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O SOCIOPSICODRAMA ONLINE COMO INSTRUMENTO DE REFLEXÃO SOBRE RELACIONAMENTOS AMOROSOS CONTEMPORÂNEOS

THE ONLINE SOCIOPSYCHODRAMA AS A REFLECTION INSTRUMENT ABOUT CONTEMPORARY LOVING RELATIONSHIPS

EL SOCIOPSICODRAMA ONLINE COMO INSTRUMENTO DE REFLEXIÓN SOBRE LAS RELACIONES DE AMOR CONTEMPORÁNEAS

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo explorar de que modo o sociopsicodrama, conduzido na modalidade online, pode contribuir para reflexões críticas a respeito das vivências afetivo-sexuais na contemporaneidade. Trata-se de relato de experiência, com a apresentação de um ato sociopsicodramático online com direção focada na protagonização. A discussão dos resultados foi feita a partir das categorias: reflexões sobre o amor na contemporaneidade, interlocuções entre o público e o privado e a direção socionômica online. Foi possível concluir que o sociopsicodrama é um instrumento capaz de contribuir para a reflexão crítica de seus/suas participantes a respeito das vivências afetivo-sexuais na contemporaneidade, pela ampliação do campo da intervenção, do individual para o social. A direção online se mostrou efetiva e inovadora.

PALAVRAS-CHAVE
Psicodrama; Psicoterapia de grupo; Intervenção online; Amor

ABSTRACT

The purpose of this study is to explore how sociopsychodrama, conducted online, can contribute to critical reflections about the affective-sexual experiences in contemporaneity. It is an experiment report, presenting an online sociopsychodrama act focusing on protagonization. The result discussion was done based on categories: reflections about love in contemporaneity, interlocutions between public and private and the online socionomic direction. It was possible to conclude that sociopsychodrama is an instrument which is able to contribute to the critical reflection of its participants about the affective-sexual experiences in contemporaneity, by the enlargement of the intervention field, from individual to social. The online direction proved to be effective and innovative.

KEYWORDS
Psychodrama; Group psychotherapy; Online intervention; Love

RESUMEN

El presente estudio objetivó explorar cómo el sociopsicodrama, realizado en línea, puede contribuir con reflexiones críticas sobre las experiencias afectivo-sexuales en esta época contemporánea. Se trata de un relato de experiencia, con la presentación de un acto sociopsicodramático en línea cuya dirección se centra en la protagonización. La discusión de los resultados se basó en las siguientes categorías: reflexiones sobre el amor en la contemporaneidad, interlocuciones entre lo público y lo privado y dirección socionómica en línea. Fue posible concluir que el sociopsicodrama se reveló un instrumento capaz de contribuir, con los participantes, para una reflexión crítica sobre las experiencias afectivo-sexuales en la contemporaneidad, por la ampliación del campo de intervención, de lo individual a lo social. La opción en línea demostró ser efectiva e innovadora.

PALABRAS CLAVE
Psicodrama; Psicoterapia grupal; Intervención en línea; Amor

INTRODUÇÃO

O amor é um dos grandes temas de interesse da humanidade. Em nossa prática clínica, observamos a busca por viver um relacionamento afetivo-sexual feliz como uma demanda recorrente. A socionomia1 1 A socionomia é o estudo das leis sociais. Dentro desse conceito mais geral estão compreendidos os de sociodinâmica, sociometria e sociatria – ciência do tratamento dos sistemas sociais, que utiliza como métodos a psicoterapia de grupo, o psicodrama e o sociodrama (Moreno, 1974). – enquanto campo que prioriza os estudos e práticas interpessoais – certamente tem muito a contribuir para a compreensão e terapêutica das vivências amorosas, não apenas dos relacionamentos afetivo-sexuais, mas de todos os relacionamentos humanos. Segundo Nery (2011, p. 43)Nery, M. P. (2011). Psicodrama e amor. Revista Brasileira de Psicodrama, 19(1), 35–48., “o amor é a base das redes sociométricas. Ele é o fio dos tecidos sociais que construímos”.

Ao estudarmos a obra de Moreno (1974Moreno, J. L. (1974). Psicoterapia de grupo e psicodrama: introdução à teoria e à práxis. Mestre Jou.; 1975Moreno, J. L. (1975). Psicodrama. Cultrix.; 2008)Moreno, J. L. (2008). Quem sobreviverá?: fundamentos da sociometria, da psicoterapia de grupo e do psicodrama: edição do estudante. Daimon – Centro de estudos do relacionamento. e de autores/as socionomistas contemporâneos/as sobre os relacionamentos afetivo-sexuais, constatamos que a maior parte das publicações se concentra sobre a terapia de casais (Bustos, 1990Bustos, D. M. (1990). Perigo... amor à vista! Drama e psicodrama de casais. Aleph.; Castanho, 2016Castanho, G. M. P. (2016). Introdução. In Psicodrama com casais. (pp. 13–16). Ágora.; Vitale, 2004Vitale, M. A. F. (2004). Apresentação. In Laços amorosos: terapia de casal e psicodrama. (pp. 9–11). Ágora.), com escassez de estudos sobre as relações afetivo-sexuais para além da vivência conjugal. Cunha e Silveira (2014)Cunha, A. & Silveira, C. R. (2014). Introdução. In Por todas as formas de amor: o psicodramatista diante das relações amorosas. (pp. 11–15). Ágora. propõem uma reflexão ampliada, abordando diversos aspectos envolvidos nas relações amorosas, “buscando encontrar respostas que contemplem as dores e os prazeres decorrentes das várias formas que essas relações podem assumir em suas diferentes manifestações” (p. 14). Nery (2003Nery, M. P. (2003). Vínculo e afetividade. Ágora.; 2011)Nery, M. P. (2011). Psicodrama e amor. Revista Brasileira de Psicodrama, 19(1), 35–48. também estuda os vínculos, incluindo os afetivo-sexuais, de forma abrangente, propondo reflexões que ultrapassam o campo do vínculo conjugal. É com base nesse olhar que pensamos o desenvolvimento deste estudo.

O amor, a compreensão sobre ele e as formas de vivenciá-lo, longe de serem algo instituído e absoluto, são uma construção sócio-histórica. Segundo Costa (1998)Costa, J. F. (1998). Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico. Rocco., o ideal de amor romântico tem como uma de suas premissas a ideia de que “o amor é um sentimento universal e natural, presente em todas as épocas e culturas” (p. 13). O autor apresenta um estudo detalhado a respeito de como práticas amorosas diversas já tiveram lugar na história da humanidade e como o amor romântico se construiu em um tempo e conjunto de condições próprias, evidenciando que essa ideia de universalidade e naturalidade não se sustenta. Del Priore (2015)Del Priore, M. (2015). História do amor no Brasil. Contexto. apresenta uma pesquisa mais específica sobre a história do amor no Brasil, demonstrando as diferenças nas práticas afetivo-sexuais de acordo com o tempo e o espaço, e as consequências da colonização no jeito de amar de brasileiras e brasileiros.

