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A reiteração do provisório: considerações sobre o emprego do Auxílio Aluguel no município de São Paulo

Resumo

O presente artigo visa refletir sobre a função do Auxílio Aluguel, uma modalidade de atendimento habitacional provisório ofertada pela prefeitura de São Paulo, e relacionar seu uso com o processo de urbanização crítica da metrópole. Para tanto, expõe a dimensão alcançada pelo subsídio no quadro geral das condições de moradia popular na cidade de São Paulo, apresenta uma análise sobre a origem dessa modalidade de atendimento e segue com a caracterização de seus dependentes e dos principais motivos que levaram à sua inclusão no auxílio. Por fim, o emprego do Auxílio Aluguel é relacionado às características apresentadas e problematizado tanto em relação à política habitacional como no âmbito das estratégias de planejamento urbano operadas no município de São Paulo.

Palavras-chave:
São Paulo; Urbanização; Planejamento Urbano; Habitação; Auxílio Aluguel

Abstract

The aim of this study is to reflect upon the role of Rental Assistance (Auxílio Aluguel), a modality of temporary housing assistance offered by the City Council of São Paulo, and to relate its use to the urbanization process of the metropolis. To this end, we expose the extent to which this subsidy has reached within the general framework of popular housing in the city of São Paulo, and continue with an analysis on the origin of this type of assistance. This is followed by characterizing those in receipt of this assistance and identify the reasons for being included in the program. Finally, the use of rental assistance is discussed, both in the sphere of housing policy and in relation to planning strategies operated in the city of São Paulo.

Keywords:
São Paulo; Urbanization; Urban Planning; Housing; Rental Assistance

Introdução

O Auxílio Aluguel responde atualmente pela única alternativa de atendimento habitacional provisório ofertada pela prefeitura de São Paulo e, até janeiro de 2020 (PORTAL HABITASAMPA, 2020)PORTAL HABITASAMPA. Home. Disponível em: http://www.habitasampa.inf.br /. Acesso em: 17 fev. 2020.
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1 1 Dado de 10 de janeiro de 2020. , registrava o vínculo de 26.743 titulares. Operado pela Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), caracteriza-se fundamentalmente pelo pagamento mensal de verba pecuniária no valor de R$ 400,00, com o intuito de subsidiar a locação domiciliar de famílias cuja renda mensal seja de até R$ 2.400,00 - ou R$ 500,00 per capita (SÃO PAULO, 2015b)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 131, de 9 de julho de 2015. Diário Oficial, São Paulo, 2015b..

Até junho de 2019, sua concessão estava submetida às seguintes situações: (i) remoção de assentamento precário por intervenção pública; (ii) por obra de urbanização ou (iii) para a prevenção de risco; (iv) casos emergenciais, como deslizamento, incêndio e alagamento; e (v) casos de extrema vulnerabilidade, de acordo com critérios da assistência social. Contudo, após essa data, os casos de extrema vulnerabilidade foram retirados de seu escopo (SÃO PAULO, 2019a)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 68, de 11 de junho de 2019. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2019a., mesmo sem a apresentação de estudos de impacto ou propostas de acolhimento institucional que levassem em consideração os agravos no quadro de vulnerabilidades municipais, a exemplo do aumento da população em situação de rua desde 2015, estimada em 24.344 pessoas no ano de 2019 (SÃO PAULO, 2019bSÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Pesquisa censitária da população em situação de rua, caracterização socioeconômica da população em situação de rua e relatório temático de identificação das necessidades desta população na cidade de São Paulo. Relatório Final. 2019b. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/Produtos/Produto%209_SMADS_SP.pdf . Acesso em: 25 ago. 2020.
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). Ainda sobre esse aspecto, observa-se que antes de 2015 era possível realizar a inclusão de titular sem justificativa prévia (SÃO PAULO, 2015a)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 101, de 15 de abril de 2015. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2015a., desde que determinada pela Coordenadoria de Habitação Popular (SÃO PAULO, 2010a)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 323, de 22 de julho de 2010. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2010a. ou pelo Gabinete do Secretário (SÃO PAULO, 2014)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 114, de 16 de julho de 2014. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2014..

No que se refere às condições de oferta, observa-se que o subsídio é temporário para casos de extrema vulnerabilidade social, com cobertura de doze meses e passível de uma única renovação por igual período - aspecto que possivelmente implicará o encerramento desse tipo de situação no conjunto das pessoas atendidas a partir de 2021, dada a exclusão do critério em 2019. Todavia, quando há remoção ou situação de emergência em ocupação consolidada2 2 Em definição oficial, trata-se de ocupação irregular com mais de dez anos, sobretudo em terreno público (SÃO PAULO, 2019a). Entretanto, o conceito está em disputa constante por se atrelar às condicio nantes para intervenções urbanísticas, bem como às possibilidades de atendimento ofertadas. , o titular do auxílio é vinculado a programas de reassentamento e o pagamento mensal se torna contínuo até que seja viabilizada uma condição habitacional definitiva.

Por fim, dentro do atual regimento, é vedada sua concessão ou mesmo a manutenção dos pagamentos para quem reside fora do município de São Paulo. Com base nessa diretriz, a Sehab suspendeu o auxílio de 4.879 usuários em agosto de 2019, após identificar a retirada de pagamentos em agências bancárias fora do município. A conexão demonstrava fragilidades, especialmente porque a atividade em si não comprova a residência do titular em outra municipalidade. Outro agravante era o fato de 80,5% dos referidos saques terem sido realizados na Região Metropolitana de São Paulo, a maioria deles em Embu das Artes, limite com a capital. A determinação foi barrada pelo Ministério Público de São Paulo e a prefeitura, obrigada a efetuar os pagamentos bloqueados. Ainda assim, o ocorrido ilustra a atualidade do tema e a existência de práticas punitivas no tratamento de seus dependentes (SILVA, 2019SILVA, F. P. Habitação em São Paulo: a truculência dos cortes no auxílio aluguel. Le Monde Diplomatique. Brasil, 2019. ).

Em uma cidade profundamente desigual e cuja precariedade habitacional estimada pela administração pública chega a 27% da população, o Auxílio Aluguel é exibido como um serviço de apoio para a implementação da política habitacional. No entanto, com base em estudos realizados desde 2016, a hipótese deste artigo é de que tanto a criação do pagamento mensal de verba pecuniária com fins habitacionais como as constantes alterações identificadas em seu uso no município de São Paulo mostram-se antes engendradas por estratégias urbanísticas que integram de modo expropriatório o processo geral de reprodução via produção do ambiente construído (HARVEY, 2013HARVEY, D. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo , 2013.; 2011HARVEY, D. O enigma do capital. São Paulo: Boitempo , 2011.). O texto segue com o intuito de desenvolver esse raciocínio.

1. Moradia popular em perspectiva: o olhar da administração pública municipal

Para referir-se às condições de moradia popular na cidade de São Paulo, a Sehab faz uso do conceito de assentamentos precários3 3 O conceito se atrela a novas formas de dimensionar o fenômeno, inclui situações distintas de ina dequação e permite comparações de âmbito nacional, como desenvolvido em MARQUES, E. (coord.). Assentamentos precários no Brasil urbano. Brasília, DF: Ministério das Cidades, 2007. . Recomendado pela Política Nacional de Habitação (PNH) de 2004, a adoção do termo visa “englobar, numa categoria de abrangência nacional, o conjunto de assentamentos urbanos inadequados ocupados por moradores de baixa renda, incluindo as tipologias tradicionalmente utilizadas pelas políticas públicas de habitação” (BRASIL, 2010, p. 9)BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação. Guia para o mapeamento e caracterização de assentamentos precários. Brasília, DF: Ministério das Cidades, 2010.. Entende-se, na perspectiva da administração pública, que as condições de moradia podem apresentar diferentes níveis de precariedade habitacional e devem ser comparadas entre si, ainda que subdividas em categorias como cortiço, loteamento irregular, favela e núcleo.

