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Presunção de inocência e a doutrina da prova além da dúvida razoável na jurisdição constitucional

Presumption of innocence and the doctrine of proof beyond reasonable doubt in judicial review

Resumo

Em razão da centralidade do princípio da presunção de inocência nos sistemas constitucionais democráticos, diversos tribunais constitucionais têm buscado, nos mais diversos quadrantes e a partir do recurso a diferentes metodologias, desenvolver parâmetros que tornem eficaz a dimensão do princípio ligada à exigência de que a condenação criminal esteja fundada em certo nível de certeza probatória. Para que o princípio da presunção de inocência desempenhe sua função de garantia, alguns tribunais constitucionais desenvolveram o standard da prova “para além da dúvida razoável”. A jurisprudência constitucional estrangeira deu passos significativos na superação do uso meramente retórico da categoria da prova “para além da dúvida razoável”, atribuindo-lhe significado normativo mais denso e operativo. Alguns tribunais constitucionais – e.g. Tribunal Constitucional da Espanha e Corte Constitucional da Colômbia – têm procurado tutelar essa dimensão do princípio da presunção de inocência por meio da exigência, por um lado, de comprovação da culpa para além de qualquer dúvida razoável e, por outro, da obrigatoriedade de valoração integral do conjunto probatório e de motivação lógica e racional acerca desses elementos probatórios.

Palavras-chave
presunção de inocência; prova “para além da dúvida razoável”; valoração integral do conjunto probatório; dever de motivação; jurisdição constitucional

Abstract

Because the presumption of innocence is a fundamental principle for democratic-constitutional systems, several constitutional courts have sought, in the most diverse ways and using various methodologies, to develop parameters to ensure that criminal convictions are grounded on a certain level of evidentiary certainty. To perform the protective function of the principle of presumption of innocence, some constitutional courts have developed the “beyond a reasonable doubt” standard of proof. Constitutional courts in different countries have taken significant steps in overcoming the merely rhetorical use of “beyond a reasonable doubt”, assigning a more dense and operative normative meaning to this standard. Some constitutional courts – e.g. Constitutional Court of Spain and Constitutional Court of Colombia – seek to protect the presumption of innocence by demanding not only the burden of proof beyond a reasonable doubt, but also requiring full assessment of the evidence and logical and rational motivation regarding the evidence.

Keywords
presumption of innocence; proof “beyond a reasonable doubt”; full assessment of the evidence; motivation; constitutional review

Introdução

O princípio da presunção de inocência é tradicionalmente decomposto em três dimensões básicas: (i) o direito de ser tratado como inocente no curso da persecução criminal, (ii) a atribuição à acusação do ônus da prova da realização de todos os elementos do injusto penal pelo acusado e (iii) a exigência de um grau probatório mínimo para a condenação. A primeira dimensão da presunção de inocência – conhecida como regra de tratamento –, além de ter seu sentido precisamente delimitado pela jurisprudência, possui considerável eficácia e ampla operacionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

A noção de que o investigado ou acusado deve ser tratado como inocente durante as investigações constituiu o fundamento principal da declaração de inconstitucionalidade da prisão preventiva obrigatória para o preso em flagrante por tráfico de drogas.2 2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC n° 104.339, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/05/2012. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3164259>. Acesso em: 18 mar. 2022. Antes mesmo dessa decisão que declarou a inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória para o crime de tráfico de drogas, o STF já havia declarado a inconstitucionalidade do dispositivo legal que vedava a liberdade provisória para os acusados de cometer determinados crimes previstos no Estatuto do Desarmamento.3 3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADI n° 3.112, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 02/05/2007. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=491806>. Acesso em: 18 mar. 2022 E, para além desses casos de declaração de inconstitucionalidade de leis que restringiam de maneira ilegítima o princípio da presunção de inocência, o Supremo Tribunal Federal tem se valido da regra de tratamento deduzida desse princípio para controlar a validade de todo tipo de restrição de direitos fundamentais impostas pelo Judiciário antes da condenação criminal definitiva.4 4 Para um panorama da aplicação do princípio da presunção de inocência na jurisprudência do STF, cf. FACHIN, Luiz Edson. Presunção de inocência e persecução penal: conformação constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. In: ALVIM, Eduardo Arruda; ALVIM, José Manoel de; GALDINO, Flavio (coords.). Uma vida dedicada ao direito: estudos em homenagem a Roberto Rosas. Rio de Janeiro: GZ, 2020, p. 461-472.

As duas outras dimensões da presunção de inocência – atribuição do ônus probatório da culpa à acusação e estabelecimento de grau probatório mínimo para a condenação –, embora possuam conteúdo e feição metodológica autônomas, costumam aparecer de maneira superposta na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.5 5 Cf., a título de exemplo: “A presunção de inocência exige, para ser afastada, um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal. No sistema acusatório brasileiro, o ônus da prova é do Ministério Público, sendo imprescindíveis provas efetivas do alegado, produzidas sob o manto do contraditório e da ampla defesa, para a atribuição definitiva ao réu, de qualquer prática de conduta delitiva, sob pena de simulada e inconstitucional inversão do ônus da prova” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 883, 1ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 20/03/2018. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14801986>. Acesso em 18 mar. 2022). Ainda: “o ordenamento jurídico pátrio veda a possibilidade de alguém ser considerado culpado com respaldo em simples presunção ou meras suspeitas, consagrando o princípio da presunção de inocência, insculpido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República. Esse postulado condiciona a decisão judicial a atividade probatória produzida pela acusação, sendo vedada a condenação ante a ausência de comprovação das evidências” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RHC n° 107.759, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 18/10/2011. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107759&classe=RHC>. Acesso em: 18 mar. 2022). De fato, o modo como o direito processual penal distribui os ônus probatórios não determina o grau de certeza probatória exigido para a condenação e tampouco oferece critérios para o reconhecimento de que há dúvida relevante sobre qualquer dos aspectos da imputação criminal.

No Brasil, apesar da ampla aceitação doutrinária6 6 BADARÓ, Gustavo Henrique. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 233. e jurisprudencial7 7 Cf., a propósito: “O princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade, insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, preceitua, na sua acepção probatória, que cabe ao órgão acusatório o ônus de comprovar a ocorrência de todas as circunstâncias elementares do tipo penal atribuído ao acusado na incoativa, sob pena de tornar inviável a pretendida responsabilização criminal” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 1.018, 2ª Turma, Rel. Min. Edson Fachin, j. 18/09/2018. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=748852403>. Acesso em: 18 mar. 2022); “o ônus da prova referente aos fatos constitutivos da imputação penal incumbe, exclusivamente, a quem acusa” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC n° 180.144, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 10/10/2020. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754177235> Acesso em: 18 mar. 2020). de que o princípio da presunção de inocência impede a imposição ao acusado de qualquer ônus probatório na ação penal condenatória, não se verificou na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o mesmo estágio de desenvolvimento em relação ao estabelecimento de parâmetros claros acerca do significado da dimensão da presunção de inocência ligado à exigência de um grau probatório mínimo para a condenação. A jurisdição constitucional brasileira, nesse campo, tem emprestado adesão, em linhas gerais, standard da prova para além da dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt) como condição para a superação do estado de inocência do acusado. Apesar das numerosas referências a esse parâmetro pela jurisprudência do STF,8 8 A primeira referência explícita ao standard da prova para além da dúvida razoável data do ano de 1996: “Desse modo, se o Ministério Público oferece denúncia contra qualquer réu por crime de corrupção de menores, cumpre-lhe demonstrar, de modo consistente – e além de qualquer dúvida razoável –, a ocorrência do fato constitutivo do pedido [...]. O fato indiscutivelmente relevante no domínio processual penal, Sr. Presidente, é que, no âmbito de uma formação social organizada sob a égide do regime democrático, não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se – para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica – em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambiguidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet. A condenação do réu pela prática de qualquer delito – até mesmo pela prática de simples contravenção penal – somente se justificará quando existentes, no processo, e sempre colhidos sob a égide do postulado constitucional do contraditório, elementos de convicção que, projetando-se beyond all reasonable doubt (além, portanto, de qualquer dúvida razoável), veiculem dados consistentes que possam legitimar a prolação de um decreto condenatório pelo Poder Judiciário” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC n° 73.338, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13/08/1996. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=74424>. Acesso em 18 mar. 2022). Desde então, o standard da prova para além da dúvida razoável tem sido reiteradamente reafirmado pela jurisprudência do STF. Cf., por todos, BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC n° 83.947, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 07/08/2007. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=506601>. Acesso em: 18 mar. 2022; BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 470, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17/12/2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=3678648>. Acesso em: 18 mar. 2022; BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, AP n° 521, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 05/02/2015. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7688221>. Acesso em: 18 mar. 2022. permanece presente o risco de que sua invocação apresente um caráter retórico, expressando, não raramente, um mero recurso a um topos, sem caráter sistemático ou conteúdo definido. A utilização da estrutura argumentativa da prova para além de qualquer dúvida razoável pode esconder uma nova forma de reprodução de indesejável subjetivismo no campo da justiça penal: se afirma que a condenação só é válida se passar pelo filtro da prova para além da dúvida razoável, sem que isso represente um efetivo controle sobre a racionalidade da sentença condenatória.9 9 Cf., nesse sentido, LUCCHESI, Guilherme Brenner. O necessário desenvolvimento de standards probatórios compatíveis com o direito processual penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v. 27, n. 156, jun. 2019, p. 165-188.

Nesse contexto, pretende-se discutir o papel dos Tribunais constitucionais na delimitação do sentido da dimensão da presunção de inocência relacionado ao estabelecimento de parâmetros de segurança probatória exigidos para a válida imposição de condenação criminal. Para tanto, serão utilizadas decisões de outros Tribunais constitucionais que pertencem, assim como o Brasil, à tradição processual penal continental10 10 O sistema processual penal continental se estruturou em torno da lógica do sistema romano-germânico e concebe a ação penal como instrumento para de apuração oficial dos fatos, com objetivo de busca da verdade, em que também o acusador é visto como guardião da lei e do interesse público. As diferenças entre os sistemas anglo-saxão e o romano-germânico vão desde a diferenciação de poderes entre os atores processuais – juiz, promotor e defensor – e chegam a concepções profundamente diversas sobre a estrutura e o sentido do próprio processo criminal. Para uma visão global dessas diferenças, cf. LANGER, Maximo. From Legal Transplants to Legal Translations: The Globalization of Plea Bargaining and the Americanization Thesis in Criminal Procedure. Harvard International Law Journal, v. 45, n. 1, p. 1-64, 2004. e.g. Portugal, Espanha e Colômbia – para delimitar com maior grau de precisão o significado central do requisito da existência de prova para além de qualquer dúvida razoável para a condenação penal.11 11 No direito processual penal italiano, tão próximo do brasileiro, a doutrina da prova al di là di ogni ragionevole dubbio foi quase inteiramente desenvolvida pela jurisprudência da Corte de Cassação, e não pela Corte constitucional. Cf., sobre o tema, DELLA TORRE, Jacopo. Il lungo cammino della giurisprudenza italiana sull’“oltre ogni ragionevole dubbio”. Disponível em: <https://www.penalecontemporaneo.it/upload/1403195064DELLA%20TORRE_2014.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2022. Ao lado da pretensão de identificar um sentido mais claro e operacional dessa dimensão do princípio da presunção de inocência, buscou-se na jurisprudência desses Tribunais constitucionais – selecionados porque se inserem em sistemas processuais penais semelhantes ao brasileiro e admitem o acesso individual do acusado à jurisdição constitucional – critérios para o controle da constitucionalidade de sentenças condenatórias concretas à luz da exigência de prova para além de qualquer dúvida razoável. Esse esforço tem por objetivo contribuir para a atribuição de um sentido mais operativo ao standard da prova para além de qualquer dúvida razoável pela jurisdição constitucional brasileira, tanto pela via do recurso extraordinário como do habeas corpus.