A contemporaneidade, ou pós-modernidade, se apresenta como um cenário muito diverso, para a vivência do amor afetivo-sexual, daquele em que o amor romântico floresceu e se consolidou. Bauman (2001)Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Jorge Zahar. nomeia esse tempo como modernidade líquida, referindo-se à fluidez dos códigos, valores e regras que costumavam orientar a vida social durante a modernidade. Aspectos apontados como característicos da contemporaneidade são: o individualismo; a valorização das sensações prazerosas e efêmeras, com repulsa pelo sofrimento (Chaves, 2010Chaves, J. C. (2010). As percepções de jovens sobre os relacionamentos amorosos na atualidade. Psicologia em Revista, 16(1), 28–46. https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2010v16n1p28
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; Costa, 1998Costa, J. F. (1998). Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico. Rocco.; Toledo, 2013Toledo, M. T. (2013). Uma Discussão sobre o Ideal de Amor Romântico na Contemporaneidade: do Romantismo aos padrões da Cultura de Massa. Mídia & Cotidiano, 2(2), 303–320. https://doi.org/10.22409/ppgmc.v2i2.9687
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); o descentramento do sujeito; a desconexão do coletivo; a busca individual por soluções para problemas produzidos socialmente; a promessa de liberdade convivendo com a crescente sensação de impotência e culminando em quadros de insegurança, ansiedade e autodesprezo (Vieira, 2017Vieira, É. D. (2017). O Psicodrama e a Pós-Modernidade: Espontaneidade como via de resistência aos poderes vigentes. Revista Brasileira de Psicodrama, 25(1), 59–67. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20170007
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). A literatura também ressalta uma forte lógica de mercado, com o consumo excessivo sendo “alardeado como a possibilidade de um antídoto contra a insegurança e a incerteza” (Vieira, 2017Vieira, É. D. (2017). O Psicodrama e a Pós-Modernidade: Espontaneidade como via de resistência aos poderes vigentes. Revista Brasileira de Psicodrama, 25(1), 59–67. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20170007
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, p. 62). No que se refere especificamente às relações afetivo-sexuais, Chaves (2010)Chaves, J. C. (2010). As percepções de jovens sobre os relacionamentos amorosos na atualidade. Psicologia em Revista, 16(1), 28–46. https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2010v16n1p28
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observa a “construção de relações humanas essencialmente utilitaristas nas quais o outro é colocado no lugar de instrumento ou meio de acesso à autossatisfação” (p. 31). Somam-se a isso as transformações advindas da revolução sexual na década de 1960 e do movimento feminista, que contestam a moral patriarcal – um elemento importante do amor romântico (Costa, 1998Costa, J. F. (1998). Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico. Rocco.; Toledo, 2013Toledo, M. T. (2013). Uma Discussão sobre o Ideal de Amor Romântico na Contemporaneidade: do Romantismo aos padrões da Cultura de Massa. Mídia & Cotidiano, 2(2), 303–320. https://doi.org/10.22409/ppgmc.v2i2.9687
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).

Mesmo com todas essas mudanças de contexto, o amor romântico segue forte como modelo idealizado de relacionamento afetivo-sexual na atualidade. Seu conjunto de crenças e aspirações – como a relação amorosa idealizada enquanto condição indispensável para a felicidade e a realização pessoal, a existência de uma “pessoa certa” para amar, a ação do destino para se encontrar essa pessoa, e a felicidade eterna vivida nessa relação – não encontram correspondência nos processos de subjetivação e nas práticas amorosas contemporâneas, e, no entanto, seguem se repetindo em narrativas veiculadas em produções culturais de sucesso – literatura, música, cinema e outras obras audiovisuais – e norteando expectativas amorosas; o que nos leva a considerar esse ideal, hoje, como uma conserva cultural2 2 Moreno (1975) define a conserva cultural como “a matriz, tecnológica ou não, em que uma ideia criadora é guardada para sua preservação e repetição” (p. 175). Merengué (2009), em revisão do conceito, acrescenta: “Muito mais que algo próprio do indivíduo e dos grupos, a conserva cultural atravessa as sociedades, seus lugares e tempos” (p. 112). E mais: “Uma conserva cultural, para assim ser compreendida, necessita da repetição, da insistência no padrão, na quantidade e na qualidade, no ordenamento, na seriação” (p. 112, grifo do autor). . O ideal de amor romântico está presente, de forma conservada, em nosso coinconsciente social3 3 “Entende-se que os estados coinconscientes são resultados diretos da experiência íntima entre conjuntos de indivíduos. Mas ele pode ser também resultado de experiências que ocorrem nos planos social ou cultural. O contato pessoal íntimo é substituído pelo contato indireto, transpessoal ou social. A interpsique familiar é substituída pela interpsique cultural” (Moreno, 1961, citado por Knobel, 2016, p. 20). , influenciando fortemente a formação dos papéis desempenhados nos vínculos afetivo-sexuais e, consequentemente, a maneira de amar dos sujeitos contemporâneos.

Utilizaremos o termo papel afetivo-sexual para denominar o conjunto de papéis sociais que o indivíduo desempenha nas relações amorosas em que está presente o componente erótico: as relações afetivo-sexuais4 4 Neste trabalho, quando falamos, de maneira mais simplificada, de relacionamentos amorosos, estamos nos referindo às relações afetivo-sexuais. . Estas são mais específicas do que outras relações em que se vivencia o amor sem o elemento afetivo-sexual, como as familiares e as de amizade, e extrapolam as relações conjugais, em que há um compromisso assumido entre as pessoas envolvidas. Evitamos nos referir a papéis mais específicos nessas relações, como o papel de cônjuges, esposos/as, namorados/as, companheiros/as, apaixonados/as, por compreendermos que ao longo da vida do sujeito, ele se envolve em relacionamentos, estáveis ou não, reais ou imaginários, e, a partir do desempenho de diferentes papéis nessas relações, um papel mais abrangente, que diz respeito à maneira de amar desse sujeito, vai se desenvolvendo. Ferreira (2014)Ferreira, I. B. (2014). A visão masculina do amor. In A. Cunha & C. R. Silveira (Orgs.), Por todas as formas de amor: o psicodramatista diante das relações amorosas. (pp. 57–65). Ágora. o define como papel amoroso; Cunha (2014)Cunha, A. (2014). O amor não tem idade. In A. Cunha & C. R. Silveira (Orgs.), Por todas as formas de amor: o psicodramatista diante das relações amorosas. (pp. 137–151). Ágora., como papel de amantes (no sentido de seres que amam); e Rosa (2014)Rosa, M. C. M. (2014). Mulheres que amam mulheres. In A. Cunha & C. R. Silveira (Orgs.), Por todas as formas de amor: o psicodramatista diante das relações amorosas. (pp. 79–96). Ágora., como papel afetivo-sexual, e é este o termo que adotaremos.

Moreno (2008)Moreno, J. L. (2008). Quem sobreviverá?: fundamentos da sociometria, da psicoterapia de grupo e do psicodrama: edição do estudante. Daimon – Centro de estudos do relacionamento. afirma que “todo papel é uma fusão de elementos privados e coletivos” (p. 95). Knobel (2011)Knobel, A. M. (2011). Coconsciente e coinconsciente em Psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, 19(2), 139–152. traz uma contribuição importante a respeito desses elementos: “Em seus aspectos coletivos, como unidades culturais de conduta, os papéis transmitem os códigos, os valores, as crenças e os hábitos culturais específicos de um determinado grupo. Em sua dimensão privada expressam os mitos familiares” (p. 142). Compreendemos que os elementos coletivos do papel afetivo-sexual estão fortemente assentados no coinconsciente social, que abriga o ideal de amor romântico e todas as suas contradições.