Para a Sehab (PORTAL HABITASAMPA, 2020)PORTAL HABITASAMPA. Home. Disponível em: http://www.habitasampa.inf.br /. Acesso em: 17 fev. 2020.
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, cortiços são imóveis que servem à locação de habitações coletivas, possuem alta densidade de ocupação e circulação, apresentam instalações sanitárias compartilhadas, dispõem de alto custo de aluguel por metro quadrado edificado e, usualmente, se localizam na região central da cidade. Por loteamentos irregulares são identificadas as moradias promovidas por agentes privados e implantadas sem provisão de infraestrutura mínima e respaldo oficial de licenciamento, portanto, a edificação se faz sobre uma estrutura fundiária informal; ocorrem com mais frequência nas periferias da cidade, por vezes se estendendo a municípios com os quais a capital se limita. Já favelas e núcleos são categorias utilizadas para definir áreas de ocupação de terreno público ou particular, sem ordenamento prévio de lotes ou arruamento e que concentram residências autoconstruídas, em geral com elevado grau de precariedade edilícia. Distinguem-se somente pelo alcance da rede de infraestrutura urbana, visto que a definição oficial reconhece como núcleo todas as favelas dotadas de 100% da infraestrutura necessária para o abastecimento de água, coleta de esgoto e drenagem pluvial, iluminação pública e coleta de lixo, distinção que na maior parte dos casos não se comprova na verificação do real4 4 A Lei Federal n. 6.766/1979 vincula a definição de solo urbano à oferta de determinados serviços pú blicos, o que poderia justificar a distinção entre favelas e núcleos. Porém, a problematização se dá em razão da presença não satisfatória da rede de infraestrutura urbana também nos núcleos existentes. .

A estimativa oficial sobre o número de edifícios encortiçados se restringe às subprefeituras da Sé e da Mooca. Assim, mesmo contabilizando 1.506 imóveis cadastrados até dezembro de 2019 (PORTAL HABITASAMPA, 2020)PORTAL HABITASAMPA. Home. Disponível em: http://www.habitasampa.inf.br /. Acesso em: 17 fev. 2020.
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5 5 Dado de 8 de dezembro de 2019. , o dado é reconhecidamente subdimensionado. Além disso, muito se discute sobre as possibilidades de mensurar a população que reside em cortiços em função das dinâmicas dessa forma de habitação. De acordo com Kowarick (2009KOWARICK, L. Viver em risco. São Paulo: Editora 34, 2009., p. 117):

Os dados de pesquisas quantitativas e as entrevistas realizadas indicam que mais da metade de seus moradores migram de cortiço em cortiço, seja porque possa ter havido alguma alteração no local de trabalho, ou porque, o que é mais provável, algum evento no local de moradia fez com que a pessoa procurasse outra casa de cômodos para habitar, mantendo a decisão de continuar a viver nas zonas centrais da cidade.

Por essa razão, os dados municipais sobre a população que reside em assentamentos precários se concentram nos 2 mil loteamentos, 1.727 favelas e 426 núcleos cadastrados pela Sehab até dezembro de 2019 (PORTAL HABITASAMPA, 2020)PORTAL HABITASAMPA. Home. Disponível em: http://www.habitasampa.inf.br /. Acesso em: 17 fev. 2020.
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6 6 Dado de 8 de dezembro de 2019. . Valendo-se das bases cartográficas da Sehab e do último Censo Demográfico disponível (2010), o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) estimou que aproximadamente 27% da população do município residia em favelas (considerados os núcleos) ou loteamentos irregulares7 7 A metodologia de análise empregada permite identificar precariedades não classificadas pelo Censo como setores subnormais. Ao relacionar dados socioeconômicos e bases cartográficas produzidas pela Sehab, o método aproxima inferências estatísticas das condições reais de habitação , proporção que, de acordo com o CEM, deverá se manter no próximo Censo Demográfico (2020/2021), conforme se vê na Tabela 1.

Tabela 1
Projeção populacional para o total da população e para a população em favelas (considerados os núcleos) e loteamentos irregulares. Município de São Paulo: 2010-2020

Adicionam-se ainda estimativas sobre o déficit habitacional da cidade, compreendido como o número total de novas moradias viabilizadas para enfrentamento do problema habitacional e cuja metodologia de cálculo foi desenvolvida pela Fundação João Pinheiro. Em 2016 (SÃO PAULO, 2016b)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) e Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab). Plano Municipal de Habitação: Caderno para discussão pública. São Paulo: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, 2016b., estimou-se que seria necessário viabilizar aproximadamente 358.097 domicílios no município para responder à demanda da população que recebe até seis salários mínimos. O dado refere-se tanto a moradias em assentamentos precários que exigiriam reposição (5,4%) como à demanda representada pela coabitação familiar (28,9%), pelo ônus excessivo com o aluguel (52,4%) e pelo adensamento excessivo de imóveis alugados (13,2%).

Seria possível dar sequência ao debate apoiando-nos nessa primeira caracterização e explorar a precariedade habitacional, enquanto forma particular de habitar a cidade, continuamente produzida e imposta a uma parte significativa da população (ENGELS, 2015ENGELS, F. Sobre a questão da moradia. São Paulo: Boitempo, 2015.), e a desigualdade socioespacial, enquanto produto intrínseco do processo de urbanização crítica (DAMIANI, 2009DAMIANI, A. A urbanização crítica na metrópole de São Paulo a partir de fundamentos da geografia urbana. Revista da Anpege, São Paulo, v. 5, p. 39-53, 2009.). Partiríamos de imediato para os fundamentos da problemática urbana, nos termos da produção do espaço. Contudo, a análise correria o risco de permanecer generalista.

Conceito e realidade, a produção do espaço explicita que organizá-lo é uma exigência da reprodução social capitalista. O espaço (produto social) é declarado político e, portanto, objeto de uma política (institucional ou não) que se realiza como estratégia de classe (de modo consciente ou não), a saber, o próprio urbanismo (LEFEBVRE, 2008bLEFEBVRE, H. Espaço e política. Belo Horizonte: Editora da UFMG , 2008b.). Sob essa perspectiva, compreender o Auxílio Aluguel e as contradições que advêm de seu emprego no processo de acumulação via produção do ambiente construído é, simultaneamente, explorar seu uso como mecanismo da organização do espaço.

Para a administração pública municipal, portanto, nos termos da organização do espaço, o enfrentamento da precariedade habitacional (um subsistema) passa pela compreensão do problema (o diagnóstico) e pela construção de medidas para sua mitigação (um plano). Identificadas as principais características e dimensionadas as condições de moradia no município, torna-se responsabilidade do poder público desenhar uma política habitacional (ações, programas e serviços) orientada pelo direito à moradia digna para toda a população (política pública). Para isso, deve-se equacionar o diagnóstico em linhas de atuação do Estado na área de habitação social, aqui sistematizadas de modo sintético no Fluxograma 1 8 8 Destaca-se que o fluxograma não visa apresentar particularidades de programas, serviços e modali dades em vigência nem esgotar a complexa estrutura que envolve a atuação dessa secretaria, ou mesmo abarcar interfaces entre as frentes identificadas. , com base na distinção entre atendimento habitacional definitivo e provisório.

Fluxograma 1
Frentes de atuação da administração pública na área habitacional

De um lado, proposições relacionadas a condições permanentes de habitação. De outro, serviços de gerenciamento habitacional que visam garantir acolhimento habitacional imediato9 9 Como exemplo, o Plano Municipal de Habitação de São Paulo de 2016 propõe três linhas progra máticas: o Serviço de Moradia Social, relacionado à moradia transitória; a Intervenção Integrada em Assentamentos Precários e a Provisão de Moradia, referentes ao atendimento definitivo. . A construção de infraestrutura urbana, a titulação de loteamentos ou favelas e a produção de edifícios ou casas para venda subsidiada, reassentamento ou promoção de iniciativas de locação pública, como o programa Locação Social, são apresentadas como formas de garantir moradia definitiva. Todavia, declara-se que a consolidação de assentamentos precários por meio da provisão de infraestrutura e regularização pode exigir remoções; ademais, não é raro que intervenções urbanas de outras pastas (mobilidade, desenvolvimento urbano, saneamento etc.) justifiquem a remoção total de uma favela. Adicionam-se ainda demandas por moradia cujo atendimento deve ser imediato, como em situações de desastre ou emergência. Assim, para lidar com esses casos, o escopo de atendimento da política habitacional inclui a oferta de condições temporárias de moradia, aspecto de interesse particular para esta reflexão.

