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Desenvolvimento lexical e gagueira na criança: revisão de escopo

RESUMO

Objetivo

mapear as publicações que abordam a relação entre habilidade lexical e gagueira em crianças na faixa etária dos 2 anos aos 9 anos.

Estratégia de pesquisa

busca nas bases de dados Cochrane Library, MEDLINE, via PubMed, Scopus, Web of Science, Embase.

Critérios de seleção

estudos clínicos comparativos, longitudinais ou caso-controle, que incluíam análise do vocabulário expressivo e receptivo de crianças com gagueira na faixa etária de 2 a 9 anos. Análise dos dados: após a busca inicial com 426 artigos, 42 foram selecionados para leitura na íntegra, dos quais, 16 atenderam aos critérios de elegibilidade.

Resultados

a maior parte dos registros analisados referiu haver relação entre desenvolvimento ou desempenho lexical e gagueira em crianças. No entanto não houve consenso sobre a relação entre maior ou menor desenvolvimento lexical.

Conclusão

o mapeamento dos estudos incluídos indicou que não há evidências suficientes que relacionem gagueira e desenvolvimento lexical.

Palavras-chave:
Gagueira; Transtorno da fluência com início na infância; Desenvolvimento da linguagem; Linguagem infantil; Vocabulário; Semântica; Criança

ABSTRACT

Purpose

to search and analyze publications that address the relationship between lexical ability and stuttering in children aged 2 to 9 years old.

Research strategy

search in Cochrane Library, MEDLINE via PubMed, Scopus, Web of Science, EMBASE databases.

Selection criteria

comparative, longitudinal or case-control clinical studies that included analysis of the expressive and receptive vocabulary of children with stuttering aged between 2 and 9 years.

Results

most of the analyzed studies report a relationship between lexical development or performance and stuttering in children, however there is no consense about the relationship between greater or lesser lexical development.

Conclusion

there is not enough evidence to relate stuttering and lexical development. More studies are needed in order to understand the relationship between lexical performance and stuttering in children.

Keywords:
Stuttering; Childhood-onset fluency disorder; Language development; Child language; Vocabulary; Semantics; Child

INTRODUÇÃO

A gagueira de desenvolvimento é um distúrbio universal, crônico, que se inicia na infância, mais frequentemente em torno dos 2 anos e 6 meses de idade, juntamente com a fase de maior elaboração da linguagem, quando há um aumento do vocabulário e começam a surgir as primeiras frases, e acompanha o indivíduo por toda a vida(11 Kelman E, Nicholas A. Practical intervention for early childhood stammering: Palin PCI approach. 2a ed. Brackley: Speechmark Publishing Ltd; 2008.

2 Bloodstein O, Bernstein-Ratner N. A handbook on stuttering. 6a ed. Clifton Park: Thomson Delmar Learning; 2008.

3 Domingues CED. Análise de ligação e associação no genoma com gagueira desenvolvimental persistente em famílias do Estado de São Paulo – Brasil [tese]. São Paulo: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”; 2013 [citado em 2023 Jul 2]. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/102695
https://repositorio.unesp.br/handle/1144...
-44 Conture EG, Kelly EM, Walden TA. Temperament, speech and language: an overview. J Commun Disord. 2013;46(2):125-42. http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2012.11.002. PMid:23273707.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2012...
).

A incidência da gagueira na infância é estimada em torno de 5% da população, dos quais, aproximadamente 80% das crianças se recuperam. A idade típica do início dos sintomas é entre 30 e 48 meses de idade, com média de 33 meses(44 Conture EG, Kelly EM, Walden TA. Temperament, speech and language: an overview. J Commun Disord. 2013;46(2):125-42. http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2012.11.002. PMid:23273707.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2012...

5 Suresh R, Ambrose N, Roe C, Pluzhnikov A, Wittke-Thompson JK, Ng MC, et al. New complexities in the genetics of stuttering: significant sex-specific linkage signals. Am J Hum Genet. 2006;78(4):554-63. http://dx.doi.org/10.1086/501370. PMid:16532387.
http://dx.doi.org/10.1086/501370...
-66 Yairi E, Ambrose N. Epidemiology of stuttering: 21st century advances. J Fluency Disord. 2013;38(2):66-87. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2012.11.002. PMid:23773662.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2012...
). Estima-se que de 5% a 8% das crianças pré-escolares passam por uma fase de gagueira e a proporção de ocorrência, nesta faixa etária, é de 1,5:1 em meninos e meninas(44 Conture EG, Kelly EM, Walden TA. Temperament, speech and language: an overview. J Commun Disord. 2013;46(2):125-42. http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2012.11.002. PMid:23273707.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jcomdis.2012...