Assim, acreditamos que trabalhos terapêuticos que abordem o tema dos relacionamentos afetivo-sexuais e os sofrimentos vivenciados nessas relações podem ser muito mais efetivos se transcenderem as vivências pessoais dos sujeitos que os demandam – os componentes individuais do papel –, promovendo uma reflexão crítica a respeito das incongruências entre normas idealizadas e práticas possíveis. Estamos de acordo com Costa (1998)Costa, J. F. (1998). Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico. Rocco., quando propõe que um questionamento das “regras comportamentais, sentimentais ou cognitivas que interiorizamos quando aprendemos a amar” (p. 34) é condição fundamental para se construir uma vida amorosa mais livre e espontânea. E esse questionamento passa por refletir sobre os componentes coletivos do papel afetivo-sexual.

Moreno (1975)Moreno, J. L. (1975). Psicodrama. Cultrix. apresenta o sociodrama como “um método de ação profunda que trata das relações intergrupais e das ideologias coletivas” (p. 411), abordando os aspectos coletivos, e não os privados, dos papéis. Alves (2020)Alves, L. F. (2020). Sociopsicodrama: Direção centrada na protagonização. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(3), 166–175. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20505
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utiliza a denominação sociopsicodrama, alegando que quando se trabalha com grupos utilizando a metodologia socionômica, as questões tratadas dizem respeito ao grupo como um todo, assim como aos indivíduos que o compõem, e que ambos podem ser beneficiados. Haveria, então, uma íntima relação entre o subjetivo e o intersubjetivo nesse tipo de trabalho.

As intervenções socionômicas na modalidade online ganharam uma grande relevância no ano de 2020, marcado pelo início da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), tendo como recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) o distanciamento social. Tal circunstância impôs às/aos profissionais da psicologia a reorganização de seus modos de atuação, tanto em formato individual quanto grupal. Desde 2018, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) já havia regulamentado a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias da informação (CFP, 2018Conselho Federal de Psicologia (CFP). (2018). Resolução Nº 11, de 11 de maio de 2018. Regulamenta a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias da informação e da comunicação e revoga a Resolução CFP N.º 11/2012. Diário Oficial da União. Recuperado de: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/14132490/do1-2018-05-14-resolucao-n-11-de-11-de-maio-de-2018-14132486 Acesso em: 14 abr. 2023.
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), entretanto, no ano de 2020 essa forma de atendimento deixou de ser uma escolha entre outras, assumindo o lugar da opção possível para a continuidade da prestação dos serviços. Os/as socionomistas passaram a se organizar para reinventar o trabalho com a metodologia psicodramática, e foram de especial valia as atividades organizadas pela Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP) e federadas, visando a inclusão digital desses/as profissionais e nas quais muito se trocou a respeito da condução de psicodramas e sociodramas online (Nery, 2021Nery, M. P. (2021). Psicodrama e métodos de ação on-line: teorias e práticas. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(2), 107–116. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00442_PT
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). Importantes contribuições foram publicadas, a partir daí, registrando o desenvolvimento dos métodos de ação online, e salientando a importância da continuidade de estudos na mesma direção (Belém & Nery, 2021Belém, A. (2021). Psicoterapia psicodramática de grupo on-line: reinvenções do aquecimento. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(2), 117–126. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00452_PT
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; Castro et al., 2020Castro, A., Vidal, G. P., Silveira, B. S. & Oliveira, D. C. (2020). A sobrevivência via Sociodrama online: COVID-19, o que você quer me dizer? Revista Brasileira de Psicodrama, 28(3), 176–186. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20209
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; Fleury, 2020Fleury, H. J. (2020). Psicodrama e as especificidades da psicoterapia on-line. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(1), 1–4. Recuperado de: https://revbraspsicodrama.org.br/rbp/article/view/406/399. Acesso em: 06 Maio 2023.
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; Nery, 2021Nery, M. P. (2021). Psicodrama e métodos de ação on-line: teorias e práticas. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(2), 107–116. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00442_PT
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).

A partir do exposto, o objetivo deste estudo é explorar como o sociopsicodrama, conduzido na modalidade online, pode contribuir para reflexões críticas das pessoas participantes a respeito de suas vivências afetivo-sexuais. Além de avaliar a elaboração reflexiva das/dos participantes sobre a sua forma de viver os relacionamentos amorosos, examinaremos a interlocução entre os conteúdos pessoais e a construção e elaboração coletivas realizadas em um ato sociopsicodramático online; e consideraremos elementos importantes da direção na modalidade online, buscando contribuir para esse importante campo de estudos emergente nos últimos anos.

METODOLOGIA

Desde o ano de 2007, desenvolvemos trabalhos socioterapêuticos grupais, segundo a metodologia socionômica, com o objetivo de promover reflexões sobre as práticas amorosas na contemporaneidade. No início do ano de 2020, tínhamos programado uma sequência de sociodramas tematizados, abordando diferentes aspectos das relações afetivo-sexuais, com frequência mensal. O projeto ganhou o nome de “Encontros & desencontros: uma jornada sobre relacionamentos amorosos”. Com a emergência da epidemia de COVID-19 e o impositivo das intervenções online, no primeiro semestre, ajustamos a condução dos trabalhos, realizando-os no formato de rodas de conversa online, por meio da plataforma Zoom de videoconferências. No segundo semestre optamos por continuar realizando o trabalho na modalidade online, adotando a metodologia do sociopsicodrama.

No presente estudo, relataremos um dos atos sociopsicodramáticos pertencentes a esse contexto. O trabalho teve como tema “Vamos nos permitir: sobre viver o amor em tempos líquidos”5 5 Referência à canção “Tempos modernos” (Santos, 1982) e ao termo modernidade líquida, cunhado por Bauman (2001) para se referir à contemporaneidade. , e foi divulgado por meio de nossas redes sociais profissionais. As pessoas se inscreveram por meio de um formulário eletrônico.

O grupo foi formado por oito participantes, sendo sete mulheres e um homem, todas/os brancas/os e cisgênero. Entre as mulheres, cinco se reconheceram como heterossexuais, uma como homossexual e uma como bissexual. O homem participante se declarou homossexual. As idades variaram entre 24 e 60 anos. As localizações geográficas das pessoas participantes foram: duas de Belo Horizonte, três do interior de Minas Gerais, duas de São Paulo e uma do interior da Bahia. Com relação a um contato prévio com a diretora, cinco pessoas estavam ou já tinham estado em psicoterapia com essa profissional, duas eram estudantes de psicodrama, tendo uma relação de professora-alunas, e uma não tinha um vínculo anterior. Essa última pessoa e mais uma participavam da atividade pela primeira vez, e seis já haviam participado de encontros anteriores. Trata-se, portanto, de um ato socionômico com participantes em processo (Rodrigues, 2008Rodrigues, R. (2008). Intervenções sociopsicodramáticas: atualização e sistematização de recursos, métodos e técnicas. In M. M. Marra & H. J. Fleury (Orgs.), Grupos: Intervenção socioeducativa e método sociopsicodramático. (pp. 101–123). Ágora.).