Como anunciado na introdução deste artigo, o Auxílio Aluguel concentra atualmente toda a demanda por habitação em caráter provisório do município de São Paulo e, em janeiro de 2020, respondia pelo subsídio das despesas com moradia de 26.743 famílias (PORTAL HABITASAMPA, 2020)PORTAL HABITASAMPA. Home. Disponível em: http://www.habitasampa.inf.br /. Acesso em: 17 fev. 2020.
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10 10 Dado de 10 de janeiro de 2020. . Para isso, somente no ano de 2015, o subsídio figurou como o terceiro maior investimento da Sehab, respondendo por cerca de R$ 117 milhões do orçamento destinado à habitação de interesse social de São Paulo (SÃO PAULO, 2016b, p. 99)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) e Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab). Plano Municipal de Habitação: Caderno para discussão pública. São Paulo: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, 2016b.. O valor anual mais recente aponta para a liquidação de R$ 120.374.500,00 (PMSP, 2020)PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO (PMSP). Home. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/acesso_a_informacao/index.php?p=178762 . Acesso em: 16 set. 2020.
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em 2019 e um acumulado que ultrapassa a casa de R$ 1bilhão para os últimos dez anos (2009-2019), se aplicadas as correções do IPC-Fipe.

Neste contexto, uma questão se destaca: afinal, não é estranho constatar que apenas em 2015 foram investidos mais de 16% de todo o recurso destinado à política habitacional para o custeio mensal de dezenas de milhares de parcelas de aluguel no mercado privado (formal e informal)? Para desenvolver a questão, cabe aprofundar o debate sobre as diretrizes de atuação da administração pública municipal na área de habitação, em especial no que se refere ao atendimento habitacional de caráter provisório.

2. Os atendimentos habitacionais de caráter provisório em retrospecto

2.1 Dos alojamentos provisórios à criação do Auxílio Aluguel

Sob a ótica da administração pública, a viabilidade de um atendimento habitacional depende da construção e da regulamentação de modelos operacionais, sejam eles de caráter provisório ou definitivo. Assim, nos termos da organização do espaço, parte-se da criação de um modelo e, por conseguinte, formulam-se modalidades que visam detalhar os critérios da demanda a ser atendida e os atributos de oferta e manutenção do atendimento via regulamentação específica.

Com enfoque no município de São Paulo, o Fluxograma 2 sintetiza os modelos operacionais e as modalidades de atendimento habitacional provisório que serão abordados na sequência11 11 Novamente, o esforço empreendido não visa esgotar a temática. Sua função é apenas distinguir o que se entende por modelo operacional e modalidade de atendimento, com base nos dois grandes grupos identificados. .

Fluxograma 2
Atendimento habitacional provisório: modelos operacionais e modalidades

Observam-se, de início, dois modelos operacionais e quatro modalidades de atendimento: o Alojamento Provisório, que se fundamenta na provisão e manutenção de estruturas físicas destinadas à moradia, e o Bolsa Aluguel, o Parceria Social e o Auxílio Aluguel, que, apesar de serem modalidades distintas, compartilham um mesmo modelo de operação, a saber, o pagamento de verba pecuniária com fins de habitação.

Lançado em 2004, durante a gestão de Marta Suplicy12 12 Marta Suplicy esteve à frente da prefeitura de São Paulo entre 2000 e 2004, pelo Partido dos Traba lhadores (PT). , o Bolsa Aluguel13 13 Formalizado mediante Resolução n. 04 do Conselho Municipal de Habitação (SÃO PAULO, 2004a) e regulamentado via Instrução Normativa Sehab-G n. 01 (SÃO PAULO, 2004b). é a primeira modalidade de atendimento habitacional provisório com atributos similares ao do Auxílio Aluguel. Estruturado como programa e concebido na esfera do Conselho Municipal de Habitação (CMH), tinha como objetivo subsidiar a locação de moradia mediante o pagamento mensal de verba pecuniária variável em até R$ 300,00. Com depósito direto para o titular do subsídio, sua destinação era restrita a famílias de baixa renda removidas pelo programa de urbanização ou para fins de moradia popular. Sua concessão exigia a formalidade do contrato de locação, por isso o programa também oferecia garantias para regularizar a situação entre o titular do atendimento e o proprietário do imóvel. Além dos critérios de enquadramento da demanda, a modalidade possuía critérios de enquadramento para o domicílio locado, que definiam condições mínimas de habitabilidade, e sua manutenção dependia da apresentação de comprovantes de pagamento do aluguel.

A legislação permite resgatar as principais características da modalidade. Contudo, por inaugurar o modelo operacional em análise, importa compreender o contexto de sua criação, relacionado tanto à falência estrutural dos Alojamentos Provisórios como às estratégias urbanísticas voltadas para o Edifício São Vito. Iniciemos pelo último aspecto.

Localizado na região central da cidade, onde atualmente se encontra a unidade Sesc Parque Dom Pedro II, o Edifício São Vito foi desapropriado em 2004, mesmo ano de lançamento do Bolsa Aluguel, e demolido em 2011, cerca de sete anos depois. De acordo com Alves (2011ALVES, G. A segregação socioespacial na metrópole paulista. GEOUSP: Espaço e Tempo (Online), n. 29, p. 33-42, 2011., p. 37), as disputas travadas em torno do imóvel são emblemáticas para compreender São Paulo, pois se relacionam com a “reincorporação de áreas desvalorizadas ao mercado imobiliário”. Em consonância com essa autora, Siqueira (2018SIQUEIRA, R. Edifício São Vito: poder público, imprensa e estigmatização. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 269-286, 2018.) analisa o caso e identifica a integração desse edifício em um plano urbanístico que se inicia nos anos 2000, com o intuito declarado de atrair turistas e moradores de diferentes faixas de renda para o centro de São Paulo.

Contando com 27 andares e cerca de seiscentas unidades domiciliares, o imóvel abrigava grande número de pessoas e nele predominavam relações formais de propriedade e inquilinato, apesar dos diferentes estigmas por se tratar de uma população majoritariamente de baixa renda (SIQUEIRA, 2018SIQUEIRA, R. Edifício São Vito: poder público, imprensa e estigmatização. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 269-286, 2018., p. 276-277). Em função dessas características, a estratégia inicial para o edifício era via projeto de habitação. O propósito exigia obras de requalificação edilícia e demandava, portanto, a retirada de todos os que nele residiam. Nesse contexto, coube à prefeitura realizar acordos individuais para viabilizar a desapropriação e assumir o compromisso de priorizar os próprios moradores na seleção das unidades habitacionais produzidas, a fim de garantir “o retorno de parte das famílias após a reforma” (SIQUEIRA, 2018, p. 279)SIQUEIRA, R. Edifício São Vito: poder público, imprensa e estigmatização. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 269-286, 2018..

Com atenção ao ocorrido, Siqueira (2018SIQUEIRA, R. Edifício São Vito: poder público, imprensa e estigmatização. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 269-286, 2018.) pontua que, embora a condução do processo fosse do órgão habitacional do município, desde o início a proposta não parecia responder às demandas habitacionais apresentadas pela população atingida. Em suas palavras,

Os moradores do São Vito que se enquadrassem no programa seriam priorizados no atendimento, mas teriam de readquirir o apartamento, caso já fossem proprietários, ou então precisariam comprá-lo, se fossem inquilinos. Em um país em que o direito de propriedade prevalece sobre quase tudo, essa população foi injustamente destituída de suas garantias de proprietários ou de inquilinos, em um projeto alimentado pela ideia errônea, porém cuidadosamente elaborada, de que se tratava de uma ocupação informal, perigosa, cuja intervenção era legítima (SIQUEIRA, 2018SIQUEIRA, R. Edifício São Vito: poder público, imprensa e estigmatização. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 269-286, 2018., p. 279).