5 Suresh R, Ambrose N, Roe C, Pluzhnikov A, Wittke-Thompson JK, Ng MC, et al. New complexities in the genetics of stuttering: significant sex-specific linkage signals. Am J Hum Genet. 2006;78(4):554-63. http://dx.doi.org/10.1086/501370. PMid:16532387.
http://dx.doi.org/10.1086/501370...
-66 Yairi E, Ambrose N. Epidemiology of stuttering: 21st century advances. J Fluency Disord. 2013;38(2):66-87. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2012.11.002. PMid:23773662.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2012...
). Por volta de 80% das crianças se recuperam e a prevalência da gagueira na idade adulta é de, aproximadamente, 1% na população mundial, com ocorrência de 4:1 nos homens, em relação às mulheres(55 Suresh R, Ambrose N, Roe C, Pluzhnikov A, Wittke-Thompson JK, Ng MC, et al. New complexities in the genetics of stuttering: significant sex-specific linkage signals. Am J Hum Genet. 2006;78(4):554-63. http://dx.doi.org/10.1086/501370. PMid:16532387.
http://dx.doi.org/10.1086/501370...
,66 Yairi E, Ambrose N. Epidemiology of stuttering: 21st century advances. J Fluency Disord. 2013;38(2):66-87. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2012.11.002. PMid:23773662.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2012...
).

A linguagem e seus aspectos são fatores heterogêneos quando se trata de sua relação com a gagueira. Enquanto uma criança com gagueira pode apresentar linguagem com desenvolvimento adequado e um sistema motor da fala menos desenvolvido, outra pode demonstrar inabilidades linguísticas e articulatórias que irão interagir com um sistema motor imaturo para a fala, e ambas apresentarão alterações de fluência da fala que podem ou não ser diferentes em suas características e frequência(77 Smith A, Weber C. How stuttering develops: the multifactorial dynamic pathways theory. J Speech Lang Hear Res. 2017;60(9):2483-505. http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-16-0343. PMid:28837728.
http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-1...
).

Alguns autores(77 Smith A, Weber C. How stuttering develops: the multifactorial dynamic pathways theory. J Speech Lang Hear Res. 2017;60(9):2483-505. http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-16-0343. PMid:28837728.
http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-1...
,88 Ntourou K, Conture EG, Lipsey MW. Language abilities of children who stutter: a meta-analytical review. Am J Speech Lang Pathol. 2011;20(3):163-79. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2011/09-0102). PMid:21478281.
http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2011...
) acreditam que crianças que gaguejam possuem menor proficiência em certos parâmetros da linguagem, se comparadas a seus pares sem gagueira. Outros, que não há evidências suficientes para afirmar que crianças que gaguejam possuem habilidades linguísticas aquém de outras crianças(99 Nippold MA. Stuttering and language ability in children: questioning the connection. Am J Speech Lang Pathol. 2012;21(3):183-96. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2012/11-0078). PMid:22442282.
http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2012...
).

Neste estudo, optou-se por mapear, por meio de uma revisão de escopo, de que forma as habilidades lexicais são consideradas como atuantes na manutenção ou recuperação dos sintomas de gagueira nas crianças na faixa etária pré-escolar e escolar, até os 9 anos de idade.

A gagueira de desenvolvimento, que se inicia na primeira infância e acompanha o indivíduo por toda a vida, está associada a um alto índice de recuperação espontânea nas crianças em idade pré-escolar. Aproximadamente 80% das crianças que começam a gaguejar, recuperam-se de forma espontânea entre seis e oito meses após o início da gagueira, o que é conhecido como gagueira recuperada(1010 Smith A, Goffman L, Sasisekaran J, Weber-Fox C. Language and motor abilities of preschool children who stutter: evidence from behavioral and kinematic indices of nonword repetition performance. J Fluency Disord. 2012;37(4):344-58. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2012.06.001. PMid:23218217.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2012...

11 Hartfield KN, Conture EG. Effects of perceptual and conceptual similarity in lexical priming of young children who stutter: preliminary findings. J Fluency Disord. 2006;31(4):303-24. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2006.08.002. PMid:17010422.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2006...
-1212 Franken MJP, Koenraads SPC, Holtmaat CEM, van der Schroeff MP. Recovery from stuttering in preschool-age children: 9 year outcomes in a clinical population. J Fluency Disord. 2018;58:35-46. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2018.09.003. PMid:30309634.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2018...
). No entanto, nos indivíduos cuja alteração da fluência permanece, as consequências psicossociais, emocionais e laborais podem ser muito significativas(1111 Hartfield KN, Conture EG. Effects of perceptual and conceptual similarity in lexical priming of young children who stutter: preliminary findings. J Fluency Disord. 2006;31(4):303-24. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2006.08.002. PMid:17010422.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2006...
-1212 Franken MJP, Koenraads SPC, Holtmaat CEM, van der Schroeff MP. Recovery from stuttering in preschool-age children: 9 year outcomes in a clinical population. J Fluency Disord. 2018;58:35-46. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2018.09.003. PMid:30309634.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2018...
).

