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Estratificação Sócio-Ocupacional e Segregação Espacial na Metrópole de São Paulo nos Anos 2000

Socio-occupational stratification and spatial segregation in the São Paulo Metropolis in the 2000s

Resumo

O presente artigo faz um estudo empírico das alterações na distribuição espacial e no padrão de segregação sócio-espacial das classes sociais na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) nos anos 2000, utilizando a metodologia desenvolvida pelo Observatório das Metrópoles para a análise da estratificação sócio-ocupacional. Serão empregadas ferramentas estatísticas espaciais, com destaque para o Índice de Moran, calculado para as Áreas de Ponderação da RMSP nos anos de 2000 e 2010, para análise espacial dos padrões de distribuição das classes no território. Com isso, espera-se trazer contribuições metodológicas para as pesquisas sobre estratificação e segregação no Brasil, no sentido de propor análises que avancem na compreensão da estrutura social e da segregação espacial na RMSP e nas demais metrópoles brasileiras.

Palavras-chave:
Estratificação; Segregação; Classe Social; Índice de Moran; Metrópole de São Paulo

Abstract

This article conducts an empirical study of the changes in the spatial distribution and in the patterns of socio-spatial segregation of the social classes in the Metropolitan Area of São Paulo (RMSP) in the 2000s, using the methodology developed by Observatório das Metrópoles for the analysis of socio-occupational stratification. Spatial statistics will be used, mainly the Moran Index, calculated for the census weight areas of RMSP in 2000 and 2010, for spatial analysis of the distribution patterns of classes in the territory. Thus, it is expected to bring methodological contributions for research on stratification and segregation in Brazil, proposing analyses that advance the understanding of the social structure and spatial segregation in the RMSP and in other Brazilian metropolises.

Keywords:
Stratification; Segregation; Social Class; Moran Index; São Paulo Metropolis

O presente artigo analisa as transformações na estrutura social da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) ao longo da primeira década do século XXI, a fim de compreender as alterações na distribuição espacial e no padrão de segregação sócio-espacial das classes sociais na metrópole paulistana nos anos 2000. De acordo com Sabatini e Sierralta (2006SABATINI, F.; SIERRALTA, C. Medição da segregação residencial: meandros teóricos e metodológicos e especificidade latino-americana. In: CUNHA, José Marcos Pinto. (Org.) Novas Metrópoles Paulistas - população, vulnerabilidade e segregação. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2006.), a segregação socioespacial “pressupõe três dimensões básicas: 1) a concentração residencial de determinados grupos sociais em algumas áreas específicas da cidade; 2) o alto grau de homogeneidade social destas áreas; e 3) a percepção subjetiva sobre a segregação que envolve as duas primeiras características” (p. 171). Trata-se, portanto, de uma relação espacial, de “separação ou proximidade territorial entre pessoas ou famílias que pertencem ao mesmo grupo social, seja qual for a definição deste” (SABATINI; SIERRALTA, 2006SABATINI, F.; SIERRALTA, C. Medição da segregação residencial: meandros teóricos e metodológicos e especificidade latino-americana. In: CUNHA, José Marcos Pinto. (Org.) Novas Metrópoles Paulistas - população, vulnerabilidade e segregação. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2006., p. 170).

Neste trabalho, utilizou-se a metodologia elaborada pelo Observatório das Metrópoles para a construção de categorias sócio-ocupacionais, que emprega a teoria do espaço social, aqui compreendida como um espaço de posições sociais e, ao mesmo tempo, um espaço de indivíduos ocupando essas posições e possuidores de atributos sociais distribuídos de maneira desigual e ligados às suas histórias, em consonância com os trabalhos de Ribeiro e Lago (2000RIBEIRO, L. C. de Q.; LAGO, L. C. O espaço social das grandes metrópoles brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Cadernos Metrópole, n. 4, p. 9-32, 2000.), Ribeiro, Costa e Ribeiro (2013) e Bógus e Pasternak (2015BÓGUS, L.; PASTERNAK, S. Mudanças recentes na estruturação sócio-espacial da Região Metropolitana de São Paulo. In: BÓGUS, L.; PASTERNAK, S. (Orgs.). São Paulo: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015, p. 111-157.). Essa metodologia, inspirada nos estudos sobre a estrutura de classes na França realizados por Pierre Bourdieu (2007BOURDIEU, P. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007.), possibilita a construção da “topografia” do espaço social, produzindo um mapa onde as proximidades e distâncias entre as ocupações revelam estruturas de propriedades iguais ou desiguais.

Segundo Ribeiro e Lago (2000RIBEIRO, L. C. de Q.; LAGO, L. C. O espaço social das grandes metrópoles brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Cadernos Metrópole, n. 4, p. 9-32, 2000.), a ideia de diferença e de separação das categorias parte do “conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas às outras, definidas umas em relação às outras por sua exterioridade mútua e por relações de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento” (p. 29), sendo a ocupação um dos principais indicadores da posição social dos indivíduos, largamente empregada para determinar esquemas de classes, tanto entre neomarxistas como entre neoweberianos, conforme Scalon (1998SCALON, C. Mapeando Estratos: Critérios para Escolha de uma Classificação. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 4, n. 2, p. 337-375, 1998.). Desse modo, a metodologia utilizada neste artigo leva em conta a centralidade do trabalho como fundamento essencial na estruturação e no funcionamento da sociedade, considerando que a “categoria ocupação” é uma variável adequada na compreensão de elementos que se misturam no espaço e determinam sua estrutura.

Partindo da classificação das categorias sócio-ocupacionais na RMSP, serão empregadas ferramentas estatísticas espaciais, com destaque para o Índice de Moran (ANSELIN, 1995ANSELIN, L. Local indicator of spatial association - LISA. Geographical Analysis, v. 27, n.2, p. 93-115, 1995.), calculado para as áreas de ponderação dessa região nos anos de 2000 e 2010, para análise espacial dos padrões de distribuição das classes no território. Desse modo, os resultados obtidos permitirão avaliar as transformações da estrutura social e, principalmente, dos padrões de segregação residencial na metrópole paulistana, evidenciando esse fenômeno a partir da separação no espaço das categorias sócio-ocupacionais.

Portanto, o presente artigo dará ênfase à análise empírica da segregação socioespacial entre as classes na RMSP na década de 2000, a partir dos dados dos censos 2000 e 2010. No caso brasileiro e latino-americano, as áreas urbanas e metropolitanas exibem como forte característica a intensa segregação causada especialmente pelas desigualdades sociais, tendo como consequência a formação de bairros segregados, precariamente inseridos nos contextos das cidades, com aglomerações de grupos sociais específicos.

As metrópoles brasileiras mostram-se altamente segregadas em diversos aspectos, como os econômicos, sociais e espaciais, causando o já conhecido padrão de distribuição espacial (MARQUES; TORRES, 2005MARQUES, E.; TORRES, H. São Paulo: segregação, pobreza urbana e desigualdade social. São Paulo: Editora Senac, 2005.), onde a população mais pobre vive em áreas distantes do centro nas grandes periferias urbanas, e a população rica se concentra nas áreas centrais ou próximas ao centro das cidades, configurando uma estrutura urbana radial e concêntrica (SANTOS; BRONSTEIN, 1978SANTOS, C.; BRONSTEIN, O. Meta-urbanização - o caso do Rio de Janeiro. Revista de Administração Municipal, v. 25, n. 149, p. 6-34, 1978.).