A intervenção exigia remoção total e o poder público se comprometia com o retorno de ao menos parte das famílias após a finalização das obras. Contudo, parte significativa da população atingida não possuía condições para arcar com seu sustento depois de ter sido desalojada do imóvel. Por essa razão, a viabilidade do projeto, e, portanto, das estratégias de acumulação engendradas por essa intervenção, dependia da oferta imediata de atendimento habitacional em caráter provisório.

À época, a modalidade de atendimento habitacional provisório vigente era o Alojamento Provisório. Como mencionado, seu modelo operacional responsabilizava a prefeitura pela edificação e manutenção de estruturas físicas destinadas à moradia temporária. Entretanto, o não reassentamento definitivo das famílias residentes e a manutenção precária das estalagens por parte do poder público prolongavam o uso dessas construções para além de suas capacidades. A administração pública produzia situações de alta precariedade habitacional para seus residentes e, por vezes, dava início a novas áreas de favela. Esse é o caso de Heliópolis, por exemplo, que tem parte de seu território originado pela construção de uma Vila de Habitação Provisória (VHP), alojamento provisório edificado para atender de modo temporário famílias removidas da Favela Vergueiro e de outras áreas da Vila Prudente (PASTERNAK, 2003PASTERNAK, S. Um olhar sobre a habitação em São Paulo. Cadernos Metrópole, n. 9, p. 81-117, 2003., p. 104; MOREIRA, 2017MOREIRA, F. Heliópolis e a produção municipal de moradias populares em favelas. ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 17, 2017, São Paulo. Anais... São Paulo: Anpur, 2017., p. 3).

Nesse processo, destaca-se a manifestação da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab) no Conselho Municipal de Habitação (CMH), em 2008:

[...] por se tratar de um caso que é lincado ao alojamento provisório e que completa 18 anos de sofrimento dessas famílias, a gente entende que é uma necessidade para que esse conselho municipal, com toda sua soberania, aprove esse valor, esse aporte a mais que tem um montante de soma total de 587 mil reais e que a gente consiga concluir as obras, onde hoje há esgoto a céu aberto, ratos, hoje tem condição sub-humana de moradia, vizinho ao Autódromo de Interlagos [...] Nessa gestão [gestão Serra-Kassab, de 2005 a 2008] existiam aproximadamente 1.800 famílias vivendo em alojamento provisório que foram colocados pela prefeitura coisa de 15, 20 anos atrás [...] Eu acredito que hoje, de 1.800 famílias, deve haver menos de 500, 400, famílias em alojamento (SÃO PAULO, 2008, p. 4)SÃO PAULO (município). Conselho Municipal de Habitação. Ata da 6ª reunião extraordinária da comissão executiva do CMH: Gestão 2007/2009. São Paulo: Secretaria Municipal de São Paulo e Conselho Municipal de Habitação, 2008..

O excerto expõe a permanência de famílias por mais de quinze anos em uma estrutura de caráter provisório, com reforço para as condições “sub-humanas” de moradia presenciadas. A situação descrita é de alta precariedade habitacional e o registro explicita a intenção de extinguir os alojamentos provisórios ainda existentes. Soma-se a isso o reconhecimento de um compromisso público com a moradia definitiva daquelas pessoas, reforçado pela menção ao aporte para concluir obras de consolidação de moradias no local.

Mesmo se tratando de um registro postulado quatro anos após a promulgação do Bolsa Aluguel, é importante explicitar que as proposições para o Edifício São Vito conviviam com a falência desse modo de ofertar atendimento habitacional provisório14 14 Informação obtida durante atuação profissional na área de planejamento da Sehab, entre fevereiro de 2016 e agosto de 2018. . Coube à administração pública, ao deparar com graves limitações para a adoção desse modelo, formular uma alternativa sem a qual dificilmente teria sido possível garantir a desocupação do imóvel. Esse é o contexto de origem do Bolsa Aluguel. Considerando o número elevado de domicílios vazios na região central da cidade e os desafios para formalizar contratos de locação (SÃO PAULO, 2004aSÃO PAULO (município). Conselho Municipal de Habitação. Resolução n. 04, de 30 de janeiro de 2004. Aprova o Programa de Bolsa Aluguel. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2004a.; 2004b)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo. Instrução Normativa n. 01, de 19 de fevereiro de 2004. Define os procedimentos para a operacionalização do programa Bolsa Aluguel Municipal nos termos da resolução CMH n. 04, de 30 de janeiro de 2004. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2004b., a prefeitura apresentou o pagamento de verba pecuniária como alternativa viável para subsidiar condições provisórias de moradia dentro do mercado formal de aluguéis.

No que se refere ao caso específico, vinculado ao desalojamento dos moradores do Edifício São Vito, é importante observar que a transição de governo no município15 15 José Serra assume a prefeitura em 2005 pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e é seguido por Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo entre 2006 e 2012 pelo Partido Frente Liberal (PFL), Democratas (DEM) e Partido Social Democrático (PSD). interferiu radicalmente na condução das estratégias de “reincorporação de áreas desvalorizadas ao mercado imobiliário” (ALVES, 2011ALVES, G. A segregação socioespacial na metrópole paulista. GEOUSP: Espaço e Tempo (Online), n. 29, p. 33-42, 2011., p. 37). A nova gestão anulou os compromissos públicos assumidos até então, desde a transformação do imóvel em habitação de interesse social, até o teor das negociações estabelecidas com os moradores deslocados de modo compulsório. Esse episódio foi simbolicamente selado pela demolição do imóvel em 2011. Com relação aos acordos entre o poder público e os residentes, Siqueira (2018SIQUEIRA, R. Edifício São Vito: poder público, imprensa e estigmatização. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 269-286, 2018., p. 280) informa que a maior parte não foi cumprida e, “cinco anos após a desocupação do imóvel, antigos moradores afirmavam ainda não ter recebido as indenizações referentes à desapropriação”. Remanescia, no entanto, um novo modelo operacional para viabilizar atendimentos habitacionais de caráter provisório, o pagamento de verba pecuniária com fins habitacionais.

Dando sequência à formulação de modalidades análogas ao Auxílio Aluguel, em 2007, durante a gestão de Gilberto Kassab, a prefeitura lança o Parceria Social (SÃO PAULO, 2007)SÃO PAULO (município). Conselho Municipal de Habitação. Resolução n. 31, de 14 de setembro de 2007. Aprova o Programa de Parceria Social. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2007. com base no mesmo modelo operacional do Bolsa Aluguel. Nessa modalidade, o contrato de locação permaneceu sob responsabilidade do titular do benefício, mas o depósito mensal de até R$ 300,00 era direcionado ao proprietário do imóvel. A concessão pressupunha igualmente o cumprimento de condições mínimas de habitabilidade do domicílio, e a continuidade dos pagamentos dependia da apresentação dos comprovantes de pagamento do aluguel. Adicionalmente, havia deveres a ser cumpridos, como o investimento em poupança e a manutenção dos filhos na escola. Nota-se que a modelagem manteve seu caráter de apoio, destinando-se a pessoas atingidas por intervenções públicas. Contudo, os critérios de demanda foram ampliados com a inclusão de (i) residentes em alojamento provisório e (ii) famílias em vulnerabilidade social extrema.