1. Nota teórica prévia: as dimensões do princípio da presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência é uma das colunas sobre as quais se alicerçam o Estado de Direito e as democracias modernas.12 12 Cf. O’DONNELL, Daniel. Derecho Internacional de los Derechos Humanos: normativa, jurisprudencia y doctrina de los sistemas universal e interamericano. Bogotá: Oficina en Colombia del Alto Comisionado de la Naciones Unidas para Colombia, 2007, p. 397. Segundo a Observação Geral 13 do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, essa garantia é sintetizada como o direito a que o ônus da prova recaia sobre a acusação e o acusado tenha o benefício da dúvida, não se podendo presumir a culpa de alguém, a menos que a acusação tenha demonstrado sua culpa fora de qualquer dúvida razoável.13 13 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê de Direitos Humanos, General Comment no. 13, 1984, parágrafo 7. Disponível em: <https://www.refworld.org/publisher,HRC,GENERAL,,453883f90,0.html>. Acesso em: 18 mar. 2022. Em sentido similar, a Observação Geral 32 assinala que a presunção de inocência impõe o ônus da prova à acusação, garante que não se presuma a culpabilidade a menos que se tenha demonstrado a acusação fora de toda dúvida razoável, assegura que o acusado tenha o benefício da dúvida, e exige que as pessoas acusadas de um delito sejam tratadas em conformidade com esse princípio.14 14 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê de Direitos Humanos. General Comment no. 32, 2007, páragrafo 30. Disponível em: <https://digitallibrary.un.org/record/606075>. Acesso em: 18 mar. 2022.

A presunção de inocência, mais do que espinha dorsal do processo penal,15 15 O Tribunal Constitucional da Espanha assentou que o princípio da presunção de inocência “serve de base a todo procedimento criminal e condiciona a sua estrutura, constituindo um dos princípios cardiais do Direito Penal contemporâneo, em suas facetas substantiva e formal” (ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 141/2006, 1ª Sala, Rel. María Emilia Casas Baamonde, j. 08/05/2006. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/eu-ES/Resolucion/Show/5743>. Acesso em: 18 mar. 2022). é considerada pela doutrina como “um princípio fundamental de civilidade que é fruto de uma opção garantista a favor da tutela da proteção dos inocentes, inclusive com o preço da impunidade de algum culpado.16 16 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón: Teoría del garantismo penal. Madri: Editorial Trotta, 2000, p. 549. Esse direito fundamental se encontra consagrado em diversos tratados internacionais de direitos humanos. A Declaração Universal de Direitos Humanos estabelece em seu art. 11 que todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. Por sua parte, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos estabelece no parágrafo 2º do artigo 14 que toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Adicionalmente, no plano do sistema interamericano de proteção de direitos humanos, o item 2 do artigo 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.

Alguns países – e.g. Espanha,17 17 Art. 24.2. da Constituição espanhola (ESPANHA. Constitución Española. 1978. Disponível em: <https://www.boe.es/legislacion/documentos/ConstitucionCASTELLANO.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2022). França,18 18 Preâmbulo da Constituição francesa (FRANÇA. Constitution du 4 de octobre 1958. Disponível em: <https://www.conseil-constitutionnel.fr/le-bloc-de-constitutionnalite/texte-integral-de-la-constitution-du-4-octobre-1958-en-vigueur>. Acesso em: 18 mar. 2022). Portugal,19 19 Art. 32.2 da Constituição portuguesa (PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. 1976. Disponível em: <https://www.parlamento.pt/ArquivoDocumentacao/Documents/CRPVIIrevisao.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2022). Itália20 20 Art. 27.2 da Constituição italiana de 1947 (ITÁLIA. Constituzione della República. 1947 Disponível em: <https://www.senato.it/documenti/repository/istituzione/costituzione.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2022. e Brasil – incorporaram expressamente o princípio da presunção de inocência em suas constituições. Mesmo nos Estados Unidos, em que a Bill of Rights não contém exigência expressa nesse sentido, a jurisprudência da Suprema Corte dos EUA reconhece status constitucional ao princípio da presunção de inocência, exigindo, inclusive, o standard da prova para além da dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt) para a superação do estado de inocência do acusado.21 21 Cf. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Suprema Corte, In re Winship, 397 US 358, 364 (1970). Disponível em: <https://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/397/358.html>. Acesso em: 17 mar. 2022. (“[A] cláusula de devido processo legal protege o acusado contra condenação, exceto mediante prova além de uma dúvida razoável sobre algum dos fatos necessários para constituir o crime pelo qual ele é acusado”, tradução livre); e ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Suprema Corte, Miles v. United States, 103 US 304, 312 (1880). Disponível em: <https://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/103/304.html>. Acesso em: 17 mar. 2022. (“A evidência sobre a qual o júri se debruça para proferir o veredicto de culpado deve ser suficiente para produzir uma convicção de culpa do acusado, com exclusão de toda dúvida razoável”, tradução livre).

No Brasil, o princípio da presunção de inocência é expressamente previsto pela Constituição Federal de 1988 por meio do art. 5º, LVII, e assume pelo menos três funções importantíssimas no Processo Penal: trata-se (i) de regra de tratamento processual ­– as pessoas sob investigação ou acusadas por um delito devem ser tratadas como inocentes; (ii) de regra probatória – o ônus da prova acerca da responsabilidade recai sobre a acusação; e (iii) de regra de juízo – ninguém pode ser considerado culpado a menos que se tenha comprovado a acusação para além de qualquer dúvida razoável, em processo que respeite seus direitos e garantias fundamentais.22 22 Sobre as facetas do princípio da presunção de inocência, cf. GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 116-142.

Como regra de tratamento processual, o princípio da presunção de inocência impede que o acusado seja tratado como culpado antes do trânsito em julgado do processo. Isso significa dizer que o acusado não poderá sofrer sanção antes de uma sentença definitiva. Dessa regra decorre, por exemplo, o caráter excepcional das medidas cautelares processuais, especialmente da prisão preventiva, que não poderão ser utilizadas como forma de antecipação da punição, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.23 23 É do entendimento do Supremo Tribunal Federal que “a custódia cautelar, enquanto medida excepcional, exige demonstração inequívoca de sua necessidade, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de representar mera antecipação da reprimenda a ser cumprida quando da condenação” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC n° 135.741, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 05/09/2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=14217622>. Acesso em: 18 mar. 2022). Foi com base nessa perspectiva, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de regras que estabeleciam presunção absoluta de necessidade da prisão cautelar para determinados crimes.24 24 O Tribunal declarou a inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória prevista no art. 44, caput, da Lei 11.343/200 por entender que a vedação absoluta da concessão da liberdade provisória é incompatível com os princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC nº 104.339, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/05/2012. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3164259>. Acesso em: 18 mar. 2022). Antes mesmo dessa decisão que declarou a inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória para o crime de tráfico de drogas, o STF já havia declarado a inconstitucionalidade do dispositivo legal que obrigava a prisão preventiva para presos em flagrante pela prática de delitos previstos no Estatuto do Desarmamento, ocasião em que afirmou que uma presunção da necessidade da prisão violava o princípio da presunção de inocência (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADI nº 3.112, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 02/05/2007. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=491806>. Acesso em: 18 mar. 2022). Essa compreensão de que a prisão preventiva obrigatória viola o princípio da presunção de inocência tem sido reafirmada em diversas ocasiões pela Corte Constitucional da Itália.25 25 Cf., entre outros, ITÁLIA. Corte Constitucional, Sentenza n° 265 de 2010, Rel. Giuseppe Friggo, j. 07/07/2010. Disponível em: <https://www.giurcost.org/decisioni/2010/0265s-10.html>. Acesso em: 18 mar. 2022 (sobre a presunção legal absoluta de prisão cautelar para o crime de pornografia infantil); ITÁLIA. Corte Constitucional, Sentenza n° 164 de 2011, Rel. Giuseppe Frigo, j. 09/05/2011. Disponível em: <https://www.giurcost.org/decisioni/2011/0164s-11.html>. Acesso em 18 mar. 2022 (sobre a presunção legal absoluta de prisão cautelar para o crime de homicídio); ITÁLIA. Corte Constitucional, Sentenza n° 231 de 2011, Rel. Giuseppe Frigo, j. 19/07/2011. Disponível em: <https://www.giurcost.org/decisioni/2011/0231s-11.html>. Acesso em: 18 mar. 2022 (sobre a presunção legal absoluta de prisão cautelar para o crime de associação para o tráfico de drogas).

A regra probatória contida no princípio da presunção de inocência, por sua vez, impõe uma série de requisitos procedimentais para a superação do estado de inocência do acusado, sem a observância dos quais tem-se como violada essa garantia constitucional: o acusado só pode ser declarado culpado ao final de um processo cercado de plenas garantias processuais em que se tenha demonstrado sua culpabilidade, cujo ônus da comprovação compete à acusação. Um dos principais aspectos do princípio da presunção de inocência como regra probatória reside na atribuição à acusação do ônus de comprovar a culpabilidade do acusado. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem enunciado que “não cabe ao réu provar sua inocência, mas sim ao órgão acusador demonstrar, para além de qualquer dúvida razoável, a prática da conduta criminosa e a culpabilidade a ele imputada”.26 26 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP nº 512, 2ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 27/04/2016. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10810152>. Acesso em: 18 mar. 2022. Apesar de o acusado não ser obrigado a demonstrar a sua inocência, ele tem o direito de fazê-lo. O acusado poderá, por exemplo, produzir provas para introduzir uma dúvida razoável sobre a hipótese acusatória, ou mesmo demonstrar a ocorrência de um elemento negativo do tipo, como a legítima defesa.27 27 GIACOMOLLI, Nereu José. Op. cit., p. 121-123.

Apesar da profunda identificação do direito fundamental à presunção de inocência com essa lógica de distribuição do ônus probatório no processo penal, o fato é que o julgamento de casos penais dificilmente se dá com base exclusivamente na regra probatória. Como advertiu Jordi Nieva Fenoll, “o ônus da prova é uma instituição que só é utilizada em uma situação realmente extrema: a ausência de prova”.28 28 NIEVA FENOLL, Jordi. La razón de ser de la presunción de inocencia. Indret. Barcelona, v.1, 2016, p. 10. Daí porque se tem conferido, mais recentemente, maior atenção à dimensão da presunção de inocência ligada ao estabelecimento de um standard probatório exigido para a imposição válida da condenação precisamente por sua capacidade para estabelecer um parâmetro objetivo e controlável acerca grau de probabilidade ou de certeza que autorizam a superação do estado de inocência.29 29 NARDELLI, Marcella A. M.; MASCARENHAS, Fabiana A. Os standards probatórios como métrica da verdade: em busca de parâmetros objetivos para a racionalização das decisões sobre os fatos. Revista del Instituto Colombiano de Derecho Procesal, n. 44, jul.-dez. 2016, p. 45-66.