A sessão teve duração de duas horas e foi dirigida pela autora deste estudo, sem a participação de egos-auxiliares. A modalidade de direção do sociopsicodrama foi focada na protagonização (Alves, 2020Alves, L. F. (2020). Sociopsicodrama: Direção centrada na protagonização. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(3), 166–175. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20505
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). O registro do trabalho foi realizado pela diretora, durante e posteriormente ao evento. Além disso, as pessoas participantes foram convidadas a responder a uma avaliação do trabalho por meio de formulário eletrônico anônimo, em que puderam dar retornos e trazer mais elaborações sobre a vivência. Três formulários foram respondidos, e o conteúdo deles foi utilizado como registro. Todas as pessoas participantes autorizaram o uso do conteúdo registrado por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A seguir, passaremos à descrição das etapas da sessão e discussão dos dados a partir das categorias: reflexões sobre o amor na contemporaneidade, interlocuções entre o público e o privado e a direção socionômica online. Os nomes de todas as pessoas foram substituídos por nomes fictícios.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O ato sociopsicodramático

O aquecimento para este ato sociopsicodramático se iniciou antes mesmo do encontro em si. Uma semana antes da data, realizamos uma transmissão ao vivo (Live) na rede social Instagram, em que expusemos ideias sobre o tema proposto, com a contribuição de pessoas interessadas no assunto, por meio de perguntas e comentários. Além disso, compartilhamos com as pessoas inscritas no evento, por meio do aplicativo de troca de mensagens WhatsApp, links para uma lista de músicas e um texto relacionados ao tema, utilizando, assim, iniciadores intelectivos e temáticos, com a intenção de mobilizar afetos e pensamentos que pudessem convergir, durante a sessão, nos iniciadores mentais ou psicológicos (Almeida, 1993Almeida, W. C. (1993). Os iniciadores. In R. F. Monteiro (Org.), Técnicas fundamentais do psicodrama. (pp. 32–44). Ágora.).

O primeiro momento da sessão foi o aquecimento no contexto social, com a recepção das pessoas participantes, uma pequena fala de cada uma sobre como chegaram e suas expectativas para o encontro. Em seguida, foram feitos alguns combinados sobre o trabalho: duração, etapas previstas e cuidados necessários, consigo e com as outras pessoas, como compromisso de sigilo e formas de ocupação do espaço no grupo.

Passando ao contexto grupal, o aquecimento inespecífico se deu solicitando às pessoas que fechassem os olhos e voltassem sua atenção para como o tema do encontro lhes tocava, pessoalmente, acionando, dessa maneira, os iniciadores mentais ou psicológicos (Almeida, 1993Almeida, W. C. (1993). Os iniciadores. In R. F. Monteiro (Org.), Técnicas fundamentais do psicodrama. (pp. 32–44). Ágora.). Depois de abrirem os olhos, foi feita uma divisão em duplas, utilizando o recurso de salas simultâneas do Zoom, e ali se iniciou uma primeira troca de impressões e sentimentos. De volta à sala principal da plataforma, foi pedido que elas trouxessem esses conteúdos para o grupo. Todas as pessoas se expressaram, surgindo as seguintes falas (ordenadas na sequência em que foram compartilhadas):

Observo minhas relações, pessoais e profissionais / O amor é líquido? É sólido? Gasoso? / Quais são os meus limites no amor? Como quero vivê-lo? E o amor-próprio? / Ansiedade e carência dificultam a minha vivência do amor / Busca pelo centramento e por viver o momento presente / Vazio, por não viver um relacionamento amoroso há muito tempo / Dúvida entre me soltar, me permitir viver as coisas com mais leveza, “chutar o balde”, ou não.

A última fala, sobre chutar o balde, gerou grande mobilização no grupo. As demais pessoas presentes manifestaram identificação com a frase, multiplicando reflexões e interpretações: chutar o balde poderia ser entendido como se soltar, viver o amor de uma maneira mais leve e menos comprometida, ou, ainda, terminar um relacionamento. Surgiu também a possibilidade de mergulhar no balde: investir mais profundamente em uma relação, possibilidade essa permeada por desejo e medo. Tais conteúdos, e a imagem de uma pessoa frente a um balde, foram se configurando como o tema protagônico da sessão, que, segundo Alves (1999, p. 90)Alves, L. F. (1999). O protagonista e o tema protagônico. In W. C. Almeida (Org.), Grupos: a proposta do psicodrama. (pp. 89–100). Ágora., “é o texto, o roteiro ou assunto construído e desenvolvido durante o ato psicodramático (latu sensu)”. Com esse tema, passou-se do contexto grupal para o contexto dramático, o terreno do “como se”, em que a diretora solicitou que alguém que estivesse aquecida/o para desempenhar o papel da Pessoa Frente ao Balde (PFB) tomasse esse papel, escolhendo outra pessoa para desempenhar o papel de Balde (B).

A dramatização se iniciou com Helena desempenhando o papel de PFB e Lucas desempenhando o papel de B, como ego-plateia 6, uma vez que não trabalhamos com egos-auxiliares treinados nessa sessão. A diretora pediu que as demais pessoas fechassem suas câmeras, delimitando, dessa maneira, o palco e a plateia.

PFB (Helena), para B (Lucas): O que tem aí dentro?

Diretora congela a cena e entrevista a personagem.

Diretora (D), para PFB (Helena): Do que você precisa quando faz essa pergunta ao Balde?

PFB (Helena), para D: Quero saber o que tem dentro do Balde, para ter segurança sobre que atitude tomar.

Inversão de papéis entre PFB e B.

PFB (Lucas), para B (Helena): O que tem aí dentro?

B (Helena), para PFB (Lucas): Não sei se posso atender às suas expectativas.

A dramatização continuou, com a diretora propondo que outras pessoas ocupassem os papéis de PFB e de B, de acordo com seu aquecimento. Em determinado momento, Adriana tomou o papel de PFB, com Camila desempenhando o papel de B, e a cena evoluiu da seguinte maneira:

PFB (Adriana), para B (Camila): Quero saber o que tem dentro do Balde, se é líquido, sólido ou pastoso.

B (Camila), para PFB (Adriana): Estamos construindo devagar. Você não precisa ficar insegura assim.

Diretora congela a cena e entrevista a personagem.

D, para PFB (Adriana): E você? O que tem aí dentro? Qual é o estado dessa matéria?

PFB (Adriana), para D: Em mim não cai líquido não; quero de pastoso para mais.

Inversão de papéis entre PFB e B.

PFB (Camila), para B (Adriana): Quero saber o que tem dentro do Balde, se é líquido, sólido ou pastoso.

B (Adriana), para PFB (Camila): Eu te ofereço o que posso oferecer.

Inversão de papéis entre PFB e B.

B (Camila), para PFB (Adriana): Eu te ofereço o que posso oferecer.

PFB (Adriana), para B (Camila): Eu preciso de mais.

Diretora congela a cena e entrevista a personagem.

D, para PFB (Adriana): Do que você precisa, a mais?

PFB (Adriana), para D: Preciso ouvir palavras de amor, de mais demonstrações. Acho esse Balde frio, parece que não se importa, não me dá segurança. Mas percebo que já preciso disso desde antes de conhecer esse Balde, em específico.

D, para PFB (Adriana): Então diga a si mesma as palavras de amor que sente necessidade de ouvir, independentemente de estar com esse Balde ou não.

PFB (Adriana) começa a dizer as frases: “Eu te amo”; “Eu estou aqui com você”.

Diretora pede à plateia que passe a ecoar as frases ditas pela PFB, primeiramente, repetindo-as, e, depois, multiplicando-as da forma como se sentem, colocando-se naquele papel.