Em um estudo prospectivo do tipo coorte, a taxa de recuperação da gagueira aos 7 anos de idade foi de 65% e as meninas que, aos 2 anos de idade, obtiveram altos escores na performance linguística demonstraram taxa de recuperação mais alta, o que não foi observado nos meninos. Além disso, as crianças que se recuperaram da gagueira apresentavam habilidades linguísticas mais desenvolvidas do que aquelas com gagueira persistente. Sendo assim, os autores consideraram como fatores preditores de recuperação da gagueira, analisados aos 7 anos, as habilidades linguísticas apresentadas aos 2 anos de idade: meninas com escores mais altos nos testes apresentaram maior taxa de recuperação e meninos com melhores taxas de vocabulário expressivo aos 2 anos apresentaram menores taxas de recuperação. As habilidades de linguagem aos 7 anos, tanto de meninas, quanto de meninos, estavam dentro dos limites de normalidade, porém, as crianças que se recuperaram demonstravam habilidades de linguagem mais desenvolvidas quando comparadas às que persistiram. Entretanto, o estudo não relata quais as habilidades consideradas como preditoras de persistência ou recuperação(1313 Kefalianos E, Onslow M, Packman A, Vogel A, Pezic A, Mensah F, et al. The history of stuttering by 7 years of age: follow-up of a prospective community cohort. J Speech Lang Hear Res. 2017;60(10):2828-39. http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-16-0205. PMid:28979988.
http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-1...
).

OBJETIVO

O objetivo deste estudo foi mapear as publicações que abordam a relação entre habilidade lexical e gagueira em crianças na faixa etária dos 2 aos 9 anos.

ESTRATÉGIAS DE PESQUISA

Esta revisão de escopo foi desenvolvida de acordo com a metodologia proposta pelo Instituto Joanna Briggs (JBI)(1414 Munn Z, Aromataris E, Tufanaru C, Stern C, Porritt K, Farrow J, et al. The development of software to support multiple systematic review types: the Joanna Briggs Institute System for the Unified Management, Assessment and Review of Information (JBI SUMARI). Int J Evid-Based Healthc. 2019;17(1):36-43. http://dx.doi.org/10.1097/XEB.0000000000000152. PMid:30239357.
http://dx.doi.org/10.1097/XEB.0000000000...
). A técnica Scoping Review propõe uma metodologia rigorosa e transparente e tem sido amplamente utilizada na área da saúde. Inicialmente, foi definida a pergunta norteadora: “Quais as características do desenvolvimento lexical de crianças com diagnóstico de gagueira na faixa etária dos 2 aos 9 anos?”

Foram incluídos na busca estudos que tratavam de crianças com diagnóstico de gagueira, com ou sem grupos de comparação, cujas avaliações do desempenho linguístico realizadas ou mencionadas incluíam testes de vocabulário receptivo e expressivo.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

O mnemônico PCC (População, Conceito e Contexto)(1414 Munn Z, Aromataris E, Tufanaru C, Stern C, Porritt K, Farrow J, et al. The development of software to support multiple systematic review types: the Joanna Briggs Institute System for the Unified Management, Assessment and Review of Information (JBI SUMARI). Int J Evid-Based Healthc. 2019;17(1):36-43. http://dx.doi.org/10.1097/XEB.0000000000000152. PMid:30239357.
http://dx.doi.org/10.1097/XEB.0000000000...
) norteou a busca por estudos relevantes, sendo: a) População: crianças com idades entre 2 anos e 9 anos, com diagnóstico de gagueira; b) Conceito: desenvolvimento lexical; c) Contexto: qualquer ambiente de avaliação, como clínicas, escolas, consultórios, domicílio. Desta forma, foram incluídos estudos envolvendo população com faixa etária entre 2 anos e 9 anos, com diagnóstico de gagueira, sem alterações relacionadas à deficiência intelectual, disfunção neuromotora, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, transtorno do espectro do autismo (TEA), síndrome de Down ou outras alterações cognitivas. Os estudos deveriam abordar como conceitos o desenvolvimento lexical, a habilidade lexical, vocabulário receptivo ou expressivo, ou ambos, acesso lexical, desenvolvimento semântico-lexical. Ainda no que se refere ao conceito, foram excluídos os estudos que abordavam desvio fonológico, apraxia, alterações específicas de linguagem e alterações de linguagem escrita. A busca envolveu, também, estudos que consideravam avaliação, terapia ou monitoramento. Foram excluídos desta revisão aqueles que tratavam de casos clínicos, além de artigos de revisão, prevenção e promoção de saúde, estudos que não contemplavam avaliação de habilidades lexicais e considerações clínicas. Consideraram-se, ainda, como critérios de inclusão, artigos publicados na íntegra, nos idiomas português, inglês e espanhol.