Buscando articular as análises de estratificação sócio-ocupacional e de segregação sócio-espacial, o artigo abordará, em primeiro lugar, o fenômeno da segregação nas metrópoles brasileiras, conceitual e historicamente, por meio de uma breve revisão bibliográfica, ressaltando a importância da realização da análise empírica por meio da estratificação sócio-ocupacional. Em segundo lugar, serão descritas brevemente a metodologia elaborada pelo Observatório das Metrópoles para a construção das categorias sócio-ocupacionais e as técnicas para a análise empírica da segregação a partir do Índice de Moran, utilizadas neste estudo. Em terceiro lugar, serão apresentados os resultados obtidos com as análises realizadas da distribuição espacial e dos padrões de segregação das classes sociais por meio dos índices e mapas de Moran Global e Local. Por último, serão apresentadas as considerações finais.

Com isso, espera-se contribuir com as pesquisas sobre estratificação e segregação no Brasil, desenvolvendo um trabalho que traga contribuições metodológicas para o debate atual, no sentido de propor análises que avancem na compreensão da estrutura social e da segregação espacial na RMSP, com possibilidade de aplicação em estudos sobre as demais metrópoles brasileiras.

1. A relação entre estratificação social e segregação espacial nas metrópoles brasileiras

Na década de 1970, com o intenso processo de urbanização e com a expansão e transformação das cidades brasileiras, o tema da segregação surge com foco sobre as favelas e áreas periféricas das metrópoles, caracterizadas pela precariedade e ausência de serviços, equipamentos públicos e de infraestruturas urbanas. Ao mesmo tempo em que estavam ausentes da periferia, esses serviços, assim como os grupos sociais mais ricos, encontravam-se no centro ou próximos ao centro das metrópoles, gerando como consequência o esvaziamento das áreas centrais por parte da classe trabalhadora, concentrando as classes mais ricas (BONDUKI; ROLNIK, 1982BONDUKI, N. G.; ROLNIK, R. Periferia da Grande São Paulo - Reprodução do espaço como expediente de reprodução da força de trabalho. In: MARICATO, E. A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1982, p. 117-154.).

Historicamente, as cidades e metrópoles latino-americanas são caracterizadas como altamente segregadas. A dinâmica da segregação nesses locais demonstra a complexidade de sua compreensão, assim como a própria configuração dos grupos sociais no território (SABATINI et al., 2005SABATINI, F.; FLORES, C.; SIERRALTA, C.; WORMALD, G. Residential segregation in Santiago, Chile: 1982-2002 trends and social effects linked to its geographical scale. In: Conference on Spatial Differentiation and Governance in the Americas. Texas, 2005, p. 1-20. Texas, 2005.). Sabatini (2004SABATINI, F. Medición de la segregación residencial: reflexiones metodológicas desde la ciudad latino-americana. In: CÁCERES, G.; SABATINI, F. (Eds.). Barrios cerrados en Santiago de Chile: entre la exclusión y la integración residencial. Santiago/ Chile: PUC-Chile/ Lincoln Institute of Land Policy, 2004, p. 277-307.) ressalta que a segregação espacial difere da segregação em termos sociológicos, mesmo havendo relação entre esses fenômenos. Já para Villaça (2000VILLAÇA, F. O Espaço Intra-Urbano no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP, 2000.), os estratos de maior renda produzem a segregação do espaço urbano por meio da valorização e ocupação das melhores áreas, aproveitando o espaço produzido de acordo com seus interesses. Desse modo, o autor evidencia que a divisão das classes sociais no espaço urbano atua como um veículo de poder das classes mais altas, que comandam não só a sua produção material e direta, seu valor e seu preço (comandando o mercado imobiliário), mas “também as ações do Estado sobre esse espaço (legislação urbanística, localização dos aparelhos de Estado, produção do sistema de transportes etc.) e ainda a produção das ideias dominantes a respeito dele”. (VILLAÇA, 2011VILLAÇA, F. São Paulo: Segregação urbana e desigualdade. Estudos Avançados, v.25, n.71, p. 37-58, 2011., p. 53).

A segregação no Brasil tem como causa uma série de fatores estruturais como a pobreza, o desemprego e a precariedade de serviços públicos e privados nos locais menos favorecidos das cidades que, quando combinados, ocasionam o surgimento de grupos segregados em termos residenciais. A desigualdade social é uma das razões fundamentais para que os espaços urbanos latino-americanos e brasileiros sejam altamente segregados. Porém, por conta da grande heterogeneidade das metrópoles, há situações em que grupos pobres têm acesso a políticas públicas, mesmo que de forma precária (MARQUES; TORRES, 2005MARQUES, E.; TORRES, H. São Paulo: segregação, pobreza urbana e desigualdade social. São Paulo: Editora Senac, 2005.; MARQUES, 2015MARQUES, E. Os espaços sociais da metrópole nos 2000. In: MARQUES, E. (Org.), A metrópole de São Paulo no século XXI: Espaços, heterogeneidades e desigualdades. São Paulo: Editora Unesp, 2015.; REQUENA; GODOY; SARUE, 2015REQUENA, C.; GODOY, S. R.; SARUE, B. Condições urbanas: Desigualdade e heterogeneidade. In: MARQUES, E. (Org.), A metrópole de São Paulo no século XXI: Espaços, heterogeneidades e desigualdades. São Paulo: Editora Unesp , 2015.).

As lógicas do mercado de trabalho e do mercado imobiliário brasileiros também são apontadas como alguns dos fatores fundamentais na produção e perpetuação da segregação nas grandes cidades do país. Mesmo agindo de forma diferenciada, essas dimensões combinam-se, resultando na separação residencial entre os diferentes grupos sociais (TORRES; MARQUES; BICHIR, 2006TORRES, H.; MARQUES, E.; BICHIR, R. Políticas públicas, pobreza urbana e segregação residencial. In: CUNHA, J. M. P. (Org.). Novas Metrópoles Paulistas - População, vulnerabilidade e segregação. Campinas: NEPO/UNICAMP , 2006, p. 231-252.).

Outro fator determinante da segregação residencial é o preço da terra. Kowarick (1993KOWARICK, L. A espoliação urbana. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1993.) destaca que o espaço metropolitano se transformou em um produto escasso, gerando a elevação de preço dos lotes, agravando o problema da carência de moradias em locais com infraestrutura constituída e forçando a parcela mais pobre da população a buscar alternativas em outras áreas, principalmente periféricas, uma vez que a região central foi submetida a um processo de especulação imobiliária moldada ao interesse e a lógica do capital. Esse processo de urbanização brasileiro é inteiramente permeado pela segregação socioespacial. Nesse contexto, o processo de exclusão social gera impactos espaciais e está representado nas favelas e periferias das metrópoles, sendo chamado por Kowarick (1993, p.60) de “espoliação urbana”, processo no qual os interesses do capital tendem a produzir uma mercadoria socialmente adequada quanto ao seu padrão de habitabilidade para as faixas de renda mais elevadas, vedando o acesso para a grande maioria dos trabalhadores (KOWARICK,1993KOWARICK, L. A espoliação urbana. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1993.).

