Acessibilidade / Reportar erro

Auscultação dos sons da deglutição de crianças com bronquiolite

RESUMO

Objetivo

verificar as características acústicas dos sons de deglutição de lactentes com bronquiolite.

Métodos

estudo retrospectivo por análise de banco de dados aprovado pelo CEP sob o número 1499.911. Os sinais acústicos foram coletados por meio dos estetoscópios eletrônicos da marca Littmann®, modelo 4100. A amostra foi composta por sons da deglutição de lactentes com diagnóstico de bronquiolite viral aguda, internados em um hospital infantil do Sul do país. Os sons armazenados em arquivo digital foram abertos e rodados no software Deglutisom®, sendo verificados e confirmados por dois avaliadores independentes. Estabeleceu-se o pico de frequência, intensidade e intervalos de deglutição.

Resultados

a amostra de sons da deglutição de 22 crianças, sendo 31,8% do gênero feminino e 68,2% do masculino, apresentou mediana de idade de 81 dias. Encontrou-se diferença entre as características acústicas da deglutição comparadas ao gênero, com maior número de deglutições no gênero feminino (p=0,033). Não houve associação entre as variáveis pico de frequência (m=744 Hz), intensidade (m=52 dB) e tempo de deglutição (5,3s).

Conclusão

as características acústicas da deglutição da auscultação cervical de lactentes com bronquiolite, analisadas neste estudo, são de pico de frequência grave, intensidade forte, média de duas deglutições por sucção e tempo de deglutição de 5,3 s, havendo diferença entre os gêneros, em relação ao número de deglutições, maior no feminino.

Palavras-chave:
Auscultação; Acústica; Deglutição; Transtornos de deglutição; Bronquiolite

ABSTRACT

Purpose

To verify the acoustic characteristics of swallowing noise in an infant with bronchiolitis.

Methods

A retrospective study was performed by database analysis approved by the ERC under the number 1499.911; the acoustic signals were collected through Littmann® model 4100 electronic stethoscopes. The sample was composed of a bank of infants swallowing sounds, diagnosed with acute viral bronchiolitis, children under 12 months-old, hospitalized in a children's hospital in the south of the Country. The sound file storage was opened, and it was rotated in the Deglutisom® software, being verified and confirmed by two independent judges. The peak of frequency, intensity, and swallowing intervals were established.

Results

The sample totalized a group of 22 babies, 31.8% of the female gender, and 68. 2% of males with a median age of 81 days. There was a difference between the acoustic characteristics of swallowing compared to the gender, regarding the number of swallows, with the highest number of swallows in the female gender (p=0.033). There was no association between the peak frequency (m=744 Hz), intensity (m=52 dB), and swallowing time (5.3s).

Conclusion

The acoustic characteristics of cervical auscultation swallowing of Infants with bronchiolitis are bass frequency peak, a strong intensity, a mean of two swallows, and a swallowing time of 5.3 s, with the difference between genders concerning the number of swallows, highest in the female.

Keywords:
Auscultation; Acoustics; Swallowing; Swallowing disorders, Bronchiolitis

INTRODUÇÃO

As funções orofaciais da deglutição e da respiração devem ocorrer de maneira sincrônica e coordenada, a partir do nascimento, por meio de reflexos orais que, durante a deglutição, cessam a respiração por até um segundo. Esse tempo computado refere-se à passagem do alimento pela faringe em direção ao esôfago, sendo que falhas nesse processo, ou na sua sincronia, podem resultar em aspiração e complicações secundárias(11 Douglas CR. Fisiologia aplicada a Fonoaudiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. 840 p.,22 Yamamoto RCC, Bauer MA, Häeffner LSB, Weinmann ÂRM, Keske-Soares M. Os efeitos da estimulação sensório motora oral na sucção nutritiva na mamadeira de recém-nascidos pré-termo. Rev CEFAC. 2009 Dez 18;12(2):272-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009005000064.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009...
).

A bronquiolite viral aguda (BVA) é caracterizada pela infecção das vias aéreas inferiores, que ocorre por um processo inflamatório agudo, levando a um quadro respiratório do tipo obstrutivo, com graus variáveis de intensidade(33 Cagliari CF, Jurkiewicz AL, Santos RS, Marques JM. Análise dos sons da deglutição pelo sonar Doppler em indivíduos normais na faixa etária pediátrica. Rev Bras Otorrinolaringol (Engl Ed). 2009;75(5):706-15.,44 Frakking TT, Chang AB, O’Grady KF, Yang J, David M, Weir KA. Acoustic and Perceptual Profiles of Swallowing Sounds in Children: Normative Data for 4-36 Months from a Cross-Sectional Study Cohort. Dysphagia. 2017 Abr;32(2):261-70. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9755-1. PMid:27830392.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-975...
). O vírus sincicial respiratório (VSR) é o principal causador da BVA e responsável por 70% dos casos de bronquiolite em crianças menores de 24 meses de idade(55 Brandão HV, Vieira GO, Vieira TO, Cruz ÁA, Guimarães AC, Teles C, et al. Acute viral bronchiolitis and risk of asthma in schoolchildren: analysis of a Brazilian newborn cohort. J Pediatr (Rio J). 2017 Maio-Jun;93(3):223-9. PMid:27665269.,66 Barbosa LR, Gomes E, Fischer GB. Sinais clínicos de disfagia em lactentes com bronquiolite viral aguda. Rev Paul Pediatr. 2014;32(3):157-63. http://dx.doi.org/10.1590/0103-0582201432302. PMid:25479843.
http://dx.doi.org/10.1590/0103-058220143...
).