A busca por artigos científicos foi realizada de forma a proporcionar conteúdo relativo ao desenvolvimento ou habilidade lexical, que tivesse relação com a gagueira em crianças na faixa etária selecionada. Assim, foram incluídos estudos quantitativos e qualitativos, sem restrição de data. O software Rayyan (1515 Ouzzani M, Hammady H, Fedorowicz Z, Elmagarmid A. Rayyan: a web and mobile app for systematic reviews. Syst Rev. 2016;5(1):210. http://dx.doi.org/10.1186/s13643-016-0384-4. PMid:27919275.
http://dx.doi.org/10.1186/s13643-016-038...
) foi utilizado como ferramenta de seleção, inclusão e exclusão dos artigos para este estudo, a partir das bases de dados Cochrane Library, Scopus, Web of Science, Embase, via portal CAPES e MEDLINE, via PubMed. A busca inicial pelos artigos foi iniciada em abril de 2022 e finalizada em julho do mesmo ano. As estratégias de busca podem ser visualizadas no Quadro 1.

Quadro 1
Estratégias de busca nas bases de dados

A seleção inicial dos artigos foi realizada por dois dos autores, de forma independente, utilizando o software Rayyan, quando publicações duplicadas foram removidas. Considerando os títulos e resumos identificados nas buscas em bases de dados, dois dos autores realizaram a seleção das publicações potencialmente relevantes, com base nos critérios de inclusão e exclusão. Uma nova seleção foi realizada, com outros dois autores, quando discordâncias foram resolvidas por consenso. Os dados extraídos dos estudos selecionados incluíram os objetivos/perguntas de pesquisa, métodos utilizados, resultados, participantes e sugestões pertinentes ao objeto de estudo.

ANÁLISE DOS DADOS

Para a sumarização dos achados, os resultados foram organizados nas seguintes categorias: autores e ano de publicação, n total (n=2515) e n de inclusão na pesquisa (604 crianças com diagnóstico de gagueira e grupos-controle compostos por 1786 crianças sem gagueira), caraterização dos grupos pesquisados e principais achados relativos ao desenvolvimento lexical (Tabela 1). O presente relato da revisão seguiu as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis (PRISMA) – extensão para Scoping Review (1616 Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O’Brien KK, Colquhoun H, Levac D, et al. PRISMA Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR): checklist and explanation. Ann Intern Med. 2018;169(7):467-73. http://dx.doi.org/10.7326/M18-0850. PMid:30178033.
http://dx.doi.org/10.7326/M18-0850...
).

Tabela 1
Desempenho lexical de crianças com e sem diagnóstico de gagueira

A busca inicial incluiu 426 artigos. Destes, 385 foram inicialmente excluídos por serem duplicados (331 artigos), ou por seleção a partir do título e resumo (53 artigos). Dos 42 restantes, 15 artigos com indefinição, após discussão entre os autores, foram incluídos para leitura na íntegra. Após a leitura na íntegra dos 42 artigos, 16 foram selecionados por contemplarem os critérios de inclusão estabelecidos. O processo de seleção para inclusão dos estudos nesta revisão de escopo pode ser observado na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma de seleção dos artigos via bases de dados

RESULTADOS

Foram incluídos 16 estudos reportando a avaliação de linguagem de 2515 crianças, na faixa etária entre 2 anos e 9 anos, todos procedentes de países de língua inglesa, como Austrália e Estados Unidos. Os 16 estudos selecionados eram artigos publicados em revistas científicas. A Tabela 1 demonstra os estudos incluídos, o tipo de estudo, ano de publicação e principais resultados observados.

Do total de registros, 2 artigos de revisão(1717 Nippold MA. Concomitant speech and language disorders in stuttering children: a critique of the literature. J Speech Hear Disord. 1990;55(1):51-60. http://dx.doi.org/10.1044/jshd.5501.51. PMid:2405212.
http://dx.doi.org/10.1044/jshd.5501.51...
,1818 Ntourou K, Conture EG, Lipsey MW. Language abilities of children who stutter: a meta-analytical review. Am J Speech Lang Pathol. 2011;20(3):163-79. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2011/09-0102). PMid:21478281.
http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2011...
) não foram incluídos na amostra total de artigos selecionados, sendo um deles por metanálise(1818 Ntourou K, Conture EG, Lipsey MW. Language abilities of children who stutter: a meta-analytical review. Am J Speech Lang Pathol. 2011;20(3):163-79. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2011/09-0102). PMid:21478281.
http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2011...
). Dentre os estudos selecionados, 4 eram longitudinais(1919 Wagovich SA, Hall NE. Stuttering frequency in relation to lexical diversity, syntactic complexity, and utterance length. Comm Disord Q. 2017;39(2):335-45. http://dx.doi.org/10.1177/1525740117702454.
http://dx.doi.org/10.1177/15257401177024...

20 Leech KA, Ratner NB, Brown B, Weber CM. Preliminary evidence that growth in productive language differentiates childhood stuttering persistence and recovery. J Speech Lang Hear Res. 2017;60(11):3097-109. http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-16-0371. PMid:29049493.
http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-1...