Rodrigues (2008)Rodrigues, R. (2008). Intervenções sociopsicodramáticas: atualização e sistematização de recursos, métodos e técnicas. In M. M. Marra & H. J. Fleury (Orgs.), Grupos: Intervenção socioeducativa e método sociopsicodramático. (pp. 101–123). Ágora. nomeia essa técnica como duplo amplificado. Daí surgem as seguintes frases:

Eu te amo / Eu estou aqui com você / Eu te amo mesmo quando você é líquida / Eu quero mergulhar nesse Balde / Eu quero ter coragem para amar / Eu tenho coragem para amar / Eu tenho coragem, mas tenho medo / Eu tenho medo, mas tenho coragem / Eu não vou desistir / Vamos nos permitir? / Vamos juntos?

D, para PFB (Adriana): Como você se sente, agora?

PFB (Adriana), para D: Sinto tranquilidade e coragem.

Na etapa do compartilhar, as pessoas participantes trouxeram sentimentos de confiança, medo de se permitir e coragem de se permitir. Além disso, surgiram reflexões sobre os lugares que ocupam em suas relações, com falas como: “Ocupo o lugar de balde, que mostra o que tem e deixa a outra pessoa tomar as suas decisões na relação?”, “Estou querendo chutar o balde? Ou mergulhar no balde? Ir mais fundo?” e “Quem não tem coragem de chutar, às vezes é chutado”. Essas falas foram acompanhadas de reflexões sobre a importância de se ter consciência sobre os próprios desejos e necessidades em um relacionamento afetivo-sexual.

O compartilhar continuou com a citação de trechos de letras de músicas pelos/as participantes, na seguinte sequência: “O universo conspira a nosso favor, a consequência do destino é o amor” (Campos & Reis, 2010Campos, R. & Reis, N. (2010). De janeiro a janeiro [Música]. In Varrendo a lua [Álbum]. Deckdisc.); “Quero escrever uma canção de amor para nos libertar... De tudo que signifique que para sermos um temos que ser iguais” (Moska, 2003Moska, P. (2003). Assim sem disfarçar [Música]. In Tudo novo de novo [Álbum]. Som livre.); “Porque a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu” (Moraes et al., 1971Moraes, V., Medalha, M. & Toquinho (1971). Como dizia o poeta [Música]. RGE.); “A gente é feito pra acabar” (Jeneci, 2010Jeneci, M. (2010). Feito pra acabar [Música]. Slap.); “A gente é feito pra se transformar, a gente é feito pra continuar, nunca se acaba, nem quando termina” (Careqa, 2013Careqa, C. (2013). Feito pra continuar [Música]. In Made in China [Álbum]. Barbearia Espiritual Discos.). Algumas dessas canções faziam parte da lista de músicas compartilhada pela diretora antes do encontro, e outras surgiram nessa etapa do trabalho.

Após o término do trabalho, a diretora compartilhou com o grupo, por meio do aplicativo de troca de mensagens WhatsApp, o link para um formulário de avaliação da sessão, que configurou uma etapa adicional do processo, como uma extensão do compartilhar: a de comentários cognitivos (Rodrigues, 2008Rodrigues, R. (2008). Intervenções sociopsicodramáticas: atualização e sistematização de recursos, métodos e técnicas. In M. M. Marra & H. J. Fleury (Orgs.), Grupos: Intervenção socioeducativa e método sociopsicodramático. (pp. 101–123). Ágora.). Os conteúdos surgidos nessa etapa serão abordados na seção Interlocuções entre o público e o privado.

Ainda como uma ação relacionada a esse ato socionômico, a diretora produziu três textos não acadêmicos, em formato de blog, que tratam de uma reflexão e elaboração do que foi vivenciado, e compartilhou o material com o grupo, por meio do WhatsApp7 7 Esses textos, bem como a lista de músicas e a gravação da Live realizada anteriormente à sessão, encontram-se disponíveis em: Soares (2022). .

Reflexões sobre o amor na contemporaneidade

Logo na etapa de aquecimento inespecífico, os conteúdos revelados apontaram o desejo das pessoas de entrar em contato com a forma como vivenciam as relações afetivo-sexuais, fazendo uma reflexão a esse respeito. Isso fica evidenciado em questionamentos sobre a natureza do amor (O amor é líquido? É sólido? Gasoso?) e sobre a própria vivência do amor (Quais são os meus limites no amor? Como quero vivê-lo? E o amor-próprio? e Ansiedade e carência dificultam a minha vivência do amor). Os afetos e ideias particulares de cada indivíduo presente no grupo foram se somando, aos poucos se encontrando e, por vezes, se entrelaçando, aproximando-se de algo que lhes era comum, sendo reconhecido o tema protagônico como a possibilidade de chutar o balde, e foi a partir dele que a cena se desenvolveu.

Durante a dramatização, destacou-se a insegurança na vivência afetivo-sexual simbolizada na relação entre PFB e B. Por exemplo, quando PFB, desempenhada por Helena, perguntou o que tem dentro de B e, entrevistada pela diretora, respondeu que precisava saber isso para ter segurança sobre que atitude tomar. Ela não manifestou um desejo de conhecer melhor o outro, mas de nortear suas escolhas pela sua resposta. Mais adiante, B, desempenhado por Camila, disse à PFB que ela não precisava se sentir insegura; e PFB, desempenhada por Adriana, afirmou que esse Balde não lhe dá segurança. A característica da insegurança é apontada por Vieira (2017)Vieira, É. D. (2017). O Psicodrama e a Pós-Modernidade: Espontaneidade como via de resistência aos poderes vigentes. Revista Brasileira de Psicodrama, 25(1), 59–67. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20170007
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como própria dos processos de subjetivação da pós-modernidade, conforme já exposto. Podemos pensar em um modelo de relacionamento afetivo-sexual no cenário contemporâneo em que o sujeito, descentrado e tomado por incertezas e inseguranças, demonstra dificuldades no reconhecimento de suas próprias necessidades, para além do que a lógica de consumo e desempenho ordena que ele alcance. Ao mesmo tempo, apresenta dificuldades no reconhecimento do outro em sua alteridade, com seus desejos e necessidades a serem considerados e respeitados. De acordo com Costa (1998)Costa, J. F. (1998). Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico. Rocco. e Nery (2003)Nery, M. P. (2003). Vínculo e afetividade. Ágora., esse sujeito vê, na possibilidade da relação amorosa idealizada, a via para aplacar a insegurança e alcançar a tão sonhada felicidade. E na outra pessoa, considerada como objeto a ser consumido, a esperança de que seja “a pessoa certa” para realizar esse projeto.

Na sequência da dramatização, a protagonista – PFB, desempenhada por Adriana – declarou que precisa de mais do que B pode lhe oferecer, e percebeu que suas necessidades são anteriores a esse Balde, em específico. Foi um momento de contato com algo que lhe é interno, próprio e que antecede a relação com o outro. A diretora incentivou a protagonista a aprofundar o contato com essas necessidades, por meio da sua nomeação (palavras de amor), na busca por aprimorar a sua percepção de si e de seus anseios na relação com essa outra pessoa, simbolizada pelo Balde. De acordo com Nery (2003)Nery, M. P. (2003). Vínculo e afetividade. Ágora., os processos de autoconhecimento e autorresponsabilidade são básicos para se viver as relações amorosas como um campo de amadurecimento psíquico e social. Confiamos que essa abertura para si mesma pode levar a uma discriminação entre o que é próprio do sujeito e o que são valores impostos por ideais e lógicas alheios a ele. Confiamos, ainda, que a percepção melhor de si mesma pode motivar a uma melhor percepção do outro, representando o “esforço de se recuperar como uma presença atuante e integrante da situação” e de estabelecer uma relação de compromisso com o mundo e com o outro, que Naffah Neto (1997, p. 51)Naffah Neto, A. (1997). Psicodrama: descolonizando o imaginário. Plexus. define como espontaneidade.