As principais características da BVA são: tosse, febre, coriza, sibilância, dificuldade respiratória, taquipneia, obstrução nasal e problemas alimentares(33 Cagliari CF, Jurkiewicz AL, Santos RS, Marques JM. Análise dos sons da deglutição pelo sonar Doppler em indivíduos normais na faixa etária pediátrica. Rev Bras Otorrinolaringol (Engl Ed). 2009;75(5):706-15.,44 Frakking TT, Chang AB, O’Grady KF, Yang J, David M, Weir KA. Acoustic and Perceptual Profiles of Swallowing Sounds in Children: Normative Data for 4-36 Months from a Cross-Sectional Study Cohort. Dysphagia. 2017 Abr;32(2):261-70. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9755-1. PMid:27830392.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-975...
).

Alterações pulmonares que causam desconforto respiratório podem mudar a frequência respiratória, aumentar a secreção em vias aéreas ou causar a displasia broncopulmonar. Essas alterações pulmonares adicionam risco de desorganização no mecanismo de coordenação das funções de sucção, deglutição e respiração, devido ao compartilhamento da mesma via neurogênica reflexa, propiciando risco para disfagia e aspiração laringotraqueal(33 Cagliari CF, Jurkiewicz AL, Santos RS, Marques JM. Análise dos sons da deglutição pelo sonar Doppler em indivíduos normais na faixa etária pediátrica. Rev Bras Otorrinolaringol (Engl Ed). 2009;75(5):706-15.).

Para o risco de aspiração laringotraqueal frente às alterações pulmonares, existem dados sugerindo que, com o aumento do esforço respiratório, há modificação na sucessão de deglutições, inspirações e apneia respiratória, o que amplia o risco da aspiração(33 Cagliari CF, Jurkiewicz AL, Santos RS, Marques JM. Análise dos sons da deglutição pelo sonar Doppler em indivíduos normais na faixa etária pediátrica. Rev Bras Otorrinolaringol (Engl Ed). 2009;75(5):706-15.).

Na população pediátrica, o processo de avaliação clínica dos distúrbios da deglutição envolve, primeiramente, a anamnese e a análise do histórico médico da criança, para verificação das condições gerais de saúde, seguida pela avaliação sensoriomotora oral, em que são observados os padrões posturais, respiratório e a capacidade de resposta geral aos estímulos. A partir do resultado dessa avaliação, realiza-se, ou não, o processo de avaliação clínica da deglutição com a oferta de alimento(77 Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação do Risco para Disfagia (PARD). J Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300007.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007...

8 Arvedson JC. Assessment of pediatric dysphagia and feeding disorders: clinical and instrumental approaches. Dev Disabil Res Rev. 2008;14(2):118-27. http://dx.doi.org/10.1002/ddrr.17. PMid:18646015.
http://dx.doi.org/10.1002/ddrr.17...
-99 Lefton-Greif MA. Pediatric dysphagia. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19(4):837-51, ix. http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.05.007. PMid:18940644.
http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.05....
). Dados da saturação periférica de oxigênio (SpO2) e da auscultação cervical (AC) complementam esta avaliação(1010 Cardoso MCAF. Disfagias orofaríngeas: implicações clínicas. São Paulo: Roca; 2012. 74 p.,1111 Miller AJ. The neurobiology of swallowing and dysphagia. Dev Disabil Res Rev. 2008;14(2):77-86. http://dx.doi.org/10.1002/ddrr.12. PMid:18646019.
http://dx.doi.org/10.1002/ddrr.12...
).

Embora não seja consenso na literatura, a AC pode ser considerada um instrumento clínico útil na identificação precoce de pacientes com alto risco de disfagia, considerando a possibilidade de penetração/aspiração(1212 Ferrucci JL, Mangilli LD, Sassi FC, Limongi SCO, Andrade CRF. Sons da deglutição na prática fonoaudiológica: análise crítica da literatura. Einstein (Sao Paulo). 2013 Dez;11(4):535-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082013000400024. PMid:24488399.
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082013...
). Apesar de a auscultação cervical ser um complemento à avaliação clínica da deglutição e melhore a sensibilidade em prever a aspiração em crianças, não é sensível o suficiente como ferramenta isolada para esse diagnóstico(1313 Frakking TT, Chang AB, O’Grady KF, David M, Walker-Smith K, Weir KA. The use of cervical auscultation to predict oropharyngeal aspiration in children: a randomized controlled trial. Dysphagia. 2016;31(6):738-48. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9727-5. PMid:27402004.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-972...
).

Estudo referiu a ausência de evidências claras quanto às correspondências entre os componentes sonoros da deglutição e os eventos fisiológicos da fase faríngea, assim como a inexistência de diferenças nos sons da deglutição entre crianças e adultos(1414 Bolzan GP, Christmann MK, Berwig LC, Costa CC, Rocha RM. Contribuição da ausculta cervical para a avaliação clínica das disfagia orofaríngeas. Rev CEFAC. 2013;15(2):455-65. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013000200023.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013...
). Outro estudo(1515 Furkim AM, Duarte ST, Sacco AFB, Sória FS. O uso da ausculta cervical na inferência de aspiração traqueal em crianças com paralisia cerebral. Rev CEFAC. 2009;11(4):624-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000800011.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009...
) apontou que a AC pode ser utilizada como alerta de risco de aspiração e reforçou a vantagem de ser um método não invasivo.

