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O município em face do planejamento regional: ideias interamericanas na década de 19501 1 Este artigo integra o conjunto das publicações financiadas pelo CNPq na modalidade bolsa de Produtividade.

Resumo

Este artigo aborda o debate que ocorreu em São Paulo durante o I Seminário Interamericano de Estudos Municipais, realizado em 1958, sob a coordenação de Antônio Delorenzo Neto. O eixo central da análise compõe-se das discussões sobre os conceitos de planejamento e planificação entre os participantes da sessão “O município em face do planejamento regional” após a apresentação da conferência La organización del plan regulador de la ciudad de Buenos Aires y el planeamento del gran Buenos Aires. Da mesma forma, o artigo problematiza, ainda que indiretamente e em termos mais gerais, a trajetória, nas décadas de 1950 e 1960, de Antônio Delorenzo Neto, idealizador do referido seminário, que ocorreu no Instituto de Estudos Municipais da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Foi nesse período que sua trajetória profissional original no campo do direito se aproximou do campo do planejamento, e com ele se articulou, para pensar o desenvolvimento municipal no Brasil e na América Latina.

Palavras-chave:
Pensamento Municipalista; Planejamento Regional; Planejamento Municipal

Abstract

This article examines the debate that took place in São Paulo during the 1st Inter-American Seminar on Municipal Studies, held in 1958, under the coordination of Antônio Delorenzo Neto. The main thrust of the analysis is focused on the discussion amongst the participants regarding the concepts of planning and planification in the session “The municipality in the face of regional planning”, after the presentation of the conference La organización del plan regulador de la ciudad de Buenos Aires y el planeamento del gran Buenos Aires. Similarly, the article also discusses, albeit indirectly and in more general terms, the trajectory, during the 1950s and 1960s, of Antônio Delorenzo Neto, creator of the abovementioned seminar, which occurred at the Instituto de Estudos Municipais da Escola Livre de Sociologia e Política in São Paulo. It was during this period that his original professional career in the field of law approached the field of planning in order to consider municipal development both in Brazil and across Latin America.

Keywords:
Municipalist Thought; Regional Planning; Municipal Planning

Introdução

Este trabalho é parte de uma investigação mais ampla e interessada na problematização dos campos disciplinar-profissionais do urbanismo e do planejamento urbano-regional no contexto do pensamento municipalista brasileiro entre as décadas de 1940 e 1970. Tal recorte temporal define-se inicialmente na década de 1940 por ser o momento em que se pôs em marcha o que denomino institucionalização desse pensamento, estruturada no seguinte tripé: a criação da Associação Brasileira dos Municípios (ABM) em 1946; os Congressos Nacionais de Municípios Brasileiros (CNMB) realizados a partir de 1950; a criação do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) em 1952. A delimitação do período final na década de 1970, em especial com a criação da Comissão Nacional de Políticas Urbanas (CNPU) em 1974, está associada ao processo de institucionalização urbanismo/planejamento urbano-regional no governo federal, na medida em que “uma questão municipal é objeto-finalidade de toda política nacional de desenvolvimento, pois tal política não deveria existir sem que as concepções macroeconômicas tivessem relação com o campo do planejamento urbano” (FARIA, 2019bFARIA, R. S. de. O planejamento urbano no Brasil entre a democracia e o autoritarismo: uma interpretação em quatro dimensões. In: LEME, M. C. da S. (org.). Urbanismo e política no Brasil dos anos 1960. São Paulo: Annablume , 2019b., p. 40).

Essa discussão municipalista não é, contudo, algo que se possa circunscrever ao século XX. No caso brasileiro, segundo Marcus Melo (1993MELO, M. A. B. C. de. Municipalismo, nation building e a modernização do Estado no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo: Anpocs, v. 6, n. 23, 1993.), foi durante o Império que nasceu a bandeira municipalista, estruturada no pressuposto conceitual da autonomia municipal como eixo das ideias políticas dos pensadores liberais. Esse argumento está certamente atrelado ao interesse em compreender a própria formação do Estado brasileiro, desenvolvido pelo autor sob a perspectiva da ciência política. Seus estudos, divulgados na década de 1990, são referência obrigatória para debater os temas urbanísticos em relação ao municipalismo (MELO, 1993MELO, M. A. B. C. de. Municipalismo, nation building e a modernização do Estado no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo: Anpocs, v. 6, n. 23, 1993.), sobretudo quando se estuda o processo de institucionalização do urbanismo nas administrações municipais a partir da década de 1930, no contexto da chamada Era Vargas. Se comparado ao momento em que Marcus Melo publica seus trabalhos, é possível afirmar que o interesse pelo tema no campo da história do urbanismo e do planejamento urbano é mais recente, mas que vem se ampliando e se aprofundando com a realização de estudos sobre a institucionalização do urbanismo nas administrações municipais e sobre as instituições municipalistas, em particular o IBAM, cujo papel foi central na formação de profissionais, entre outros temas (FELDMAN, 2008FELDMAN, S. Instituições de urbanismo na década de 1930: olhar técnico e dimensão urbano-industrial. 2008. Tese (Livre-docência) - Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2008.; 2011FELDMAN, S. A década de 1930: dimensão urbano-industrial e (re)construção de saberes e práticas no campo do urbanismo. In: SALGADO, I.; BERTONI, A. (org.). Da construção do território ao planejamento das cidades. São Carlos: Rima, 2011.; 2012FELDMAN, S. As Comissões de Planos da Era Vargas. In: REZENDE, V. (org.). Urbanismo na Era Vargas: a transformação das cidades brasileiras. Niterói: Ed. da UFF, 2012. v. 1, p. 21-44.; FARIA, 2007FARIA, R. S. de. José de Oliveira Reis, urbanista em construção: uma trajetória profissional no processo de institucionalização do urbanismo no Brasil (1926-1965/66). 2007. Tese (Doutorado em História) - Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.; 2006FARIA, R. S. de. O município como unidade política primária entre o planejamento urbano e o planejamento regional - o pensamento urbanístico do eng. José de Oliveira Reis na década de 50. In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO, 9., 2006, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: PPGAU-FAU-USP, PPGAU-EESC-USP, PPGU-PUC-Campinas, PPGAU-Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2006. Tema: As disciplinas da cidade e o urbanismo.; 2009FARIA, R. S. de. Urbanismo e municipalismo entre a Associação Brasileira de Municípios (ABM) e o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM): a construção institucional do municipalismo brasileiro pós-1946 e os “problemas técnicos de urbanismo. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL, 13., 2009. Florianópolis. Anais […]. Florianópolis: Anpur: Crea-SC: Confea, 2009. Tema: Planejamento e gestão de território: escalas, conflitos e incertezas.; 2011aFARIA, R. S. de. O debate regional no municipalismo brasileiro: (im)possibilidades de cooperação intermunicipal como instrumento de desenvolvimento. In: FARIA, R. S. de; SCHVARSBERG, B. (org.). Políticas urbanas e regionais no Brasil. Brasília, DF: FAU-UnB, 2011a.; 2011bFARIA, R. S. de. Cooperação intermunicipal e autonomia local: possibilidades de desenvolvimento regional para os municípios brasileiros. In: CONGRESO IBEROAMERICANO DE MUNICÍPIOS, 28., 2011, Lima. Anais [...]. Madrid: Federación Española de Municipios y Provincias, 2011b.; 2019aFARIA, R. S. de. (Des)caminhos do municipalismo brasileiro no século XX: descentralização, autonomia e economia. In: MAGALHÃES, M. de S.; ABREU, M.; TERRA, P. C. (org.). Os poderes municipais e a cidade: Império e República. Rio de Janeiro: Mauad X, 2019a.; 2019bFARIA, R. S. de. O planejamento urbano no Brasil entre a democracia e o autoritarismo: uma interpretação em quatro dimensões. In: LEME, M. C. da S. (org.). Urbanismo e política no Brasil dos anos 1960. São Paulo: Annablume , 2019b.; GONÇALVES, 2015GONÇALVES, T. C. O IBAM e a formação de técnicos para o planejamento urbano no Brasil: a experiência do Cemuam. 2015. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., FREITAS, 2019FREITAS, J. F. B. Contradições na política educacional no Estado de Segurança Nacional: uma experiência singular. In: LEME, M. C. da S. Urbanismo e política dos anos 1960. São Paulo: Annablume , 2019.; 2012FREITAS, J. F. B. A formação de urbanistas e a realidade municipal: a experiência lato sensu. In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO, 12., 2012, Porto Alegre. Anais [...]. Porto Alegre: Propur-Propar/UFRGS, 2012.).

