pressões para remoção acompanha e apoia a resistência dos moradores da Vila Autódromo. O Comitê é formado por um conjunto de “movimentos sociais, ONGs, instituições acadêmicas, lideranças populares e os atingidos/as pelas ações arbitrárias da prefeitura” (COMITÊ POPULAR DA COPA E OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO, 2015COMITÊ POPULAR DA COPA E OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO (CPCO-RJ). Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: CPCO-RJ, 2014.).
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Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada na cidade no período de 13 a 22 de junho de 2012.
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O Parecer, divulgado em julho de 2014, foi redigido pelo Grupo de Trabalho Acadêmico Profissional Multidisciplinar (GTAPM) formado por representantes das seguintes instituições: Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR), Conselho Regional de Serviço Social (CRESS-RJ), Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio de Janeiro (SARJ) e Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (SENGE).
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O Parque Carioca foi construído na Estrada dos Bandeirantes em Jacarepaguá, a aproximadamente 2 km da Vila Autódromo. O padrão construtivo diferenciado daquele do PMCMV e a proximidade com o antigo local de residência são exceções se comparados aos demais processos de remoção promovidos pela Prefeitura na década de 2010.
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As indenizações no valor de mercado e considerando o valor dos terrenos é uma outra exceção no histórico de remoções no Rio de Janeiro.
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Para mais informações ver Mendes (2014) MENDES, A. A nova luta da Vila Autódromo e dos moradores que resistem à remoção: reconstruir a Defensoria Pública e sua autonomia. Rede Universidade Nômade, 27 mar. 2014. Disponível em: http://uninomade.net/tenda/a-nova-luta-da-vila-autodromo-e-dos-moradores-que-resistem-a-remocao-reconstruir-a-defensoria-publica-e-sua-autonomia/ . Acesso em: 15 ago. 2016.
http://uninomade.net/tenda/a-nova-luta-d... . -
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O Decreto Municipal n° 23.235 de 04 de agosto de 2003 dispõe sobre os requisitos de segurança a serem observados no processo de demolição de imóveis no Município. Para mais informações ver: http://wpro.rio.rj.gov.br/decretosmunicipais/.
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O miolo da comunidade corresponde à Área de Especial Interesse Social (AEIS) instituída pela Lei Complementar n° 74, de 14 de Janeiro de 2005 e se restringe à parcela não atingida pelas obras do Parque Olímpico, de ampliação da Avenida Embaixador Abelardo Bueno e de retificação do córrego Pavuninha.
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Decretos n° 39.851, 39.852 e 39.853.
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De acordo com o projeto de traçado das vias apresentado pela Prefeitura em outubro de 2013, a sede da AMPVA não era atingida pelas obras viárias do Parque Olímpico.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
05 Maio 2023 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2016
Histórico
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Recebido
09 Maio 2016 -
Aceito
21 Set 2016