A AC permite identificar a integridade do processo de proteção de vias aéreas, o tempo e o direcionamento do bolo alimentar através da fase faríngea da deglutição. A execução dessa avaliação se dá por meio de um instrumento de amplificação, que pode ser estetoscópio comum, estetoscópio comum acoplado a um microfone, microfone, acelerômetro, sonar Doppler e/ou estetoscópio eletrônico(77 Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação do Risco para Disfagia (PARD). J Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300007.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007...
,88 Arvedson JC. Assessment of pediatric dysphagia and feeding disorders: clinical and instrumental approaches. Dev Disabil Res Rev. 2008;14(2):118-27. http://dx.doi.org/10.1002/ddrr.17. PMid:18646015.
http://dx.doi.org/10.1002/ddrr.17...
,1616 Cardoso MCAF, Fontoura EG. Valor da ausculta cervical em pacientes acometidos por disfagia neurogênica. Arq Int Otorrinolaringol. 2009;13(4):431-9.,1717 Almeida FCF, Buhler KEB, Limongi SCO. Protocolo de avaliação clínica da disfagia pediátrica (PAD-PED). Barueri: Pro Fono; 2014. 34 p.). O som é captado por meio do posicionamento do instrumento de ampliação na borda lateral da traqueia, entre as cartilagens tireoide e cricoide, sendo este ponto referido na literatura como de maior magnitude da relação sinal X ruído(1010 Cardoso MCAF. Disfagias orofaríngeas: implicações clínicas. São Paulo: Roca; 2012. 74 p.,1212 Ferrucci JL, Mangilli LD, Sassi FC, Limongi SCO, Andrade CRF. Sons da deglutição na prática fonoaudiológica: análise crítica da literatura. Einstein (Sao Paulo). 2013 Dez;11(4):535-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082013000400024. PMid:24488399.
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082013...
,1616 Cardoso MCAF, Fontoura EG. Valor da ausculta cervical em pacientes acometidos por disfagia neurogênica. Arq Int Otorrinolaringol. 2009;13(4):431-9.).

Os componentes dos sons da deglutição são descritos da seguinte forma: o primeiro - sinal fraco, correspondente à elevação laríngea e anteriorização do osso hioide e à passagem do bolo alimentar pela orofaringe e/ou hipofaringe; o segundo - sinal forte, relacionado com a abertura da transição faringoesofágica; o terceiro - um sinal fraco, associado à laringe, decorrente da sua descida e abertura, assim como da passagem do bolo pela transição faringoesofágica(1414 Bolzan GP, Christmann MK, Berwig LC, Costa CC, Rocha RM. Contribuição da ausculta cervical para a avaliação clínica das disfagia orofaríngeas. Rev CEFAC. 2013;15(2):455-65. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013000200023.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013...
,1818 Morinière S, Beutter P, Boiron M. Sound component duration of healthy human pharyngoesophageal swallowing: a gender comparison study. Dysphagia. 2006;21(3):175-82. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-006-9023-x. PMid:16897324.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-006-902...
). Não existe, ainda, consenso na literatura quanto à correspondência anatomofisiológica dos sons da deglutição.

Em razão da escassez de estudos correlacionando a AC com a população infantil(1919 Frakking TT, Chang AB, David M, Orbell-Smith J, Weir KA. Clinical feeding examination with cervical auscultation for detecting oropharyngeal aspiration: a systematic review of the evidence. Clin Otolaryngol. 2019;44(6):927-34. http://dx.doi.org/10.1111/coa.13402. PMid:31298795.
http://dx.doi.org/10.1111/coa.13402...
), da importância da AC para a verificação da integridade do processo de proteção de vias aéreas e do direcionamento do bolo alimentar através da fase faríngea da deglutição, da falta de consenso a respeito dos dados encontrados e/ou da correspondência anatomofisiológica, da diversidade de resultados quanto à sensibilidade e especificidade do teste, este estudo se justifica.

Visto que, frente aos quadros de BVA, tem-se uma auscultação de base alterada, constata-se a necessidade de verificar se esta base se altera nos momentos antes, durante ou após a deglutição, na avaliação clínica associada à AC, o que favorece o direcionamento do tratamento das crianças.

A proposta de análise acústica poderá fortalecer os achados da AC, principalmente na população infantil, em que há a presença de sons discretos iniciais no aleitamento, correlacionados, possivelmente, à pressão que a faringe exerce durante esse processo e que se modifica ao longo do crescimento e do desenvolvimento infantil(2020 Reynolds EW, Reddybatulla N, Vice FL, Gewolb IH, Bada HS. Cervical auscultation of swallowing sounds in infants and adults. J Investig Med. 2005;53(1):S284. http://dx.doi.org/10.2310/6650.2005.00006.177.
http://dx.doi.org/10.2310/6650.2005.0000...
).

Este estudo teve como objetivo verificar as características acústicas dos sons de deglutição de lactentes com bronquiolite.

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA sob parecer número 1.499.911. Trata-se de um estudo retrospectivo, realizado entre abril e julho de 2016, por análise de banco de dados e, portanto, a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi dispensada pelo CEP.

Os dados da auscultação foram coletados no estudo observacional, de caráter transversal aprovado sob o parecer 336.347 do CEP da UFCSPA, para o qual todos os responsáveis pelos indivíduos envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os sinais acústicos ou sons da deglutição foram captados por meio dos estetoscópios eletrônicos da marca Littmann®, modelo 4100, posicionado na lateral do pescoço dos bebês, o mais anteriormente possível. O modelo do instrumento apresenta amplificação sonora com capacidade de 75% de redução do ruído de fundo e amplificação de até 18 vezes. Possui sistema bluetooth para a transferência do ruído para uma unidade de computador e funciona com pilhas AAA. Os sons captados foram transferidos para um computador portátil por meio do dispositivo bluetooth e armazenados em arquivo digital, para posteriores análises.

Os critérios de inclusão dos sujeitos que originaram o banco de sons foram: lactentes com diagnóstico de BVA, menores de 12 meses, internados em um hospital infantil do Sul do País; nascidos a termo ou com idade gestacional igual ou superior a 34 semanas; sem alterações respiratórias prévias e que estivessem recebendo dieta por via oral. Os critérios de exclusão foram: lactentes com diagnóstico ou em investigação de problemas neurológicos, cardíacos e/ou genéticos; com presença de malformações craniofaciais; com uso de procinéticos e antiácidos ou frente ao diagnóstico de refluxo gastroesofágico realizado por pHmetria esofágica; com necessidade de ventilação mecânica invasiva durante a internação; em uso de sonda para alimentação e oxigenoterapia acima de um litro. Também foram excluídas as crianças com sinais de sedação ou em sono profundo, no momento da avaliação fonoaudiológica.