Ao considerarmos, como proposto por Melo, as ideias sobre a autonomia dos poderes locais, é possível incorporar na abordagem o período colonial e, portanto, outro conjunto importante de referências. Nesse contexto, evidentemente marcado por características particulares inerentes ao tempo histórico de domínio pela Coroa portuguesa, o tema da autonomia foi recorrente e objeto de diversas interpretações históricas (BICALHO; AMARAL, 2005BICALHO, M. F.; AMARAL, V. L. Modos de governar - ideias e práticas políticas no Império Português, séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda, 2005.; SOUZA; BICALHO; FURTADO, 2009SOUZA, L. de M. e; BICALHO, M. F.; FURTADO, J. F . O governo dos povos. São Paulo: Alameda , 2009.; BICALHO, 2003BICALHO, M. F. A cidade e o Império. O Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.) que analisaram as formas de governo e suas instituições entre 1500 e 1822. Assim, a discussão sobre essa bandeira municipalista da autonomia pode ser realizada levando em consideração a administração da empresa colonial na organização dos sistemas de gestão local. Ao problematizar o debate sobre a autonomia numa perspectiva temporal de longa duração, entre os séculos XVI e XX, pode-se enunciar que o pensamento municipalista no Brasil, nesse sentido, é uma construção programática originária nas relações administrativas coloniais forjadas para gerir os interesses da Coroa portuguesa sobre (e no) território colonial.

Por outro lado, seria um erro estrutural imaginar que o pressuposto da autonomia se manteve estático ao longo desses cinco séculos, sobretudo porque as particularidades históricas não foram as mesmas e o sistema de gestão local permaneceu em movimento e (re)estruturação contínuos, ainda que mais lentamente num momento e mais rapidamente em outro. Além disso, e, ao mesmo tempo, nessa longa duração estão presentes arranjos político-administrativos que explicitam os contextos colonial, imperial e republicano. Nesse processo, o século XIX é o arco temporal fulcral da desconstrução da empresa colonial com a Independência e o início da contínua (e conflituosa) construção do Estado nacional brasileiro entre projetos políticos monarquista-unitaristas e federalistas. Nesse período e a partir dele, o pensamento programático municipalista enunciaria uma série de (re)ações em defesa da autonomia, notadamente porque outras ações serão produzidas em sentido oposto a essa defesa.

A esse respeito, é importante destacar a oposição à autonomia no período entre os dois reinados e mesmo no interregno descentralizador da Regência, especialmente pela Lei de 1º de outubro de 1828. Isso se verifica, por exemplo, em seu artigo 24 do Título II sobre as Funções Municipais, que transformou as Câmaras em corporações meramente administrativas, sem exercer nenhuma jurisdição contenciosa (LAXE, 1885LAXE, J. B. C. Regimento das Câmaras Municipais ou Lei de 1º outubro de 1828. Rio de Janeiro: B. L. Garnier , 1885., p. 72). Para Miriam Dolhnikoff (2005DOLHNIKOFF, M. O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005., p. 86), “as Câmaras de 1828 tinham atribuições bastante limitadas. Cabia a elas administrar a cidade ou vila, prestando constas ao Conselho da Província. Não podiam decidir livremente quer sobre a arrecadação de impostos, quer sobre sua aplicação. Tornaram-se, portanto, meros agentes administrativos”.

Pouco tempo depois da lei mencionada, ventos menos centralizadores se fizeram presentes no Brasil, de início durante o Período Regencial, entre 1831 e 1840, caracterizado por seu aspecto descentralizador resultante das reformas liberais da década de 1830. O Ato Adicional de 1834 foi importante nesse sentido, sobretudo por definir que a “competência do governo central e dos governos provinciais foi dividida constitucionalmente” (DOLHNIKOFF, 2005DOLHNIKOFF, M. O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005., p. 17). No entanto, é necessário ter em mente que a descentralização regencial se constituiu numa autonomia das províncias (ou, talvez, numa submissão menos restritiva delas), e não das municipalidades. Essa situação pode evidenciar, na construção do Estado nacional, inclusive, o próprio jogo-confronto político entre as elites nacionais, uma parte delas em defesa da federação - e, neste caso, realizada, entre outros, por liberais como Diogo Antônio Feijó -, a outra em defesa da centralização, mas uma construção que não estava totalmente pautada pela autonomia irrestrita ou por nenhum nível de autonomia. Como observou Dolhnikoff (2005DOLHNIKOFF, M. O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005., p. 85) sobre esse projeto político liberal, “sua concepção de federalismo incluía alguma autonomia municipal no âmbito maior da autonomia provincial [...] os liberais nutriam pelas Câmaras profunda desconfiança, pois qualquer autonomia devia se dar no interior [...] da unidade nacional”.

A importância desse debate político envolvendo dimensões jurídico-administrativo-econômicas da construção do Estado nacional em relação aos poderes central, provincial e municipal, bem como à autonomia e à descentralização, entre outros temas, recebe valiosa atenção de intelectuais já a partir da segunda metade do século XIX, mas sobretudo nas primeiras décadas do século XX, quando, então, a discussão se volta para o tema específico do município no Brasil (BASTOS, 1870BASTOS, A. C. T. A Província: estudos sobre a descentralização no Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1870.; MAIA, 1883MAIA, O. C. C. O município - estudos sobre administração local. Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger, 1883.; MEDEIROS, 1948MEDEIROS, O de.. Introdução à sociologia jurídica do município brasileiro. Revista Brasileira dos Municípios, ABM/IBGE, ano I, n. 1-2, p. 3-16, jan.-jun, 1948.; CARVALHO, 1937CARVALHO, O. M. Problemas fundamentais do município. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937.; NOVELLI JÚNIOR, 1948NOVELLI JÚNIOR, L. G. O pauperismo dos municípios brasileiros. Revista Brasileira dos Municípios , ABM/IBGE. ano I, n. 1-2, p. 81-84, jan.-jun. 1948.). Entendidas aqui como (re)ações intelectuais, essas ideias contemplaram também a construção de conhecimento sobre a realidade municipal brasileira com base nos estudos e instituições do campo da Estatística, desde a Diretoria Geral de Estatística (1871), que mais tarde recebeu como denominações Departamento Nacional de Estatística, Instituto Nacional de Estatística (1934) e, por fim, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), núcleo intelectual e político do municipalismo brasileiro na década de 1940 e centro intelectual das ideias que fundamentaram a concepção da Associação Brasileira dos Municípios.

Por tudo isso, ao considerar a bandeira municipalista no contexto do Império, como propôs Marcus Melo, assinalo um percurso de interpretação que passa pela Independência e pela construção do Estado nacional a partir de 1822. Esse período caracterizou-se pela edição de diversas Constituições, desde a primeira, em 1824; por ordenações jurídico-administrativas, como a Lei de 1º de outubro de 1828; por mudanças nas relações de poder entre os entes federados com a Constituição de 1891; pela reestruturação administrativa posterior a 1930, especialmente com a criação do IBGE e do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), até culminar na aprovação de uma das mais célebres Constituições de cunho municipalista, a de 1946, momento em que o tripé institucional formado pela ABM, os CNMB e o IBAM começou a se estruturar.

Esse tripé institucional, portanto, impulsiona e legitima o aspecto que está na essência do pensamento municipalista e que norteou a criação dessas instituições: a defesa da autonomia municipal, que, em termos programáticos e simbólicos, constitui o pilar do pensamento municipalista. Nesse sentido, a autonomia é central para compreendermos o processo de institucionalização do pensamento municipalista no Brasil decorrente da criação da ABM e do IBAM. Ao mesmo tempo, trata-se de um tema nuclear para investigar as ideias que, no interior dessas instituições, foram formuladas em relação ao urbanismo e ao planejamento urbano-regional para pensar o desenvolvimento municipal. No caso deste artigo, interessa analisar um debate específico sobre a interface do planejamento regional para refletir sobre o desenvolvimento proposto pelo Instituto de Estudos Municipais da Escola de Sociologia e Política de São Paulo na década de 1950. Isso se deu com a realização do I Seminário Interamericano de Estudos Municipais, em 1958. Nesse momento, o Instituto tinha como diretor Antônio Delorenzo Neto, um jurista de formação que, após ter sido prefeito do município de Guaranésia na primeira metade da década de 1950, direcionou sua atuação profissional para o campo do planejamento urbano-regional e passou a atuar ativamente no debate municipalista, sobretudo como representante da ABM em diversos eventos no continente americano e na Europa (FARIA, 2015FARIA, R. S. de. Urbanismo e municipalismo na Espanha: entre o Estatuto Municipal e a Unión de Municipios Españoles na década de 1920. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, v. 17, 2015.; 2016FARIA, R. S. de. A Lei desenha a cidade (?): urbanismo e política no debate sobre o Estatuto Municipal Espanhol. In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO, 14., 2016, São Carlos. Anais [...]. São Carlos: IAU-USP, 2016a. Tema: Cidade, arquitetura e urbanismo: visões e revisões do século XX.; 2017FARIA, R. S. de. Urbanismo e desenvolvimento municipal na Europa Os congressos municipalistas da Unión de Municipios Españoles. Revista Ciudades, Valladolid: Instituto Universitário de Urbanística de la Universidad de Valladolid, p. 57-75, 2017.)2 2 Nessas outras publicações, abordei mais detidamente o contexto europeu, com especial interesse pela discussão na Espanha. , mas sobretudo na Organización Interamericana de Cooperación Intermunicipal (OICI) criada em Cuba no ano de 1938 (FARIA, 2018FARIA, R. S. de. Pensar por redes - instituições interamericanas e o campo profissional do planejamento urbano-regional no século XX. In: BERENSTEIN, P. J.; PEREIRA, M. da S. Nebulosas do pensamento urbanístico. Salvador: Ed. da UFBA, 2018. t. I: modos de pensar.). Entre seus estudos têm relevância a defesa da descentralização administrativa e, principalmente, a questão regional apoiada na ideia de criação jurídica da região para fins de planejamento, vista como pessoa de direito constitucional e base territorial intermediária entre a nação e a comuna.