Sob essa ótica, e de acordo com a regra de juízo, a presunção de inocência somente poderá ser superada por uma condenação que resultar da valoração integral do conjunto probatório dos autos, realizada à luz de critérios racionais, e que seja devidamente motivada a respeito da existência de todos os elementos do crime e da participação do acusado. O juiz deve se debruçar sobre a totalidade das provas relevantes coligidas aos autos, inclusive aquelas que sustentam a tese defensiva.30 30 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC 124/2000, 2ª Sala, Rel. Guillermo Jiménez Sánchez, j. 16/05/2000. Disponível em: <http://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/4108>. Acesso em: 18 mar. 2022. Além disso, de acordo com sólida diretriz jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, essa regra de juízo determina, ainda, um grau probatório mínimo para a condenação, correspondente à prova para além da dúvida razoável.31 31 Em recente precedente, o STF consagrou a máxima de que o princípio da presunção de inocência “impõe a necessidade de um quadro probatório robusto, com provas de todos os elementos da acusação. As provas devem ser aptas a gerar a responsabilidade criminal do acusado, com o afastamento de todas as hipóteses contrárias, desde que razoáveis, a essa convicção” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP nº 676, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 05/02/2018. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14300838>. Acesso em: 18 mar. 2022).

As três dimensões do princípio da presunção de inocência foram objeto de importantes desenvolvimentos pela jurisdição constitucional nacional e estrangeira. Apesar da elevada relevância da jurisprudência constitucional em relação às duas primeiras dimensões do princípio da presunção de inocência, o presente artigo investigará o papel dos tribunais constitucionais na concretização da dimensão da presunção de inocência consubstanciada na regra de juízo, ou seja, na proteção da garantia de que a condenação criminal esteja fundada em certo nível de certeza probatória. Para os fins do presente artigo, portanto, o aspecto mais importante da presunção de inocência é a regra de juízo a ela inerente, que opera no momento da valoração das provas produzidas na instrução criminal.32 32 Nesse sentido, o princípio in dubio pro reo entra em ação depois de concluída a produção de prova. Referido princípio dispõe, na verdade, que “a dúvida insanável sobre factos deve favorecer o arguido. […] O princípio do in dubio pro reo não é, pois, um princípio de direito probatório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos” (ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 4. ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, p. 61).

Em razão da elevada importância axiológica do princípio da presunção de inocência nas democracias constitucionais contemporâneas, os tribunais constitucionais têm buscado, nos mais diversos quadrantes e de variadas formas, desenvolver parâmetros que tornem operativa essa dimensão do princípio consubstanciada na conhecida regra de juízo, especialmente na perspectiva de garantir que o direito à presunção de inocência exige, a partir de uma valoração integral do conjunto probatório e de motivação lógica e racional, a comprovação da culpa para além de qualquer dúvida razoável.

Para discutir o papel dos tribunais constitucionais no desenvolvimento jurisprudencial dessa dimensão do princípio da presunção de inocência relacionado ao estabelecimento de requisitos de certeza probatória exigidos para uma condenação legítima, deve-se analisar não apenas a qualidade dos critérios materiais desenvolvidos, mas também os parâmetros com base nos quais os tribunais constitucionais admitem examinar arguições individuais de violação à presunção de inocência.

Nessa perspectiva, merece destaque o fato de que os tribunais constitucionais que contam com mecanismos de acesso individual – e.g. recurso de amparo em países latino-americanos ou reclamações constitucionais em países europeus33 33 Com efeito, em muitos países da Europa e da América Latina, o tribunal constitucional é acessado diretamente por meio do chamado recurso de amparo. Trata-se de ação autônoma de impugnação, célere e eficaz, vocacionada à proteção de determinados direitos fundamentais, cujo conhecimento se atribui ao tribunal constitucional, e que se caracteriza pelos princípios da subsidiariedade e da excepcionalidade. Em verdade, o recurso de amparo, na experiência da Europa continental e da América Latina, assemelha-se à versão individual da ADPF incidental que, aprovada pelo Congresso Nacional, acabou vetada pela Presidência da República (inciso II do art. 2º do projeto de lei que resultou na aprovação da lei nº 9.882/99). O recurso de amparo é considerado instrumento subsidiário, cabível quando a parte não dispuser de outro meio recursal pelo qual possa fazer cessar, dentro do regular itinerário processual, a lesão a direito, a fim de evitar dano irreversível. Cf. BOTELHO, Catarina Santos. Tutela Directa dos Direitos Fundamentais: Avanços e Recuos na Dinâmica Garantística das Justiças Constitucional, Administrativa e Internacional. Coimbra: Almedina, 2010. – têm buscado desenvolver parâmetros para distinguir situações em que essa dimensão da presunção de inocência pode ser diretamente ou autonomamente violada – i.e. casos que assumem dimensão constitucional – daquelas em que o debate não ultrapassa os limites de uma controvérsia de natureza legal. Afinal, como afirmou o Tribunal Constitucional de Portugal, não cabe àquela corte corrigir a apreciação do juízo recorrido em matéria de prova e condenação, substituindo-se à decisão das instâncias.34 34 PORTUGAL. Tribunal Constitucional, Decisão Sumária nº 291/2020. Nesse sentido, a advertência da doutrina portuguesa: “como é evidente – se o Tribunal Constitucional ultrapassasse o âmbito do controlo estritamente normativo que lhe está cometido, estaria a invadir as áreas de competência dos outros tribunais, nomeadamente no que se refere à interpretação do direito infraconstitucional, à apreciação da matéria de facto e do mérito da causa, naquilo que se não prende com a estrita resolução da questão de constitucionalidade suscitada [...]” (REGO, Carlos Lopes do. Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional. Coimbra: Almedina, 2010, p. 107). Apesar disso, é preciso garantir, tal como advertiram o Tribunal Constitucional da Espanha35 35 Cf. ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 139/2000, 1ª Sala, Rel. Fernando Garrido Falla, j. 29/05/2000. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/HJ/es/Resolucion/Show/4123>. Acesso em: 18 mar. 2022. e a Corte Constitucional da Colômbia,36 36 Cf. COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia SU-447/11, Tribunal Pleno, Rel. Mauricio Gonzalez Cuervo, 26/05/2011. Disponível em: https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2011/SU447-11.htm. Acesso em: 18 mar. 2022. que essa barreira procedimental não signifique uma autorização para a violação aberta, pelas instâncias inferiores, do princípio da presunção de inocência por meio da elaboração de condenações criminais com base em apreciação arbitrária do conjunto probatório.

2. O princípio da presunção de inocência e a doutrina da exigência de prova para além da dúvida razoável

A dimensão da presunção de inocência relativa à regra de juízo exige, tradicionalmente, um grau probatório mínimo para a condenação, correspondente à prova para além da dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt).37 37 Cf., sobre as origens dessa categoria jurídica que foi progressivamente sendo reconhecida como expressão do direito fundamental à presunção de inocência, WHITMAN, James Q. The origins of reasonable doubt. New Haven: Yale Press, 2008. Nesse sentido, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, em 1970, que o parâmetro da proof beyond a reasonable doubt constituía um componente implícito do devido processo legal, cuja aplicação seria então obrigatória em casos criminais em todos os tribunais do país.38 38 A Corte afirmou que esse standard “reduz o risco de condenações baseadas em erro factual” e “densifica a presunção de inocência” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Suprema Corte, In re Winship, 397 U.S. 358 (1970). Disponível em: <https://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/397/358.html>. Acesso em: 18 mar. 2022 – tradução livre). Em Jackson v. Virginia, a Suprema Corte norte-americana criticou condenações sustentadas apenas por “modicum of evidence” ao afirmar que [q]ualquer evidência que seja relevante – que tenha alguma tendência a fazer a existência de um elemento de um crime um pouco mais provável do que seria sem a evidência [...] pode ser considerado um ‘mero modicum’. Mas não se poderia afirmar verdadeiramente que tal ‘mínimo’ de evidências poderia, por si só, apoiar racionalmente uma convicção além de uma dúvida razoável.39 39 Tradução livre. No original: “Any evidence that is relevant - that has any tendency to make the existence of an element of a crime slightly more probable than it would be without the evidence, cf. Fed. Rule Evid. 401- could be deemed a ‘mere modicum’. But it could not seriously be argued that such a ‘modicum’ of evidence could by itself rationally support a conviction beyond a reasonable doubt”. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Suprema Corte, Jackson v. Virginia, 443 U.S. 307, 320 (1979). Disponível em: <https://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/443/307.html>. Acesso em: 18 mar. 2022).

A exigência de nível elevado de segurança probatória no processo penal costuma ser associada pela jurisprudência a uma regra de segunda ordem, que determina como o juiz deve agir em caso de dúvida. 40 40 Na jurisprudência portuguesa, por exemplo, as regras probatória e de juízo aparecem, não raro, de maneira indistinta: “Enquanto norma probatória, [o princípio da presunção de inocência] consubstancia-se no princípio processual penal do in dubio pro reo, que se traduz numa imposição dirigida ao julgador no sentido de que qualquer situação de dúvida a respeito dos factos relevantes para o apuramento da responsabilidade do arguido deve ser decidida a favor deste, de modo que a condenação penal fique reservada aos casos em que, em função das provas obtidas segundo as formas admitidas por lei, o tribunal de julgamento esteja em condições de dar por demonstrados os factos de que o arguido é acusado” (PORTUGAL. Tribunal Constitucional, Acórdão nº 173/2018, 3ª Seção, Rel. Cons. Gonçalo de Almeida Ribeiro, j. 05/04/2018. Disponível em: <https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180173.html>. Acesso em: 18 mar. 2022). É aí que entra em cena a faceta do princípio da presunção de inocência como in dubio pro reo, que impõe a absolvição do acusado nos casos de dúvida sobre a sua culpa. Mas a definição do standard probatório exigido para a condenação não se confunde com a noção de in dubio pro reo. Até porque, antes mesmo de afirmar que a dúvida se resolve em favor do acusado, é preciso definir o standard de prova suficiente para afirmar a presença da culpa e, nessa perspectiva, a ausência de dúvida.41 41 Para maior clareza do raciocínio, cf., na doutrina portuguesa, a lição de Helena Magalhães Bolina: “O princípio in dubio pro reo só se aplica no caso de surgir a dúvida quanto à apreciação da matéria de facto. O princípio da presunção de inocência, atento o objetivo que visa atingir, intervém em momento anterior, condicionando o surgimento dessa dúvida, impondo-o em todas as situações em que, à luz da verdade material, a culpabilidade do arguido não possa considerar-se afirmada com certeza. A dúvida é, assim, por imposição do princípio de presunção de inocência, uma dúvida legal: uma dúvida que deve surgir em determinadas circunstâncias e constitui também matéria de direito, não só a questão de saber se a dúvida surgida na apreciação da prova foi resolvida favoravelmente ao arguido – caso em que se está perante a verificação do respeito do princípio in dubio pro reo –, mas também se, em face da prova produzida, a dúvida surgiu quando devia, ou, noutra perspectiva, se o juízo de certeza foi bem fundado. Nesse caso, o princípio cujo respeito se avalia é, não já o in dubio pro reo, mas, mais rigorosamente, o princípio da presunção de inocência. O princípio da presunção de inocência distingue-se, assim, do princípio in dubio pro reo, não só pela sua relevância no tratamento do arguido ao longo de todo o processo e pelo seu reflexo extraprocessual como critério dirigido ao legislador ordinário, mas também, em sede de prova, impondo que a dúvida surja em determinadas circunstâncias, assim possibilitando, em momento lógico posterior, a aplicação do princípio in dubio pro reo” (BOLINA, Helena Magalhães. Razão de ser, significado e consequências do princípio da presunção da inocência. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. 70, 1994, p. 443-446). A confusão entre essas esferas está na base dos problemas relacionados à crise da doutrina da exigência de prova para além da dúvida razoável e à falta de delimitação precisa dos seus contornos.42 42 Para uma síntese desse debate na doutrina nacional e estrangeira, cf. VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Standard probatório para condenação e dúvida razoável no processo penal: análise das possíveis contribuições ao ordenamento brasileiro. Revista Direito GV, v. 16, n. 2, 2020.