O diagnóstico de BVA da pesquisa inicial foi confirmado por técnica da imunofluorescência direta em secreção nasofaríngea e, quando necessário, por realização da reação em cadeia de polimerase (polymerase chain reaction - PCR) e constava no prontuário eletrônico do hospital.

No decorrer da coleta dos sons, os responsáveis foram orientados a alimentar a criança por aleitamento materno, ou por alimentação artificial oferecida na mamadeira, de maneira habitual. Quando necessário, a fórmula nutricional era preparada de acordo com a prescrição médica, na consistência líquida rala. As avaliações foram realizadas nos horários de alimentação, com intervalo de três horas entre as dietas. Nos casos de aleitamento materno, respeitou-se o intervalo mínimo de duas horas (após a última mamada) para a coleta dos sons.

Realizou-se a análise acústica dos dados arquivados por meio do software Deglutisom®, cujas características são: desenvolvido para o Sistema Operacional Microsoft Windows Vista, Windows 7, Windows 8, Windows 8.1 e/ou Windows 10 nas versões 32 ou 64 bits; utiliza a random access memory (Memória RAM) de 2 GB, devido à gravação de som, ocupando 600 MB de memória em disco rígido (HD) e está disponível para o português, o inglês e o espanhol(2121 Engefono. Software deglutisom. 2016 [citado em 2016 Jul 20]. Disponível em: http://www.engefono.com.br/?page_id=27
http://www.engefono.com.br/?page_id=27...
). O software realiza a transferência do sinal acústico por captação direta.

O arquivo de sons armazenado foi analisado por meio do software Deglutisom®. Por meio do software Deglutisom®, realizou-se a análise do ruído quanto ao número de deglutições, a média do pico de frequência, intensidade e o tempo médio de deglutição. O programa gerou um gráfico que foi gravado em um arquivo digital e impresso em cópia física de cada análise (Figura 1).

Figura 1
Gráfico gerado pelo programa Deglutisom®

Com a cópia física dos sons da deglutição gerados no programa Deglutisom®, as características acústicas gravadas em números absolutos foram transferidas para uma planilha Excel®, verificadas e confirmadas por dois avaliadores independentes, com experiência no manuseio e interpretação do programa, tendo sido estabelecida uma concordância perfeita. Embora os avaliadores tivessem ciência dos objetivos do estudo, os valores absolutos foram gerados de forma independente pelo software.

Os dados da planilha foram encaminhados para a análise estatística, cujas variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão, ou mediana, e amplitude interquartílica. As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Para comparar médias, o teste t- Student foi aplicado. Para ajustar o efeito da idade, a análise de covariância (ANCOVA) foi adotada. Para as variáveis assimétricas, foi utilizada transformação logarítmica. As associações entre as variáveis numéricas foram avaliadas pelos coeficientes de correlação de Pearson ou de Spearman. O nível de significância adotado foi de 5% e as análises foram realizadas no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0.

RESULTADOS

A amostra deste estudo foi composta por banco de sons da deglutição de lactentes. Sete (31,8%) das crianças eram do gênero feminino e 15 (68,2%) do masculino, totalizando um grupo de 22 crianças com diagnóstico clínico de alteração respiratória por BVA, com mediana de idade de 81 dias, sendo a idade mínima de 36 dias e a máxima de 116 dias e mediana de duas deglutições por sucção.

Os resultados da análise acústica da deglutição apresentam os valores encontrados frente às variáveis média do pico de frequência, média da intensidade, média do tempo de duração do processo de deglutição e mediana do número de deglutições (Tabela 1).

Tabela 1
Medidas acústicas dos sons da deglutição

A comparação dos dados dos sons da deglutição com o gênero demonstrou diferença estatística em relação à variável número de deglutições, em que o gênero feminino apresentou uma média maior do número de deglutições, comparado ao gênero masculino (p=0,033) (Tabela 2).

Tabela 2
Associação entre as medidas acústicas dos sons da deglutição e gênero

A correlação das medidas acústicas dos sons da deglutição com a mediana de idade dos participantes do estudo evidenciou a ausência de diferenças estatísticas (Tabela 3).

Tabela 3
Correlação das medidas acústicas dos sons da deglutição e a mediana de idade do grupo

Os resultados da associação entre as medidas acústicas dos sons da deglutição) não evidenciaram diferença estatística entre os dados (Tabela 4).

Tabela 4
Associações entre as medidas acústicas dos sons da deglutição

DISCUSSÃO

Este estudo buscou estabelecer as características acústicas dos sons da deglutição em lactentes com diagnóstico médico de bronquiolite, cujos dados resultantes não encontraram parâmetros para comparação na literatura, frente à mediana de idade da amostra. Os resultados foram, então, comparados aos da população infantil de idade maior, cujos dados encontram-se disponíveis na literatura.

Acrescentando-se à controvérsia da literatura quanto à AC, tem-se que a avaliação clínica dos distúrbios da deglutição complementar, por meio da auscultação dos sons da deglutição, é qualitativa e distinta quanto a sua subjetividade, pois considera a experiência do avaliador para o seu julgamento(2222 Leslie P, Drinnan MJ, Zammit-Maempel I, Coyle JL, Ford GA, Wilson JA. Cervical auscultation synchronized with images from endoscopy swallow evaluations. Dysphagia. 2007;22(4):290-8. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-007-9084-5. PMid:17554472.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-007-908...
).