Com base em uma abordagem fundamentada na análise de fontes documentais primárias, o estudo tem como eixo central de interpretação as discussões sobre planejamento e planificação que ocorreram na sessão “O município em face do planejamento regional”. Essa interpretação também delineia, ainda que indiretamente e em termos gerais, a trajetória de Antônio Delorenzo Neto, idealizador do seminário, nas décadas de 1950 e 1960. Foi nesse período que sua trajetória profissional se articulou ao campo do planejamento urbano-regional para uma reflexão a respeito do desenvolvimento municipal no Brasil, na América Latina e na Ibero-América.

O texto aqui apresentado está organizado em três partes ao mesmo tempo autônomas e articuladas pelas discussões que ocorreram no Seminário Interamericano de Estudos Municipais. A primeira parte concentra-se na atuação de Antônio Delorenzo Neto no Instituto de Estudos Municipais junto à Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a qual foi possível estudar até o momento em função do acesso a fontes documentais. Esse mesmo aspecto também determina até aqui certa limitação em relação à análise sobre aquele instituto. Ainda não foram encontrados documentos que possibilitassem investigar sua criação e a escolha desse campo de atuação em relação aos estudos municipais. Essa condição lacunar, que é a mesma em relação à maioria dos profissionais que participaram do Seminário em 1958, impõe a necessidade de considerar o Instituto em termos mais gerais, como parte de um contexto em que ocorreram as discussões sobre as interfaces entre os municípios e o planejamento regional. A segunda parte aborda algumas das principais ideias de Antônio Delorenzo Neto em relação ao planejamento municipal com o apoio de questões importantes ao pensamento municipalista, como autonomia, descentralização e planejamento regional. A terceira parte analisa o debate sobre planejamento regional que ocorreu na sessão “O município em face do planejamento regional”, tema estreitamente relacionado às ideias e à atuação profissional de Delorenzo Neto naqueles anos finais da década de 1950. A análise das discussões que ocorreram no Seminário é importante, sobretudo, porque permite elucidar um conjunto de ideias sobre planejamento e planificação no contexto latino-americano que naquele momento estavam na pauta dos profissionais e das instituições.

1. Antônio Delorenzo Neto, diretor do Instituto de Estudos Municipais de São Paulo

“O município em face do planejamento regional” foi o Tema III da 4ª sessão do I Seminário Interamericano de Estudos Municipais, realizado na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo em 1958, entre os dias 5 e 7 de novembro. Outros dois temas foram desenvolvidos no Seminário: “Direito municipal e Ciências Sociais (elaboração - sistematização, inter-relações)” e “O problema das comunidades indígenas e as medidas necessárias à sua conservação, aperfeiçoamento ou incorporação à vida municipal”, apresentados, respectivamente, por Salvador Dana Montaño (professor de Direito Municipal da Universidade Nacional do Litoral, de Santa Fé, Argentina) e Alfonso Trujillo Ferrari (professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo).

O Seminário foi organizado em um momento de importante reestruturação funcional e física da Escola de Sociologia e do próprio Instituto de Estudos Municipais. Criado em 6 de outubro de 1949 como Departamento da Escola, foi ali ministrado, em 1950, um primeiro curso sobre Finanças Públicas Municipais, seguido de outros dois, Administração Municipal e Estatística Municipal. Entre 1951 e 1954, segundo o Relatório Anual de Atividades publicado no boletim informativo da Escola, o Departamento de Estudos Municipais foi reduzido em função da falta de espaço físico. Os trabalhos foram efetivamente retomados na nova sede a partir de 1955, ao mesmo tempo que novos professores foram convidados para proferir conferências e ministrar cursos sobre administração municipal, finanças e contabilidade. Entre eles estava Antônio Delorenzo Neto, que ficou responsável por ofertar o curso O Município e seu Regime Jurídico. Foi nesse contexto de mudanças que Delorenzo assumiu a direção do que passou a ser denominado Instituto de Estudos Municipais após a reforma administrativa da Escola de Sociologia e Política efetuada em 1958, mesmo ano de realização do Seminário Interamericano de Estudos Municipais.

Ainda que cumprindo papel interno importante, a atuação de Delorenzo Neto como diretor do Instituto não ficou limitada à retomada das atividades depois da reforma administrativa e da realização do Seminário. As atividades posteriores em que ele se empenhou foram de grande relevância, especialmente na articulação com a América Latina e a Europa (FARIA, 2016bFARIA, R. S. de. Urbanismo e municipalismo na Espanha - IEAL e a articulação ibero-americana para o desenvolvimento municipal. ZARCH: Journal of Interdisciplinary Studies in Architecture and Urbanism, Zaragoza: Unizar, p. 206-219, 2016b.)3 3 A aproximação com a Europa ocorreu notadamente pela articulação com o Instituto de Estudios de Administración Local (IEAL), criado na Espanha em 1940. Esse Instituto foi o responsável pela aproximação com os municipalistas latino-americanos, ao propor o I Congresso Ibero-americano de Municipios, que teve lugar em Madri, no ano de 1955. Nesse mesmo sentido, foi responsável por reaproximar o debate urbanístico espanhol do debate internacional. . Uma atuação destacada também em razão da aproximação da Escola e do Instituto no debate municipalista brasileiro pós-1946 e ibero-americano para discutir sobre planejamento urbano-regional e administração municipal.

Entre essas interlocuções, construídas com participações em reuniões técnicas e congressos, é possível mencionar as que foram realizadas com a OICI (FARIA, 2018FARIA, R. S. de. Pensar por redes - instituições interamericanas e o campo profissional do planejamento urbano-regional no século XX. In: BERENSTEIN, P. J.; PEREIRA, M. da S. Nebulosas do pensamento urbanístico. Salvador: Ed. da UFBA, 2018. t. I: modos de pensar.)4 4 A OICI foi criada em Cuba, no ano de 1938, como decorrência do Primeiro Congresso Pan-americano de Municípios. Sua origem está atrelada às Conferências Interamericanas, iniciadas em 1889. Em 1928, durante a VI Conferência em Cuba, foi aprovada uma resolução para a realização desse primeiro congresso de municípios. ; como membro do Conselho Fiscal da ABM, criada em 15 de março de 1946; como colaborador da Revista de Direito Municipal - Doutrina, Administração, Urbanismo, Jurisprudência e Legislação, criada na Bahia em 1946 por Yves de Oliveira; e como participante do I e do II Congressos Ibero-americanos de Municípios criados pelo Instituto de Estudios de Administración Local, realizados, respectivamente, em Madri (1955) e Lisboa (1959), os quais abriram uma interlocução importante com a Espanha. Na sequência, as cidades que sediaram os congressos foram Brasília (1966), Barcelona (1967) e Santiago do Chile (1969).

Outra interlocução importante, ainda no início da década de 1950, e essencial para os trabalhos posteriores, foi sua participação como um dos coordenadores da equipe Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais (SAGMACS) em São Paulo (CESTARO, 2019CESTARO, L. Planejamento urbano no Brasil: as ideias, planos e contribuições de Lebret e da SAGMACS. São Paulo: Annablume, 2019.). Adicionalmente, Antônio Delorenzo Neto foi representante da ABM e da Associação de Municípios da Bahia (AMB) em atividades da Sessão Internacional de Administração Regional, promovida pelo Centro Sociológico de Economia e Humanismo. Sua indicação foi apresentada em duas cartas5 5 A cópia das cartas foi gentilmente cedida por Maria Cristina da Silva Leme. Foram obtidas como resultado das pesquisas por ela realizadas na França sobre Lebret, Economia e Humanismo e SAGMACS. enviadas (Figura 1) para J. L. Lebret, ambas datadas de setembro de 1952, respectivamente, por Yves de Oliveira, da AMB, e por Rafael Xavier, presidente da ABM.