Sem desprezar a importância do rico debate dogmático em torno da relação entre o princípio da presunção de inocência e a doutrina da prova além da dúvida razoável43 43 A respeito das diversas posições na doutrina sobre as relações entre o princípio da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, cf. BOLINA, Helena Magalhães. Op. cit., p. 440-442. – para alguns a discussão sobre o standard probatório demandado para a condenação não decorre do princípio da presunção de inocência –, há bons argumentos teóricos e pragmáticos em favor da afirmação de que a exigência de prova para além da dúvida razoável constitui uma dimensão do direito fundamental à presunção de inocência.

Em primeiro lugar, sob o prisma teórico, convém lembrar que a teoria externa dos limites aos direitos fundamentais determina que se atribua maior amplitude ao âmbito de proteção desses direitos. Na literatura brasileira, Virgílio Afonso da Silva sintetizou essa proposição ao afirmar que “o âmbito de proteção desses direitos deve ser interpretado da forma mais ampla possível, o que significa dizer que qualquer ação, fato, estado ou posição jurídica que, isoladamente considerado, possa ser subsumido no ‘âmbito temático’ de um direito fundamental, deve ser considerado como por ele prima facie protegido”.44 44 SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais. Revista de Direito de estado, n. 4, 2006, p. 24. Não há razão, portanto, para uma rejeição à exclusão da controvérsia acerca do standard probatório exigido para a condenação criminal do âmbito de proteção do direito fundamental à presunção de inocência.

Em segundo lugar, e sob a ótica pragmática, o inegável status constitucional do princípio da presunção de inocência contrasta com a questionável natureza constitucional autônoma da exigência de prova além da dúvida razoável. A isso se deve associar o fato de que o princípio da presunção de inocência constitui a “chave de leitura” dominante na jurisprudência comparada para a verificação da legitimidade constitucional do nível de segurança probatória demandada para sustentar uma condenação criminal. O elevado grau de integração das cortes e tribunais constitucionais e o vertiginoso crescimento da importância da abertura nacional às experiências estrangeiras45 45 Têm-se ressaltado, nos últimos anos, as vantagens das teorias dialógicas como vetores prescritivos capazes de aperfeiçoar a jurisdição constitucional. A superioridade normativa das teorias dialógicas foi sintetizada por Rodrigo Brandão nos seguintes termos: “a grande vantagem da teoria dos diálogos constitucionais consiste em reconhecer as falhas e as virtudes de cada ator institucional, confiando que a interação entre eles em um sistema de separação de poderes contribuirá para a construção de um sistema deliberativo melhor” (BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial v. Diálogos Constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição?. Lumen Iuris: Rio de Janeiro, 2011, p. 288). Esse diálogo se dá não apenas no âmbito doméstico, a partir do intercâmbio de experiências entre os Poderes Legislativo e Executivo com o Tribunal constitucional, mas também das cortes constitucionais entre si e com os Tribunais internacionais. Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento asseveram que atualmente “há uma positiva troca de experiências, conceitos e teorias entre cortes nacionais e internacionais, com a possibilidade de aprendizado recíproco entre as instâncias envolvidas nesse diálogo” (SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 451). fazem com que a utilização de uma linguagem comum aperfeiçoe a reflexão científica e dogmática sobre os limites constitucionais do processo penal. A semelhança do roteiro argumentativo utilizado por diferentes cortes e tribunais constitucionais melhora a capacidade de diálogo entre eles e contribui para o aprendizado recíproco em torno dos problemas comuns.

A partir dessa perspectiva, a aparente perda de precisão dogmática decorrente da inserção da doutrina da prova além da dúvida razoável no âmbito de proteção do direito fundamental à presunção de inocência é largamente compensada pelo ganho de operatividade e de eficácia de um modelo que permita à jurisdição constitucional contribuir para a racionalização do processo penal. A despeito da eventual vagueza das formulações jurisprudenciais até aqui acumuladas sobre o tema, a utilização do parâmetro da prova além da dúvida razoável pelos tribunais constitucionais tem sido mobilizada pelo objetivo de evitar, no campo do processo penal, o enraizamento da fórmula da convicção íntima do juiz. A mais recente orientação jurisprudencial da Corte de Cassação italiana confirma a ideia de que o desenvolvimento da exigência da absolvição em caso de dúvida razoável surge como reação à tradicional ideia de livre convencimento do juiz em matéria criminal:

A doutrina tem reconhecido que o critério ‘oltre ogni ragionevole dubbio’ (além da dúvida razoável) representa a superação do princípio do ‘livre convencimento do juiz’ e, assim, a necessidade que a condenação seja baseada na avaliação da prova produzida em contraditório e que, para respeitar esse cânone interpretativo, deve ter aptidão suficiente para neutralizar com segurança a relevância antagonista das teses alternativas.46 46 ITÁLIA. Corte de Cassação. Sentenza n° 30407/2018, 2ª Seção Penal, Rel. Recchione Sandra, j. 19/06/2018. Disponível em: <http://www.italgiure.giustizia.it/xway/application/nif/clean/hc.dll?verbo=attach&db=snpen&id=./20180705/snpen@s20@a2018@n30407@tS.clean.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2022 (tradução livre).

Como se vê, a regra de valoração probatória contida na presunção de inocência constitui limitação ao princípio do livre convencimento judicial. Este não pode ser confundido com licença para o julgador valorar os meios de prova de modo arbitrário, sem qualquer tipo de critério, ou olvidando-se das regras da razão que norteiam a formação do conhecimento humano.47 47 RUIZ, Juan Cámara. La impugnación de las resoluciones penales por falta de motivación. Santiago de Compostela: Andavira Editora, 2018, p. 80. Na jurisprudência estrangeira, cf. ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC 31/1981, 1ª Sala, Rel. Gloria Begué Cantón, j. 28/07/1981. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/31>. Acesso em: 18 mar. 2022.

O processo penal é parte integrante do aparato coercitivo do Estado, mas também expressa a função essencial de proteção da liberdade individual do acusado, ao garantir condições mínimas para a realização de uma avaliação imparcial da responsabilidade criminal.48 48 CORDERO, Franco. Tre studi sulle prove penali. Milão: Giuffrè, 1963, p. 65. Um primeiro princípio de tomada de decisão no processo penal, portanto, pode ser deduzido do reconhecimento de que ele envolve interesses de imensa relevância axiológica – desde a honra e a reputação até a liberdade pessoal. Então, resulta profundamente injusto condenar alguém por cometer um crime quando houver uma dúvida razoável sobre sua culpa.49 49 CENTOZE, Francesco. La Corte d’assise di fronte al “ragionevole dubbio”. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, v. 46, n° 1/2, 2003, p. 674. Nesse sentido, a regra da tomada de decisão para além de qualquer dúvida razoável sinaliza a adesão a um princípio jurídico fundamental para o Estado Democrático de Direito.

Mas essa fórmula não pode ser empregada de forma meramente retórica, como um simples jargão vazio. Pelo contrário, a regra que presume a inocência até prova para além de qualquer dúvida razoável só pode desempenhar adequadamente a sua função de garantia se submetida a parâmetros concretos de aplicação.50 50 Para uma crítica sobre a indefinição desse standard no direito norte-americano, cf. LAUDAN, Larry. Por qué un estándar de prueba subjetivo y ambíguo no es un estándar. Doxa, n. 28, 2005, p. 95-113. Daí a importância do desenvolvimento jurisprudencial do standard da prova para além da dúvida razoável. É mais promissor apostar no aperfeiçoamento dessa doutrina a partir de um aprofundamento da constitucionalização do processo penal pelos tribunais constitucionais do que na criação de uma nova teoria para resolver o problema da insegurança que tradicionalmente caracterizou esse parâmetro.51 51 Concorda-se, no ponto, com a posição de Vinícius Vasconcelos, segundo a qual “há potencial espaço para aprimoramentos a partir da definição de seu conteúdo em termos ainda não concretizados nos exemplos indicados pelo autor, especialmente em ordenamentos em que há um dever forte de motivação das decisões judiciais” (VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Op. cit., p. 15).

Uma das principais consequências que os tribunais constitucionais têm extraído do standard da prova “para além da dúvida razoável” está precisamente em diferenciá-lo do modelo de “simples preponderância da prova no sentido da culpa do arguido”.52 52 PORTUGAL. Tribunal Constitucional, Acórdão n. 521/2018, 3ª Seção, Rel. Cons. Gonçalo de Almeida Ribeiro, j. 17/10/2018. Disponível em: <https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180521.html>; Acesso em: 18 mar. 2022. O standard de prova genericamente adotado no processo civil é o da “preponderância da prova” (preponderant evidence). Diante de dúvida sobre questão de fato relevante para o deslinde da causa, esse standard permite ao juiz escolher, entre as versões contrapostas, aquela que lhe parece a mais provável, com base nos meios de provas disponíveis.53 53 TARUFFO, Michelle. A prova. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 135. Algumas matérias específicas do processo civil, como disputas relacionadas a direitos de paternidade, exigem um standard de prova mais rigoroso, consistente na “prova clara e convincente” (clear and convincent evidence), correspondente a uma probabilidade elevada.54 54 PALMA. Andrea Galhardo. Breve análise comparativa dos modelos de valoração e constatação da prova penal – standards probatórios – no Brasil, nos EUA e na Itália: crítica à regra beyond any reasonable doubt ou oltre ragionevole dubbio (além da dúvida razoável). In: FILIPPO, Thiago Baldani Gomes de; ONODERA, Marcus Vinicius Kiyoshi (coords.). Brasil e EUA: temas de direito comparado. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2017, p. 287-338. Apesar de demandar elementos de prova mais consistentes para a formação do convencimento judicial, esse segundo standard também confere ao magistrado certo espaço de liberdade na determinação da versão dos fatos, pois admite a condenação, apesar da existência de outras hipóteses razoáveis, embora menos prováveis, que igualmente pudessem explicar os fatos.

Contudo, é amplamente consensual a ideia de que, no processo penal, o standard que deve orientar uma condenação criminal é o da “prova para além da dúvida razoável” (proof beyond a reasonable doubt), importado do direito anglo-saxão, desenvolvido pela jurisprudência norte-americana55 55 Cf., a propósito, LAUDAN, Larry. Truth, Error, and Criminal Law: an essay in legal epistemology. Nova York: Cambridge University Press, 2006. e largamente incorporado ao sistemas jurídicas de tradição continental.56 56 Cf., sobre a recepção dessa doutrina em países de tradição continental, cf. CLERMONT, Kevin M; SHERWIN, Emily. A Comparative View of Standards of Proof. The American Journal of Comparative Law, v. 50, n. 2, 2002, p. 243–275. A interpretação mais aceita desse standard probatório demanda prova incriminatória suficiente para descartar, por completo, qualquer versão alternativa e razoável dos fatos, que possa inocentar o acusado. Ou seja, exige uma quase certeza sobre a culpabilidade do réu.