Maricato (1997MARICATO, E. Habitação e cidade. São Paulo: Editora Atual, 1997.) vai além e classifica a habitação como uma mercadoria de produção e distribuição complexa, sendo cara em decorrência da alta valorização nas melhores áreas, tendo seu valor elevado de forma que as classes trabalhadoras não conseguem o acesso à terra nessas regiões. Como um item fundamental na vida das grandes cidades, a posse da terra se transforma em mais um meio de exclusão social e projeção de poder das classes dominantes. Segundo Cunha (2011CUNHA, J. M. P da. Mobilidade espacial, vulnerabilidade e segregação socioespacial: reflexões a partir do estudo da RM Campinas. In: CUNHA, J. M. P. (Org.). Mobilidade espacial da população: desafios teóricos e metodológicos para o seu estudo. Campinas: Núcleo de Estudos da População - Nepo/Unicamp, 2011, p. 117-139., p. 123), “as favelas, conjuntos habitacionais, condomínios fechados e prédios de luxo tornam-se expressões aparentemente contraditórias da estruturação urbana, sendo na verdade, como lembra Bourdieu (2004BOURDIEU, P. Espaço social e poder simbólico. In: BOURDIEU, P. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 149-168.), retificações da estratificação social existente em nossa sociedade”.

É importante destacar que, a partir dos anos 1990, surgem nas áreas periféricas diferentes padrões de segregação socioespacial. De um lado, surgem as “novas periferias” (COSTA et al.,2006 COSTA, Heloisa Soares de Moura; COSTA Geraldo Magela; MENDONÇA, Jupira Gomes.; MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo (Org.). Novas periferias metropolitanas. Belo Horizonte: Coleção Estado da Arte, 2006.) metropolitanas, caracterizadas pela crescente elitização da ocupação e homogeneidade socioespacial, vinculada a legislações restritivas que tornam tais espaços seletivos a ocupação. De outro lado, as chamadas “periferias tradicionais” (CUNHA; D’OTTAVIANO, 2018CUNHA, J. M. P. da.; D’OTTAVIANO, C. Região Metropolitana de São Paulo. In: CUNHA, J. M. P. da. (Org.) Dinâmica demográfica e socioespacial no Brasil Metropolitano: convergências e especificidades regionais. 1a edição. Editora UFSCar: Campinas, 2018.) também apresentam transformações importantes nos seus padrões de ocupação, com o principal deles sendo observado por um processo de heterogeneização socioespacial (MARQUES, 2014MARQUES, E. Estrutura Social e Segregação em São Paulo: Transformações na Década de 2000. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 57, n. 3, p. 675-710, 2014.; 2015MARQUES, E. Os espaços sociais da metrópole nos 2000. In: MARQUES, E. (Org.), A metrópole de São Paulo no século XXI: Espaços, heterogeneidades e desigualdades. São Paulo: Editora Unesp, 2015.), marcado pela melhora nas condições de vida naqueles locais e pela presença de outros grupos sociais, além das camadas mais baixas da pirâmide social, juntamente à reprodução de alguns padrões de ocupação das áreas elitizadas, como condomínios e loteamentos fechados, apresentando algum nível de infraestrutura urbana.

Nesse sentido, as questões relativas às classes sociais e à segregação misturam-se no contexto da metrópole, uma vez que há grande separação espacial entre as classes no território. Há padrões claros de concentração e de evitamento social em determinadas localidades, que apresentam maior ou menor homogeneidade de acordo com as características ocupacionais. Além disso, a segregação constitui-se não apenas como um fator de divisão das classes sociais no território urbano, mas também como um instrumento de controle desse espaço (NEGRI, 2008NEGRI, S. Segregação Sócio-Espacial: Alguns Conceitos e Análises. Coletâneas do Nosso Tempo, v.7, n. 8, 2008, p. 129-153.), ao moldar a cidade de acordo com os interesses do capital e das classes dominantes (VILLAÇA, 2000VILLAÇA, F. O Espaço Intra-Urbano no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP, 2000.).

Como destacado por Villaça (2011VILLAÇA, F. São Paulo: Segregação urbana e desigualdade. Estudos Avançados, v.25, n.71, p. 37-58, 2011.), um dos fatores determinantes para que ocorra a segregação entre as classes sociais em áreas urbanas decorre do fato de que as pessoas das cidades competem umas com as outras tanto pelos serviços do Estado como pela ocupação das melhores localizações, fazendo surgir diferenças e interdependências que acabam por determinar quais espaços determinada classe irá ocupar. No Brasil, ainda de acordo com Villaça (2000VILLAÇA, F. O Espaço Intra-Urbano no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP, 2000.), as metrópoles apresentam marcante segregação espacial das classes sociais em diferentes áreas da cidade, ressaltando que o processo de segregação nos centros urbanos brasileiros ocorre a partir da premissa de que as “diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos de bairros da metrópole” (p. 142). Kowarick (1993KOWARICK, L. A espoliação urbana. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1993.) ressalta que um dos elementos centrais do capitalismo no Brasil e nos países do capitalismo periférico é a constante criação de novas áreas periféricas capazes de fornecer mão de obra barata para as atividades econômicas, reproduzindo assim a classe trabalhadora de forma eficiente.

Portanto, a estrutura ocupacional é importante para o entendimento das características da renda permanente dos indivíduos e está diretamente ligada aos modos de vida e às possibilidades de mobilidade social. De acordo com Carvalhaes et al. (2014CARVALHAES, F. A. de O.; BARBOSA, R. J.; SOUZA, P. H. G. F.; RIBEIRO, C. A. C. Os impactos da geração de empregos sobre as desigualdades de renda: Uma análise da década de 2000. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 29, n. 85, p. 79-98, 2014.), o pertencimento ao território é um indicador privilegiado da posição de classe e, portanto, a inserção dos indivíduos no mercado de trabalho torna-se indispensável para entender como a desigualdade socioespacial se estrutura.

Desse modo, a produção do espaço fornece pistas para a compreensão dos fenômenos e desdobramentos que ocorrem nos territórios. A complexa relação entre o capital privado, o Estado e a sociedade moldam as formas de ocupação do espaço urbano e dos assentamentos populacionais. Para Harvey (1992HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.), as forças desiguais presentes no ambiente urbano produzem uma configuração espacial em que cada área específica contém um grupo com valores, funções de utilidades e condutas homogêneas, estabelecendo relação e influência na organização social da cidade.

Assim, a hipótese de que a classe social molda o espaço é válida, porém unicamente se considerada em conjunto com esses outros aspectos. Nesse ponto, de acordo com Castells (2000CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.), a segregação socioespacial age como uma representação da distribuição das diversas classes sociais no território, com implicações econômicas, políticas e ideológicas. Segundo o autor, a segregação tende a ser maior na medida em que há uma grande distinção social que se reflete no espaço, produzindo um ambiente constituído por zonas de homogeneidade social interna, porém com clara desigualdade social entre elas. Assim, no espaço urbano, o modo como as classes se difundem e se espalham está sujeito principalmente ao acúmulo de capital que cada indivíduo consegue obter.

Junto com essa discussão sobre as causas e os efeitos da segregação, coloca-se o debate sobre as classes sociais. Tanto na questão das classes e da estratificação social quanto da segregação, é pertinente considerar que a localização no espaço físico se tornou um indicador de localização no espaço social. Os padrões de renda e consumo, ao mesmo tempo em que são utilizados para classificar as pessoas, também agem como um produtor do espaço físico, sendo um indicador da posição social dos indivíduos através de sua localização no território das cidades.