Figura 1
Cartas de Yves de Oliveira (a) e de Rafael Xavier (b)

A aproximação com o Movimento Economia e Humanismo, e, portanto, com o próprio Lebret, pode justificar e reforçar a atuação de Antônio Delorenzo Neto na SAGMACS. Essa proximidade tornou viáveis outras atividades realizadas conjuntamente na própria Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em curso também organizado pelo Instituto de Estudos Municipais em 1959. Na ocasião, o padre Lebret participou da aula inaugural proferida pelo professor Mário Wagner Vieira da Cunha, no curso A Organização Econômica dos Municípios Brasileiros, que contou com a presença do próprio Delorenzo e de vários representantes do Executivo e do Legislativo municipal de São Paulo e de outras municipalidades.

Chama atenção não apenas a presença de Lebret em atividades oficiais do Instituto de Estudos Municipais (Figura 2), como, primordialmente, o conjunto dos temas que estruturaram o curso citado, por explicitar como algumas temáticas abordadas nos trabalhos da SAGMACS, no próprio Economia e Humanismo, estavam na pauta tanto das discussões coordenadas por Delorenzo Neto no Instituto como naquela de todo o debate municipalista brasileiro e interamericano em relação ao desenvolvimento dos municípios. A respeito dela houve discussões não apenas no I Seminário Interamericano de Estudos Municipais, como igualmente antes, na sessão “Operação Município, Projeções Regionais - aspectos políticos, administrativos, econômicos, financeiros, técnicos e culturais”, inserida no IV Congresso Nacional de Municípios Brasileiros realizado pela ABM no Rio de Janeiro em 1947 e, depois, no VII Congresso da OICI, também no Rio de Janeiro, no segundo semestre de 1958.

Figura 2
Aula inaugural do curso A Organização Econômica dos Municípios

O curso em foco foi organizado em três partes temáticas estruturais: parte I - A localização das atividades econômicas e a organização econômica municipal; parte II - O regionalismo econômico e a organização econômica dos municípios; parte III - As teorias do desenvolvimento econômico nacional e a organização municipal. Dentre elas, a segunda estava diretamente relacionada com as discussões em pauta nos contextos institucionais os mais diversos sobre o municipalismo e sobre o planejamento para o desenvolvimento econômico e social dos municípios. Tais temas de alguma forma integravam as pautas do Economia e Humanismo e do próprio Lebret, pois estiveram presentes na aula inaugural - quiçá no curso todo.

Pela descrição do programa, é possível constatar que as pautas contemplavam, por exemplo, o desenvolvimento dos estudos de economia e planejamento regional em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, bem como o estudo sobre a economia e o planejamento regional no Brasil. Nesse sentido, apesar de não inovar em relação ao conteúdo das discussões e proposições do Instituto de Estudos Municipais, o curso os reforçava, pelo grande interesse nacional e também no âmbito latino-americano no tocante ao planejamento de modo geral e ao planejamento regional como instrumento de desenvolvimento municipal.

2. Antônio Delorenzo Neto, pensador municipalista

Nas palavras do professor Delorenzo Neto (1971DELORENZO NETO, A. Parte especial. Revista Ciências Econômicas e Sociais, v. 6, n. 2, jul. 1971.), organizador do I Seminário, o evento foi concebido como uma “reunião universitária preparatória do VII Congresso Interamericano de Municípios, realizado no Rio de Janeiro, na 2ª quinzena de novembro de 1958”, com organização sob responsabilidade da OICI. A atuação mais efetiva de Delorenzo Neto nos congressos da OICI foi iniciada em 1956, como delegado do Governo do Brasil no congresso anterior, no Panamá, ocasião em que apresentou sua tese sobre planificação municipal. Ele participaria, ainda, como presidente da delegação brasileira, do XI Congresso, na cidade de Caracas, Venezuela, em 1966. Esse evento apresenta um aspecto relevante, pois o acesso à documentação indicou a realização, paralela ao Congresso, do V Seminário Interamericano de Estudos Municipais, o que indica a continuidade do seminário criado por Antônio Delorenzo Neto dentro do Instituto de Estudos Municipais da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 19586 6 Essa documentação integra a Revista Ciências Econômicas e Sociais, v. 6, n. 2, jul. 1971, publicada pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas de Osasco, São Paulo. Outra parte dos Anais não foi publicada, mas consta de uma compilação realizada pelo próprio Delorenzo Neto, datilografada, onde também se encontram os debates entre os conferencistas e os debatedores convidados. .

Como objetivo genérico, o I Seminário Interamericano de Estudos Municipais visava “aproximar os professores universitários e responsáveis pela liderança do governo local, para melhor examinarem os difíceis problemas indicados nos respectivos temas do debate” (DELORENZO NETO, 1958DELORENZO NETO, A. I Seminário Interamericano de Estudos Municipais. São Paulo: Manuscrito, 1958., p. 2). Essa aproximação perfaz a própria trajetória profissional de Delorenzo Neto desde a década de 1940, quando exerceu, de 1946 até 1951, o cargo de prefeito de Guaranésia, em Minas Gerais, assim como sua atuação como consultor jurídico de mais de cinquenta municípios brasileiros, como diretor do Instituto de Estudos Municipais e, a partir de 1955, como presidente da SAGMACS, com atuação destacada particularmente no Departamento de Pesquisas Socioeconômicas.

Ainda que não sejam necessariamente atividades contemporâneas, a atuação na administração municipal, na pesquisa e no ensino perfaz uma única e importante estrutura de ação profissional de Delorenzo Neto, sobretudo pela quantidade e pela relevância dos estudos e proposições que desenvolveu sobre temas como municípios, municipalismo, planejamento regional e administração municipal. Entre os vários trabalhos acadêmicos, um dos mais reconhecidos e completos é a trilogia Estudos municipais, publicada entre 1968 e 1971. Os três volumes apresentam o mesmo recorte temporal: 1948-1968, que inclusive abarca o período mais substantivo do municipalismo brasileiro do ponto de vista institucional, justamente aquele cuja origem está na Constituição de 1946, passando pela criação da ABM, naquele mesmo ano, e do IBAM, em 1952, no âmbito do II Congresso Nacional de Municípios Brasileiros.

Os volumes dessa trilogia têm como tema, respectivamente, a “Interpretação do desenvolvimento municipal” (1968), “O município em face do planejamento regional - da reorganização municipal” (1969) e “A perspectiva internacional do municipalismo” (1971). Particularmente no primeiro volume, Delorenzo Neto desenvolve um estudo sobre vários municípios, incluindo aquele do qual foi prefeito. Nesse estudo, em que considera genericamente os pressupostos da descentralização e da centralização - termos correlatos em relação às formas de organização territorial do Estado -, sua análise concentrou-se na necessidade de pensar o direito positivo do município (além de sua caracterização jurídica) no âmbito dos estados federados, que é o caso do Brasil, ao que chamou de “noção fundamental da descentralização”, classificada como perfeita ou imperfeita.

Ao mesmo tempo que leva em conta em sua análise essas duas categorias como aspectos qualitativos da descentralização, Delorenzo Neto dirige seu interesse para a designada como perfeita, pois é aquela em que as normas locais são estabelecidas de maneira definitiva e independente:

[...] definitiva: isto é, sem que as normas centrais possam revogá-las ou substituir-se às mesmas [...] independente: isto é, sem que as normas centrais tenham qualidade para lhes modificar o conteúdo. A descentralização é, ao contrário, imperfeita, quando ausente o primeiro ou o segundo destes elementos. Exemplo de descentralização imperfeita: a lei central fixa os princípios da regulamentação, de que a lei local só terá de estabelecer as particularidades (DELORENZO NETO, 1968DELORENZO NETO, A. Estudos municipais (1948-1968). São Paulo: Serviço Gráfico Revista dos Tribunais, 1968., p. 2-3).

Não é de estranhar seu interesse, uma vez que, para um profissional fortemente envolvido com os pressupostos municipalistas e com o caminho necessário para o desenvolvimento municipal, mediante a planificação e a racionalização da administração, essa descentralização perfeita seria ideal. Nesse sentido, a descentralização da administração completaria o processo de desenvolvimento, em razão de nela estar contida a autonomia municipal em relação à elaboração das normas locais, sobretudo quando não substituíveis e não destituídas de seus conteúdos pelas normas centrais. Isso demarcaria ou revelaria se, além disso, a criação de tais normas se daria por um único órgão, segundo o próprio Delorenzo Neto, como “o caráter centralizador de um Estado” (DELORENZO NETO, 1968DELORENZO NETO, A. Estudos municipais (1948-1968). São Paulo: Serviço Gráfico Revista dos Tribunais, 1968., p. 2).