21 Watts A, Eadie P, Block S, Mensah F, Reilly S. Language ability of children with and without a history of stuttering: a longitudinal cohort study. Int J Speech Lang Pathol. 2015;17(1):86-95. http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014.923512. PMid:25014490.
http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014....
-2222 Reilly S, Onslow M, Packman A, Wake M, Bavin EL, Prior M, et al. Predicting stuttering onset by the age of 3 years: a prospective, community cohort study. Pediatrics. 2009;123(1):270-7. http://dx.doi.org/10.1542/peds.2007-3219. PMid:19117892.
http://dx.doi.org/10.1542/peds.2007-3219...
), sendo 2(2121 Watts A, Eadie P, Block S, Mensah F, Reilly S. Language ability of children with and without a history of stuttering: a longitudinal cohort study. Int J Speech Lang Pathol. 2015;17(1):86-95. http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014.923512. PMid:25014490.
http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014....
,2222 Reilly S, Onslow M, Packman A, Wake M, Bavin EL, Prior M, et al. Predicting stuttering onset by the age of 3 years: a prospective, community cohort study. Pediatrics. 2009;123(1):270-7. http://dx.doi.org/10.1542/peds.2007-3219. PMid:19117892.
http://dx.doi.org/10.1542/peds.2007-3219...
) de coorte. Em sua totalidade, incluíam grupos de crianças com gagueira, na faixa etária entre 2 e 9 anos. A comparação dos dados coletados com grupos de crianças pareados por faixa etária, sem diagnóstico de gagueira, ocorreu em 12 dos 16 registros selecionados. A amostra total dos estudos analisados incluiu 604 crianças com diagnóstico de gagueira e grupos de comparação com crianças sem diagnóstico de gagueira, compostos por 1786 crianças.

Os estudos observacionais, maioria dos selecionados para a presente revisão, se apresentaram no período de 1974 a 2020. Em sua maior parte, indicaram que existe relação entre gagueira e vocabulário ineficiente. Do total de estudos analisados, apenas 1(1919 Wagovich SA, Hall NE. Stuttering frequency in relation to lexical diversity, syntactic complexity, and utterance length. Comm Disord Q. 2017;39(2):335-45. http://dx.doi.org/10.1177/1525740117702454.
http://dx.doi.org/10.1177/15257401177024...
) indicou que as crianças com gagueira apresentavam melhores resultados no vocabulário expressivo, quando comparadas ao grupo de crianças sem gagueira. Trata-se um estudo com um grupo de 9 crianças com gagueira, cujos resultados não foram comparados aos de um grupo-controle. Já outro estudo(2020 Leech KA, Ratner NB, Brown B, Weber CM. Preliminary evidence that growth in productive language differentiates childhood stuttering persistence and recovery. J Speech Lang Hear Res. 2017;60(11):3097-109. http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-16-0371. PMid:29049493.
http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-1...
), relatou haver relação direta entre o início dos sintomas de gagueira por volta dos 3 anos de idade e maior eficiência de vocabulário, tanto expressivo, quanto receptivo. A relação entre os escores de vocabulário receptivo e expressivo abaixo do esperado e a gagueira nas crianças foi relatada em 3 estudos(2121 Watts A, Eadie P, Block S, Mensah F, Reilly S. Language ability of children with and without a history of stuttering: a longitudinal cohort study. Int J Speech Lang Pathol. 2015;17(1):86-95. http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014.923512. PMid:25014490.
http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014....

22 Reilly S, Onslow M, Packman A, Wake M, Bavin EL, Prior M, et al. Predicting stuttering onset by the age of 3 years: a prospective, community cohort study. Pediatrics. 2009;123(1):270-7. http://dx.doi.org/10.1542/peds.2007-3219. PMid:19117892.
http://dx.doi.org/10.1542/peds.2007-3219...
-2323 Watkins RV, Yairi E. Language production abilities of children whose stuttering persisted or recovered. J Speech Lang Hear Res. 1997;40(2):385-99. http://dx.doi.org/10.1044/jslhr.4002.385. PMid:9130206.
http://dx.doi.org/10.1044/jslhr.4002.385...
), enquanto outros 4(2424 Luckman C, Wagovich SA, Weber C, Brown B, Chang SE, Hall NE, et al. Lexical diversity and lexical skills in children who stutter. J Fluency Disord. 2020;63:105747. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2020.105747. PMid:32058092.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2020...
-26 ) obtiveram resultados em que apenas o vocabulário expressivo encontrava-se abaixo do esperado para a idade. Em contrapartida, um estudo americano(2020 Leech KA, Ratner NB, Brown B, Weber CM. Preliminary evidence that growth in productive language differentiates childhood stuttering persistence and recovery. J Speech Lang Hear Res. 2017;60(11):3097-109. http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-16-0371. PMid:29049493.
http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-1...
) relatou que tanto o vocabulário expressivo, quanto o receptivo, eram mais desenvolvidos nas crianças com gagueira persistente, e outros 4(2727 Silverman S, Ratner NB. Measuring lexical diversity in children who stutter: application of vocd. J Fluency Disord. 2002;27(4):289-304. http://dx.doi.org/10.1016/S0094-730X(02)00162-6. PMid:12506447.
http://dx.doi.org/10.1016/S0094-730X(02)...