Compreendemos que o desenvolvimento do tema protagônico revelou conteúdos, tanto dos indivíduos presentes, quanto do coconsciente e coinconsciente grupal e social, relacionados à forma de se vivenciar os relacionamentos afetivo-sexuais na contemporaneidade.

Interlocuções entre o público e o privado

A integração entre elementos individuais e coletivos do papel afetivo-sexual esteve presente no ato sociopsicodramático desde a etapa do aquecimento inespecífico, em que, partindo das reflexões e sentimentos de cada pessoa sobre o tema do encontro, chegou-se a um tema protagônico, e, a partir dele, desenvolveram-se o aquecimento específico e a dramatização.

Nas primeiras interações realizadas no contexto dramático, a proposta da diretora de que pessoas diferentes desempenhassem os dois papéis (PFB e B) a partir do seu aquecimento teve como finalidade envolver as/os participantes no desenvolvimento e aquecimento gradual da personagem protagônica, evitando, assim, um olhar mais aprofundado sobre a história de vida de algum dos indivíduos. O mesmo ocorreu no ponto da dramatização em que Adriana tomou o papel de PFB, e Camila o de B, e a cena se aprofundou mais. Ali, poderíamos ter explorado as necessidades específicas de Adriana, investigando elementos subjetivos de sua história de vida. No entanto, nos orientamos de acordo com Alves (1999)Alves, L. F. (1999). O protagonista e o tema protagônico. In W. C. Almeida (Org.), Grupos: a proposta do psicodrama. (pp. 89–100). Ágora., que define o protagonista como:

O elemento do contexto dramático que surge através de uma personagem no desempenho de um papel... Ao assim conceituá-lo, quero exatamente desvinculá-lo da figura do indivíduo participante do contexto grupal, cuja queixa ou temática tenha justificado a proposta da dramatização (p. 94).

O uso da técnica do duplo amplificado trouxe as ressonâncias dos conteúdos dramatizados, experimentadas pelas pessoas na plateia, para a composição e coconstrução da nova resposta da personagem protagônica. Dessa forma, elementos individuais e coletivos novamente se integraram, em um movimento de encontro de espontaneidades e atualização de potenciais criativos, em que as pessoas puderam ser agentes terapêuticas umas das outras, gerando um aprendizado emocional saudável, construído coletivamente e que pode ser levado para a vida de cada uma (Nery, 2003Nery, M. P. (2003). Vínculo e afetividade. Ágora.).

Assim, consideramos que a protagonista deste sociopsicodrama não foi Adriana ou qualquer das outras pessoas que desempenharam algum dos papéis, mas a própria personagem PFB, construída por todas as pessoas presentes, mensageira do coconsciente e do coinconsciente do grupo (Alves, 2020Alves, L. F. (2020). Sociopsicodrama: Direção centrada na protagonização. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(3), 166–175. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20505
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; Knobel, 2011Knobel, A. M. (2011). Coconsciente e coinconsciente em Psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, 19(2), 139–152.; Nery, 2003Nery, M. P. (2003). Vínculo e afetividade. Ágora.).

Na etapa do compartilhar, de volta ao contexto grupal, as/os participantes trouxeram seus sentimentos e reflexões pessoais sobre o que foi vivenciado na dramatização. As falas apresentadas – “Ocupo o lugar de balde, que mostra o que tem e deixa a outra pessoa tomar as suas decisões na relação?” e “Estou querendo chutar o balde? Ou mergulhar no balde? Ir mais fundo?” – demonstram que, nesse momento, as pessoas passaram a relacionar o que foi vivido e construído coletivamente a reflexões pessoais sobre suas vivências afetivo-sexuais. O compartilhar é a etapa de um ato socionômico em que se fazem presentes, de maneira mais evidente, as interações entre o público e o privado, com a expressão verbal das identificações entre as pessoas participantes e o sentimento de pertencimento a um grupo, ainda que por um tempo limitado. No sociopsicodrama online, especialmente na conjuntura da epidemia de COVID-19, o compartilhar adquire uma importância ainda maior, cumprindo a função de reorganizar os papéis sociais afetados pelo isolamento social (Castro et al., 2020Castro, A., Vidal, G. P., Silveira, B. S. & Oliveira, D. C. (2020). A sobrevivência via Sociodrama online: COVID-19, o que você quer me dizer? Revista Brasileira de Psicodrama, 28(3), 176–186. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20209
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).

O fato de terem surgido trechos de letras de músicas brasileiras como parte do compartilhar, além de ter uma conexão com a proposta do trabalho, desde seu título e de seu aquecimento, reforça a leitura sobre as interlocuções entre o individual e o coletivo, a proximidade e o pertencimento grupal. As canções são manifestações culturais compartilhadas socialmente, agregando pessoas e, “em diferentes níveis, explicitam uma cultura e sua subjetividade, de maneira mais ou menos criativa” (Merengué, 2001Merengué, D. (2001). Inventário de afetos: inquietações, teorias, psicodramas. Ágora., p. 135).

Destacamos, ainda, os comentários sobre o sociopsicodrama compartilhados no formulário de avaliação. Aqui, daremos destaque a duas questões do instrumento: “Quais emoções, sentimentos e reflexões estão presentes após esse encontro?” e “Você recomendaria a participação de outras pessoas em vivências como essa? Por quê?”. Uma das respostas à primeira questão foi: “Entender um pouco a cabeça da outra pessoa é enriquecedor, além de ver que há outras pessoas na mesma situação. Saí com uma alegria do encontro e uma vontade de mergulhar no balde”. A segunda questão teve como respostas: “Participar dos encontros é viver a potência e poder de cura dos grupos” e “É enriquecedor, emocionante e a gente aprende muito ao compartilhar com as pessoas”. Esses conteúdos demonstram a valorização, pelas/os participantes do ato sociopsicodramático, do compartilhamento e da construção coletiva de formas mais espontâneas de se relacionar amorosamente, condizendo com as observações anteriores.

A direção socionômica online

Conforme já contextualizado, no ano de 2020 os/as psicodramatistas precisaram reinventar as formas de realizar seu trabalho, por força da crise sanitária instalada com a pandemia de COVID-19. A direção na modalidade online passou a ser praticada e progressivamente desenvolvida, e todo um corpo de saberes a respeito do psicodrama online vem sendo construído desde então. A socionomia guarda muita afinidade com o online em si, pois, ao embasar seus métodos de ação no “como se”, faz uso corrente da virtualidade (Echenique, 2021Echenique, M. (2021). Recortes da pandemia. In Psicodrama virtual: explorando a toca do coelho. (Cap. 3). Araucária.). Moreno já vislumbrava o uso de meios de comunicação para estender o alcance do psicodrama e seus métodos a toda a humanidade (Dubner, 2021Dubner, A. (2021). Psicodrama virtual. In M. Echenique (Org.), Psicodrama virtual: explorando a toca do coelho. (Cap. 2). Araucária.; Fleury, 2020Fleury, H. J. (2020). Psicodrama e as especificidades da psicoterapia on-line. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(1), 1–4. Recuperado de: https://revbraspsicodrama.org.br/rbp/article/view/406/399. Acesso em: 06 Maio 2023.
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). Analisemos, aqui, elementos marcantes do presente trabalho que dizem respeito ao ajustamento e recriação da direção socionômica na modalidade online.