Nesse ponto, é oportuno considerar não somente uma distinção, mas uma crítica feita pelo autor da trilogia Estudos municipais no tocante ao que seria uma autonomia municipal no plano político e uma autonomia na esfera administrativa. A crítica passa pelo que foi de fato institucionalizado e legitimado pela referida Constituição municipalista de 1946 em relação a essa distinção entre político e administrativo, revelando, da parte do autor, certo discernimento no que tange ao lugar-comum analítico mais imediato sobre o efetivo pressuposto da autonomia e da descentralização da Carta Constitucional entre os municipalistas brasileiros. Segundo Delorenzo Neto, a Constituição Federal brasileira consagra a autonomia municipal no plano político, sem que, porém, haja correspondência na órbita administrativa, a descentralização. A competência municipal é mínima porque nossas leis orgânicas, ao organizarem os municípios, tiram deles a autonomia, prejudicando, em consequência, o progresso e a expansão da legislação municipal (DELORENZO NETO, 1968DELORENZO NETO, A. Estudos municipais (1948-1968). São Paulo: Serviço Gráfico Revista dos Tribunais, 1968., p. 3).

As considerações de Delorenzo Neto estão direcionadas especificamente ao item II do artigo 28 da Constituição de 1946, cujo texto pressupõe assegurada a autonomia “pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse, e, especialmente: a) decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e aplicação das suas rendas; b) à organização dos serviços públicos locais”. Na sequência, ele apresenta estas indagações: “Qual a inteligência do item II, do artigo 28? Quais as matérias que representam, no município, o seu peculiar interesse?” (DELORENZO NETO, 1968DELORENZO NETO, A. Estudos municipais (1948-1968). São Paulo: Serviço Gráfico Revista dos Tribunais, 1968., p. 4). A resposta explicita uma divergência clara e histórica no federalismo brasileiro, desde suas origens, no século XIX - considerando aqui os pressupostos legais da Carta Constitucional de 1824 -, da autonomia entre estados e municípios7 7 Ou províncias e Câmaras Municipais antes do advento da República, sobretudo pela Lei de 1828, que subtraiu competências importantes das localidades, restringindo-as a seus aspectos puramente administrativos. :

Pois bem, a sua discriminação ficou a cargo das Leis Orgânicas, em harmonia com as condições estabelecidas nas Constituições estaduais. Nestas condições, a enumeração dos casos de competência privativa do município variava de acordo com os Estados, contrariando muitas leis orgânicas municipais, os preceitos da Constituição Federal, em manifesta contradição com o dispositivo do artigo 28 (DELORENZO NETO, 1968DELORENZO NETO, A. Estudos municipais (1948-1968). São Paulo: Serviço Gráfico Revista dos Tribunais, 1968., p. 4).

O autor reconhece que uma exceção é dada pelo estado do Rio Grande do Sul, cuja Constituição prevê ampliadas atribuições aos municípios - um exemplo está em seu artigo 154, ao considerar entre essas atribuições a de “votar e reformar as suas leis orgânicas”. Mesmo assim, ele é categórico ao considerar o caráter ainda incipiente da legislação municipal desenvolvida com dificuldades em decorrência da lógica descentralizada imperfeita, que tem na estrutura clássica do Estado federal a dimensão de um quadro ultrapassado. A crítica foi construída e fundamentada mediante a comparação com a Constituição italiana, por conceber o “ordenamento estrutural do Estado baseado na autonomia local. A comuna é a unidade primordial, e a Região é a zona intermediária - é indispensável entre a nação e as comunas” (DELORENZO NETO, 1968DELORENZO NETO, A. Estudos municipais (1948-1968). São Paulo: Serviço Gráfico Revista dos Tribunais, 1968., p. 4). Sua defesa em relação à efetiva descentralização administrativa no Brasil está pautada na necessidade de reconhecer a “região” como objeto de direito constitucional e base territorial, de maneira a configurar a noção denominada descentralização direta, oposta, portanto, ao que se apresenta, na Constituição brasileira de 1946, segundo Delorenzo Neto, como descentralização indireta, “[...] através do aproveitamento de algumas disposições, como a que se encontra no artigo 74, da Constituição de São Paulo: os municípios da mesma região poderão agrupar-se para instalação, administração e exploração de serviços comuns” (DELORENZO NETO, 1968DELORENZO NETO, A. Estudos municipais (1948-1968). São Paulo: Serviço Gráfico Revista dos Tribunais, 1968., p. 4).

No caso italiano, conforme sequência analítica desenvolvida por Delorenzo Neto, uma primeira característica fundamental consiste na organização da República dividida em regiões, províncias e municípios, em que as regiões “são constituídas de entes autônomos com funções e poderes próprios” (DELORENZO NETO, 1968DELORENZO NETO, A. Estudos municipais (1948-1968). São Paulo: Serviço Gráfico Revista dos Tribunais, 1968., p. 5). No que concerne às normas de competências da região, “desde que essas normas não fiquem em contraste com o interesse nacional e o de outras regiões”, podem ser instituídas normas legislativas sobre urbanística; vias férreas e estradas de rodagem de interesse regional; além de navegação e portos; viação, aquedutos e trabalhos públicos de interesse regional (DELORENZO NETO, 1968DELORENZO NETO, A. Estudos municipais (1948-1968). São Paulo: Serviço Gráfico Revista dos Tribunais, 1968., p. 5). Trata-se de uma concepção de organização do Estado que, segundo o autor enfatiza, seria extremamente vantajosa para um grande desenvolvimento econômico e administrativo, por exemplo, para o caso do estado de São Paulo.

É importante salientar que as ideias de Delorenzo Neto sobre o desenvolvimento da nação, no que isso implica o desenvolvimento regional e das municipalidades, não se encerram nem se limitam ao problema jurídico da organização administrativa do Estado, sobretudo em relação à sua defesa da descentralização, concebida como referência para a construção da autonomia municipal. Ele mesmo reconhece ser fundamental promover o desenvolvimento municipal pela planificação, principalmente pela necessidade de revisão dos métodos de gestão dos municípios, em sua opinião pobres e atrasados, para que ocorra efetivo aproveitamento dos recursos existentes.

Essa defesa pela planificação foi apresentada em 1954, no V Congresso Interamericano de Municípios, na cidade de San Juan, em Porto Rico. Delorenzo Neto utilizou a própria experiência na gestão municipal, cujas ações foram publicadas pelo Serviço Gráfico do IBGE em 1951 no livro A planificação municipal de Guaranésia - decreto n. 50, de 6 de outubro de 1950. Nessa publicação, são elencados os ganhos para o desenvolvimento municipal que a Constituição de 1946 promoveu, ao ampliar as fontes de receita em relação às que vigoravam no Brasil8 8 Segundo informações presentes na publicação, em 1934 os tributos arrecadados estavam assim organizados: 64% federais, 27% estaduais, 9% municipais; pela discriminação posterior à Constituição de 1946, configurou-se a seguinte organização: 50,3% federais, 26,8% Estaduais, 22,9% municipais. Entre as fontes de receitas que então integraram as rendas municipais incluem-se: contribuição de melhoria, cota do fundo rodoviário nacional, cota de 10% do Imposto sobre a Renda, entre outros. , por considerá-las essenciais entre as reivindicações municipalistas, explicitando, porém, que o desenvolvimento municipal não estaria limitado ao problema financeiro. Afirma-se categoricamente no texto a necessidade de analisar a aplicação desses recursos, a fim de evitar certa desordem orçamentária das finanças locais no estudo dos diversos problemas de base, com a definição de que “o planejamento é o meio prático que melhor se coloca a serviço do espírito municipalista” (DELORENZO NETO, 1951DELORENZO NETO, A. A planificação municipal de Guaranésia. Rio de Janeiro: Ibeg, 1951., p. 9).

Essa concepção sobre o planejamento, como meio prático e necessário, não era, entretanto, exclusividade do pensamento de Delorenzo Neto sobre o desenvolvimento, pois já havia sido enunciada na Carta de Princípios, Direitos e Reivindicações Municipais do I Congresso Nacional dos Municípios Brasileiros, realizado em Petrópolis no ano anterior à publicação do livro sobre Guaranésia, ou seja, em 1950. Segundo o texto da Carta de Petrópolis (reproduzida em parte por Delorenzo no livro), em seu tópico XV,

[...] a ausência de planejamento bem elaborado reduz a capacidade econômica dos Municípios e compromete o êxito de providências destinadas a assegurar aos municípios estabilidade social, ao mesmo tempo em que agrava, consideravelmente[,] a situação de precariedade em que se encontra a maioria dos povoados, vilas, cidades e Municípios brasileiros [...] Constitui o planejamento elemento de modernização e aperfeiçoamento da administração local [...] Nesse sentido, todos os Municípios devem proceder a rigoroso levantamento, como preliminar básica à elaboração de um plano para solução dos problemas locais (ABM, 1953ABM. Carta de Princípios, Direitos e Reivindicações Municipais. Rio de Janeiro: ABM, 1953., p. 45).