Há formulações dogmáticas que exemplificam esse grau de exigência em termos probabilísticos, sugerindo que as provas incriminatórias devem apontar para uma probabilidade de pelo menos 99% de que os fatos tenham ocorrido de acordo com a versão acusatória, em contraste aos 51% exigidos para o atingimento da “preponderância da prova” (preponderant evidence)57 57 FLETCHER, George P. Conceptos básicos de Derecho Penal. Valência: Ed. Tirant lo Blanch, 1997, p. 36-37. e aos 75% para “prova clara e convincente” (clear and convincent evidence).58 58 PALMA, Andrea Galhardo. Op. cit., p. 297. Contudo, como o Direito não se sujeita à lógica puramente matemática, os critérios para aferição do atendimento ao padrão da “prova para além da dúvida razoável” devem estar submetidos a parâmetros jurídicos seguros,59 59 Até porque, como adverte a doutrina, no processo penal não se provam, a rigor, os fatos, mas sim a veracidade de enunciados factuais. A expressão “prova do fato” é utilizada por razões pragmáticas, pois é extensamente acolhida por doutrina e jurisprudência. Cf. UBERTIS, Giulio. La Prova Penale: Profili Giuridici ed Epistemologici. Turim: UTET Librería, 1999, p. 8 e ss. cujos contornos o direito comparado tem progressivamente consolidado.

Nesse sentido, o direito espanhol oferece importantes balizas para a determinação do standard de prova necessário para uma condenação criminal.60 60 Confira-se: “Tanto a jurisprudência do Tribunal Constitucional como a do Supremo Tribunal, em praticamente todos os casos em que fizeram uso de seu poder para anular ou casar sentenças recorridos, foram, precisamente, como consequência do entendimento de que as evidências poderiam levar não apenas à tese condenatória, mas também a outras teses alternativas igualmente razoáveis de conteúdo absolutório, que supõem, em minha opinião, uma clara aplicação das consequências implícitas no princípio interpretativo ‘in dubio pro reo’” (BELLOCH JULBE, Juan Alberto. “La prueba indiciaria” en la sentencia penal. Madri: Consejo General del Poder Judicial, 1992, p. 77). A doutrina espanhola afirma que devem concorrer os seguintes fatores para se considerar provada a culpabilidade do acusado: (i) os elementos probatórios dos autos devem explicar a hipótese acusatória, bem como (ii) refutar todas as outras hipóteses plausíveis que conduziriam à inocência do acusado. Caso contrário, impõe-se a absolvição.61 61 FERRER BELTRÁN, Jordi. Los estándares de prueba en el proceso penal español. Cuadernos electrónicos de filosofía del derecho, nº 15, 2007. Disponível em: <https://www.uv.es/CEFD/15/ferrer.pdf>. Acesso em 18 mar. 2022. Em sentido crítico a essa formulação, reafirmando a possibilidade de subjetivismo também na aplicação desses parâmetros, cf. NIEVA FENOLL, Jordi. La razón de ser de la presunción de inocencia. Indret. Barcelona, v.1, 2016, p. 12. Essa formulação teórica foi incorporada à jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo da Espanha.

De acordo com o Tribunal Supremo da Espanha, o princípio da presunção de inocência impede o juiz de optar pela hipótese acusatória, sempre que os elementos probatórios constantes nos autos sejam compatíveis com versão alternativa para os fatos favorável ao acusado, ainda que esta seja menos provável.62 62 ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 6584/1998, Sala de Penal, Rel. Jose Jimenez Villarejo, j. 10/11/1998. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/a2bac224b8dd0d88/20031011>. Acesso em: 18 mar. 2022. Com efeito, na STS 4500/2002, aquele Tribunal determinou a cassação de sentença fundada em provas que permitiam uma “conclusão distinta igualmente racional e plausível” para os fatos.63 63 ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 4500/2002, Sala de Penal, Rel. Diego Antonio Ramos Gancedo, 19/06/2002. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/1670a259eb7a5ae3/20030918>. Acesso em: 18 mar. 2022. Na mesma linha, na STS 7905/2000, o mesmo Tribunal reconheceu violação ao princípio do in dubio pro reo “dado não ser possível excluir a possibilidade de que os fatos tenham ocorrido de forma mais favorável ao acusado”.64 64 ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 7905, Sala de Penal, Rel. Enrique Bacigalupo Zapater, j. 31/10/2000. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/1670a259eb7a5ae3/20030918>. Acesso em: 18 mar. 2022. O Tribunal também tem aplicado essa regra para afastar a configuração de circunstâncias agravantes e causas de aumento de pena.65 65 ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 3209/2002, Sala de Penal, Rel. Perfecto Agustin Andres Ibañes, j. 07/05/2002. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/a2bac224b8dd0d88/20031011>. Acesso em 18 mar. 2022.

Como se vê, o Tribunal Supremo da Espanha tem assentado que apenas a plena convicção sobre culpabilidade do acusado permite a sua condenação.66 66 Da remansosa jurisprudência do Tribunal Supremo Espanhol em relação a esta questão, vale destacar os seguintes: ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 1248/2003, Sala de Penal, Rel. Candido Conde-Pumpido Touron, j. 25/02/2003. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/1670a259eb7a5ae3/20030918>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Supremo, STS 7829/2002, Sala de Penal, Rel. Diego Antonio Ramos Gancedo, j. 25/11/2002. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/a2bac224b8dd0d88/20031011%3E>.Acesso em: 18 mar. 2022. Esse parâmetro geral ganha maior densidade a partir da compreensão manifestada por aquela corte em múltiplas oportunidades, no sentido de que o princípio da presunção de inocência, na sua vertente de regra de juízo, é violado nos casos em que a condenação ocorre mesmo diante da existência de versão defensiva alternativa favorável ao acusado, que se compatibiliza com o seu estado de inocência, e que também pode explicar os fatos, à luz do conjunto probatório obtido.67 67 Cf. ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 444/2001, Sala de Penal, Rel. Enrique Bacigalupo Zapater, j. 22/03/2001. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/a2bac224b8dd0d88/20031011%3E>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 702/2001, Sala de Penal, Rel. Enrique Bacigalupo Zapater, j. 05/02/2001. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/a2bac224b8dd0d88/20031011%3E.>. Acesso em: 18 mar. 2022

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal adota abertamente o standard da prova para além da dúvida razoável68 68 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 694, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 31/08/2017. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13501194>. Acesso em: 18 mar. 2022; e BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 676, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 17/10/2017. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14300838>. Acesso em: 18 mar. 2022. e confere ao art. 5º, LVII, da Constituição Federal interpretação similar àquela atribuída pela jurisprudência espanhola sobre o princípio da presunção de inocência. Afirma nossa Corte Suprema que a presunção de inocência “impõe a necessidade de um quadro probatório robusto, com provas de todos os elementos da acusação”, além de que “as provas devem ser aptas a gerar a certeza da responsabilidade criminal do acusado, com o afastamento de todas as hipóteses contrárias, desde que razoáveis, a essa convicção”.69 69 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 580, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 13/12/2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=13086712>. Acesso em: 18 mar. 2022. Nesse sentido, não é dado ao juiz, ante o estado de dúvida, escolher a versão dos fatos atribuída pela acusação. No Brasil, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, “tudo o que oferece duas vertentes lógicas não permite ao magistrado concluir em prejuízo do acusado”.70 70 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 465, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24/04/2014. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7065801>. Acesso em: 18 mar. 2022.

Ainda mais claros são os critérios propostos pela doutrina italiana para a identificação da prova para além da dúvida razoável cuja satisfação depende dos seguintes requisitos:

i) deve ser sustentada em todos os elementos que a constituem; ii) a contraprova não pode estilhaçar seu núcleo essencial; iii) a hipótese contrária deve revelar-se indemonstrável ou não plausível; iv) a hipótese acusatória deve assumir uma coerência lógica, isto é, não deve ser auto-contraditória; v) a hipótese deve ser a única congruente no que diz respeito aos fatos; ou seja, a hipótese – sem ter a pretensão de explicar todos os aspectos do caso – deve ser a única que está em condições de refletir os fatos fundamentais e de explicar, segundo esquemas de racionalidade e bom senso (isto é, segundo os esquemas cognoscitivos próprios de uma determinada colectivadade numa determinada época).71 71 Francesco Iacovello. La motivazione dela Sentenza Penale e il suo controlo in Cassazione. Milão: Giufreé, 1997, p. 778 apud LOPES, José António Mouraz. A fundamentação da sentença no sistema penal português: legitimar, diferenciar, simplificar. Coimbra: Edições Almedina, 2019, p. 237.

Ocorre que o uso distorcido da fórmula de inocência até prova para além de qualquer dúvida razoável pode propiciar equivocadas comparações entre duas versões dos fatos, com o objetivo de identificar a que seria mais razoável. Essa ótica transforma completamente o cânone em questão. O resultado prático dessa distorção é que a menor probabilidade da versão defensiva acaba corroborando a versão acusatória.72 72 O standard da prova para além da dúvida razoável não foi incorporado de maneira uniforme no direito brasileiro. Como advertiu Guilherme Lucchesi, “[c]ausa espanto o fato de um standard probatório desenvolvido para ser uma forma rígida de evitar condenações indevidas seja defendida como um meio de mitigar o controle sobre a atividade de valoração de provas no Brasil. [...] Ao que parece, o recurso à expressão ‘prova para além de dúvida razoável’ tem sido utilizado como simples adorno retórico da decisão, sem que esteja cumprindo alguma efetiva função de controle” (LUCCHESI, Guilherme Brenner. O necessário desenvolvimento de standards probatórios compatíveis com o direito processual penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 27, n. 156, jun. 2019, p. 165-188). E tal conclusão é abertamente contrária à lógica subjacente à fórmula de inocência até prova para além de qualquer dúvida razoável. Afinal, como tem advertido a Corte de Cassação italiana, a mera dúvida sobre a tese defensiva já é suficiente para excluir a condenação.73 73 Enquanto o juízo de condenação pressupõe a certeza processual da culpabilidade, a absolvição não pressupõe a certeza da inocência, mas a simples não certeza – e, assim, uma dúvida razoável – da culpa penal.