28 Westby CE. Language performance of stuttering and nonstuttering children. J Commun Disord. 1979;12(2):133-45. http://dx.doi.org/10.1016/0021-9924(79)90036-4. PMid:429605.
http://dx.doi.org/10.1016/0021-9924(79)9...

39 Sakhai F, Shahbodaghi MR, Faghihzadeh S, Zarnikhi A, Golmohammadi G, Sakhaei F. A study of changes process between children who stutter and who don’t stutter in core vocabulary frequency in primary school. Middle East J Sci Res. 2014;19(7):897-903. http://dx.doi.org/10.5829/idosi.mejsr.2014.19.7.11595.
http://dx.doi.org/10.5829/idosi.mejsr.20...
-3030 Coulter CE, Anderson JD, Conture EG. Childhood stuttering and dissociations across linguistic domains: a replication and extension. J Fluency Disord. 2009;34(4):257-78. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2009.10.005. PMid:20113770.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2009...
) referiram não haver relação entre o desempenho lexical e a gagueira na faixa etária estudada. Apenas 1 estudo concluiu que, nas crianças avaliadas, a relação entre gagueira e desenvolvimento lexical estava relacionada somente a um vocabulário receptivo menos desenvolvido(3131 Anderson JD. Age of acquisition and repetition priming effects on picture naming of children who do and do not stutter. J Fluency Disord. 2008;33(2):135-55. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2008.04.001. PMid:18617053.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2008...
).

Desta forma, dos 16 estudos selecionados, 2(2020 Leech KA, Ratner NB, Brown B, Weber CM. Preliminary evidence that growth in productive language differentiates childhood stuttering persistence and recovery. J Speech Lang Hear Res. 2017;60(11):3097-109. http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-16-0371. PMid:29049493.
http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-1...
,2121 Watts A, Eadie P, Block S, Mensah F, Reilly S. Language ability of children with and without a history of stuttering: a longitudinal cohort study. Int J Speech Lang Pathol. 2015;17(1):86-95. http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014.923512. PMid:25014490.
http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014....
), 1 longitudinal do tipo coorte(2121 Watts A, Eadie P, Block S, Mensah F, Reilly S. Language ability of children with and without a history of stuttering: a longitudinal cohort study. Int J Speech Lang Pathol. 2015;17(1):86-95. http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014.923512. PMid:25014490.
http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014....
) e outro que foi realizado com dois grupos de 16 crianças cada (um grupo de crianças com gagueira e outro, controle), concluíram que as crianças com gagueira apresentavam vocabulário, tanto receptivo, quanto expressivo, mais desenvolvido que as crianças do grupo controle. Outro estudo(3232 Kreidler K, Wray AH, Usler E, Weber C. Neural indices of semantic processing in early childhood distinguish eventual stuttering persistence and recovery. J Speech Lang Hear Res. 2017;60(11):3118-34. http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-17-0081. PMid:29098269.
http://dx.doi.org/10.1044/2017_JSLHR-S-1...
), realizado em 2017 com 56 crianças distribuídas em grupo-controle, com 24 crianças, e grupos de gagueira recuperada e persistente, com 19 e 13 crianças cada um, respectivamente, concluiu que as crianças com gagueira recuperada apresentavam maior maturidade semântica que as do grupo com gagueira persistente.

DISCUSSÃO

Um estudo longitudinal americano(2121 Watts A, Eadie P, Block S, Mensah F, Reilly S. Language ability of children with and without a history of stuttering: a longitudinal cohort study. Int J Speech Lang Pathol. 2015;17(1):86-95. http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014.923512. PMid:25014490.
http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014....
) analisou um grupo de crianças com gagueira, composto por 181 crianças com idades entre 2 anos e 5 anos, comparado a um grupo-controle com 1438 crianças na mesma faixa etária. Os autores concluíram que o grupo de crianças com gagueira apresentava escores mais altos nos testes de vocabulário expressivo, do que o grupo-controle. Resultado similar foi indicado em outro estudo, realizado em 2017(1919 Wagovich SA, Hall NE. Stuttering frequency in relation to lexical diversity, syntactic complexity, and utterance length. Comm Disord Q. 2017;39(2):335-45. http://dx.doi.org/10.1177/1525740117702454.
http://dx.doi.org/10.1177/15257401177024...
), em que os dados analisados demonstraram que o tamanho da sentença, a complexidade sintática e a diversidade lexical estão relacionados às rupturas típicas da gagueira, concluindo que existe relação entre gagueira e vocabulário expressivo mais desenvolvido. No entanto, estudo( 29 ) com dois grupos compostos por 50 crianças cada um, um com crianças com gagueira e o outro, com crianças fluentes, na mesma faixa etária, concluiu não haver relação entre diversidade lexical e sintomas de gagueira na faixa etária estudada, mas sim, entre diversidade sintática, evidenciando importante lacuna no que se refere ao conhecimento da habilidade lexical em crianças com gagueira e a importância de avaliar não só esse aspecto, como outros relativos ao desempenho linguístico da criança com gagueira.