A modernização e a racionalização da gestão municipal não seriam peculiaridades da inflexão política que a redemocratização de 1946 representou, especialmente no que concerne à associação dessa mudança com a criação da ABM naquele mesmo ano. Contribuem para isso as críticas mais incisivas dos municipalistas brasileiros sobre a perda da autonomia municipal durante todo o Governo Vargas, sobretudo no Estado Novo, caracterizado por forte centralização administrativa. Tanto a modernização como a racionalização são anteriores à redemocratização municipalista de 1946 e estiveram articuladas à construção da chamada “tecnoestrutura estatal” (IANNI, 1976IANNI, O. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1976.), como parte das ações do Governo Vargas pós-1930, ainda que com o apoio de instituições integrantes das estruturas do controle autoritário e centralizado, como foi o caso do Dasp, criado em 1938.

Assim, ao lado da crítica feita pelos municipalistas, havia também considerações apresentadas pelos sujeitos que estiveram vinculados às instituições administrativas do Governo Vargas. Portanto, e apenas para amplificar as interpretações (contraditórias e complexas) sobre a centralização administrativa e o controle sobre a autonomia dos municípios entre 1930 e 1945, é possível trazer para o debate as “defesas” (ideologicamente comprometidas?) das ações daquele governo a respeito desses pontos, nas quais se evidencia não a negação do municipalismo e da autonomia municipal, mas sim a explicitação dos “erros” que os consubstanciaram. Evitam-se, dessa maneira, intepretações destituídas de historicidades particulares, comumente generalizadoras entre centralização pós-revolução de 1930 até 1945 e descentralização pós-redemocratização de 1946 até 1964. Cândido Duarte, jurista e cientista social de formação, que em 1942 ocupava a chefia da Divisão de Administração e Estatística do Departamento das Municipalidades do Estado do Rio de Janeiro, apresenta seu posicionamento acerca dessa questão no livro A organização municipal no Governo Getúlio Vargas, publicado no mesmo ano de 1942, pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP):

Confundia-se, frequentemente, a necessidade de descentralização administrativa e zelo local com as prerrogativas políticas e independência [...] Essa autonomia, que tão ardentemente se queria preservada da tirania legal do Estado-Membro ou da União, não se suscetibilizava, entretanto, ao comando dos chefes de partido, dos tiranetes regionais ou dos cabos eleitorais da zona. Não se fazendo a distinção entre o que fosse administração de interesse local e as normas gerais de procedimento, tudo parecia uma interferência descabida em interesses peculiares. O direito de legislar ou deliberar a respeito de exigências ou necessidades locais também se confundia com a liberdade de regular assuntos de competência geral [...] De fato, se há um ponto sobre o qual se possa dizer que o Estado Novo já conseguiu banir inteiramente o romantismo político que embalava a nação [...] é esse que se aprecia a questão da organização municipal [...] Arrancar o Município da indolência causada pela politiquice, para atraí-lo a uma atividade intensamente produtora [...] foi isso que o Governo do Presidente Getúlio Vargas conseguiu (DUARTE, 1942DUARTE, C. A organização municipal no Governo Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: DIP, 1942., p. 14-17).

Delorenzo Neto não entra nesse confronto diretamente em seus livros, embora sua defesa sobre a necessidade da descentralização e da autonomia tenha sido explícita. Essa posição não impossibilitou sua adesão aos princípios modernizadores da gestão, sem que isso representasse algum comprometimento político e ideológico aos pressupostos autoritários do Estado Novo, inclusive por afirmar que, “[...] a partir de 1946, com a fundação da Associação Brasileira dos Municípios, acentuou-se no País o movimento em prol da recuperação do Município, anos antes iniciado por Rafael Xavier” (DELORENZO NETO, 1951DELORENZO NETO, A. A planificação municipal de Guaranésia. Rio de Janeiro: Ibeg, 1951., p. 9). Trata-se de um argumento que torna nítida sua objeção aos descaminhos do desenvolvimento municipal pela (possível) sobreposição (controle?) das deliberações nacionais sobre as locais, o que, no argumento de Cândido Duarte, é demonstrado pela não distinção - das municipalidades e seus governantes - entre os interesses locais e os interesses nacionais, marcadamente associados ao que ele denominou “romantismo político da nação” (DUARTE, 1942DUARTE, C. A organização municipal no Governo Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: DIP, 1942.).

Nesse sentido, e considerando as épocas em que os livros foram publicados, é possível colocar em confronto as ideias de ambos os profissionais sobre a organização do Estado brasileiro, prenunciando de certa forma os debates ainda prementes sobre a (possível e/ou necessária) reestruturação do pacto federativo no Brasil, para que as políticas públicas nacionais, estaduais e municipais não se fragmentem e inviabilizem a rígida e não cooperativa autonomia de cada ente federado pós-Constituição de 1988.

3. O município em face do planejamento regional

Os argumentos de Delorenzo Neto em prol do planejamento, como apresentado na Carta de Petrópolis, não significaram, entretanto, que outras dimensões do desenvolvimento municipal não devessem ser consideradas, sobretudo nos aspectos relativos aos princípios modernizadores da gestão, pautados em métodos científicos de racionalidade para a atuação dos administradores na solução dos problemas econômicos dos municípios. Nesse ponto em particular, principalmente no que se refere à preocupação com os planos regionais e locais, essas dimensões são fundamentais, sobretudo em países federados como o Brasil, pois a realização apenas de planos nacionais poderia constranger as ações locais em função das especificidades de ordem administrativa, social ou territorial. Nesse sentido, “[...] em relação aos problemas das cidades brasileiras, qualquer planificação deve, em larga parte, cuidar das questões de urbanismo. A solução ou a previsão delas é essencial ao destino dos nossos grupos urbanos e à vida do País” (DELORENZO NETO, 1951DELORENZO NETO, A. A planificação municipal de Guaranésia. Rio de Janeiro: Ibeg, 1951., p. 10).

A defesa das questões do urbanismo é apresentada por Delorenzo Neto por meio de comparações com experiências internacionais, notadamente nos aspectos da legislação urbanística que regulam a obrigatoriedade de planos diretores. Na Inglaterra, cidades com mais de 25 mil habitantes devem elaborar planos diretores; na Argentina, pela Lei n. 2.439 de 1935, da Província de Santa Fé, a elaboração é obrigatória também para comunidades com população de 500 a 3 mil habitantes; na França, a Lei de Urbanismo de 15 de junho de 1943 criou as Circunscrições de Urbanismo dirigidas pelo inspetor-geral de Urbanismo, responsável por “dirigir e coordenar medidas de urbanismo para a elaboração do seu plano diretor” (DELORENZO NETO, 1951DELORENZO NETO, A. A planificação municipal de Guaranésia. Rio de Janeiro: Ibeg, 1951., p. 11).

Todas essas experiências, além das discussões sobre o planejamento nacional e o planejamento regional, de alguma forma estiveram no centro dos debates entre os profissionais que participaram do I Seminário Interamericano de Estudos Municipais, especialmente na sessão do Tema III, “O município em face do planejamento regional”. O assunto foi debatido com base na conferência La organización del plan regulador de la ciudad de Buenos Aires y el planeamento del gran Buenos Aires, proferida por Carlos Mouchet (professor de Direito Público na Universidade de Buenos Aires) e por Eduardo Sarraih (professor de Urbanismo na mesma instituição). A articulação entre um jurista e um urbanista no estudo sobre a capital argentina reforçou a importância do debate sobre os planos urbanísticos e os planos regionais em articulação com os estudos sobre descentralização administrativa e autonomia municipal, dois temas centrais e estruturais do pensamento municipalista não só interamericano como ibero-europeu (FARIA, 2015FARIA, R. S. de. Urbanismo e municipalismo na Espanha: entre o Estatuto Municipal e a Unión de Municipios Españoles na década de 1920. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, v. 17, 2015.; 2016aFARIA, R. S. de. A Lei desenha a cidade (?): urbanismo e política no debate sobre o Estatuto Municipal Espanhol. In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO, 14., 2016, São Carlos. Anais [...]. São Carlos: IAU-USP, 2016a. Tema: Cidade, arquitetura e urbanismo: visões e revisões do século XX.; 2016bFARIA, R. S. de. Urbanismo e municipalismo na Espanha - IEAL e a articulação ibero-americana para o desenvolvimento municipal. ZARCH: Journal of Interdisciplinary Studies in Architecture and Urbanism, Zaragoza: Unizar, p. 206-219, 2016b.).