Apesar de incumbir à acusação o ônus da prova no processo penal, o acusado tem o direito de produzir prova sobre a sua inocência. Mas não é possível exigir da defesa, para a demonstração da inocência do acusado, o mesmo grau de prova demandado da acusação para comprovar a culpabilidade do acusado. Para a absolvição, basta à defesa introduzir uma dúvida razoável ou plausível acerca da versão acusatória, com o que deverá prevalecer o princípio da presunção de inocência.74 74 “Em vista de tudo isso, pode-se concluir que, no processo criminal, diferentemente do que ocorre na ordem civil, enquanto o ônus da prova da acusação implica na necessidade de esta demonstrar a realidade dos fatos em que se sustenta a pretensão, ao acusado é suficiente gerar no tribunal uma dúvida razoável sobre a confiabilidade da versão acusatória. Assim, o grau de conhecimento judicial sobre os fatos alegados por ele é significativamente menor do que aquele que deve ser alcançado pela acusação. Isso significa, em última análise, que a defesa deve ter como objetivo mínimo gerar uma dúvida razoável que debilite a hipótese acusatória, e pode fazê-lo de duas maneiras: em primeiro lugar, limitando-se a atacar a credibilidade das provas de acusação ou, em segundo lugar, em vez disso, apresentando provas sobre os elementos de defesa. Vislumbra-se assim uma diferença substancial com a regra do juízo civil: enquanto no processo civil o réu verá rechaçada sua pretensão quando existam dúvidas acerca de algum fato impeditivo, extintivo ou excludente, no processo criminal a existência da dúvida – graças à presunção de inocência, que gera essa importante diferença – , beneficia, em qualquer caso, o acusado; em outras palavras, o réu, ao contrário do acusado, tem o ônus de convencer o tribunal da realidade dos fatos que lhe são favoráveis” (FERNÁNDEZ LÓPEZ, Mercedes. Presunción de inocencia y carga de la prueba en el proceso penal. Tese de (Doutorado em Direito) – Facultad de Derecho, Universidad de Alicante, 2004, p. 323, tradução livre). Cf., no mesmo sentido, ACCATINO, Daniela. Certezas, dudas y propuestas en torno al estándar de la prueba penal. Revista de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, n. 37, 2011, p. 508. Disponível em: <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-68512011000200012&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 16 mar. 2022. Nesse sentido, registrou Jordi Ferrer Beltrán:

Não existe razão para que os standards de prova aplicáveis à hipótese de culpabilidade e à hipótese de inocência sejam iguais. Com efeito, a razão que temos para aplicar um standard de prova muito exigente no processo penal parece ser que o bem em jogo, i.e., a liberdade do acusado, é muito valioso e, portanto, é preciso ter um alto grau de probabilidade de acertar para sacrificá-lo. Mas essa razão não opera, obviamente, no caso da ou das hipóteses da defesa. Se aumentamos as exigências probatórias para diminuir as probabilidades de que um sujeito inocente seja condenado e, portanto, privado de sua liberdade, não tem sentido aplicar as mesmas exigências à hipótese da defesa. Por essa razão, no processo penal teremos standards de prova assimétricos para a acusação e para a defesa.75 75 FERRER BELTRÁN, Jordi. Uma concepção minimalista e garantista de presunção de inocência. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 4, n. 1, jan./abr. 2018, p. 176.

As tentativas mais bem-sucedidas no direito comparado de racionalizar o padrão de teste subordinam a demonstração da tese acusatória à satisfação, no mínimo, das seguintes condições: a hipótese incriminatória deve ser capaz de explicar os dados disponíveis, integrando-os de forma coerente; e todas as outras hipóteses plausíveis, que permitam explicar os mesmos dados e que são compatíveis com a inocência do acusado, devem ter sido refutadas.76 76 FERRER BELTRÁN, Jordi. La valutazione razionale della prova. Milão: Giuffrè, 2012, p. 53. Para uma formulação semelhante, cf. ACCATINO, Daniela. Certezas, dudas y propuestas en torno al estándar de la prueba penal. Revista de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, n. 37, 2011, p. 483-511. Disponível em: <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-68512011000200012&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 16 mar. 2022. Não há dúvida de que esse standard expressa ao menos um inequívoco significado principal: a exigência de “um grau particularmente alto de confirmação probatória da culpabilidade do imputado, que se aproxima da certeza, dado que só admite a presença de dúvidas ‘irrazoáveis’, com a evidente intenção de reduzir ao mínimo o risco de condenação de um inocente”.77 77 TARUFFO, Michele. Simplemente la verdade: El juez y la construcción de los hechos. Madrid: Marcial Pons, 2010, p. 249, tradução livre.

Para além dessas diretrizes gerais a respeito do alcance do princípio da presunção de inocência como regra de juízo – em grande medida a partir do desenvolvimento jurisprudencial do standard da prova para além da dúvida razoável –, algumas concretizações dessa doutrina merecem especial atenção pela relevância que apresentam para a garantia da eficácia desse direito fundamental. Em particular, será examinado o modo como o princípio da presunção de inocência, nessa dimensão da exigência de certeza probatória para a condenação criminal, tem sido concretamente tutelado por tribunais constitucionais na supervisão de casos concretos. Para tanto, serão particularmente relevantes os precedentes do Tribunal Constitucional da Espanha e da Corte Constitucional da Colômbia.

3. A verificação de violações individuais ao princípio da presunção de inocência pelos tribunais constitucionais: mecanismos de controle da suficiência do standard probatório nas sentenças condenatórias

Na dogmática constitucional, diz-se que os direitos fundamentais possuem dupla dimensão – subjetiva e objetiva. A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais corresponde à sua faceta de direitos subjetivos. Já a dimensão objetiva decorre do reconhecimento de que, além de direitos subjetivos, os direitos fundamentais também representam bens jurídicos extremamente importantes para as sociedades democráticas, que devem ser protegidos e promovidos pelo Estado e pela comunidade.78 78 Cf. HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 302-310. Entre as principais consequências dessa dimensão objetiva, figura a afirmação de um direito a organização e procedimento adequados à tutela efetiva dos bens jurídicos subjacentes aos direitos fundamentais.79 79 Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 472-474.

A existência de um direito à organização e procedimento parte da premissa realista de que os direitos não se efetivam por milagre ou prestidigitação, dependendo, portanto, de providências estatais como a instituição de órgãos públicos especializados ou, ainda, da criação de mecanismos procedimentais apropriados para que possam gerar os seus efeitos no mundo concreto.80 80 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Jurídica Virtual, v. 2, n. 13, jun. 1999; e CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 440. Dessa maneira, os direitos fundamentais ao acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva impõem que os instrumentos processuais sejam aptos a responder, de modo adequado, à violação dos direitos materiais que visam a salvaguardar.81 81 É o que explica Luiz Guilherme Marinoni: “Será que o direito à tutela jurisdicional é apenas o direito ao procedimento legalmente instituído, não importando a sua capacidade de atender de maneira idônea o direito material? Ora, não tem cabimento entender que há direito fundamental à tutela jurisdicional, mas que esse direito pode ter a sua efetividade comprometida se a técnica processual houver sido instituída de modo incapaz de atender ao direito material. Imaginar que o direito à tutela jurisdicional é o direito de ir a juízo através do procedimento legalmente fixado, pouco importando a sua idoneidade para a efetiva tutela dos direitos, seria inverter a lógica da relação entre o direito material e o direito processual. Se o direito de ir a juízo restar na dependência da técnica processual expressamente presente na lei, o processo é que dará os contornos do direito material. Mas, deve ocorrer exatamente o contrário, uma vez que o primeiro serve para cumprir os desígnios do segundo. Isso significa que a ausência de técnica processual adequada para certo caso conflitivo concreto representa hipótese de omissão que atenta contra o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional” (MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Revista Peruana de Derecho Procesal, n. 07, 2004, p. 199-258).

Nesse diapasão, o direito ao procedimento, subjacente à dimensão objetiva do acesso à justiça e da efetividade da tutela jurisdicional, recomenda o controle, por parte dos tribunais constitucionais, da observância, pelas instâncias inferiores, do conteúdo básico do princípio da presunção de inocência como regra de juízo. Afinal, pouco adiantaria proclamar a necessidade de que a condenação esteja fundada em certo nível de certeza probatória – i.e. “limiar mínimo de certeza quanto ao fato probando para que este deva ser dado como provado”82 82 A expressão foi utilizada pelo Tribunal Constitucional de Portugal em PORTUGAL. Acórdão n° 521/2018, 3ª Seção, Rel. Cons. Gonçalo de Almeida Ribeiro, j. 17/10/2018. Disponível em: <https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180521.html>. Acesso em: 18 mar. 2022. – se as sentenças condenatórias pudessem considerar o réu culpado com base em exame incompleto do material probatório ou em fundamentação completamente desprovida de razoabilidade.

Daí ter ganhado relevância no campo do direito processual penal a ideia de que o direito fundamental à presunção de inocência se torna operativo, em grande medida, em razão da possibilidade concedida à defesa de, por meio dos recursos, fragilizar “a tese acusatória assumida pelo julgador a partir do lastro probatório produzido, verificando se realmente foi superada a dúvida razoável”.83 83 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. A prova no processo penal: a importância da valoração do lastro probatório e de seu controle por meio recursal. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 13, n. 2, ago. 2018, p. 715. O sistema recursal deve ser apto a propiciar um “controle objetivo sobre a dúvida”,84 84 ALCÁCER GUIRAO, Rafael. El derecho a una segunda instancia con todas las garantías. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 106-107 Apud VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. A prova no processo penal: a importância da valoração do lastro probatório e de seu controle por meio recursal. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 13, n. 2, ago. 2018, p. 715. de modo a permitir uma verificação segura sobre o atendimento, pela sentença condenatória, do standard probatório exigido pelo critério da culpa para além da dúvida razoável.

Conquanto se saiba que, via de regra, o meio adequado para o controle da suficiência da motivação da sentença condenatória é o recurso ordinário – e.g. apelação no sistema recursal brasileiro –, não se nega que os Tribunais constitucionais podem realizar um controle excepcional, embora de grande relevância estrutural, sobre o atendimento aos requisitos mínimos de fundamentação para que uma condenação seja compatível com a dimensão do direito à presunção de inocência ligada à demonstração lógica da inexistência de dúvida razoável sobre a tese acusatória.

Ademais, embora não sejam desprezíveis os riscos de subjetivismo na aplicação da fórmula da prova para além da dúvida razoável, esse standard desempenha, a partir da jurisprudência dos tribunais constitucionais, um importante papel de racionalização da fundamentação exigida para a condenação precisamente na medida em que impõe, no mínimo, um dever de eliminação justificada das hipóteses absolutórias. Esse patamar mínimo de motivação determinado pela regra de juízo contida no princípio da presunção de inocência foi bem resumido na doutrina espanhola:

No entanto, a presunção de inocência não só reproduz o dever genérico de motivar senão estabelece uma forma específica (e mais exigente) de cumpri-lo. Vejamos; combinando o ‘ônus probandi’ da acusação com o ‘in dubio pro reo’, resulta que cabe à acusação provar que os fatos aconteceram desta ou daquela forma, bastando à defesa argumentar que não excluiu razoavelmente que os eventos poderiam ter acontecido de outra forma. Assim, infere-se, então, que a motivação de uma condenação deve enfrentar um duplo desafio: por um lado, justificar que a hipótese fática considerada é congruente com os elementos probatórios disponíveis e ademais coerente; por outro lado, desmontar a hipótese adversa pelos dados que ela deixa sem explicação e/ou porque a história resultante (reconstrução) é inverossímil.85 85 IGARTUA SALAVERRÍA, Juan. Motivación de las sentencias, presunción de inocencia, in dubio pro reo. In: Anuario de derechos humanos, núm. 2, 2001, p. 478-479.

Ao menos nos países em que há acesso individual ao Tribunal Constitucional, percebe-se uma tendência de desenvolvimento de parâmetros que permitam o controle, ainda que em caráter excepcional, da legitimidade da condenação criminal à luz do princípio da presunção de inocência.