As etapas da sessão socionômica em si não sofreram alterações, quando comparadas à direção presencial, mas houve a inclusão de ações anteriores e posteriores a ela, com o uso da tecnologia de forma assíncrona (Belém & Nery, 2021Belém, A. O. & Nery, M. P. (2021). Práticas sociátricas on-line: novos estudos e experiências. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(2), 83–85. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00477_PT
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; Dubner, 2021Dubner, A. (2021). Psicodrama virtual. In M. Echenique (Org.), Psicodrama virtual: explorando a toca do coelho. (Cap. 2). Araucária.). Dessa maneira, o aquecimento para o sociopsicodrama teve início antes do encontro em si, desde o envio prévio de materiais e orientações às pessoas participantes, por meio do aplicativo WhatsApp, além da Live no Instagram, que permaneceu registrada e acessível. Belém (2021)Belém, A. (2021). Psicoterapia psicodramática de grupo on-line: reinvenções do aquecimento. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(2), 117–126. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00452_PT
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salienta a importância do cuidado com o aquecimento direcionado especificamente para o contexto online, no sentido de promover a espontaneidade e a vinculação grupal. Para além da etapa do aquecimento, na direção psicodramática online o/a diretor/a – e ego-auxiliar, quando presente – é exigido/a de maneiras específicas, no sentido de estar mais alerta ao que ocorre com as pessoas participantes e entre elas, fomentar e manter o aquecimento do grupo (Castro et al., 2020Castro, A., Vidal, G. P., Silveira, B. S. & Oliveira, D. C. (2020). A sobrevivência via Sociodrama online: COVID-19, o que você quer me dizer? Revista Brasileira de Psicodrama, 28(3), 176–186. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20209
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; Nery, 2021Nery, M. P. (2021). Psicodrama e métodos de ação on-line: teorias e práticas. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(2), 107–116. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00442_PT
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).

Na etapa do aquecimento inespecífico, um recurso utilizado e que diz respeito exclusivamente ao ambiente online foi a divisão do grupo em salas simultâneas da plataforma Zoom. Essa ação cumpre função semelhante à prática frequente de dividir um grupo em subgrupos, na direção presencial.

Na dramatização, foram utilizadas as técnicas da inversão de papéis, entrevista com a personagem e duplo amplificado. No manejo das três técnicas, não verificamos diferenças significativas, a ponto de prejudicar o desenvolvimento da dramatização, se comparado a como seriam conduzidas na direção presencial. São técnicas em que utilizamos a fala da diretora e das pessoas em cena, atuando com a fala-ação8 8 Fala-ação é “a fala que contém a cena com seus personagens, a fala que traz a cultura e compõe as condutas conservadas” (Nery, 2021, p. 112). e a corporalidade condensada9 9 A corporalidade condensada é “o corpo do psicoterapeuta ou do paciente, ou dos membros do grupo, mediado pela tela, que se apresenta de forma intensa e em sua inteireza, porém na restrição da imagem” (Nery, 2021, p. 112). Nessa expressão da corporalidade, gestos mínimos substituem todo o corpo na cena. (Castro et al., 2020Castro, A., Vidal, G. P., Silveira, B. S. & Oliveira, D. C. (2020). A sobrevivência via Sociodrama online: COVID-19, o que você quer me dizer? Revista Brasileira de Psicodrama, 28(3), 176–186. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20209
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; Nery, 2021Nery, M. P. (2021). Psicodrama e métodos de ação on-line: teorias e práticas. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(2), 107–116. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00442_PT
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). Uma adaptação importante para a dramatização no ambiente online é a delimitação do espaço cênico (Cardoso Junior, 2021Cardoso Junior, A. L. (2021). Palco, cena e corpo no psicodrama on-line. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(1), 65–70. https://doi.org/10.15329/2318-0498.21746
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; Nery, 2021Nery, M. P. (2021). Psicodrama e métodos de ação on-line: teorias e práticas. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(2), 107–116. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00442_PT
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), realizada pedindo às pessoas participantes para manterem suas câmeras abertas ou fechá-las, a depender de estarem ou não participando da cena.

Conforme considerado anteriormente, o compartilhar é uma etapa de especial importância no sociopsicodrama online. Destacamos aqui o grande nível de entrega das pessoas ao presente trabalho, promovendo um estado de proximidade emocional, mesmo sem a proximidade física da direção presencial (Echenique, 2021Echenique, M. (2021). Recortes da pandemia. In Psicodrama virtual: explorando a toca do coelho. (Cap. 3). Araucária.), que proporcionou a construção conjunta da cena e das reflexões alcançadas. Compreendemos que um fator que contribuiu significativamente para a construção dessa proximidade foi o processo de aquecimento, desde os momentos prévios à sessão e durante sua realização. Acreditamos que o fato de a maior parte das pessoas já terem participado de outros encontros da jornada “Encontros & Desencontros” ou terem um vínculo anterior com a diretora também tenha contribuído para a construção da proximidade no grupo. Além disso, a participação, durante a pandemia, em atividades online que se assemelhavam às interações presenciais cotidianas, com o compartilhamento de sentimentos e reflexões a respeito de um tema de interesse comum, pode remeter à esperança de normalidade (Danielski, 2021Danielski, W. C. (2021). Solidão e pertencimento na Pandemia, através da virtualidade. In M. Echenique (Org.), Psicodrama virtual: explorando a toca do coelho. (Cap. 5). Araucária.), sendo um convite e um reforçador para a vinculação e coconstrução do trabalho grupal.

A extensão do sociopsicodrama depois do seu término, por meio do preenchimento do formulário de avaliação e do envio dos textos escritos pela diretora a partir do encontro, configuram mais um uso da tecnologia de forma assíncrona. Em particular, os textos compartilhados configuram um desdobramento do sociopsicodrama, podendo ampliar o alcance do trabalho a um público que não participou diretamente dele, condizendo, dessa forma, com a proposta de Moreno (1975)Moreno, J. L. (1975). Psicodrama. Cultrix. sobre o uso de tecnologias para propagar os efeitos terapêuticos do psicodrama.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em conta a construção sócio-histórica das práticas amorosas (Costa, 1998Costa, J. F. (1998). Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico. Rocco.) e os elementos coletivos envolvidos no desenvolvimento e desempenho de qualquer papel (Moreno, 2008Moreno, J. L. (2008). Quem sobreviverá?: fundamentos da sociometria, da psicoterapia de grupo e do psicodrama: edição do estudante. Daimon – Centro de estudos do relacionamento.), incluindo o papel afetivo-sexual, consideramos a importância de intervenções socioterapêuticas sobre os relacionamentos afetivo-sexuais, indo além do cenário privado da psicoterapia individual, em direção aos grupos.

A experiência aqui relatada proporcionou às pessoas participantes a oportunidade de refletir a respeito de seus relacionamentos afetivo-sexuais, ultrapassando os aspectos íntimos de suas experiências, alcançando a construção coletiva de uma personagem protagônica representativa das questões que se enfrentam nesses relacionamentos. Dessa maneira, puderam trabalhar juntas na construção de respostas mais espontâneas a questões que são sociais, embora tenham também um forte componente pessoal.