Essa articulação, ou a pretensão de estabelecer uma, passou também pelos nomes dos debatedores originalmente convidados para a sessão do Tema III, que ocorreu no dia 6 de novembro de 1958, dirigida por Carlos Morán, à época secretário-geral da OICI. Pelo lado dos debatedores brasileiros, destacam-se Luís de Anhaia Melo e Antônio Bezerra Baltar como urbanistas e Orlando de Carvalho, que fora diretor do Departamento de Assistência aos Municípios. Entre os profissionais dos demais países, incluem-se Adriano Ramoy (Cuba), Salvador Montaño (Argentina), além de juristas e professores, atuantes, respectivamente, na seara do Governo Municipal e do Direito Municipal. Portanto, tem-se claramente uma abordagem sobre o desenvolvimento municipal não restrito ao campo disciplinar urbanístico, mas já articulado com o direito urbanístico e administrativo e com o planejamento em seu sentido mais amplo.

O mais interessante e oportuno nessa ampliação dos saberes voltados aos problemas das cidades, dos municípios e das regiões é a integração de certo movimento de transição e mudança que ocorreu com sustentação do urbanismo no seus sentidos projetivo e técnico-artístico. Foi o que observou Arturo Almandoz Marte em sua “conversação” com Alejandra Monti (MARTE; MONTI, 2019MARTE, A. A.; MONTI, A. I. De urbanistas a planificadores. Matices de la transformación de la disciplina en América Latina. A&P Continuidad, Rosário, 6(11), p. 18-25, 2019. ). No caso da América Latina, isso teria ocorrido no contexto das discussões sobre industrialização, urbanização, modernização e desenvolvimento já na primeira metade do século XX, mas sobretudo no período posterior à Segunda Guerra Mundial e com importante presença intelectual da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). No entendimento de Almandoz, o urbanista que atuou até a metade do século XX era “na maioria dos casos um desenhista proveniente da arquitetura ou da engenharia” (MARTE; MONTI, 2019MARTE, A. A.; MONTI, A. I. De urbanistas a planificadores. Matices de la transformación de la disciplina en América Latina. A&P Continuidad, Rosário, 6(11), p. 18-25, 2019. , p. 20, tradução do autor), enquanto os profissionais pertinentes ao campo do planejamento o fariam em aproximação com as ciências sociais. E não se trata apenas de uma transição do saber-prática urbanística em relação ao planejamento, efetuado em geral por arquitetos e engenheiros, mas, principalmente, do envolvimento e do interesse de outros campos profissionais. No caso das discussões municipalistas, houve forte presença de juristas, como Antônio Delorenzo Neto, Salvador Montaño e Carlos Mouchet.

Um dos resultados dessa ampliação dos campos profissionais associa-se às indagações realizadas sobre o significado de planejamento e/ou planificação, bem como sobre possíveis definições e institucionalização. Os debatedores, por sua vez, questionaram o conceito de planejamento apresentado na conferência aplicado à cidade de Buenos Aires, sobretudo pela possível utilização dos termos planejamento e planificação como sinônimos. Essa similaridade foi mais incisivamente questionada pelo argentino Salvador Montaño, para quem o “termo, planificação ou planejamento, foi mal empregado por todos os congressos anteriores que cuidaram dos assuntos municipais”. Na sequência, Salvador Montaño afirma que teve “oportunidade de estudar um pouco [...] de modo que verifiquei que se empregam os termos planejamento e planificação como sinônimos, sendo que eles correspondem a esferas completamente distintas” (DELORENZO NETO, 1958DELORENZO NETO, A. I Seminário Interamericano de Estudos Municipais. São Paulo: Manuscrito, 1958.).

Seu argumento foi estruturado nestes termos: o planejamento corresponde às determinações dos meios e aos fins da produção e distribuição das riquezas, por isso se relaciona com a economia, e com o Estado; o município nada tem a fazer no que tange às ações no campo do planejamento econômico governamental. Já no que diz respeito à planificação, Montaño afirma que “se refere a uma ordem de coisas completamente diversas pois está intimamente ligada aos interesses políticos, jurídicos e sociais da comunidade. Todas as cidades têm que estruturar seus planos de acordo com os elementos próprios inerentes ao município” (DELORENZO NETO, 1958DELORENZO NETO, A. I Seminário Interamericano de Estudos Municipais. São Paulo: Manuscrito, 1958.). Conforme transcrição de suas palavras no documento do seminário, “podemos ter um planejamento econômico e uma planificação que pode ser local, regional ou nacional. Tanto um como o outro deve ser integrado” (DELORENZO NETO, 1958DELORENZO NETO, A. I Seminário Interamericano de Estudos Municipais. São Paulo: Manuscrito, 1958.). Salvador Montaño faz um encaminhamento ao VII Congresso Interamericano de Municípios (que ocorreria no Rio de Janeiro alguns dias depois do Seminário realizado em São Paulo) para que se discutisse a delimitação de planejamento e de planificação regional, ainda que reconhecesse que ambos deveriam atuar e integradamente.

Seu argumento foi construído com o intuito de apontar que o problema maior não estava nos planos, econômicos ou urbano-regionais, muito menos nos técnicos, uma vez que, na opinião dele, os urbanistas das Américas estavam capacitados para a concretização dos planos para municípios de tamanhos diversos, assim como para estados e regiões. O grande problema, para Montaño, era de ordem jurídica, como se demonstra por meio desta indagação: “Do que vale termos um grande plano se não dispomos de meios legais para executá-los?” (DELORENZO NETO, 1958DELORENZO NETO, A. I Seminário Interamericano de Estudos Municipais. São Paulo: Manuscrito, 1958.).

No desenrolar dos debates, o professor Carlos Mouchet apresentou o que poderia ser uma resposta propositiva sobre as diferenças que porventura poderiam delinear os termos planejamento e planificação. Para Mouchet, lida-se, no fundo, com uma questão de terminologia, visto que “[...] há planificação, planejamento e planeação. O termo planeação se emprega para significar uma planificação municipal ou regional. A planificação abrange o âmbito nacional, como, por exemplo, uma planificação econômica, de transportes, de serviços públicos” (DELORENZO NETO, 1958DELORENZO NETO, A. I Seminário Interamericano de Estudos Municipais. São Paulo: Manuscrito, 1958.).

Até este ponto, os argumentos apresentados são de autoria de profissionais oriundos do campo jurídico. Para qualificar essa discussão, é importante buscar no documento do Seminário a posição dos urbanistas, especialmente a de Eduardo Sarraih, que discorreu sobre o plano de Buenos Aires. Para Sarraih, “o termo planificação, nós urbanistas entendemos que deve ser aplicado quando se trata de matéria técnica e se refere ao planeamento físico. Planeamento, pois, deve-se dizer quando se referir ao ordenamento físico de expansão do Estado ou do município. Na ação de ordenamento, um trabalho específico, como uma planificação administrativa etc., é uma planificação” (DELORENZO NETO, 1958DELORENZO NETO, A. I Seminário Interamericano de Estudos Municipais. São Paulo: Manuscrito, 1958.).

Nesse momento das discussões surge uma intervenção de um debatedor cujo nome não constava no rol dos originalmente convidados: Carlos Lodi, muito provavelmente substituindo Luís de Anhaia Melo, não listado em nenhum debate da sessão do Tema III. Na parte do documento indicado como transcrição das observações de Lodi, afirma-se que um plano como o de Buenos Aires, apresentado por Mouchet e Sarraih, era urbano, e não regional; um plano da cidade, com indicação de sistemas viários que demarcam seus limites. Para Lodi, o que foi apresentado representava muito mais um plano como

[...] planejamento técnico, mas deveria existir também uma planificação estadual ou federal, no sentido de resolver os problemas gerais. O que falta é o entrosamento entre essas escalas do planejamento. Um planejamento acerca dos sistemas de movimentação, de transportes gerais etc. deveria vir antes, não ditando o plano da cidade, mas estabelecendo as normas gerais em torno das quais pudesse desenvolver-se o plano da cidade (DELORENZO NETO, 1958DELORENZO NETO, A. I Seminário Interamericano de Estudos Municipais. São Paulo: Manuscrito, 1958.).

Lodi aprofunda seus argumentos ao apontar a necessidade de estabelecer “diferentes graus de planejamento”, partindo do urbano e concluindo com o nacional, mas sempre dando prioridade aos planejamentos de maior envergadura. De acordo com seu argumento, o plano de cidade não se justifica se não estiver em desenvolvimento uma dimensão superior de planejamento, político e econômico, precedendo o planejamento técnico. Para Lodi, “[...] seria preciso, em primeiro lugar, estabelecer essa diferenciação entre o que é planejamento material, físico, de uma cidade, e o que vem a ser no sentido geral, físico, político, econômico e social” (DELORENZO NETO, 1958DELORENZO NETO, A. I Seminário Interamericano de Estudos Municipais. São Paulo: Manuscrito, 1958.).