Desse modo, a partir da sustentação dada por esta breve revisão bibliográfica sobre segregação, classes e estratificação, serão apresentadas a seguir as escolhas metodológicas para a análise empírica da ocupação social do território e da segregação socioespacial na RMSP e, em seguida, os resultados obtidos para o período 2000 a 2010.

2. Questões metodológicas: a estratificação sócio-ocupacional e o Índice de Moran como indicador de segregação

A metodologia envolve a caracterização e análise da segregação (separação) entre classes sociais no território da Região Metropolitana de São Paulo, por meio da construção de indicadores, combinados com análises espaciais de dados socioeconômicos, em especial dados sobre ocupação, utilizando o esquema de estratificação elaborado pelo Observatório das Metrópoles1 1 O Observatório das Metrópoles é um grupo de pesquisa que trabalha na forma de uma rede, reunindo pesquisadores de diversas instituições, sob a coordenação geral do IPPUR - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. , adotado em importantes estudos, entre eles Ribeiro e Lago (2000RIBEIRO, L. C. de Q.; LAGO, L. C. O espaço social das grandes metrópoles brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Cadernos Metrópole, n. 4, p. 9-32, 2000.); Ribeiro e Ribeiro (2013RIBEIRO, L. C. de Q.; RIBEIRO, M. G. Análise social do território: fundamentos teóricos e metodológicos. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2013.); Ribeiro, Costa e Ribeiro (2013RIBEIRO, L. C. de Q.; RIBEIRO, M. G.; COSTA, L. G. Estrutura social das metrópoles brasileiras: análise da primeira década do século XXI. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2013.); Bógus e Pasternak (2015BÓGUS, L.; PASTERNAK, S. Mudanças recentes na estruturação sócio-espacial da Região Metropolitana de São Paulo. In: BÓGUS, L.; PASTERNAK, S. (Orgs.). São Paulo: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015, p. 111-157.).

Serão usados os dados da amostra dos Censos Demográficos do IBGE de 2000 e 2010, na escala das Áreas de Ponderação2 2 De acordo com o IBGE (2010), a área de ponderação é definida como uma unidade geográfica, formada por um agrupamento mutuamente exclusivo de setores censitários, sendo estes formados por área contínua, integralmente contida em área urbana ou rural. , que apresentam grande desagregação e possibilitam uma análise em escala intraurbana, proporcionando um exame bastante detalhado, diferentemente do que ocorreria se fossem adotados bairros ou distritos administrativos, que possivelmente apresentariam características heterogêneas contidas numa mesma área por conta de seu nível de agregação.

A construção metodológica tem como referência conceitual a teoria do espaço social de Pierre Bourdieu, adaptada para a realidade brasileira, para construção das categorias relativas às classes sociais. Segundo Ribeiro, Costa e Ribeiro (2013RIBEIRO, L. C. de Q.; RIBEIRO, M. G.; COSTA, L. G. Estrutura social das metrópoles brasileiras: análise da primeira década do século XXI. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2013.), o esquema de estratificação social “foi elaborado objetivando a realização de análises empíricas que buscassem compreender as transformações sociais ocorridas nas metrópoles do país” (p. 55). Esse esquema utiliza as ocupações listadas nos dados da amostra dos Censos, seguindo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)3 3 Segundo o Ministério do Trabalho (2015), a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) tem por finalidade a identificação das ocupações no mercado de trabalho, para fins classificatórios junto aos registros administrativos e domiciliares. , as quais foram agrupadas em categorias sócio-ocupacionais e posteriormente agregadas em frações de classe e em classes sociais.

Essa classificação norteou-se pelos princípios da oposição capital e trabalho, oposição entre posição de comando e de subordinação, trabalho não-manual e trabalho manual, considerando trabalho público e privado, os setores de atividade econômica e tendo como filtro para algumas categorias a escolaridade e a renda, com o objetivo de distinguir e espacializar as classes no território.

No esquema elaborado pelo Observatório das Metrópoles, as vinte e quatro categorias sócio-ocupacionais foram agrupadas em oito frações de classe, as quais foram posteriormente agregadas em três grandes classes sociais, correspondendo às classes dominante, média e popular, tal como detalhadamente especificado em Ribeiro, Costa e Ribeiro (2013RIBEIRO, L. C. de Q.; RIBEIRO, M. G.; COSTA, L. G. Estrutura social das metrópoles brasileiras: análise da primeira década do século XXI. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2013.).

Considerando a centralidade do trabalho na organização e disposição da sociedade, as informações sobre as categorias sócio-ocupacionais na RMSP serviram de base para a construção da análise socioespacial do presente trabalho. Devido ao limite de espaço, a análise será realizada somente pelo nível agregado das três grandes classes sociais, a saber: dominante, média e popular, a partir do agrupamento das oito frações de classes e das 24 categorias ocupacionais (RIBEIRO; COSTA; RIBEIRO, 2013RIBEIRO, L. C. de Q.; RIBEIRO, M. G.; COSTA, L. G. Estrutura social das metrópoles brasileiras: análise da primeira década do século XXI. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2013.).

Visando identificar o padrão de segregação sócio-espacial, a partir da ocupação social do território pelas diferentes classes sociais, a análise da segregação será realizada na mesma escala das áreas de ponderação, por meio do Índice de Moran (I) (ANSELIN, 1995ANSELIN, L. Local indicator of spatial association - LISA. Geographical Analysis, v. 27, n.2, p. 93-115, 1995.), que é uma medida de autocorrelação espacial, aferida a partir do produto dos desvios em relação à média, uma vez que indica o grau de associação espacial que ocorre no conjunto de dados (RAMOS, 2002RAMOS, F. R. Análise espacial de estruturas intra-urbanas: o caso de São Paulo. São José dos Campos: INPE, 2002.).

Isto é, a autocorrelação espacial ajuda a compreender o grau em que um objeto é semelhante a outros objetos próximos. O Índice Global de Moran quantifica a autocorrelação espacial entre os valores dos objetos e seus vizinhos, o que permite observar a configuração social no espaço metropolitano quando utilizados dados referentes às categorias sócio-ocupacionais. Entretanto, esse índice possui a limitação de não poder ser espacializado. Para a espacialização dos dados, uma ferramenta complementar é o Índice de Moran Local, no qual os valores determinados podem ser visualizados em um mapa denominado LISAMAP, permitindo observar cartograficamente o tipo de associação espacial presente entre as unidades espaciais de uma determinada região (no caso, para as respectivas Áreas de Ponderação do IBGE).

Tendo como base o coeficiente de correlação de Pearson, o Índice de Moran testa até que ponto o nível de uma variável para uma dada área é similar ou não ao das áreas vizinhas, variando entre -1 e +1 e podendo ser considerado como um índice de correlação entre o valor do indicador em uma área e o valor médio de seus vizinhos. Valores próximos de 1 indicam semelhança, regionalização e clustering (agrupamento), enquanto valores próximos de zero indicam independência, aleatoriedade e dissimilaridade (MARQUES; SCALON, 2009MARQUES, E.; SCALON, C. A Dinâmica dos Grupos Sociais em São Paulo na Década de 1990. In: SCALON, C. (Org.). Ensaios de Estratificação. Belo Horizonte: Argumentum, 2009, p. 23-47.).