É verdade que, em toda parte do mundo, o percentual de condenações criminais anuladas ou revistas por tribunais constitucionais é baixo. E nem poderia ser diferente, já que não cabe ao tribunal constitucional aferir a justiça ou injustiça de cada decisão penal condenatória. Apesar disso, o acesso individual aos tribunais constitucionais pode dar uma especial contribuição à proteção efetiva da presunção de inocência. E a experiência comparada oferece importantes subsídios para confirmar essa ideia. A jurisprudência do Tribunal Constitucional da Espanha é particularmente importante a esse respeito. Apesar de reafirmar sistematicamente a máxima de que os recursos de amparo que alegam desrespeito ao direito à presunção de inocência devem ser examinados sob a ótica de que não cabe ao tribunal constitucional valorar a atividade probatória praticada no processo penal,86 86 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 189/1998, 2ª Sala, Rel. Carles Viver Pi-Sunyer, j. 28/09/1998. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/3691>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n°220/1998, 2ª Sala, Rel. Carles Viver Pi-Sunyer, j. 16/11/1998. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/3722>. Acesso em: 18 mar. 2022. o tribunal também tem enfatizado que o escopo do controle da jurisdição constitucional nesse campo pode ser assim resumido:

A função do tribunal de proteção do direito à presunção de inocência passa, em primeiro lugar, pela supervisão de que a atividade probatória foi realizada com as garantias necessárias à sua adequada valoração e à preservação do direito de defesa. Em segundo lugar, traz consigo a comprovação de que o órgão jurisdicional expõe as razões que o levaram a estabelecer o relato de fatos comprovados com base na atividade probatória realizada. Em terceiro e último lugar, do ponto de vista do resultado da avaliação, o trabalho do Tribunal limita-se a fiscalizar externamente a razoabilidade do discurso que relaciona a atividade probatória com o relato fático resultante. A função do tribunal não é julgar o resultado alcançado, mas o controle externo do raciocínio lógico seguido para alcançá-lo. O Tribunal Constitucional, em sua decisão, deve limitar-se a verificar que a prova existente foi obtida e praticada de acordo com a Constituição, que é exigível e que, consequentemente, os fatos declarados provados podem dela ser inferidos de forma razoável e não arbitrária.87 87 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 67/2021, Tribunal Pleno, Rel. Juan Antonio Xiol Ríos, j. 17/03/2021. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es/Resolucion/Show/26650>. Acesso em: 18 mar. 2022.

Com base nessa lógica voltada a garantir um patamar mínimo de proteção ao direito fundamental à presunção de inocência como regra de juízo, uma das principais consequências que o Tribunal Constitucional espanhol extrai da necessidade de controlar a razoabilidade e racionalidade com que a sentença condenatória valora as provas reside na exigência dirigida ao juiz criminal de valoração integral do conjunto probatório.88 88 A doutrina espanhola também tem enfatizado o dever do julgador de considerar todas as provas apresentadas pela parte perdedora no processo penal. Cf. IGARTUA SALAVERRÍA, Juan. La Motivación de Las Sentencias, Imperativo Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, p. 162.

A jurisprudência constitucional dos mais diversos quadrantes tem oferecido importante contribuição no tratamento da questão concernente ao controle da motivação das decisões que se omitem na apreciação de parte relevante do conjunto probatório. Nesse sentido, o Tribunal Constitucional da Espanha tem reconhecido a violação ao direito à tutela jurisdicional efetiva, na perspectiva que tem o jurisdicionado de obter uma resposta judicial motivada sobre a pretensão pleiteada, nos casos em que as sentenças não promovem a valoração expressa ou tácita do conjunto probatório como um todo. Tal omissão impede que as partes conheçam as razões que conduziram o órgão judicial a descartar a valoração de parte das provas produzidas.89 89 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 9/2015, 1ª Sala, Rel. Francisco Pérez de los Cobos Orihuel, j. 02/02/2015. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/24295>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 139/2009, 2ª Sala, Rel. Pascual Sala Sánchez, j. 17/07/2009. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/6558>. Acesso em 18 mar. 2022. A jurisprudência do Tribunal Constitucional da Espanha afirma ainda que o direito à tutela jurisdicional efetiva encontra máxima efetividade no campo do processo penal, no qual a preterição da prova introduzida pela defesa importa igualmente em vulneração ao princípio da presunção de inocência.90 90 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 61/2019, 1ª Sala, Rel. Cándido Conde-Pumpido Tourón, j. 10/06/2019. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es/Resolucion/Show/25927>. Acesso em 18 mar. 2022.

De fato, a jurisprudência constitucional espanhola tem destacado que o controle que compete ao tribunal constitucional em relação às alegações de violação à presunção de inocência se estende a verificar se a versão ou a prova fornecida para a defesa não foi submetida a avaliação, exigindo a ponderação dos diferentes elementos probatórios.91 91 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 104/2011, 2ª Sala, Rel. Elisa Pérez Vera, j. 20/06/2011. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/6886>. Acesso em: 18 mar. 2022. Há precedente por meio do qual o tribunal considerou violado o direito à presunção de inocência em caso no qual a sentença deixou de valorar determinados depoimentos testemunhais favoráveis ao acusado. Em outra decisão, o tribunal constitucional considerou violado o direito à presunção de inocência em razão do fato de que o tribunal inferior deixara de valorar e considerar parte essencial da atividade probatória.92 92 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 73/2019, 2ª Sala, Rel. Fernando Valdés Dal-Ré, j. 20/05/2011. Disponível: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/25936>. Acesso em: 18 mar. 2022.

Em igual direção, a jurisprudência da corte constitucional da Colômbia caracteriza a omissão da decisão em realizar a valoração integral do acerco probatório dos autos como um defeito fático sujeito a controle judicial estrito das instâncias revisoras.93 93 COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia T-671/17, 1ª Sala de Revisão, Rel. Carlos Bernal Pulido, j. 07/11/2017. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2017/t-671-17.htm>. Acesso em: 18 mar. 2022. O defeito fático se configura nas hipóteses em que o julgador ignora uma realidade probatória determinante para o resultado do processo. Nesses casos, a corte constitucional colombiana tem reiterado que o controle dos defeitos fáticos se fundamenta na premissa de que, apesar de a análise do acervo probatório ser orientado por certa margem de discricionariedade, o juiz deve decidir com base em critérios objetivos e racionais.94 94 COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia T-969/09, 2ª Sala de Revisão, Rel. María Victoria Calle Corre, j. 18/12/2009. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2009/t-969-09.htm>. Acesso em 18 mar. 2022.

Ainda segundo a jurisprudência da corte constitucional colombiana, a independência judicial “jamais poderá ser exercida de maneira arbitrária; sua atividade valorativa implica, necessariamente, a adoção de critérios objetivos, não simplesmente pressupostos pelo juiz, racionais, é dizer, que ponderem a magnitude e o impacto de cada uma das provas alegadas, e que materializem a função da administração da justiça que se exige dos funcionários judiciais sobre a base de provas colhidas”.95 95 COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia SU-074/14, Tribunal Pleno, Rel. Mauricio González Cuervo, j. 05/02/2014. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2014/SU074-14.htm>. Acesso em: 18 mar. 2022. Sob essa perspectiva, o princípio do livre convencimento motivado não afasta a possibilidade do reconhecimento de um defeito fático por ausência de valoração do conjunto probatório.

A jurisprudência dos tribunais constitucionais da Espanha e da Colômbia mostra que é necessário construir parâmetros que permitam o controle por parte da jurisdição constitucional da violação pelas instâncias ordinárias do dever de motivação das decisões judiciais decorrente da omissão relevante na análise integral do conjunto probatório. Embora seja comum aos tribunais constitucionais a preocupação em evitar que a jurisdição constitucional seja acionada para revisar o exame das provas empreendido pelas instâncias ordinárias, a jurisprudência estrangeira tem mostrado a relevância do controle realizado pelos tribunais constitucionais da observância do dever de análise integral da prova, especialmente no âmbito do processo penal. Nessa perspectiva, incumbe aos tribunais constitucionais verificar se as decisões condenatórias proferidas pelas instâncias ordinárias estão racionalmente fundamentadas. Como adverte a doutrina espanhola, embora o Tribunal constitucional não possa substituir a decisão da Corte ordinária, pode “censurar a razoabilidade do discurso justificatório” por ela empregada na condenação.96 96 IGARTUA SALAVERRÍA, Juan. Motivación de las sentencias, presunción de inocencia, in dubio pro reo. In: Anuario de derechos humanos, núm. 2, 2001, p. 471.

É relevante notar que o descumprimento desse dever de exame integral das provas produzidas em contraditório no processo penal passou a ser reconhecido por tribunais constitucionais como uma modalidade de violação direta das cláusulas constitucionais do direito fundamental à presunção de inocência. Além de enfatizar esse dever de valoração integral do conjunto probatório, o Tribunal Constitucional da Espanha chega até mesmo a controlar, em situações excepcionais, a legitimidade da motivação das decisões sobre os requerimentos probatórios.97 97 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 233/1992, 2ª Sala, Rel. Alvaro Rodríguez Bereijo, j. 14/12/1992. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/2120>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. STC n° 78/2001, 2ª Sala, Rel. Diego González Campos, j. 26/03/2001. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/ca-ES/Resolucion/Show/4374>. Acesso em: 18 mar. 2022. Isso para garantir que esse conjunto probatório a que o juiz deve se referir de maneira completa não seja arbitrariamente formado em prejuízo do acusado. Nesse sentido, o tribunal espanhol tem afirmado a sua competência para, por meio de recurso de amparo – equivalente aos nossos recursos de natureza extraordinária – controlar a legitimidade constitucional de decisões que indeferem a produção de provas relevantes sem motivação alguma, mediante a interpretação irrazoável ou aplicação arbitrária da lei,98 98 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 30/1986, 2ª Sala, Rel. Antonio Truyol Serra, j. 20/02/1986. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/593>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 69/2001, 2ª Sala, Rel. Antonio Truyol Serra, j. 17/03/2001. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/593>. Acesso em: 18 mar. 2022. anulando-as sempre que da falta imotivada da produção da prova relevante requerida decorrer prejuízo ao direito de defesa.99 99 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 1/1996, 2ª Sala, Rel. Tomás S. Vives Antón, j. 15/01/1996. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/3053>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 101/1999, 2ª Sala, Rel. Carles Viver Pi-Sunyer, j. 31/03/199. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/3843>. Acesso em: 18 mar. 2022.

Ainda nesse contexto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional da Espanha firmou-se no sentido de que o procedimento constitucional de amparo – que, naquele país, é recurso análogo aos nossos recursos de natureza extraordinária – é o veículo adequado para que o tribunal constitucional promova a revisão das decisões tomadas pelos órgãos jurisdicionais que tenham promovido uma análise incompleta do acervo probatório. De acordo com o tribunal constitucional daquele país, a possibilidade de controle judicial da motivação das decisões que valoram provas se insere no âmbito do direito à tutela jurisdicional efetiva.100 100 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 61/2019, 1ª Sala, Rel. Cándido Conde-Pumpido Tourón, j. 06/05/2019. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es/Resolucion/Show/25927>. Acesso em: 18 mar. 2022. Exatamente no mesmo sentido é a orientação jurisprudencial da Corte Constitucional da Colômbia firmada a propósito dos defeitos fáticos.101 101 COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia SU-774/14, Tribunal Pleno, Rel. Mauricio González Cuervo, j. 16/10/2014. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2014/SU774-14.htm>. Acesso em 18 mar. 2022; e COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia T-926/14, 6ª Sala de Revisão, Rel. Gloria Stella Ortiz Delgado, j. 02/12/2014. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2014/T-926-14.htm>. Acesso em: 18 mar. 2022.