Na sequência dos debates entre os conferencistas e os participantes, os argumentos ficaram concentrados numa tentativa de caracterização, ou de conceituação, sobre a noção geral de planejamento e sobre a ideia a se formar a respeito do planejamento regional e de sua relação com o desenvolvimento municipal. De certo modo, o que se percebe é uma concordância sobre a relação do planejamento regional com a escala nacional como parte das diretrizes nacionais de desenvolvimento de um país, sem desconsiderar, contudo, a necessária vinculação da escala nacional com o que foi denominado planejamento físico da cidade.

Quanto aos aspectos da relação que poderiam existir entre o planejamento nacional e o municipal, Carlos Morán apresentou uma indagação relativa ao tema das águas, que ele considerou ser uma questão regional. Nesses casos, por não se tratar de um tema restrito a um único município, o planejamento físico deveria respeitar a região como algo superior. E um caminho para uma possível solução para esses problemas, segundo Salvador Montaño, seria a construção de acordos governamentais: “O planejamento de localidade, regiões e territórios nacionais deve estabelecer e afirmar uma relação coordenada entre os governos e a autoridade nacional, mediante acordos e convênios nacionais” (DELORENZO NETO, 1958DELORENZO NETO, A. I Seminário Interamericano de Estudos Municipais. São Paulo: Manuscrito, 1958.). Tal orientação não é muito distinta das que até hoje estão na pauta dos debates no Brasil, por exemplo, sobre as regiões metropolitanas, que muito pouco realizaram no tocante à cooperação intermunicipal e regional mediante expedientes institucionais de gestão e articulação administrativa.

Considerações finais

Em função da presença desse tema sobre os acordos governamentais na pauta dos debates no Seminário Interamericano de Estudos Municipais, com uma discussão sobre a cooperação entre governos e entre municípios de uma mesma região, não se poderiam desconsiderar, para fechar esta análise, as observações feitas por Antônio Delorenzo Neto, que vinha trabalhando exatamente nesse sentido. Segundo ele,

[...] o município deverá participar do planejamento regional, quer por meio de acordos e convênios com os poderes dos governos nacionais, dos estados-membros e entre os municípios interessados. Quando se tratar de planejamento regional, devemos entender o regional em termos de internacional [pelo conjunto dos argumentos, é provável que a transcrição taquigráfica tenha se equivocado: o termo seria “intermunicipal”, não “internacional”]. O organismo jurídico administrativo adequado seria o agrupamento ou a união de municípios, sociedade com personalidade jurídica própria [estaria ele antecipando, já na década de 1950, o debate e a construção das regiões metropolitanas no Brasil?], cujo objetivo é a solução dos problemas comuns da respectiva área local. A ação administrativa regional ou intermunicipal deverá sempre ser precedida de exaustiva análise da área considerada, para fixarem-se os limites da atração e da competência do respectivo “agrupamento”. Problemas financeiros: a planificação regional deverá atentar para os problemas de competência, decorrentes dos diversos tipos de Estado, fixando-se preferencialmente as normas gerais ou programáticas por parte dos governos nacionais (DELORENZO NETO, 1958DELORENZO NETO, A. I Seminário Interamericano de Estudos Municipais. São Paulo: Manuscrito, 1958.).

Ainda que nessa passagem Delorenzo Neto não faça distinção entre planejamento e planificação, que se constituía em um dos eixos das discussões realizadas, fica evidente a defesa do planejamento regional com a participação dos municípios. Com base no conjunto dos argumentos apresentados no Seminário e nas ideias de Antônio Delorenzo Neto, é possível constatar como cada uma dessas argumentações revela concepções sobre os trabalhos no campo do planejamento, tanto na esfera municipal (entendida pelos participantes como o físico-urbanístico) como na regional-intermunicipal e nacional: são ações complexas, sobretudo por demandarem articulações governamentais - no caso brasileiro, entre os três entes da federação.

Da mesma forma, esses temas estavam na pauta dos profissionais e das instituições desde a primeira metade do século XX, em especial a partir da década de 1950, momento que Sarah Feldman acertadamente caracterizou como de crença no planejamento regional pela existência de uma “convicção de que o controle público é possível, a convicção de que as grandes cidades podem ser renovadas, reorganizadas, redistribuídas, e que tornar eficiente a organização territorial é um caminho para superar as desigualdades regionais” (FELDMAN, 2009FELDMAN, S. 1950. A década de crença no planejamento regional no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 13., 2009, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Anpur/UFSC, 2009. v. 1, p. 1-23. Tema: Planejamento e gestão do território: escalas, conflitos e incertezas., p. 2). Tais temas deveriam continuar a ser explorados nos dias atuais, em face da evidente necessidade de pensar o planejamento urbano como um processo de articulação intermunicipal, não mais limitado espacial-juridicamente pela sede dos municípios, as cidades - um caminho, portanto, para a construção de sistemas administrativos de gestão regional, tanto das áreas metropolitanas como de regiões constituídas por municípios médios e pequenos.

O interesse de Antônio Delorenzo Neto, jurista de formação, pelo campo do planejamento ocorreu, conforme documentação sobre sua vida profissional, no contexto de sua atuação como prefeito de Guaranésia. Em relação ao seu trabalho acadêmico, foi fundamental sua aproximação, na categoria de professor convidado, com a Escola de Sociologia e Política, em um trabalho voltado à defesa da aproximação disciplinar - um dos aspectos marcantes que o Seminário Interamericano de Estudos Municipais pretendeu estabelecer ao criar o diálogo entre juristas e urbanistas - e aos estudos sobre o desenvolvimento municipal, passando por sua atuação como diretor do Instituto de Estudos Municipais e como presidente da SAGMACS, no Departamento de Pesquisas Socioeconômicas. A realização do I Seminário Interamericano de Estudos Municipais de 1958, na sequência incorporado pela OICI como parte das atividades dos Congressos Interamericanos de Municípios, é, em grande parte, decorrente desse percurso profissional trilhado por Antônio Delorenzo Neto, com a articulação de duas áreas importantes para o desenvolvimento municipal: o direito e o planejamento, o que reforça a ideia de que a lei, pensada como legislação urbanística, desenha a cidade (FARIA, 2016FARIA, R. S. de. Urbanismo e municipalismo na Espanha - IEAL e a articulação ibero-americana para o desenvolvimento municipal. ZARCH: Journal of Interdisciplinary Studies in Architecture and Urbanism, Zaragoza: Unizar, p. 206-219, 2016b.).

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  • 1
    Este artigo integra o conjunto das publicações financiadas pelo CNPq na modalidade bolsa de Produtividade.
  • 2
    Nessas outras publicações, abordei mais detidamente o contexto europeu, com especial interesse pela discussão na Espanha.
  • 3
    A aproximação com a Europa ocorreu notadamente pela articulação com o Instituto de Estudios de Administración Local (IEAL), criado na Espanha em 1940. Esse Instituto foi o responsável pela aproximação com os municipalistas latino-americanos, ao propor o I Congresso Ibero-americano de Municipios, que teve lugar em Madri, no ano de 1955. Nesse mesmo sentido, foi responsável por reaproximar o debate urbanístico espanhol do debate internacional.
  • 4
    A OICI foi criada em Cuba, no ano de 1938, como decorrência do Primeiro Congresso Pan-americano de Municípios. Sua origem está atrelada às Conferências Interamericanas, iniciadas em 1889. Em 1928, durante a VI Conferência em Cuba, foi aprovada uma resolução para a realização desse primeiro congresso de municípios.
  • 5
    A cópia das cartas foi gentilmente cedida por Maria Cristina da Silva Leme. Foram obtidas como resultado das pesquisas por ela realizadas na França sobre Lebret, Economia e Humanismo e SAGMACS.
  • 6
    Essa documentação integra a Revista Ciências Econômicas e Sociais, v. 6, n. 2, jul. 1971, publicada pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas de Osasco, São Paulo. Outra parte dos Anais não foi publicada, mas consta de uma compilação realizada pelo próprio Delorenzo Neto, datilografada, onde também se encontram os debates entre os conferencistas e os debatedores convidados.
  • 7
    Ou províncias e Câmaras Municipais antes do advento da República, sobretudo pela Lei de 1828, que subtraiu competências importantes das localidades, restringindo-as a seus aspectos puramente administrativos.
  • 8
    Segundo informações presentes na publicação, em 1934 os tributos arrecadados estavam assim organizados: 64% federais, 27% estaduais, 9% municipais; pela discriminação posterior à Constituição de 1946, configurou-se a seguinte organização: 50,3% federais, 26,8% Estaduais, 22,9% municipais. Entre as fontes de receitas que então integraram as rendas municipais incluem-se: contribuição de melhoria, cota do fundo rodoviário nacional, cota de 10% do Imposto sobre a Renda, entre outros.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2020
  • Aceito
    05 Out 2020
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