No intuito de reduzir esses parâmetros controversos, a quantificação das medidas acústicas vem sendo utilizada. Os sinais acústicos por meio da AC, verificados na literatura, são, na sua maioria, os da população adulta, cujos valores de pico de frequência ocorrem na faixa de 2200 Hz, a intensidade em torno de 43 dB e a duração do processo de deglutição em torno de 0,4s(1818 Morinière S, Beutter P, Boiron M. Sound component duration of healthy human pharyngoesophageal swallowing: a gender comparison study. Dysphagia. 2006;21(3):175-82. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-006-9023-x. PMid:16897324.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-006-902...
,2020 Reynolds EW, Reddybatulla N, Vice FL, Gewolb IH, Bada HS. Cervical auscultation of swallowing sounds in infants and adults. J Investig Med. 2005;53(1):S284. http://dx.doi.org/10.2310/6650.2005.00006.177.
http://dx.doi.org/10.2310/6650.2005.0000...
,2323 Santamato A, Panza F, Solfrizzi V, Russo A, Frisardi V, Megna M, et al. Acoustic analysis of swallowing sounds: a new technique for assessing dysphagia. J Rehabil Med. 2009;41(8):639-45. http://dx.doi.org/10.2340/16501977-0384. PMid:19565158.
http://dx.doi.org/10.2340/16501977-0384...
).

Estudos realizados com a população infantil encontraram valores de pico de frequência aferidos de 2871,3 Hz, intensidade de 76,31 dB e duração do processo de deglutição de 0,335s, para a faixa etária de 6 a 24 meses, utilizando o estetoscópio eletrônico na coleta, e, na faixa etária de 2 a 15 anos de idade, valores de pico de frequência em torno de 1099 Hz, intensidade por volta de 90 dB e tempo de deglutição variando entre 0,79s e 1,05s, em diferentes consistências e gêneros, com o uso do instrumento de amplificação sonora sonar Doppler para a coleta dos sons(33 Cagliari CF, Jurkiewicz AL, Santos RS, Marques JM. Análise dos sons da deglutição pelo sonar Doppler em indivíduos normais na faixa etária pediátrica. Rev Bras Otorrinolaringol (Engl Ed). 2009;75(5):706-15.,2020 Reynolds EW, Reddybatulla N, Vice FL, Gewolb IH, Bada HS. Cervical auscultation of swallowing sounds in infants and adults. J Investig Med. 2005;53(1):S284. http://dx.doi.org/10.2310/6650.2005.00006.177.
http://dx.doi.org/10.2310/6650.2005.0000...
).

Estudo recente obteve a análise dos sons da deglutição por meio da AC de crianças saudáveis com idades entre 4 e 36 meses, com líquidos finos, com a média do pico de frequência de 3373 Hz, intensidade de 18,04 dB e duração da deglutição em 0,82s, fazendo uso de microfone acoplado à região do pescoço(44 Frakking TT, Chang AB, O’Grady KF, Yang J, David M, Weir KA. Acoustic and Perceptual Profiles of Swallowing Sounds in Children: Normative Data for 4-36 Months from a Cross-Sectional Study Cohort. Dysphagia. 2017 Abr;32(2):261-70. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9755-1. PMid:27830392.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-975...
). Mesmo não tendo sido encontrados outros estudos caracterizando a AC em lactentes menores, observou-se, nos resultados do presente estudo junto aos lactentes com BVA, pico de frequência mais grave e intensidade menor, mas com tempo maior de duração do processo de deglutição. O tempo maior de duração pode ser justificado devido à ocorrência do comprometimento respiratório da amostra, o que interfere no processo de sucção-deglutição.

Os aspectos sonoros da AC encontrados neste estudo ressaltam a média de pico de frequência agravada, com uma diferença aproximada entre os gêneros, em torno de 744 Hz.

Essa média mostrou-se muito abaixo da encontrada na população infantil, quer para indivíduos de faixa etária aproximada, entre 6 e 24 meses, sem alterações respiratórias, quer para crianças entre 2 e 5 anos, desconsiderando os diferentes instrumentos de aplicação sonora utilizados na coleta de sons(33 Cagliari CF, Jurkiewicz AL, Santos RS, Marques JM. Análise dos sons da deglutição pelo sonar Doppler em indivíduos normais na faixa etária pediátrica. Rev Bras Otorrinolaringol (Engl Ed). 2009;75(5):706-15.,2424 Dhein CCP, Barbosa LR, Cardoso MCAF. Características acústicas da deglutição infantil: auscultação cervical. Medicina (Ribeirão Preto). 2016;49(supl. 1):10.). Quando comparada essa população com a população adulta, os valores aferidos neste estudo também foram muito inferiores, pois o pico de frequência em adultos aproxima-se dos 2200 Hz(2525 Youmans SR, Stierwalt JA. Normal swallowing acoustics across age, gender, bolus viscosity, and bolus volume. Dysphagia. 2011;26(4):374-84. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-9323-z. PMid:21225287.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-932...
).

Considerando-se o princípio de Bernoulli, que descreve a movimentação de um fluído na extensão de um tubo, em que a formação de uma energia total, que se mantém constante, varia quanto à resistência e à velocidade do fluxo(11 Douglas CR. Fisiologia aplicada a Fonoaudiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. 840 p.), os valores encontrados sugerem maior resistência no trato orofaríngeo frente ao comprometimento das vias aéreas (na ocorrência da BVA), associada à viscosidade do bolo alimentar, conforme referenciado na literatura(44 Frakking TT, Chang AB, O’Grady KF, Yang J, David M, Weir KA. Acoustic and Perceptual Profiles of Swallowing Sounds in Children: Normative Data for 4-36 Months from a Cross-Sectional Study Cohort. Dysphagia. 2017 Abr;32(2):261-70. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9755-1. PMid:27830392.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-975...
,2525 Youmans SR, Stierwalt JA. Normal swallowing acoustics across age, gender, bolus viscosity, and bolus volume. Dysphagia. 2011;26(4):374-84. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-9323-z. PMid:21225287.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-932...
).