Esse índice é muito utilizado quando se pretende medir situações de segregação, sendo sua utilização amparada por ampla literatura tanto nacional como internacional. Assim como os outros indicadores de segregação, esse indicador é afetado pela escala geográfica adotada (ANSELIN, 1995ANSELIN, L. Local indicator of spatial association - LISA. Geographical Analysis, v. 27, n.2, p. 93-115, 1995.). O Índice Global de Moran caracteriza-se por prover uma medida geral da associação espacial existente no conjunto dos dados. O Índice Global de Moran (I) é descrito como:

I = i = 1 n j = 1 n w i j ( z i - z m ) ( z j - z m ) i = 1 n ( z i - z m ) 2

Onde: n representa o número de áreas; zᵢ, o valor do atributo considerado na área i; zm, o valor médio do atributo na região de estudo; e wij, os elementos da matriz normalizada de proximidade espacial (MARQUES et. al., 2010MARQUES, A. P. S. da; HOLZSCHUH, M. L.; TACHIBANA, V. M.; IMAI, N. N. Análise exploratória de dados de área para índices de furto na mesorregião de Presidente Prudente -SP. In: III Simpósio Brasileiro de Ciências Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação, Recife, 2010, p. 1-8, Recife, 2010.).

Já os indicadores locais geram um índice de associação espacial para cada área considerada, sendo possível demonstrar as que possuem maiores semelhanças, gerando concentrações (clusters). Segundo Marques et. al. (2010MARQUES, A. P. S. da; HOLZSCHUH, M. L.; TACHIBANA, V. M.; IMAI, N. N. Análise exploratória de dados de área para índices de furto na mesorregião de Presidente Prudente -SP. In: III Simpósio Brasileiro de Ciências Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação, Recife, 2010, p. 1-8, Recife, 2010., p.3), “[a] soma total do LISA de todas as áreas é proporcional ao valor obtido para o índice Global, isto é, que o indicador local seja uma decomposição do indicador Global”. Assim, para o cálculo da associação espacial local, se utiliza o Índice de Moran Local. Essa estatística para cada área i a partir dos valores normalizados zi do atributo é dada por:

I i = z i j = 1 n w i j z j j = 1 n z j 2

Portanto, os indicadores de associação espacial são estatísticas que avaliam a existência de clusters no arranjo espacial de uma determinada variável. Por exemplo, se um estudo aborda as taxas de homicídios entre os setores censitários de uma cidade, a observação de clusters em determinados locais significa que essas áreas possuem taxas mais altas ou mais baixas do que se espera para o restante da cidade, isto é, os valores que ocorrem estão acima ou abaixo dos de uma distribuição aleatória no espaço.

Desse modo, espera-se, com essas ferramentas estatísticas, dispor de um conjunto de procedimentos e técnicas para verificar a distribuição das classes e estratos no território da RMSP, capaz de revelar a dimensão espacial do fenômeno da segregação e suas variações ao longo da metrópole.

3. Estratificação Sócio-Ocupacional e Segregação Espacial na Metrópole de São Paulo na Década de 2000: uma análise empírica por meio do Índice de Moran

A seguir, serão analisados os resultados referentes à aplicação dos Índices de Moran Global e Local ao esquema de estratificação sócio-ocupacional, investigando os padrões espaciais e a questão da segregação urbana, além de estabelecer um comparativo entre os anos 2000 e 2010, para a Região Metropolitana de São Paulo.

Inicialmente, serão analisados os resultados para o Índice de Moran Global, que mede a ocorrência ou não de autocorrelação espacial entre os valores dos objetos e seus vizinhos, permitindo assim observar a configuração sócio-ocupacional no conjunto do espaço metropolitano, segundo a classificação das três grandes classes sociais (dominantes, média e popular). Posteriormente, são apresentados os resultados do Índice de Moran Local, por meio dos mapas LISA, para identificar os clusters (concentrações) espaciais de áreas de ponderação da metrópole para cada classe social e assim analisar a separação (segregação) existente entre elas.

Por meio da utilização do Índice de Moran Global, torna-se possível avaliar o grau de associação de um dado indicador para uma área específica com os relativos às áreas vizinhas, explorando a existência de padrões aleatórios ou de correlações espaciais (MARQUES; SCALON, 2009MARQUES, E.; SCALON, C. A Dinâmica dos Grupos Sociais em São Paulo na Década de 1990. In: SCALON, C. (Org.). Ensaios de Estratificação. Belo Horizonte: Argumentum, 2009, p. 23-47.). Tendo isso em consideração, a tabela abaixo mostra os resultados para as Classes Dominante, Média e Popular, e também para os cruzamentos entre elas (índices bivariados), para os anos de 2000 e 2010.

Na análise do Índice de Moran, Marques (2014MARQUES, E. Estrutura Social e Segregação em São Paulo: Transformações na Década de 2000. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 57, n. 3, p. 675-710, 2014.) aponta ser usual considerar valores superiores a 0,6 indicativos de alta segregação. Ainda que isso dependa do conjunto de dados utilizados, a observação dos índices evidencia o alto nível de segregação, principalmente para as classes “Dominante” e “Popular”, as quais são as mais segregadas. Ainda, os números mostram que os níveis de segregação variaram pouco, com pequenas reduções no período de dez anos. Por exemplo, o índice da classe “Dominante” era de 0,781 em 2000, passando para 0,746 em 2010, mostrando a estabilidade na concentração dessa classe. A classe “Popular”, com 0,751 em 2000 e 0,704 em 2010, também apresentou índices bastante elevados, havendo uma pequena redução no período analisado. Também é possível verificar que as classes médias apresentam os menores Índices de Moran. Assim, a classe “Média” apresenta-se menos concentrada tanto em 2000, e menos ainda em 2010, com índices de 0,652 e 0,597. Essa redução da segregação da classe “Média” segue a tendência de expansão dos espaços mistos, como poderá ser observado mais adiante, na análise dos Índices de Moran Locais (mapas LISA).

Nos mapas abaixo, são identificados os clusters (concentrações) espaciais de áreas de ponderação que se diferenciam das demais áreas da metrópole em relação a uma variável, neste caso a concentração de uma determinada classe social (ANSELIN, 1995ANSELIN, L. Local indicator of spatial association - LISA. Geographical Analysis, v. 27, n.2, p. 93-115, 1995.). As áreas chamadas de "alto-alto" são aquelas onde ocorrem valores (da variável) muito acima da média da região e, simultaneamente, as áreas vizinhas também apresentam valores muito altos. Já as chamadas "baixo-baixo" representam as áreas com valores abaixo da média da região analisada e simultaneamente as áreas vizinhas também apresentam valores baixos. Além destas, existem as áreas de transição - chamadas "alto-baixo" e "baixo-alto" - onde o padrão local não é similar ao da vizinhança. Finalmente, as áreas em branco são aquelas em que não foram identificados padrões espaciais que se diferenciam de modo particular do observado para o conjunto da região metropolitana.

Portanto, o Índice de Moran Local, expresso pelo mapa LISA, é um excelente método para identificar áreas segregadas para diferentes tipos de variável, que, neste caso, são as três grandes classes sociais do modelo adotado: classes dominante, média e popular, para os anos de 2000 e 2010. Mais precisamente, os resultados dos índices de Moran Global e Local referem-se à porcentagem da população ocupada correspondente a cada uma das três classes sociais (dominante, média e popular) residente na área de ponderação, em relação ao total da população ocupada residente na área de ponderação. Por exemplo, em determinada área de ponderação, no ano 2000, 80% da população ocupada correspondia à Classe Popular, que é um valor muito acima da média da RMSP e que mostra uma alta concentração desta classe nesta área de ponderação.