A utilização de conteúdos – textos, músicas e vídeo – que antecederam e sucederam o ato sociopsicodramático e permanecem acessíveis para um público que não participou do trabalho buscou redimensionar o papel da catarse que resulta da dramatização: a partir dela, é possível refletir criticamente a respeito das vivências de amor na contemporaneidade. O que está de acordo com Costa (1998)Costa, J. F. (1998). Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico. Rocco. a respeito da importância de se questionar a idealização do amor romântico, e com Vieira (2017)Vieira, É. D. (2017). O Psicodrama e a Pós-Modernidade: Espontaneidade como via de resistência aos poderes vigentes. Revista Brasileira de Psicodrama, 25(1), 59–67. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20170007
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sobre o valor de um psicodrama mais crítico e reflexivo para a construção de formas novas e mais espontâneas de se estar no mundo e, acrescentamos, viver o amor.

A direção mediada por tecnologia de informação (online), tendo se imposto no momento histórico da pandemia de COVID-19, se mostrou efetiva e inovadora, não apresentando prejuízos significativos na condução do trabalho e significando uma reinvenção criativa da aplicação do método psicodramático. Um benefício associado a essa modalidade, observado na presente experiência, foi o maior alcance do sociopsicodrama, com a participação de pessoas separadas pela distância geográfica e a possibilidade de pessoas que não participaram da sessão acessarem os conteúdos gerados e compartilhados posteriormente, por meio de site e redes sociais.

Sendo assim, podemos considerar o sociopsicodrama como um instrumento capaz de contribuir para a reflexão crítica de seus/suas participantes a respeito das vivências afetivo-sexuais na contemporaneidade, pela ampliação do campo da intervenção, do individual para o social. Estamos de acordo com Alves (2020)Alves, L. F. (2020). Sociopsicodrama: Direção centrada na protagonização. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(3), 166–175. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20505
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, quando afirma que “o trabalho em grupo sociopsicodramático é a terapia do futuro: vai além do indivíduo, cuidando dos grupos aos quais se pertence” (p. 175, tradução nossa). Esse método de intervenção pode ser potencializado por meio da direção online, que demonstra seu potencial de continuidade para além do momento de crise sanitária, podendo se fortalecer cada vez mais como modalidade de aplicação do psicodrama. Esperamos ter contribuído para o desenvolvimento teórico desse campo, e desejamos que novos estudos sobre o tema continuem sendo realizados.

  • 1
    A socionomia é o estudo das leis sociais. Dentro desse conceito mais geral estão compreendidos os de sociodinâmica, sociometria e sociatria – ciência do tratamento dos sistemas sociais, que utiliza como métodos a psicoterapia de grupo, o psicodrama e o sociodrama (Moreno, 1974Moreno, J. L. (1974). Psicoterapia de grupo e psicodrama: introdução à teoria e à práxis. Mestre Jou.).
  • 2
    Moreno (1975)Moreno, J. L. (1975). Psicodrama. Cultrix. define a conserva cultural como “a matriz, tecnológica ou não, em que uma ideia criadora é guardada para sua preservação e repetição” (p. 175). Merengué (2009)Merengué, D. (2009). Corpos tatuados, relações voláteis: sentidos contemporâneos para o conceito de conserva cultural. Revista Brasileira de Psicodrama, 17(1), 105–114., em revisão do conceito, acrescenta: “Muito mais que algo próprio do indivíduo e dos grupos, a conserva cultural atravessa as sociedades, seus lugares e tempos” (p. 112). E mais: “Uma conserva cultural, para assim ser compreendida, necessita da repetição, da insistência no padrão, na quantidade e na qualidade, no ordenamento, na seriação” (p. 112, grifo do autor).
  • 3
    “Entende-se que os estados coinconscientes são resultados diretos da experiência íntima entre conjuntos de indivíduos. Mas ele pode ser também resultado de experiências que ocorrem nos planos social ou cultural. O contato pessoal íntimo é substituído pelo contato indireto, transpessoal ou social. A interpsique familiar é substituída pela interpsique cultural” (Moreno, 1961, citado por Knobel, 2016Knobel, A. M. (2016). Coinconsciente para além do tempo e do espaço. Revista Brasileira de Psicodrama, 24(1), 16–23. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20160003
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    , p. 20).
  • 4
    Neste trabalho, quando falamos, de maneira mais simplificada, de relacionamentos amorosos, estamos nos referindo às relações afetivo-sexuais.
  • 5
    Referência à canção “Tempos modernos” (Santos, 1982Santos, L. (1982). Tempos modernos [Música]. Estúdios Transamérica e Sigla.) e ao termo modernidade líquida, cunhado por Bauman (2001)Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Jorge Zahar. para se referir à contemporaneidade.
  • 6
    Segundo Rodrigues (2008)Rodrigues, R. (2008). Intervenções sociopsicodramáticas: atualização e sistematização de recursos, métodos e técnicas. In M. M. Marra & H. J. Fleury (Orgs.), Grupos: Intervenção socioeducativa e método sociopsicodramático. (pp. 101–123). Ágora., o ego-plateia “seria um ator voluntário oriundo da plateia, sem necessariamente possuir treino como ator ou psicodramatista”. (p. 116).
  • 7
    Esses textos, bem como a lista de músicas e a gravação da Live realizada anteriormente à sessão, encontram-se disponíveis em: Soares (2022)Soares, J. S. (2022). Agosto: “Vamos nos permitir”: Sobre viver o amor em tempos líquidos. Ser em Relação. Recuperado de: https://seremrelacao.com.br/o-amor-em-tempos-liquidos/ Acesso em: 14 abr. 2023.
    https://seremrelacao.com.br/o-amor-em-te...
    .
  • 8
    Fala-ação é “a fala que contém a cena com seus personagens, a fala que traz a cultura e compõe as condutas conservadas” (Nery, 2021Nery, M. P. (2021). Psicodrama e métodos de ação on-line: teorias e práticas. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(2), 107–116. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00442_PT
    https://doi.org/10.15329/2318-0498.00442...
    , p. 112).
  • 9
    A corporalidade condensada é “o corpo do psicoterapeuta ou do paciente, ou dos membros do grupo, mediado pela tela, que se apresenta de forma intensa e em sua inteireza, porém na restrição da imagem” (Nery, 2021Nery, M. P. (2021). Psicodrama e métodos de ação on-line: teorias e práticas. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(2), 107–116. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00442_PT
    https://doi.org/10.15329/2318-0498.00442...
    , p. 112). Nessa expressão da corporalidade, gestos mínimos substituem todo o corpo na cena.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao colega Érico Douglas Vieira pela leitura generosa do rascunho deste artigo e pelo incentivo à escrita.

  • FINANCIAMENTO

    Não aplicável.
  • Texto desenvolvido a partir do trabalho “O amor na contemporaneidade: reflexões a partir de um sociopsicodrama online”, apresentado no 23º Congresso Brasileiro de Psicodrama, realizado em São Paulo, no período de 02 a 07 de setembro de 2022.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Os dados estarão disponíveis mediante solicitação.

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Editado por

Editora de seção: Oriana Hadler https://orcid.org/0000-0001-9736-2224

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2022
  • Aceito
    17 Abr 2023
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