Em relação à aproximação do pico de frequência entre os gêneros, tem-se o encurtamento do trato orofaríngeo até em torno dos 6 anos de idade, quando as modificações estruturais são mais evidentes(11 Douglas CR. Fisiologia aplicada a Fonoaudiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. 840 p.).

Para a variável intensidade, os valores deste estudo foram aproximados entre os gêneros e com amplitude sonora reduzida, na comparação com crianças hígidas entre 6 e 24 meses(2424 Dhein CCP, Barbosa LR, Cardoso MCAF. Características acústicas da deglutição infantil: auscultação cervical. Medicina (Ribeirão Preto). 2016;49(supl. 1):10.) e entre 2 e 5 anos(33 Cagliari CF, Jurkiewicz AL, Santos RS, Marques JM. Análise dos sons da deglutição pelo sonar Doppler em indivíduos normais na faixa etária pediátrica. Rev Bras Otorrinolaringol (Engl Ed). 2009;75(5):706-15.). Já quando esses valores foram comparados àqueles referidos na literatura junto à população adulta (43 dB)(1212 Ferrucci JL, Mangilli LD, Sassi FC, Limongi SCO, Andrade CRF. Sons da deglutição na prática fonoaudiológica: análise crítica da literatura. Einstein (Sao Paulo). 2013 Dez;11(4):535-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082013000400024. PMid:24488399.
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082013...
,1818 Morinière S, Beutter P, Boiron M. Sound component duration of healthy human pharyngoesophageal swallowing: a gender comparison study. Dysphagia. 2006;21(3):175-82. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-006-9023-x. PMid:16897324.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-006-902...
,2525 Youmans SR, Stierwalt JA. Normal swallowing acoustics across age, gender, bolus viscosity, and bolus volume. Dysphagia. 2011;26(4):374-84. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-9323-z. PMid:21225287.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-932...
), este estudo mostrou amplitude sonora elevada, sugerindo a necessidade de uma força maior para o encaminhamento do alimento através da faringe, quando relacionada aos sons da deglutição em adultos, assim como sugeriu uma resistência maior das paredes faríngeas no encaminhamento do bolo, devido ao comprometimento respiratório, na comparação com as crianças sadias maiores.

A proximidade dos valores de intensidade entre os gêneros, observada neste estudo, é justificada pela não diferenciação do tamanho do trato orofaríngeo entre os gêneros de crianças até, aproximadamente os 6 anos de idade(11 Douglas CR. Fisiologia aplicada a Fonoaudiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. 840 p.). Em indivíduos adultos, sabe-se que, anatomicamente, as mulheres possuem a laringe mais curta do que a dos homens e tendem a deglutir com mais força, pelo fato de o bolo alimentar ter que passar por um canal menor do que o dos homens, gerando um pico de frequência mais baixo e intensidade mais fraca(2525 Youmans SR, Stierwalt JA. Normal swallowing acoustics across age, gender, bolus viscosity, and bolus volume. Dysphagia. 2011;26(4):374-84. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-9323-z. PMid:21225287.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-932...
).

Outra inferência possível nos resultados de frequência e intensidade deste estudo foi a variação na biomecânica da deglutição do lactente, ou seja, além dos bebês apresentarem diferentes extensões e diâmetro das estruturas anatômicas, eles têm uma maturidade neurológica a ser conquistada e aprimorada, para a realização das funções orais(44 Frakking TT, Chang AB, O’Grady KF, Yang J, David M, Weir KA. Acoustic and Perceptual Profiles of Swallowing Sounds in Children: Normative Data for 4-36 Months from a Cross-Sectional Study Cohort. Dysphagia. 2017 Abr;32(2):261-70. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9755-1. PMid:27830392.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-975...
).

Quanto à duração do processo de deglutição, este estudo encontrou a mediana de tempo aproximada entre os gêneros, duração essa, em intervalo maior do que o descrito na literatura para crianças sadias entre 0 e 12 meses(44 Frakking TT, Chang AB, O’Grady KF, Yang J, David M, Weir KA. Acoustic and Perceptual Profiles of Swallowing Sounds in Children: Normative Data for 4-36 Months from a Cross-Sectional Study Cohort. Dysphagia. 2017 Abr;32(2):261-70. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9755-1. PMid:27830392.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-975...
,2424 Dhein CCP, Barbosa LR, Cardoso MCAF. Características acústicas da deglutição infantil: auscultação cervical. Medicina (Ribeirão Preto). 2016;49(supl. 1):10.), assim como o intervalo de crianças maiores e de adultos(33 Cagliari CF, Jurkiewicz AL, Santos RS, Marques JM. Análise dos sons da deglutição pelo sonar Doppler em indivíduos normais na faixa etária pediátrica. Rev Bras Otorrinolaringol (Engl Ed). 2009;75(5):706-15.,2525 Youmans SR, Stierwalt JA. Normal swallowing acoustics across age, gender, bolus viscosity, and bolus volume. Dysphagia. 2011;26(4):374-84. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-9323-z. PMid:21225287.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-932...
).

A duração do processo de deglutição deve variar de acordo com a velocidade do fluxo do alimento no trato orofaríngeo. Considerando o sistema tubular desse trato, a velocidade do fluído se modifica, em relação à extensão do tubo e à presença de substratos, ocasionando uma resistência maior(11 Douglas CR. Fisiologia aplicada a Fonoaudiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. 840 p.), concordando com os achados deste estudo para com a presença de secreção no trato orofaríngeo, devido à interferência da BVA no pico de frequência, intensidade e tempo de deglutição.