Inicialmente, serão descritos os mapas univariados de cada uma das classes (Figuras 1, 2 e 3), com a comparação entre os anos de 2000 e 2010. Posteriormente, serão mostrados os cruzamentos entre classes que mostram a distribuição espacial de duas variáveis (classes) em um único mapa para os anos de 2000 e 2010 (Figuras 4 e 5), e que serão analisados juntamente com os índices bivariados do Moran Global, que constam na Tabela 1.

Figura 1
Moran Local da Classe Dominante, RMSP por área de ponderação, comparação entre os anos 2000 e 2010

Figura 2
Moran Local da Classe Média, RMSP por área de ponderação, comparação entre os anos 2000 e 2010

Figura 3
Moran Local da Classe Popular, RMSP por área de ponderação, comparação entre os anos 2000 e 2010

Figura 4
Moran Local para cruzamento entre classes (dominante, média e popular), RMSP por AP, 2000

Figura 5
Moran Local para cruzamento entre classes (dominante, média e popular), RMSP por AP, 2010

Tabela 1
Índice de Moran Global para as Classes

A Figura 1 demonstra a concentração da Classe Dominante na região do centro expandido do município de São Paulo, além das porções centrais de alguns municípios do ABC, demonstrado pelo padrão "alto-alto" para ambos os anos analisados: 2000 e 2010. Os mapas LISA revelam, portanto, que a distribuição espacial da Classe Dominante na metrópole paulistana apresenta grande concentração, especialmente em torno do chamado setor Sudoeste do centro da capital, espraiando-se também na direção da Zona Norte, da região do ABC paulista a Sudeste e no início da Zona Leste. Outro ponto a se destacar é que essa classe social praticamente não está presente nas áreas periféricas em ambos os anos, demonstrado pelo padrão "baixo-baixo".

Em 2000, o Índice de Moran Global era de 0,781 e em 2010 de 0,746. Neste último ano é possível observar uma leve desconcentração das regiões centrais, ainda que bastante tímida. Como já dito, a Classe Dominante é a que se encontra mais segregada entre as analisadas, evidenciando a estabilidade na segregação dessa classe no território e a pouca transformação ocorrida no período de dez anos.

A Figura 2 analisa os resultados para a Classe Média, com o Índice de Moran Global para essa classe em 2000 de 0,652 e em 2010 de 0,597, apresentando uma pequena redução entre esses anos, conforme Tabela 1. A análise dos mapas permite constatar que, em 2000, essa classe estava mais concentrada na região do centro expandido da capital e seu entorno próximo, havendo em 2010 um espraiamento rumo às regiões Oeste, Sul e Leste. No extremo Leste do mapa de 2010, é possível observar o centro do município de Mogi das Cruzes, que se destaca justamente por apresentar uma alta concentração dessa classe, situação que não ocorria no ano 2000.

A observação da distribuição da classe média no espaço mostra a complexidade do cenário da metrópole. Assim, ainda que a distribuição das classes obedeça a um padrão de segregação genericamente radial e concêntrico, como descrito pela maior parte das macronarrativas sobre a metrópole (MARQUES; SCALON, 2009MARQUES, E.; SCALON, C. A Dinâmica dos Grupos Sociais em São Paulo na Década de 1990. In: SCALON, C. (Org.). Ensaios de Estratificação. Belo Horizonte: Argumentum, 2009, p. 23-47.; BÓGUS; PASTERNAK, 2015BÓGUS, L.; PASTERNAK, S. Mudanças recentes na estruturação sócio-espacial da Região Metropolitana de São Paulo. In: BÓGUS, L.; PASTERNAK, S. (Orgs.). São Paulo: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015, p. 111-157.), a observação mais detalhada dessa distribuição revela a crescente heterogeneidade do território metropolitano, com o surgimento de novas configurações espaciais (MARQUES, 2014MARQUES, E. Estrutura Social e Segregação em São Paulo: Transformações na Década de 2000. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 57, n. 3, p. 675-710, 2014.; 2015MARQUES, E. Os espaços sociais da metrópole nos 2000. In: MARQUES, E. (Org.), A metrópole de São Paulo no século XXI: Espaços, heterogeneidades e desigualdades. São Paulo: Editora Unesp, 2015.; REQUENA; GODOY; SARUE, 2015REQUENA, C.; GODOY, S. R.; SARUE, B. Condições urbanas: Desigualdade e heterogeneidade. In: MARQUES, E. (Org.), A metrópole de São Paulo no século XXI: Espaços, heterogeneidades e desigualdades. São Paulo: Editora Unesp , 2015.). Nesse contexto, a classe média concentra-se principalmente no entorno das áreas de elite, sendo uma transição para as áreas periféricas. Assim como a Classe Dominante, os mapas evidenciam a ausência da Classe Média nas regiões periféricas, ainda que essa classe se aproxime mais dessa região do que a primeira.

A Figura 3 apresenta os resultados do Moran Local para a Classe Popular. Ao contrário do que ocorre com as duas classes anteriores, a Classe Popular encontra-se distribuída por toda a região periférica da metrópole, observável pelo padrão "alto-alto", e estando ausente das regiões próximas ao centro expandido da capital, assim como da região do ABC paulista, como mostra o padrão "baixo-baixo". Esse padrão é o inverso dos dois anteriores, o que já era esperado, uma vez que a metrópole paulista historicamente apresenta forte segregação entre as classes sociais (MARQUES; TORRES, 2005MARQUES, E.; TORRES, H. São Paulo: segregação, pobreza urbana e desigualdade social. São Paulo: Editora Senac, 2005.; RIBEIRO; COSTA; RIBEIRO, 2013RIBEIRO, L. C. de Q.; RIBEIRO, M. G.; COSTA, L. G. Estrutura social das metrópoles brasileiras: análise da primeira década do século XXI. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2013.; VILLAÇA, 2011VILLAÇA, F. São Paulo: Segregação urbana e desigualdade. Estudos Avançados, v.25, n.71, p. 37-58, 2011.).

A Classe Popular apresenta valores do Índice de Moran Global de 0,751 para o ano 2000 e 0,704 para 2010, mostrando uma pequena redução no índice entre os dois anos, refletindo em sua espacialização no território. Assim, é possível verificar uma diminuição na intensidade da presença dessa classe em alguns pontos no ano de 2010, suavizando-se a concentração nas regiões Noroeste, Sudoeste e no extremo Leste representado pelo centro de Mogi das Cruzes.

Portanto, com base na observação dos três pares de mapas acima apresentados, das Figuras 1, 2 e 3, pode-se considerar que a RMSP continua intensamente segregada, havendo um padrão de evitação entre os grupos sociais posicionados nos extremos da estrutura social, sendo segundo Marques (2014MARQUES, E. Estrutura Social e Segregação em São Paulo: Transformações na Década de 2000. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 57, n. 3, p. 675-710, 2014.): “compatível com a literatura existente. Entretanto, embora as transformações ocorridas na década tenham trazido maior homogeneidade nas áreas habitadas pelas elites, a heterogeneidade das periferias tendeu a aumentar” (p. 676).