A maioria dos estudos analisados revelou haver relação entre desenvolvimento lexical aquém do esperado e gagueira na criança(2121 Watts A, Eadie P, Block S, Mensah F, Reilly S. Language ability of children with and without a history of stuttering: a longitudinal cohort study. Int J Speech Lang Pathol. 2015;17(1):86-95. http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014.923512. PMid:25014490.
http://dx.doi.org/10.3109/17549507.2014....
,2424 Luckman C, Wagovich SA, Weber C, Brown B, Chang SE, Hall NE, et al. Lexical diversity and lexical skills in children who stutter. J Fluency Disord. 2020;63:105747. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2020.105747. PMid:32058092.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2020...

25 Anderson JD, Conture EG. Language abilities of children who stutter. J Fluency Disord. 2000;25(4):283-304. http://dx.doi.org/10.1016/S0094-730X(00)00089-9.
http://dx.doi.org/10.1016/S0094-730X(00)...

26. Wagovich SA, Ratner NB. Frequency of verb use in young children who stutter. J Fluency Disord. 2007;32(2):79-94. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2007.02.003. PMid:17499123.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2007...
-2727 Silverman S, Ratner NB. Measuring lexical diversity in children who stutter: application of vocd. J Fluency Disord. 2002;27(4):289-304. http://dx.doi.org/10.1016/S0094-730X(02)00162-6. PMid:12506447.
http://dx.doi.org/10.1016/S0094-730X(02)...
,3333 Pellowski MW, Conture EG. Lexical priming in picture naming of young children who do and do not stutter. J Speech Lang Hear Res. 2005;48(2):278-94. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2005/019). PMid:15989392.
http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2005...
), porém, essa relação não se apresenta de forma consistente, já que apontaram, principalmente, ineficiência no vocabulário expressivo, enquanto outros relataram que a mesma dificuldade pode ocorrer no vocabulário receptivo, ou em ambos. Esse fato pode ser justificado pela metodologia utilizada para avaliação da habilidade lexical, que apresentou grande heterogeneidade nos artigos analisados, principalmente no que se refere aos testes utilizados para análise do desenvolvimento lexical: enquanto alguns estudos consideraram avaliações específicas de vocabulário expressivo e receptivo, em outros, a avaliação de vocabulário fez parte de testagens amplas de linguagem, além de testes desenvolvidos especificamente para o estudo em questão, ou de uso exclusivo do centro clínico em que a pesquisa foi realizada.

Outro fator que pode ser considerado relevante refere-se à faixa etária à época da avaliação, que foi diversa entre os estudos analisados, e deveria ser considerada como fator de equiparidade entre os grupos avaliados, já que o desempenho linguístico tende a ser mais eficiente à medida que a criança se desenvolve. Enquanto parte dos estudos selecionou a faixa etária relacionada ao início dos sintomas de gagueira, outros focalizaram a idade pré-escolar. Foram encontrados, ainda, estudos que incluíram faixas etárias muito amplas, dificultando a compreensão sobre o momento do desenvolvimento lexical analisado nos grupos avaliados.