O Auxílio Aluguel é instituído pouco tempo depois da promulgação do Parceria Social, durante a mesma gestão municipal, e ambos coexistem até o início de 2016. A verba pecuniária paga, inicialmente de R$ 300,00 mensais, foi atualizada em 2015 para R$ 400,00. Lançada em julho de 2010, a modalidade integra o programa Ações de Habitação (SÃO PAULO, 2010aSÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 323, de 22 de julho de 2010. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2010a.; 2010b)SÃO PAULO (município). Prefeitura Municipal de São Paulo. Decreto n. 51.653, de 22 de julho de 2010. Regulamenta a forma de pagamento da verba de atendimento habitacional no âmbito do Programa “Ações para Habitação”. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2010b., que amplia as formas de destinar verba pecuniária pela área habitacional. Além do Auxílio Aluguel, o programa abarcava modalidades não mais aplicadas, como o Apoio Habitacional, o Auxílio Mudança e a Compra de Moradia, conhecida à época como “cheque-despejo”.

A flexibilidade conferida ao subsídio ganha destaque nesta última versão da modelagem. Por meio do Auxílio Aluguel, as formalidades do contrato de locação e a atenção sobre os critérios de habitabilidade do domicílio locado deixam de configurar como requisitos para sua concessão. A prefeitura se desresponsabiliza completamente pelo local de residência temporária das pessoas deslocadas por obras públicas, fato que a distância ainda mais das condições reais de moradia daqueles que dependem desse atendimento.

Outro reflexo observado é a ausência total de monitoramento sobre a destinação dos recursos investidos, até mesmo no que se refere à sua empregabilidade no mercado informal de aluguéis. Sobre esta última consideração, é reconhecidamente necessário investigar de modo aprofundado as consequências do Auxílio Aluguel para o mercado informal de locação. A título de exemplo, observa-se uma possível relação do subsídio com o aumento dos preços de aluguel em bairros periféricos e em favelas de maior porte, como Heliópolis, Jardim São Francisco, Jaguaré e Paraisópolis, a última delas objeto de estudos recentes (CUNHA, 2019CUNHA, T. O Auxílio Aluguel e o Programa Municipal de Urbanização de Favelas: uma análise a partir da urbanização da favela de Paraisópolis. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 18, 2019, Natal. Anais... Natal: Anpur, 2019.).

Por fim, até o Parceria Social, todo investimento destinado ao atendimento habitacional provisório, fosse mediante alojamentos provisórios, fosse com o pagamento de verba pecuniária, provinha do Fundo Municipal de Habitação (FMH), portanto, todas as alterações legais e financeiras estavam submetidas à aprovação do CMH. O programa Ações de Habitação modificou a fonte de recurso do modelo, deslocada do FMH para compor a verba de custeio da Sehab, por intermédio do Tesouro municipal. Ao empreender essa alteração, a administração também retirou do CMH qualquer participação sobre diretrizes de uso e função do programa.

2.2 Dos moradores do Edifício São Vito aos milhares em Auxílio Aluguel

Como identificado, em 2019 a Sehab despendeu mais de R$ 120 milhões para custear o Auxílio Aluguel, montante que ultrapassa a casa de R$ 1 bilhão para os últimos dez anos (2009-2019). Os dados surpreendem, mas não devem ocultar reflexões de maior profundidade. A caracterização normativa de modalidades análogas ao Auxílio Aluguel e a recuperação do seu contexto de origem contribuem para a discussão. Porém, para avançar, é importante compreender quem são as pessoas que dependem do subsídio e quais foram as ocorrências que as conduziram a essa situação.

De partida, nota-se que as unidades de referência para o trabalho da Sehab são o domicílio e a família, e esta última é responsável pela caracterização do agrupamento de pessoas que residem em um mesmo domicílio. Apesar das limitações conceituais que surgem como resultado dessa escolha, vale pontuar que existem formatos distintos de composição familiar, que, no caso do Auxílio Aluguel, variam entre uma ou mais de oito pessoas associadas. Em decorrência, se, em julho de 2018, a Secretaria registrava o vínculo de 28.264 famílias16 16 As informações sobre a composição familiar dos titulares do subsídio provêm da base cadastral do Auxílio Aluguel, e foram extraídas do sistema de informações da Sehab em julho de 2018. com o Auxílio Aluguel, observando os dados de composição familiar de cada um dos titulares, pode-se afirmar que naquele mesmo mês cerca de 70 mil pessoas dependiam do subsídio para garantir o custeio, ainda que parcial, da sua condição de moradia.

É importante registrar que o Auxílio Aluguel não adota oficialmente uma política de destinação do recurso para a mulher responsável pelo núcleo familiar, como já ocorre em programas como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida; ainda assim, cerca de 61% das titulares são mulheres, proporção maior que a média da Região Metropolitana de São Paulo (SEADE, 2020)SEADE. FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS. Mulheres e arranjos familiares na metrópole. Pesquisa SEADE, 2020. Disponível em: https://www.seade.gov.br/wp-content/uploads/2020/03/Pesquisa-SEADE_Mulheres-chefes-fam%c3%adlia_ok.pdf . Acesso em: 25 ago. 2020.
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. Ademais, verifica-se que o cadastro não registra cor e raça do titular, o que impede caracterizar esse aspecto com base nas informações adquiridas.17 17 O registro dessa variável é fundamental para não invisibilizar as condições de vida da população negra e sua relação com as políticas públicas.

No que se refere ao volume de atendimentos, o Gráfico 1 apresenta a movimentação de 32.181 famílias que já acessaram o pagamento de verba com fins habitacionais, ou seja, do total acumulado de famílias a ele atreladas entre 2004 e 2017.

Gráfico 1
Fluxo de atendimentos habitacionais provisórios, via pagamento de verba pecuniária (modalidades Bolsa Aluguel, Parceria Social e Auxílio Aluguel). Município de São Paulo: 2004-2017

O Gráfico 1 consolida informações sobre a concessão e a supressão do subsídio aos titulares cadastrados no sistema de informações da Sehab. Para sua análise, deve-se considerar que o registro de entrada diz respeito à data de emissão do primeiro pagamento efetuado para o núcleo familiar atendido, ainda que o titular tenha sido alterado por circunstâncias autorizadas. Por sua vez, a data de saída da família pode se referir (i) ao encerramento do prazo de concessão do subsídio, no caso de subsídio temporário, (ii) ao descumprimento de critérios da modalidade, (iii) ao recebimento de moradia definitiva ou mesmo (iv) a situações não previstas nem registradas.

O crescimento processual dos dependentes do Auxílio Aluguel pode ser observado em razão da diferença entre o volume anual de entrada e saída registrados. Nota-se um aumento abrupto do número de inclusões a partir de 2009, ocorrência que alcança número recorde no ano de 2011, com a entrada de 9.139 novas famílias. Se até o presente momento não há sistematização oficial e detalhada sobre as situações que ensejaram a concessão e o encerramento do auxílio, dois caminhos interpretativos podem ajudar nessa compreensão. Primeiro, que a alteração constante dos critérios para a concessão do benefício pode ter contribuído para esse aumento exponencial, aspecto reforçado pelo grande número de portarias a regulamentar o benefício estudado. Segundo que, em sua última versão, o modelo operacional se torna ainda mais flexível que modalidades anteriores, permitindo o volume de inclusões verificado a partir de 2011. Tais processos serão desenvolvidos na última seção deste artigo.

Por fim, estudos iniciados em abril de 201618 18 Destaca-se que até 2016 não havia nenhuma sistematização oficial sobre o Auxílio Aluguel no muni cípio de São Paulo. Integrei esforços nesse sentido junto às equipes de trabalho social e tecnologia da informação, durante passagem profissional pela área de planejamento da Sehab (2016-2018). evidenciaram que cerca de 82,8% do total de titulares em Auxílio Aluguel residia em favelas da capital antes de receber o benefício, e mais de um terço havia sido removido por obras de urbanização (SÃO PAULO, 2016b, p. 40-43)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) e Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab). Plano Municipal de Habitação: Caderno para discussão pública. São Paulo: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, 2016b.. Nesse contexto, é relevante considerar que, do total de famílias atendidas, mais de treze mil recebem o subsídio em razão de remoções promovidas no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO. Disponível em: http://www.pac.gov.br /. Acesso em: 10 out. 2019.
http://www.pac.gov.br...
19 19 De acordo com o site oficial do programa no Ministério do Planejamento do Governo Federal, em síntese, o PAC promove financiamentos em âmbito federal, a fim de promover obras ligadas à infraestrutura urbana e social, logística e energética. , informação consolidada na Tabela 2.