Para possibilitar uma melhor visualização da segregação entre essas classes sociais, foram construídos os mapas bivariados, que confrontam duas variáveis (neste caso, as classes) no espaço metropolitano, para os anos de 2000 e 2010, apresentados nas Figuras 4 e 5, respectivamente4 4 Os mapas bivariados, mostrados nas Figuras 4 e 5, confrontam duas variáveis (duas classes diferentes) no espaço. Ou seja, os mapas bivariados mostram a distribuição espacial de duas variáveis (duas classes) simultaneamente em um único mapa. Assim, por exemplo, o primeiro mapa bivariado, mais à esquerda na Figura 4, mostra as áreas onde a classe dominante está concentrada e simultaneamente onde a classe popular está ausente, que são as áreas classificadas como “Alto-Baixo”. .

No cruzamento entre as Classes Dominante e Popular, o padrão "alto-baixo" representa áreas com altos valores para a primeira e baixos para a segunda, correspondendo às porções centrais da metrópole. Já o padrão "baixo-alto" apresenta baixos valores para Classe Dominante e altos para a Classe Popular. Nas demais áreas, os valores são altos para ambas as classes (padrão "alto-alto"), ou seja, são áreas onde há proximidade espacial entre as Classes Dominante e Popular, como é o caso de áreas do município de Barueri, onde Alphaville está ao lado de bairros de classe popular.

Para o ano 2000, o Moran Global foi de -0,716 e, em 2010, de -0,699 (Tabela 1), valores negativos e expressivos, que mostram significativa correlação espacial negativa entre as Classes Dominante e Popular. A similaridade no valor do índice nos dois anos evidencia a estabilidade na segregação entre essas classes no período. Portanto, essa correlação negativa evidencia a alta concentração da Classe Dominante e ausência da Popular nas áreas centrais da metrópole, representadas pelas áreas "alto-baixo". No anel externo, nas áreas periféricas da metrópole, há uma alta concentração da Classe Popular e ausência da Classe Dominante, representada pelas áreas "baixo-alto".

Na comparação das Classes Média e Popular (Tabela 1), o Índice de Moran Global foi de -0,612 no ano 2000 e de -0,546 em 2010, também mostrando uma correlação espacial negativa entre essas classes, porém menos intensa do que entre as Classes Dominante e Popular. A queda no valor absoluto do Moran Global mostra ainda uma pequena diminuição na segregação entre elas.

À semelhança da comparação entre as Classes Dominante e Popular, observa-se uma alta concentração da Classe Média e ausência da Classe Popular nas áreas centrais da metrópole, marcadas como "alto-baixo". Já nas áreas periféricas, predomina a relação "baixo-alto", onde há uma alta concentração da Classe Popular e ausência da Classe Média. Já nas áreas com altos valores para ambas as classes ("alto-alto"), coexistem estratos médios e populares, geralmente a meio caminho entre a região do centro expandido e as periferias. É interessante ainda observar que as áreas com padrão "baixo-baixo", onde há baixa presença dessas classes, correspondem aos bairros da Classe Dominante, como o setor Sudoeste da capital paulista, região que apresenta forte concentração das camadas de mais alta renda.

Assim, os mapas bivariados revelam também a existência de uma separação espacial entre as Classes Média e Popular, ainda que menor do que entre esta última e a Dominante. Ou seja, enquanto as porções centrais da metrópole são residência das Classes Dominante e Média, à Classe Popular resta morar nas periferias.

Observa-se que a concentração da Classe Média permaneceu na região do centro expandido do município de São Paulo e seu entorno próximo, assim como nos municípios do ABC paulista. Já a Classe Popular novamente apresentou uma redução em sua concentração em algumas áreas da metrópole.

Por fim, os mapas LISA também confrontam a Classe Dominante e a Classe Média, sendo muito diferentes dos mapas bivariados anteriores, onde havia uma clara separação entre as classes. Na relação entre as Classes Dominante e Média, há mais sobreposição do que separação, demonstrando que, grosso modo, há uma coincidência (na distribuição) espacial entre estas, com ambas localizadas nas porções centrais da metrópole, e uma separação espacial em relação à Classe Popular, esta última localizada nas áreas periféricas.

Comparando a Classe Dominante com a Classe Média, o Índice de Moran Global em 2000 apresentou o valor de 0,463, e em 2010 de 0,442 (Tabela 1), valores positivos e não tão elevados, que mostram uma correlação espacial positiva entre essas classes. Porém, como essa correlação não é tão forte, revela-se que a coincidência (ou sobreposição) espacial entre tais classes não é tão perfeita assim. De fato, ainda que as áreas "alto-alto" e "baixo-baixo" sejam predominantes nos dois mapas que cruzam essas classes, é possível observar uma quantidade significativa de áreas "baixo-alto" - isto é, com baixos valores para Classe Dominante e altos valores para Classe Média - que são principalmente as áreas nas bordas da região do centro expandido, onde há forte concentração de estratos médios, mas ausência de estratos mais altos. Há, ainda, áreas com padrão "alto-baixo", com presença da Classe Dominante e ausência da Classe Média, como por exemplo, a região de Alphaville em Barueri, composta de condomínios fechados de alto padrão.

Em síntese, a análise mostra que ambas as classes (Dominante e Média) estão concentradas nas regiões centrais da metrópole (como o centro expandido da capital, porções centrais de Guarulhos, Osasco e ABC paulista) e ausentes nas periferias, mantendo esse padrão no período de 2000 a 2010 (Figuras 4 e 5).

Tendo como base o conjunto dos resultados acima exibidos, em linhas gerais, verifica-se que a RMSP continua bastante segregada, levando-se em consideração o período de dez anos compreendido entre os anos 2000 e 2010. Esse fenômeno ocorre principalmente em relação à Classe Dominante, que se apresenta bastante separada das demais. Já as classes médias e populares apresentaram índices menores de segregação.

Os resultados mostram ainda que, ao longo da primeira década dos anos 2000, essa estrutura sofreu poucas alterações, com esse cenário confirmado pelos indicadores de segregação comparados entre os anos 2000 e 2010, bem como pela distribuição das classes no território da RMSP. A despeito disso, algumas considerações são importantes:

  1. Houve uma pequena redução no Índice de Moran Global em todas as classes entre 2000 e 2010, o que poderia sugerir um possível arrefecimento da separação (segregação) entre as classes no período. No entanto, esse processo se deu de maneira mais evidente entre as Classes Média e Popular, que aparentemente se misturaram mais em relação ao início da década. Já a Classe Dominante permaneceu bastante segregada em relação às demais classes no período de 2000 a 2010.

  2. Os Mapas LISA mostraram uma ligeira ampliação dos espaços da Classe Dominante, do centro expandido da metrópole em direção a outras regiões, como o ABC. Também houve um espraiamento dos espaços da Classe Média rumo à zona leste do município de São Paulo e aos municípios de Osasco e Barueri.

  3. Nas áreas periféricas, em 2010, observou-se a continuidade dos padrões de segregação, mas com algumas alterações no sentido de esses espaços terem se tornado mais heterogêneos, especialmente pela presença da Classe Média e de condomínios fechados nesses locais, com destaque para a região de Alphaville, em Barueri.