Estudo relacionando os sons da deglutição em indivíduos sadios, conforme idade, gênero, viscosidade e volume de bolo alimentar, indicou, em seus resultados, o aumento da duração da deglutição faríngea com o avanço da idade, viscosidade e volume do bolo, assim como afirmou estarem as diferenças acústicas estabelecidas mais relacionadas às mudanças na viscosidade do que ao volume do bolo(2525 Youmans SR, Stierwalt JA. Normal swallowing acoustics across age, gender, bolus viscosity, and bolus volume. Dysphagia. 2011;26(4):374-84. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-9323-z. PMid:21225287.
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-932...
).

Embora os estudos publicados apontem associação entre idade e gênero aos parâmetros acústicos da deglutição, este estudo não a identificou, possivelmente pelo número reduzido da amostra, pois um número amostral maior resultaria em dados menos aleatórios e de significância populacional.

Quando comparados os dados da deglutição, em relação ao número de deglutições, com o gênero, obteve-se diferença estatística, porém, não foram encontrados, na literatura, estudos que verificassem essa mesma comparação. Infere-se que essa diferença ocorreu em virtude da não uniformidade do tempo de gravação realizada na coleta dos sons, podendo essa desigualdade ser considerada um viés deste estudo.

Pondera-se que a doença respiratória da BVA apresenta como ruído de base pulmonar a ocorrência de crepitação, ronco e/ou sibilos, devido à presença de secreção e estreitamento das vias aéreas(1616 Cardoso MCAF, Fontoura EG. Valor da ausculta cervical em pacientes acometidos por disfagia neurogênica. Arq Int Otorrinolaringol. 2009;13(4):431-9.), ou seja, tem-se o comprometimento das estruturas do trato orofaríngeo, resultando em uma maior resistência.

A partir deste estudo, depreende-se a premência de um maior tempo de deglutição (duração maior), observada em virtude do comprometimento respiratório, visto a necessidade da relação coordenada entre a deglutição e a respiração, embora sem diferença estatística.

Considera-se que a AC necessita de uma padronização quanto a sua realização e verificação dos sons auscultados. Sendo assim, buscou-se sua qualificação em: som traqueal, cliques ou burst, crepitante, bolhoso, gorgolejo e/ou estridor(1616 Cardoso MCAF, Fontoura EG. Valor da ausculta cervical em pacientes acometidos por disfagia neurogênica. Arq Int Otorrinolaringol. 2009;13(4):431-9.), assim como sua quantificação por meio da análise acústica, para o que se espera que este estudo possa ter contribuído.

Sugere-se a realização de mais estudos, nos quais possam ser conferidas as análises desses indivíduos aos de mesma faixa etária e/ou aos dados de indivíduos sadios. Outra possibilidade é a de realizar estudos associando-se os resultados clínicos aos dos exames complementares de distúrbios de deglutição objetivos, de padrão ouro.

Constata-se, também, a necessidade de desse estabelecer um protocolo para a coleta dos sons da deglutição por meio da AC, independente do tipo de aparato utilizado, de forma a propiciar dados de duração do processo de deglutição comparáveis.

O uso de softwares para a análise acústica dos sons de deglutição, sem necessidade de recortes de áudio, produz dados quantitativos e gráficos confiáveis, o que permitiu, neste estudo, a concordância perfeita entre avaliadores e a quantificação dos parâmetros inicialmente subjetivos.

CONCLUSÃO

Os dados da literatura consideram que, quanto maior a frequência e intensidade, com o menor tempo de duração para a realização do processo da deglutição, mais eficiente será essa função. Tem-se, também, que esses dados físicos variam em relação à velocidade do fluído, que se modifica devido à extensão de um tubo e na presença de substratos, ocasionando uma maior resistência, neste estudo, evidenciada pela presença de secreção no trato orofaríngeo, devido à BVA.

As medidas acústicas da AC de lactentes com BVA, analisadas neste estudo, são de pico de frequência grave (744 Hz), intensidade forte (52 dB), mediana de duas deglutições por sucção e tempo de deglutição aumentado (5,3s), havendo diferença estatística entre os gêneros, em relação ao número de deglutições, maior no gênero feminino.

Acredita-se que, para os padrões infantis, aspectos como idade e maturação neurológica devem ser levados em consideração. Sendo assim, estudos que correlacionem a avaliação clínica dos distúrbios da deglutição com a complementação de exames objetivos, na população pediátrica são necessários para que esse processo seja melhor elucidado.

  • Estudo realizado no Curso de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA – Porto Alegre (RS), Brasil.
  • Financiamento:

    Nada a declarar.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Douglas CR. Fisiologia aplicada a Fonoaudiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. 840 p.
  • 2
    Yamamoto RCC, Bauer MA, Häeffner LSB, Weinmann ÂRM, Keske-Soares M. Os efeitos da estimulação sensório motora oral na sucção nutritiva na mamadeira de recém-nascidos pré-termo. Rev CEFAC. 2009 Dez 18;12(2):272-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009005000064
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009005000064
  • 3
    Cagliari CF, Jurkiewicz AL, Santos RS, Marques JM. Análise dos sons da deglutição pelo sonar Doppler em indivíduos normais na faixa etária pediátrica. Rev Bras Otorrinolaringol (Engl Ed). 2009;75(5):706-15.
  • 4
    Frakking TT, Chang AB, O’Grady KF, Yang J, David M, Weir KA. Acoustic and Perceptual Profiles of Swallowing Sounds in Children: Normative Data for 4-36 Months from a Cross-Sectional Study Cohort. Dysphagia. 2017 Abr;32(2):261-70. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9755-1 PMid:27830392.
    » http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9755-1
  • 5
    Brandão HV, Vieira GO, Vieira TO, Cruz ÁA, Guimarães AC, Teles C, et al. Acute viral bronchiolitis and risk of asthma in schoolchildren: analysis of a Brazilian newborn cohort. J Pediatr (Rio J). 2017 Maio-Jun;93(3):223-9. PMid:27665269.
  • 6
    Barbosa LR, Gomes E, Fischer GB. Sinais clínicos de disfagia em lactentes com bronquiolite viral aguda. Rev Paul Pediatr. 2014;32(3):157-63. http://dx.doi.org/10.1590/0103-0582201432302 PMid:25479843.
    » http://dx.doi.org/10.1590/0103-0582201432302
  • 7
    Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação do Risco para Disfagia (PARD). J Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300007
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300007
  • 8
    Arvedson JC. Assessment of pediatric dysphagia and feeding disorders: clinical and instrumental approaches. Dev Disabil Res Rev. 2008;14(2):118-27. http://dx.doi.org/10.1002/ddrr.17 PMid:18646015.
    » http://dx.doi.org/10.1002/ddrr.17
  • 9
    Lefton-Greif MA. Pediatric dysphagia. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19(4):837-51, ix. http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.05.007 PMid:18940644.
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.05.007
  • 10
    Cardoso MCAF. Disfagias orofaríngeas: implicações clínicas. São Paulo: Roca; 2012. 74 p.
  • 11
    Miller AJ. The neurobiology of swallowing and dysphagia. Dev Disabil Res Rev. 2008;14(2):77-86. http://dx.doi.org/10.1002/ddrr.12 PMid:18646019.
    » http://dx.doi.org/10.1002/ddrr.12
  • 12
    Ferrucci JL, Mangilli LD, Sassi FC, Limongi SCO, Andrade CRF. Sons da deglutição na prática fonoaudiológica: análise crítica da literatura. Einstein (Sao Paulo). 2013 Dez;11(4):535-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082013000400024 PMid:24488399.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082013000400024
  • 13
    Frakking TT, Chang AB, O’Grady KF, David M, Walker-Smith K, Weir KA. The use of cervical auscultation to predict oropharyngeal aspiration in children: a randomized controlled trial. Dysphagia. 2016;31(6):738-48. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9727-5 PMid:27402004.
    » http://dx.doi.org/10.1007/s00455-016-9727-5
  • 14
    Bolzan GP, Christmann MK, Berwig LC, Costa CC, Rocha RM. Contribuição da ausculta cervical para a avaliação clínica das disfagia orofaríngeas. Rev CEFAC. 2013;15(2):455-65. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013000200023
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013000200023
  • 15
    Furkim AM, Duarte ST, Sacco AFB, Sória FS. O uso da ausculta cervical na inferência de aspiração traqueal em crianças com paralisia cerebral. Rev CEFAC. 2009;11(4):624-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000800011
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000800011
  • 16
    Cardoso MCAF, Fontoura EG. Valor da ausculta cervical em pacientes acometidos por disfagia neurogênica. Arq Int Otorrinolaringol. 2009;13(4):431-9.
  • 17
    Almeida FCF, Buhler KEB, Limongi SCO. Protocolo de avaliação clínica da disfagia pediátrica (PAD-PED). Barueri: Pro Fono; 2014. 34 p.
  • 18
    Morinière S, Beutter P, Boiron M. Sound component duration of healthy human pharyngoesophageal swallowing: a gender comparison study. Dysphagia. 2006;21(3):175-82. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-006-9023-x PMid:16897324.
    » http://dx.doi.org/10.1007/s00455-006-9023-x
  • 19
    Frakking TT, Chang AB, David M, Orbell-Smith J, Weir KA. Clinical feeding examination with cervical auscultation for detecting oropharyngeal aspiration: a systematic review of the evidence. Clin Otolaryngol. 2019;44(6):927-34. http://dx.doi.org/10.1111/coa.13402 PMid:31298795.
    » http://dx.doi.org/10.1111/coa.13402
  • 20
    Reynolds EW, Reddybatulla N, Vice FL, Gewolb IH, Bada HS. Cervical auscultation of swallowing sounds in infants and adults. J Investig Med. 2005;53(1):S284. http://dx.doi.org/10.2310/6650.2005.00006.177
    » http://dx.doi.org/10.2310/6650.2005.00006.177
  • 21
    Engefono. Software deglutisom. 2016 [citado em 2016 Jul 20]. Disponível em: http://www.engefono.com.br/?page_id=27
    » http://www.engefono.com.br/?page_id=27
  • 22
    Leslie P, Drinnan MJ, Zammit-Maempel I, Coyle JL, Ford GA, Wilson JA. Cervical auscultation synchronized with images from endoscopy swallow evaluations. Dysphagia. 2007;22(4):290-8. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-007-9084-5 PMid:17554472.
    » http://dx.doi.org/10.1007/s00455-007-9084-5
  • 23
    Santamato A, Panza F, Solfrizzi V, Russo A, Frisardi V, Megna M, et al. Acoustic analysis of swallowing sounds: a new technique for assessing dysphagia. J Rehabil Med. 2009;41(8):639-45. http://dx.doi.org/10.2340/16501977-0384 PMid:19565158.
    » http://dx.doi.org/10.2340/16501977-0384
  • 24
    Dhein CCP, Barbosa LR, Cardoso MCAF. Características acústicas da deglutição infantil: auscultação cervical. Medicina (Ribeirão Preto). 2016;49(supl. 1):10.
  • 25
    Youmans SR, Stierwalt JA. Normal swallowing acoustics across age, gender, bolus viscosity, and bolus volume. Dysphagia. 2011;26(4):374-84. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-9323-z PMid:21225287.
    » http://dx.doi.org/10.1007/s00455-010-9323-z

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2019
  • Aceito
    15 Ago 2020
Academia Brasileira de Audiologia Rua Itapeva, 202, conjunto 61, CEP 01332-000, Tel.: (11) 3253-8711, Fax: (11) 3253-8473 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@audiologiabrasil.org.br