Tabela 2
Famílias em Auxílio Aluguel deslocadas de modo compulsório pelo PAC

De acordo com os registros, os empreendimentos realizados no âmbito do PAC Urbanização de Assentamentos Precários foram os que mais interferiram no volume de pessoas em Auxílio Aluguel e respondem pela inclusão de mais de dez mil famílias na modalidade. Do ponto de vista institucional, as obras de urbanização devem minimizar as remoções, garantindo infraestrutura para consolidar os assentamentos. Além disso, o reassentamento de todas as famílias deslocadas é um requisito para encerrar os contratos, aspecto que mantém antigos contratos da Sehab em aberto, a exemplo do PAC 1: Urbanização de Paraisópolis, que data de 2007 e cujas obras e recursos já se encerraram, restando pendente o reassentamento das famílias removidas que se encontram em Auxílio Aluguel.

3. A reiteração do provisório e a administração dos processos de expropriação

Como desenvolvido, do número de famílias em Auxílio Aluguel, mais de 80% residia em favelas da capital antes de receber o subsídio e cerca de treze mil delas, quase 50% do total, foram removidas para viabilizar obras do PAC. Nesse contexto, é questionável definir o Auxílio Aluguel como benefício ou serviço de apoio habitacional de assistência. Ademais, se a maior parte dos pagamentos de verba se destina a esse agrupamento, a magnitude alcançada pelo subsídio demonstra ser perene e de difícil alteração.

Também foi observado que o atendimento em questão emprega parte significativa dos recursos destinados à área habitacional no município de São Paulo. Embora a soma liquidada anualmente impressione, é importante assinalar que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) utilizou recurso similar à Sehab para custear o auxílio moradia de menos de 2.500 juízes e desembargadores, em 2018 (FERRARI; FONSECA, 2018FERRARI, C; FONSECA, B. Auxílio-moradia de juízes pode custar quase R$ 900 milhões até o fim do ano. Agência Pública. São Paulo, 14. mar. 2018. Disponível em: https://apublica.org/2018/03/auxilio-moradia-de-juizes-pode-custar-quase-r-900-milhoes-ate-o-fim-do-ano/ . Acesso em: 23 set. 2019.
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). Caracterizado pelo pagamento mensal de mais de R$ 4.000,00, destaca-se que a verba do TJSP se destina a membros do Judiciário cuja remuneração inicial pode alcançar até vinte salários mínimos. Diametralmente oposto à caracterização de um benefício ou privilégio, o Auxílio Aluguel aqui analisado subsidia a locação domiciliar de quase trinta mil famílias já empobrecidas, as quais, em sua maioria, vivenciaram situações emergenciais ou de deslocamento forçado, como demostrado. Dessa maneira, os números consolidados podem causar impacto, mas não devem servir à criminalização de usuários de um atendimento insuficiente para promover condições minimamente adequadas de moradia. Sobre o último aspecto, vale enfatizar que, no estado de São Paulo, entre os anos de 2017 e 2018, a parte da população cuja renda é compatível com o Auxílio Aluguel chegou a despender até R$ 633,83 com aluguel (IBGE, [s.d.])IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017/2018. [s.d.]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/24786-pesquisa-de-orcamentos-familiares-2.html?edicao=25578&t=resultados . Acesso em: 10 jul. 2020.
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, gasto superior aos R$ 400,00 mensais pagos.

Em retrospecto, verificou-se que a criação do Bolsa Aluguel isentou a administração pública municipal de ofertar atendimento habitacional provisório mediante a edificação e a manutenção de estruturas físicas destinadas à moradia, como eram os alojamentos provisórios. O fato barateou as condições de oferta do atendimento provisório, mas a modalidade que instaura o pagamento de verba pecuniária com fins habitacionais ainda manteve sob responsabilidade da administração pública (i) o destino do titular, (ii) as condições de habitabilidade do domicílio locado, (iii) a formalidade do contrato de aluguel e, consequentemente, (iv) o destino da verba empregada. Do mesmo modo, foi observado que o Parceria Social preservou os quatro compromissos de origem, no entanto sua formulação incorporou casos de extrema vulnerabilidade e antigos residentes de alojamentos provisórios, duas situações que até então apareciam socialmente como demanda por atendimento habitacional definitivo, e não provisório. Ao efetuar essa alteração, a administração ampliou o escopo de atendimento desse modelo e passou a empregar o pagamento de verba pecuniária como resposta ao déficit habitacional do município. Também se identificou que a promulgação do Auxílio Aluguel não apenas desresponsabilizou a administração municipal pelos comprometimentos que originam o pagamento de verba pecuniária, como adicionou ambiguidades em sua destinação, por vezes realizada sem processo administrativo e justificada somente pela autorização de gabinete secretarial (SÃO PAULO, 2010aSÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 323, de 22 de julho de 2010. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2010a.; 2014)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 114, de 16 de julho de 2014. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2014.. Ademais, é nessa modalidade que todas as decisões sobre escopo, caracterização de demanda e orçamento são retiradas do CMH, portanto, da esfera institucional de controle e participação social.

A análise sistemática da legislação demonstra um movimento de flexibilização das condições de oferta desse tipo de atendimento habitacional. As transformações identificadas garantiram condições legais para expandir de forma abrupta as capacidades institucionais de oferta de um subsídio monetário e imediato pela pasta habitacional, além de terem conferido ao poder executivo municipal total soberania sobre as decisões referentes ao modelo, fato verificado pelas sequentes alterações via portaria (SÃO PAULO, 2010aSÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 323, de 22 de julho de 2010. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2010a.; 2014SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 114, de 16 de julho de 2014. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2014.; 2015aSÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 101, de 15 de abril de 2015. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2015a.; 2015bSÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 131, de 9 de julho de 2015. Diário Oficial, São Paulo, 2015b.; 2019SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal da Fazenda. Contas públicas - orçamento. Disponível em: http://orcamento.sf.prefeitura.sp.gov.br/orcamento/execucao.php . Acesso em: 20 fev. 2020.
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). Entre os reflexos desse processo, verificou-se o aumento exponencial do número de beneficiários, em especial a partir de 2009.

Ganha destaque nesse contexto a origem das modalidades Parceria Social e Auxílio Aluguel em uma mesma gestão da prefeitura municipal e sua coexistência no período de maior número de inclusões. Como apresentado no Gráfico 1, entre 2011 e 2015 a Sehab incluiu mais de três mil titulares por ano, 9.139 famílias somente em 2011, mesmo ano de criação do Auxílio Aluguel. Dados e documentos isoladamente não explicam o processo, mas o detalhamento do fenômeno permite relacioná-lo tanto a um período “histórico de intervenções orientadas pela remoção em massa de famílias residentes em assentamentos precários” (SÃO PAULO, 2016c, p. 33)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) e Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab). Balanço de Governo, 2013 | 2016. São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo, 2016c. , no qual “o número de unidades produzidas nesses empreendimentos era muito inferior à demanda removida do mesmo lugar” (SÃO PAULO, 2016cSÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) e Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab). Balanço de Governo, 2013 | 2016. São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo, 2016c. , p. 16), como à “ocorrência sistemática de incêndios que ‘curiosamente’ se repetiram nesse mesmo período [2010-2013] em regiões da cidade que concentravam intervenções urbanas” (SILVA, 2015SILVA, F. P. A urbanização e o movimento de regulação do urbano: uma análise crítica das transformações da várzea do rio Tietê. 2015. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015., p. 48).