Apesar de apenas parte dos estudos incluídos na revisão considerar a escolaridade materna como fator predisponente ao bom desempenho linguístico da criança(1717 Nippold MA. Concomitant speech and language disorders in stuttering children: a critique of the literature. J Speech Hear Disord. 1990;55(1):51-60. http://dx.doi.org/10.1044/jshd.5501.51. PMid:2405212.
http://dx.doi.org/10.1044/jshd.5501.51...
,1818 Ntourou K, Conture EG, Lipsey MW. Language abilities of children who stutter: a meta-analytical review. Am J Speech Lang Pathol. 2011;20(3):163-79. http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2011/09-0102). PMid:21478281.
http://dx.doi.org/10.1044/1058-0360(2011...
,2222 Reilly S, Onslow M, Packman A, Wake M, Bavin EL, Prior M, et al. Predicting stuttering onset by the age of 3 years: a prospective, community cohort study. Pediatrics. 2009;123(1):270-7. http://dx.doi.org/10.1542/peds.2007-3219. PMid:19117892.
http://dx.doi.org/10.1542/peds.2007-3219...
,2727 Silverman S, Ratner NB. Measuring lexical diversity in children who stutter: application of vocd. J Fluency Disord. 2002;27(4):289-304. http://dx.doi.org/10.1016/S0094-730X(02)00162-6. PMid:12506447.
http://dx.doi.org/10.1016/S0094-730X(02)...
,3333 Pellowski MW, Conture EG. Lexical priming in picture naming of young children who do and do not stutter. J Speech Lang Hear Res. 2005;48(2):278-94. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2005/019). PMid:15989392.
http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2005...
), um dos estudos analisados, longitudinal de coorte(2222 Reilly S, Onslow M, Packman A, Wake M, Bavin EL, Prior M, et al. Predicting stuttering onset by the age of 3 years: a prospective, community cohort study. Pediatrics. 2009;123(1):270-7. http://dx.doi.org/10.1542/peds.2007-3219. PMid:19117892.
http://dx.doi.org/10.1542/peds.2007-3219...
), que investigou fatores de risco para o início da gagueira, não indicou evidências que justificassem essa relação. Houve divergências, também, no relato de outros dois estudos: um deles, que abordou as habilidades de linguagem de crianças com gagueira(2525 Anderson JD, Conture EG. Language abilities of children who stutter. J Fluency Disord. 2000;25(4):283-304. http://dx.doi.org/10.1016/S0094-730X(00)00089-9.
http://dx.doi.org/10.1016/S0094-730X(00)...
), avaliou crianças que já haviam realizado intervenção fonoaudiológica ou estavam em tratamento fonoaudiológico à época da avaliação, enquanto o outro estudo(2323 Watkins RV, Yairi E. Language production abilities of children whose stuttering persisted or recovered. J Speech Lang Hear Res. 1997;40(2):385-99. http://dx.doi.org/10.1044/jslhr.4002.385. PMid:9130206.
http://dx.doi.org/10.1044/jslhr.4002.385...
), que revelou que o grupo de crianças com gagueira persistente apresentou desempenho, tanto de vocabulário expressivo, quanto receptivo, mais eficiente que o dos grupos de gagueira recuperada inicial ou tardia, analisou crianças que recebiam intervenção fonoaudiológica desde o início dos sintomas apresentados. O fato de essas crianças estarem ou já terem passado por tratamento fonoaudiológico pode ter colaborado para a melhora no desempenho lexical.

Em dois artigos, sendo um de crítica à literatura(1717 Nippold MA. Concomitant speech and language disorders in stuttering children: a critique of the literature. J Speech Hear Disord. 1990;55(1):51-60. http://dx.doi.org/10.1044/jshd.5501.51. PMid:2405212.
http://dx.doi.org/10.1044/jshd.5501.51...
) e outro que abordou a análise da frequência do uso de verbos em crianças com gagueira( 26 ), os autores concluíram que, apesar de não haver evidências convincentes de que crianças com gagueira, como um grupo, são menos eficientes que as crianças fluentes, no que se refere a algumas áreas da linguagem, deve-se considerar que algumas crianças com gagueira podem apresentar alterações concomitantes de linguagem e sugerem que sejam consideradas diferenças individuais e que a avaliação da associação entre linguagem e gagueira deve ser realizada o mais próximo possível do início dos sintomas.

Após análise dos estudos selecionados, observou-se grande dificuldade de síntese dos achados, devido à heterogeneidade metodológica e de resultados, além do fato de não haver ensaios clínicos, o que também dificulta a elaboração de inferências. Assim, fica evidente a necessidade de se realizar estudos longitudinais e ensaios clínicos que abordem a avaliação das habilidades de linguagem em crianças com gagueira, incluindo a avaliação de vocabulário expressivo e receptivo, caracterizando seu desempenho lexical, e que considerem não só o tempo de início dos sintomas, mas sua relação com o momento da avaliação.

CONCLUSÃO

Esta revisão de escopo procurou mapear a produção científica relacionada à gagueira e o desenvolvimento lexical em crianças, no intuito de compreender a relação entre os sintomas de gagueira em sua fase inicial e sua coocorrência com a fase de grande desenvolvimento da linguagem na criança pequena. A análise dos estudos selecionados permite concluir que existe associação entre desenvolvimento lexical e gagueira, porém, não está claro se a relação é de menor desempenho, ou de desempenho acima do esperado em crianças com gagueira, em comparação a seus pares sem gagueira. Há uma lacuna de conhecimento referente, especificamente, ao desempenho lexical em crianças com gagueira, o que justifica a produção de mais pesquisas voltadas a esse aspecto e de que forma isso pode impactar no início e manutenção dos sintomas de gagueira e deve ser considerado na atuação clínica fonoaudiológica.

AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-graduação em Ciências Fonoaudiológicas da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e à agência financiadora Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

  • Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Ciências Fonoaudiológicas, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil.
  • Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) – Programa de Demanda Social – número do processo: 88887.703883/2022-00.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2023
  • Aceito
    02 Jul 2023
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