Assim sendo, no plano geral, com base no contexto da primeira década do século XXI, onde ocorreram significativas mudanças econômicas e sociais no Brasil (POCHMANN, 2012POCHMANN, M. Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo: Editora Boitempo, 2012; NERI, 2010NERI, M. A nova classe média: o lado brilhante dos pobres. Rio de Janeiro: FGV/IBRE/CPS, 2010.), verifica-se que a intensidade dessas mudanças não foi observada na mesma proporção nos índices e padrões espaciais de segregação sócio-ocupacional, presentes na Região Metropolitana de São Paulo.

4. Considerações Finais

O artigo analisou empiricamente a distribuição espacial das categorias sócio-ocupacionais na Região Metropolitana de São Paulo, ao longo da primeira década do século XXI. Nesse sentido, objetivou-se verificar, nesse período de dez anos, as características da distribuição das diferentes classes sociais no espaço intraurbano, a partir da análise dos dados da amostra dos Censos do IBGE de 2000 e 2010. Os resultados corroboram a hipótese de diversos trabalhos (MARQUES; SCALON, 2009MARQUES, E.; SCALON, C. A Dinâmica dos Grupos Sociais em São Paulo na Década de 1990. In: SCALON, C. (Org.). Ensaios de Estratificação. Belo Horizonte: Argumentum, 2009, p. 23-47.; MARQUES, 2014MARQUES, E. Estrutura Social e Segregação em São Paulo: Transformações na Década de 2000. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 57, n. 3, p. 675-710, 2014.; RIBEIRO; COSTA; RIBEIRO, 2013RIBEIRO, L. C. de Q.; RIBEIRO, M. G.; COSTA, L. G. Estrutura social das metrópoles brasileiras: análise da primeira década do século XXI. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2013.; BÓGUS; PASTERNAK, 2015BÓGUS, L.; PASTERNAK, S. Mudanças recentes na estruturação sócio-espacial da Região Metropolitana de São Paulo. In: BÓGUS, L.; PASTERNAK, S. (Orgs.). São Paulo: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015, p. 111-157.) de que, mesmo com importantes transformações econômicas, sociais e consequentemente na estrutura ocupacional, a metrópole de São Paulo continua intensamente segregada, especialmente no que diz respeito aos territórios das elites.

Utilizando o modelo de estratificação elaborado pelo Observatório das Metrópoles (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013RIBEIRO, L. C. de Q.; RIBEIRO, M. G.; COSTA, L. G. Estrutura social das metrópoles brasileiras: análise da primeira década do século XXI. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2013.), foi possível constatar que as características de segregação geográfica se unem com as da segregação sócio-ocupacional, tornando possível estabelecer uma aproximação à tese da “topologia social” elaborada por Bourdieu (2004BOURDIEU, P. Espaço social e poder simbólico. In: BOURDIEU, P. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 149-168.), na qual ocorreria a sobreposição do espaço social e do espaço territorial (MARQUES; SCALON, 2009MARQUES, E.; SCALON, C. A Dinâmica dos Grupos Sociais em São Paulo na Década de 1990. In: SCALON, C. (Org.). Ensaios de Estratificação. Belo Horizonte: Argumentum, 2009, p. 23-47.), ainda que a metodologia utilizada neste trabalho apresente importantes distinções com a perspectiva daquele autor. Portanto, a análise da distribuição espacial das classes sociais no território mostra o distanciamento espacial existente entre elas, expondo a separação física, social e econômica que se constitui na base da segregação presente nas cidades e metrópoles brasileiras.

Neste estudo, utilizaram-se os índices de Moran Global e Local (mapas LISA) para as três grandes classes (Dominante, Média e Popular), além de se produzir o cruzamento entre elas, como forma de analisar os diferentes padrões socioespaciais na década de 2000.

Ainda que os resultados obtidos não neguem a ocorrência de pequenas alterações na distribuição das classes no espaço da metrópole, eles apontam para a estabilidade da segregação entre as classes analisadas, já que não é possível observar alterações significativas em suas distribuições no espaço metropolitano. Verificou-se também que os espaços das elites ficaram ainda mais homogêneos, enquanto as periferias mostraram-se mais heterogêneas. Entretanto, são necessárias análises mais detalhadas para se verificar o que de fato ocorreu nessas áreas.

Portanto, os resultados confirmam a manutenção da segregação entre as classes, em sintonia com as conclusões de trabalhos recentes sobre a metrópole de São Paulo, como os de Marques e Scalon (2009MARQUES, E.; SCALON, C. A Dinâmica dos Grupos Sociais em São Paulo na Década de 1990. In: SCALON, C. (Org.). Ensaios de Estratificação. Belo Horizonte: Argumentum, 2009, p. 23-47.); Ribeiro, Costa e Ribeiro (2013RIBEIRO, L. C. de Q.; RIBEIRO, M. G.; COSTA, L. G. Estrutura social das metrópoles brasileiras: análise da primeira década do século XXI. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2013.); Marques (2014MARQUES, E. Estrutura Social e Segregação em São Paulo: Transformações na Década de 2000. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 57, n. 3, p. 675-710, 2014.; 2015MARQUES, E. Os espaços sociais da metrópole nos 2000. In: MARQUES, E. (Org.), A metrópole de São Paulo no século XXI: Espaços, heterogeneidades e desigualdades. São Paulo: Editora Unesp, 2015.) e Bógus e Pasternak (2015BÓGUS, L.; PASTERNAK, S. Mudanças recentes na estruturação sócio-espacial da Região Metropolitana de São Paulo. In: BÓGUS, L.; PASTERNAK, S. (Orgs.). São Paulo: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015, p. 111-157.). Também, é possível questionar algumas das teses sobre as grandes mudanças na estrutura social brasileira, que teriam ocorrido na primeira década do século XXI (NERI, 2008NERI, M. A nova classe média. Rio de Janeiro: FGV/IBRE/CPS, 2008.; 2010NERI, M. A nova classe média: o lado brilhante dos pobres. Rio de Janeiro: FGV/IBRE/CPS, 2010.; SOUZA; LAMOUNIER, 2010SOUZA, A.; LAMOUNIER, B. A Classe Média Brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.), mostrando que tais transformações não foram capazes de alterar significativamente a distribuição espacial das classes sociais, marcada pela segregação nas grandes cidades e metrópoles brasileiras.

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  • 1
    O Observatório das Metrópoles é um grupo de pesquisa que trabalha na forma de uma rede, reunindo pesquisadores de diversas instituições, sob a coordenação geral do IPPUR - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • 2
    De acordo com o IBGE (2010), a área de ponderação é definida como uma unidade geográfica, formada por um agrupamento mutuamente exclusivo de setores censitários, sendo estes formados por área contínua, integralmente contida em área urbana ou rural.
  • 3
    Segundo o Ministério do Trabalho (2015), a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) tem por finalidade a identificação das ocupações no mercado de trabalho, para fins classificatórios junto aos registros administrativos e domiciliares.
  • 4
    Os mapas bivariados, mostrados nas Figuras 4 e 5, confrontam duas variáveis (duas classes diferentes) no espaço. Ou seja, os mapas bivariados mostram a distribuição espacial de duas variáveis (duas classes) simultaneamente em um único mapa. Assim, por exemplo, o primeiro mapa bivariado, mais à esquerda na Figura 4, mostra as áreas onde a classe dominante está concentrada e simultaneamente onde a classe popular está ausente, que são as áreas classificadas como “Alto-Baixo”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jan 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2018
  • Aceito
    08 Jan 2019
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