Em adição, um olhar atento para aqueles que dependem do Auxílio Aluguel evidencia com clareza que o recurso é majoritariamente empregado para custear despesas habitacionais de pessoas que deveriam ter o acesso à moradia definitiva garantido pelo Estado. Em outras palavras, o universo de atendimento abarcado por esse subsídio é composto em sua maioria de famílias pobres que vivenciaram situações de agravamento dessa condição por meio de deslocamentos forçados de favelas como Paraisópolis, Heliópolis, Sapé, São Francisco, Rocinha Paulistana, Heliópolis, Viela da Paz, Jardim Letícia, Real Parque e Moinho, apenas para citar os dez locais de origem da maior parte dos titulares.

Remoção, desapropriação e despejo, assim como incêndio, alagamento e desmoronamento, efetivam o deslocamento de pessoas que residem em assentamentos precários de modo compulsório e forçado. Compõem, por isso, formas concretas de expropriação de uma dimensão basilar de reprodução da vida, a saber, a moradia. Esse mesmo conjunto de situações compõe os critérios de inclusão no Auxílio Aluguel e corresponde à origem da maior parte de seus titulares, excetuados os casos de extrema vulnerabilidade social, que representam menos de 15% do total e tendem a diminuir em virtude de sua exclusão dos critérios de inclusão (SÃO PAULO, 2019a)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 68, de 11 de junho de 2019. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2019a.. Desse modo, se a criação do modelo operacional em análise e sua flexibilização por meio das modalidades investigadas foram constantemente justificadas pelo combate ao déficit habitacional do município de São Paulo, a pesquisa realizada identificou o contrário. Engendradas por estratégias de acumulação por meio da produção do ambiente construído, as alterações identificadas se conectam antes à necessidade de viabilizar deslocamentos forçados e, portanto, contribuem para o aumento desse déficit.

De acordo com Harvey (2013HARVEY, D. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo , 2013., p. 479), a produção de configurações espaciais deve ser pensada como “um ‘momento ativo’ dentro da dinâmica temporal geral da acumulação e da reprodução social”. A formulação recoloca a urbanização no movimento geral do capital, compreendendo-a como um campo de negócios e, ao mesmo tempo, um setor produtivo de grande interesse para o refúgio de capitais:

A produção do espaço em geral e da urbanização em particular tornou-se um grande negócio no capitalismo. É um dos principais meios de absorver o excesso de capital. Uma proporção significativa da força de trabalho é empregada na construção e manutenção do ambiente edificado. Grandes quantidades de capitais associados, geralmente mobilizados sob a forma de empréstimos a longo prazo, são postos em movimento no processo de desenvolvimento urbano (HARVEY, 2011HARVEY, D. O enigma do capital. São Paulo: Boitempo , 2011., p. 137).

Em seus desdobramentos analíticos, esse autor também chama atenção para as práticas de violência e espoliação engendradas pela urbanização e dá destaque para a imbricação entre o planejamento urbano e as formas de expropriação. Para Harvey (2011HARVEY, D. O enigma do capital. São Paulo: Boitempo , 2011., p. 146):

Os poderes financeiros apoiados pelo Estado pressionam para a remoção forçada de favelas, em alguns casos tomando posse violentamente de um terreno ocupado durante toda uma geração pelos moradores das favelas. A acumulação do capital sobre a terra por meio da atividade imobiliária aumenta à medida que a terra é adquirida com quase nenhum custo. Será que as pessoas que foram forçadas a sair de suas casas recebem uma indenização?

O debate se conecta à pesquisa realizada. Tributária da falência estrutural dos alojamentos provisórios, a intervenção no Edifício São Vito exigiu uma nova alternativa habitacional provisória, cujo sentido apresentado seria administrar o tempo entre a remoção e a finalização da obra. Parte de um acordo cunhado por ilusões urbanísticas dos que “creem decidir e criar” (LEFEBVRE, 2008aLEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008a., p. 141), pode-se dizer que a origem do pagamento de verba pecuniária com fins de moradia no município estudado se vincula a estratégias contundentes de acumulação pela produção do ambiente construído. Se a demolição ocorrida em 2011 é um emblema da “estratégia de valorização da área central empreendida pelo Estado e iniciativa privada” (ALVES, 2011ALVES, G. A segregação socioespacial na metrópole paulista. GEOUSP: Espaço e Tempo (Online), n. 29, p. 33-42, 2011., p. 39), nos termos da presente reflexão, o mesmo episódio também demarca a formulação do mecanismo que passou a ser utilizado em toda a cidade para administrar o volume de pessoas atingidas por deslocamentos compulsórios.

Incluídos os atingidos pelo despejo do Edifício São Vito, o Auxílio Aluguel corresponde ao acúmulo de aproximadamente setenta mil pessoas expropriadas de suas formas pretéritas e já precárias de moradia e que se tornaram dependentes de recurso por vezes menor que o necessário para custear gastos com a locação domiciliar. Observou-se também que as promessas de reassentamento declaradas no ato de concessão do atendimento provisório raramente se cumpriram, fenômeno potencializado por uma sociedade cujas “transformações urbanas só podem se realizar como um rolo compressor que esmaga todos aqueles que não têm recursos para conquistar benefícios injetados na cidade” (KOWARICK, 1993KOWARICK, L. A espoliação urbana. São Paulo: Paz e Terra, 1993., p. 84).

O Auxílio Aluguel é, até o presente momento, a formulação com maior capacidade de deslocar para o futuro a garantia habitacional de pessoas atingidas por diferentes formas de expropriação, a maior parte delas conduzidas pelo próprio poder público. Seu emprego como moeda de troca em negociações para viabilizar obras e intervenções públicas, somado ao barateamento de custos decorrente da redução de responsabilidades da administração pública, permitiu a efetivação de remoções simultâneas e em larga escala, mesmo antes de apresentar qualquer resposta concreta às demandas anteriores. Desse modo, a criação, a regulamentação e o emprego de um subsídio monetário com fins habitacionais têm servido para forjar uma ilusão de vínculo do sujeito expropriado com a garantia de uma moradia definitiva.

O movimento da pesquisa deslocou a análise da organização para a produção do espaço. Se nos termos da organização do espaço o Auxílio Aluguel figura como apoio à implementação da política habitacional, do ponto de vista da produção essa modalidade se mostra, antes, um mecanismo necessário para administrar deslocamentos forçados, e cuja reformulação constante permite ao Estado ampliar a escala territorial e temporal de estratégias urbanísticas que envolvem remoções. Assim, a reiteração do provisório reforça tanto os vínculos da política habitacional com as estratégias de planejamento urbano como seu papel na administração social de corpos expropriados.

Por fim, é importante resgatar e defender que qualquer situação de deslocamento forçado em razão de obra pública ou emergência em assentamento precário confere à administração pública uma responsabilidade direta no tocante à reposição do domicílio para as pessoas atingidas. A moradia é um direito social reconhecido pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988)BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. e regulamentado pelo Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001)BRASIL. Estatuto da Cidade (2001). Lei n. 10.257 de 10 de julho de 2001: Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2001.. Por isso, nos termos da organização do espaço e da política institucional, é um dever de Estado assegurar o pagamento de Auxílio Aluguel até que sejam ofertadas condições definitivas de habitação para cada um de seus usuários. Em um contexto de “impossibilidade do urbano para todos, a não ser que se transformem radicalmente as bases da produção e da reprodução sociais” (DAMIANI, 2000DAMIANI, A. A metrópole e a indústria. Terra Livre, São Paulo, n. 15, p. 21-37, 2000., p.30), o caráter crítico do processo de urbanização encobre o fato de que ações de cunho estatal não podem superar as contradições engendradas pela reprodução social capitalista. Ainda assim, e à revelia dos limites proferidos pelo planejamento (urbano e financeiro) e seus signos de responsabilidade fiscal, a urgência imposta pela vida impõe a defesa da oferta de moradia definitiva para todas as pessoas que hoje dependem do Auxílio Aluguel.

Referências

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  • 1
    Dado de 10 de janeiro de 2020.
  • 2
    Em definição oficial, trata-se de ocupação irregular com mais de dez anos, sobretudo em terreno público (SÃO PAULO, 2019a)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 68, de 11 de junho de 2019. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2019a.. Entretanto, o conceito está em disputa constante por se atrelar às condicio nantes para intervenções urbanísticas, bem como às possibilidades de atendimento ofertadas.
  • 3
    O conceito se atrela a novas formas de dimensionar o fenômeno, inclui situações distintas de ina dequação e permite comparações de âmbito nacional, como desenvolvido em MARQUES, E. (coord.). Assentamentos precários no Brasil urbano. Brasília, DF: Ministério das Cidades, 2007.
  • 4
    A Lei Federal n. 6.766/1979 vincula a definição de solo urbano à oferta de determinados serviços pú blicos, o que poderia justificar a distinção entre favelas e núcleos. Porém, a problematização se dá em razão da presença não satisfatória da rede de infraestrutura urbana também nos núcleos existentes.
  • 5
    Dado de 8 de dezembro de 2019.
  • 6
    Dado de 8 de dezembro de 2019.
  • 7
    A metodologia de análise empregada permite identificar precariedades não classificadas pelo Censo como setores subnormais. Ao relacionar dados socioeconômicos e bases cartográficas produzidas pela Sehab, o método aproxima inferências estatísticas das condições reais de habitação
  • 8
    Destaca-se que o fluxograma não visa apresentar particularidades de programas, serviços e modali dades em vigência nem esgotar a complexa estrutura que envolve a atuação dessa secretaria, ou mesmo abarcar interfaces entre as frentes identificadas.
  • 9
    Como exemplo, o Plano Municipal de Habitação de São Paulo de 2016 propõe três linhas progra máticas: o Serviço de Moradia Social, relacionado à moradia transitória; a Intervenção Integrada em Assentamentos Precários e a Provisão de Moradia, referentes ao atendimento definitivo.
  • 10
    Dado de 10 de janeiro de 2020.
  • 11
    Novamente, o esforço empreendido não visa esgotar a temática. Sua função é apenas distinguir o que se entende por modelo operacional e modalidade de atendimento, com base nos dois grandes grupos identificados.
  • 12
    Marta Suplicy esteve à frente da prefeitura de São Paulo entre 2000 e 2004, pelo Partido dos Traba lhadores (PT).
  • 13
    Formalizado mediante Resolução n. 04 do Conselho Municipal de Habitação (SÃO PAULO, 2004aSÃO PAULO (município). Conselho Municipal de Habitação. Resolução n. 04, de 30 de janeiro de 2004. Aprova o Programa de Bolsa Aluguel. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2004a.) e regulamentado via Instrução Normativa Sehab-G n. 01 (SÃO PAULO, 2004bSÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo. Instrução Normativa n. 01, de 19 de fevereiro de 2004. Define os procedimentos para a operacionalização do programa Bolsa Aluguel Municipal nos termos da resolução CMH n. 04, de 30 de janeiro de 2004. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2004b.).
  • 14
    Informação obtida durante atuação profissional na área de planejamento da Sehab, entre fevereiro de 2016 e agosto de 2018.
  • 15
    José Serra assume a prefeitura em 2005 pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e é seguido por Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo entre 2006 e 2012 pelo Partido Frente Liberal (PFL), Democratas (DEM) e Partido Social Democrático (PSD).
  • 16
    As informações sobre a composição familiar dos titulares do subsídio provêm da base cadastral do Auxílio Aluguel, e foram extraídas do sistema de informações da Sehab em julho de 2018.
  • 17
    O registro dessa variável é fundamental para não invisibilizar as condições de vida da população negra e sua relação com as políticas públicas.
  • 18
    Destaca-se que até 2016 não havia nenhuma sistematização oficial sobre o Auxílio Aluguel no muni cípio de São Paulo. Integrei esforços nesse sentido junto às equipes de trabalho social e tecnologia da informação, durante passagem profissional pela área de planejamento da Sehab (2016-2018).
  • 19
    De acordo com o site oficial do programa no Ministério do Planejamento do Governo Federal, em síntese, o PAC promove financiamentos em âmbito federal, a fim de promover obras ligadas à infraestrutura urbana e social, logística e energética.
  • 1
    Data from January 10, 2020.
  • 2
    At the time of writing, the exchange rate of the Brazilian Real was U$5.58.
  • 3
    The official definition of this is an unauthorized occupation of more than ten years, especially on public land (SÃO PAULO, 2019a)SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Portaria n. 68, de 11 de junho de 2019. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2019a.. However, the concept is in constant dispute for being linked to the constraints for urban interventions, as well as to the possibilities of assistance offered.
  • 4
    The concept is linked to new ways of measuring the phenomenon and includes different situations of inadequacy and enables comparisons at a national level, as developed in MARQUES, E. (coord.). Assen tamentos precários no Brasil urbano. Brasília, DF: Ministério das Cidades, 2007.
  • 5
    Federal Law No. 6,766 / 1979 links the definition of urban land to the provision of certain public services, which could justify the distinction between favelas and nuclei. However, the problematization is due to the unsatisfactory presence of the urban infrastructure network also in the existing nuclei.
  • 6
    Data from December 8, 2019.
  • 7
    This and all other non-English citations hereafter were translated by the author.
  • 8
    Data from December 8, 2019.
  • 9
    The analysis methodology employed enables the identification of precarious situations not classified by the Census as subnormal sectors. When relating socioeconomic data and cartographic bases produ ced by Sehab, the method approximates statistical inferences to the real housing conditions.
  • 10
    It should be noted that the flowchart does not aim to present particularities of programs, services and modalities in force, nor to exhaust the complex structure that involves the performance of this secretariat, or even to cover interfaces between the identified fronts.
  • 11
    As an example, the 2016 São Paulo Municipal Housing Plan proposes three programmatic lines: The Social Housing Service, related to transitional housing; the Integrated Intervention in Informal Settle ments and the Provision of Housing, referring to the permanent assistance.
  • 12
    Data from January 10, 2020.
  • 13
    The consumer price index from the Institute of Economic Research Foundation.
  • 14
    Again, the effort undertaken does not aim to exhaust the theme. Its function is only to distinguish what is understood by the operational model and assistance modality, based on the two major groups identified.
  • 15
    Marta Suplicy was the leader of the City Council of São Paulo between 2000 and 2004, for the Workers Party (PT).
  • 16
    Formalized through Resolution Nº. 4 of the Municipal Housing Council (SÃO PAULO, 2004aSÃO PAULO (município). Conselho Municipal de Habitação. Resolução n. 04, de 30 de janeiro de 2004. Aprova o Programa de Bolsa Aluguel. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2004a.) and regulated via Normative Instruction Sehab-G n. 01 (SÃO PAULO, 2004bSÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo. Instrução Normativa n. 01, de 19 de fevereiro de 2004. Define os procedimentos para a operacionalização do programa Bolsa Aluguel Municipal nos termos da resolução CMH n. 04, de 30 de janeiro de 2004. Diário Oficial, São Paulo, SP, 2004b.).
  • 17
    Information obtained during professional activity in the planning area of Sehab, between February 2016 and August 2018.
  • 18
    José Serra took over the City Council in 2005 under the Brazilian Social Democrat Party (PSDB), and was followed by Gilberto Kassab, Mayor of São Paulo between 2006 and 2012 under the Liberal Front Party (PFL), Democrats (DEM) and Social Democrat Party (PSD).
  • 19
    Information on the family composition of the subsidy recipients is taken from the Rental Assistance registration base and was extracted from the Sehab information system in July 2018.
  • 20
    The registration of this variable is essential so that the living conditions of the black population and their relationship with public policies do not become invisible.
  • 21
    It is noteworthy that until 2016 there was no official systematization on Rental Assistance in the city of São Paulo. I joined forces towards this direction with the social work and information technology teams, during my professional career in the planning area of Sehab (2016-2018).
  • 22
    According to the official website of the program at the Federal Government Ministry of Planning, in summary, PAC promotes financing at the federal level, in order to promote works related to urban and social infrastructure, logistics and energy.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2020
  • Aceito
    03 Set 2020
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