No Brasil, o nosso Supremo Tribunal Federal, antes da promulgação da Constituição de 1988, já conheceu de recursos extraordinários que versavam sobre a omissão na valoração da prova.102 102 Conferir, nesse sentido, exemplificativamente, BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE nº 27990, 1ª Turma, Rel. Min. Afrânio Costa (Convocado), j. 24/10/1955. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=128918>. Acesso em 18 mar. 2022; e BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE nº 86.082, 2ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 16/11/1976. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=180151>. Acesso em: 18 mar. 2022. Essa tradição foi abandonada pela jurisprudência do STF nas últimas três décadas. Embora seja correto afirmar que, em regra, o controle da observância do dever de análise integral do conjunto probatório deva ser exercido pelos Tribunais ordinários e, excepcionalmente, pelas cortes de cassação, não há dúvida de que as cortes constitucionais possuem relevante função subsidiária na fiscalização da observância desse importante requisito de validade das sentenças penais condenatórias.

A dimensão objetiva do direito fundamental à presunção de inocência envolve a existência de um direito à organização e procedimento adequados para a sua efetivação. E isso se realiza, em grande medida, por meio da adoção de mecanismos procedimentais que permitam o controle por parte do tribunal constitucional da observância, por parte dos juízes e Tribunais, do dever de análise integral do conjunto probatório e de motivação adequada – racional e logicamente sustentável – quanto à formação da culpa para além de qualquer dúvida razoável. Para garantir que essa valoração global das provas seja efetivamente implementada, o Tribunal Constitucional da Espanha afirma possuir competência para “verificar se há violação do direito à presunção de inocência porque não há provas válidas suficientes, porque a argumentação que liga a prova ao facto provado é desarrazoada porque é ilógica ou insuficiente, ou porque o resultado da sua apreciação não foi motivado”.103 103 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 187/2003, 1ª Sala, Rel. Pablo García Manzano, j. 27/10/2003. Disponível em: https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/4962 . Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 115/2006, Tribunal Pleno, Rel. Pablo Cachón Villar, j. 24/03/2006.

No que diz respeito ao controle da racionalidade e logicidade da motivação da sentença na valoração do conjunto probatório, o Tribunal Constitucional espanhol tem afirmado, com base no princípio da presunção da inocência, que “toda condenação deve se basear em provas válidas, suficientes e decisivas” e também que essa idoneidade incriminadora do conjunto probatório “deve ser não apenas apreciada pelo juiz, mas também refletida na sentença, de modo que a falta ou insuficiência de motivação quanto à avaliação da prova e à fixação dos fatos provados acarretará ofensa ao direito fundamental à presunção de inocência”.104 104 ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 340/2006, 1ª Sala, Rel. Jorge Rodríguez-Zapata Pérez, j. 11/12/2006. Disponível em: <https://www.boe.es/diario_boe/txt.php?id=BOE-T-2007-868>. Acesso em: 18 mar. 2022. Isso porque, como bem advertiu a Corte Constitucional da Colômbia, a amplitude da liberdade de apreciação da prova pelo juiz jamais pode se degenerar em arbitrariedade: “sua atividade de avaliação probatória implica necessariamente a adoção de critérios objetivos, não simplesmente supostos pelo juiz, racionais, ou seja, que ponderem a magnitude e o impacto de cada uma das provas prestadas”.105 105 COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia SU-159/02, Tribunal Pleno, Rel. Manuel José Cepeda Espinosa, j. 06/03/2002. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2002/SU159-02.htm>. Acesso em: 18 mar. 2022.

A jurisprudência do STF, no Brasil, trilhou outro caminho ao afirmar indiscriminadamente a ausência de repercussão geral nos recursos extraordinários criminais que versam sobre a violação do dever de motivação.106 106 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AI nº 791.292 QO-RG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23/06/2010. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=613496>. Acesso em: 18 mar. 2022. Com base nesse entendimento, o tribunal abriu mão da possibilidade de construção, pela via do recurso extraordinário, de parâmetros adequados de controle por parte da jurisdição constitucional do dever de análise integral do conjunto probatório no campo processual penal e de motivação racional e lógica quanto à avaliação da prova e à fixação dos fatos provados.

É verdade que o STF admite amplamente a impetração de habeas corpus contra decisões judiciais que interfiram na liberdade de ir e vir. Isso poderia viabilizar a construção de uma jurisprudência mais densa acerca dessa dimensão da presunção de inocência ligada à exigência da demonstração motivada da presença de certo nível de certeza probatória para que a condenação criminal seja legítima. O Supremo Tribunal Federal, no Brasil, chegou a conceder ordens de habeas corpus para invalidar sentenças condenatórias por violação direta ao princípio da presunção de inocência.107 107 Cf., nesse sentido, os excepcionais precedentes firmados nos seguintes julgamentos: BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC nº 83.864, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 20/04/2004. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79491>. Acesso em 18 mar. 2022; e BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC nº 96.356, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 24/08/2010. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=614452 . Acesso em: 18 mar. 2022. E, mais recentemente, o seguinte precedente: “A comprovação da deficiência mental da vítima, circunstância passível de ser demonstrada por perícia, constitui núcleo indispensável do tipo previsto no artigo 217, § 1º, do Código Penal, de modo que a existência de conclusões divergentes nos laudos, deixando as instâncias ordinárias de proceder à análise comparativa entre os resultados em sentido opostos, revela situação de dúvida razoável concernente à configuração do crime, que, considerado o princípio constitucional da não culpabilidade, há de ser interpretada em benefício do acusado.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC nº 170.117, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 19/05/2020. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754035067>. Acesso em: 18 mar. 2022). Mas esses precedentes não representam o sentido geral da jurisprudência do tribunal, segundo a qual não cabe habeas corpus para discutir suposta violação ao princípio da presunção de inocência em função do não atendimento ao standard da prova para além da dúvida razoável.108 108 Cf., por todos, BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC nº 80.320, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 19/09/2000. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=78345>. Acesso em: 18 mar. 2022; e BRASIL. HC nº 100.249-AgR, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 31/08/2010. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=618131>. Acesso em: 18 mar. 2022. Os casos em que o STF aplica esse parâmetro da prova para além da dúvida razoável estão quase exclusivamente circunscritos às ações penais originárias em que o tribunal funciona como típico juízo criminal.109 109 Cf., por todos, as seguintes decisões proferidas em julgamentos de ações penais originárias: “A presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura. Como regra de prova, a formulação mais precisa é o standard anglo saxônico no sentido de que a responsabilidade criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt), o qual foi consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP nº 676, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 17/10/2017. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14300838>. Acesso em: 18 mar. 2022); “Inexistência de provas produzidas pelo Ministério Público na instrução processual ou de confirmação em juízo de elemento seguro obtido na fase inquisitorial e apto a afastar dúvida razoável no tocante à culpabilidade do réu” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP nº 883, 1ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 11/05/2018. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=14801986>. Acesso em: 20 mar. 2022).

4. Conclusões

A jurisdição constitucional tem contribuído, nos quais diversos quadrantes, para a atribuição de um conteúdo mais preciso ao princípio da presunção de inocência, especialmente por meio do desenvolvimento da doutrina da prova “para além da dúvida razoável”. As tentativas mais bem-sucedidas no direito comparado de racionalizar esse standard probatório subordinam a demonstração da tese acusatória à satisfação, no mínimo, das seguintes condições: a hipótese incriminatória deve ser capaz de explicar os dados disponíveis, integrando-os de forma coerente, e todas as outras hipóteses plausíveis, que permitem explicar os mesmos dados e que são compatíveis com a inocência do acusado, devem ter sido definitivamente refutadas.

A dimensão objetiva do direito fundamental à presunção de inocência envolve a existência de um direito à organização e procedimento adequados para a sua efetivação. E isso se realiza, em grande medida, por meio da adoção de mecanismos procedimentais que permitam o controle pelo tribunal constitucional da observância, por parte dos juízes e Tribunais, do dever de análise integral do conjunto probatório e de motivação adequada – racional e logicamente sustentável – quanto à formação da culpa para além de qualquer dúvida razoável. Nesse contexto, cabe aos tribunais constitucionais, em ordem a garantir um patamar mínimo de proteção ao direito fundamental à presunção de inocência, controlar a razoabilidade e racionalidade com que a sentença condenatória valora as provas, a partir da exigência dirigida ao juiz criminal de valoração integral do conjunto probatório.

O uso de precedentes estrangeiros em decisões judiciais brasileiras tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Esse fenômeno é particularmente importante nas decisões do Supremo Tribunal Federal. A tendência crescente de invocação do direito comparado na interpretação constitucional é um sinal positivo de constante aperfeiçoamento da jurisdição constitucional brasileira. Afinal, o diálogo entre os Ministros do STF e a jurisprudência das cortes constitucionais de outros países decorre de uma salutar disposição para a aprendizagem recíproca, cujos resultados podem ser bastante positivos. A observação de decisões de outros tribunais constitucionais nos permite identificar “pontos cegos” no debate nacional, além de ampliar nossos horizontes argumentativos, mostrando novas soluções para superação de impasses comuns. A jurisprudência constitucional comparada produzida para densificar o conteúdo do princípio da presunção de inocência – notadamente na dimensão relacionada à exigência de certificação de um grau mínimo de certeza probatória desenvolvida a partir do desenvolvimento da doutrina da prova “para além da dúvida razoável” – pode contribuir para o aperfeiçoamento da jurisdição constitucional brasileira nesse campo tão decisivo para a conformação democrática do processo penal.

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    Doutor em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense. Professor de Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Desenvolvimento – IDP/DF.
  • 2
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC n° 104.339, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/05/2012. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3164259>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 3
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADI n° 3.112, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 02/05/2007. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=491806>. Acesso em: 18 mar. 2022
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    Para um panorama da aplicação do princípio da presunção de inocência na jurisprudência do STF, cf. FACHIN, Luiz Edson. Presunção de inocência e persecução penal: conformação constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. In: ALVIM, Eduardo Arruda; ALVIM, José Manoel de; GALDINO, Flavio (coords.). Uma vida dedicada ao direito: estudos em homenagem a Roberto Rosas. Rio de Janeiro: GZ, 2020, p. 461-472FACHIN, Luiz Edson. Presunção de inocência e persecução penal: conformação constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. In: ALVIM, Eduardo Arruda; ALVIM, José Manoel de; GALDINO, Flavio (coords.). Uma vida dedicada ao direito: estudos em homenagem a Roberto Rosas. Rio de Janeiro: GZ, 2020, p. 461-472..
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    Cf., a título de exemplo: “A presunção de inocência exige, para ser afastada, um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal. No sistema acusatório brasileiro, o ônus da prova é do Ministério Público, sendo imprescindíveis provas efetivas do alegado, produzidas sob o manto do contraditório e da ampla defesa, para a atribuição definitiva ao réu, de qualquer prática de conduta delitiva, sob pena de simulada e inconstitucional inversão do ônus da prova” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 883, 1ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 20/03/2018. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14801986>. Acesso em 18 mar. 2022). Ainda: “o ordenamento jurídico pátrio veda a possibilidade de alguém ser considerado culpado com respaldo em simples presunção ou meras suspeitas, consagrando o princípio da presunção de inocência, insculpido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República. Esse postulado condiciona a decisão judicial a atividade probatória produzida pela acusação, sendo vedada a condenação ante a ausência de comprovação das evidências” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RHC n° 107.759, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 18/10/2011. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107759&classe=RHC>. Acesso em: 18 mar. 2022).
  • 6
    BADARÓ, Gustavo Henrique. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 233BADARÓ, Gustavo Henrique. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003..
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    Cf., a propósito: “O princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade, insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, preceitua, na sua acepção probatória, que cabe ao órgão acusatório o ônus de comprovar a ocorrência de todas as circunstâncias elementares do tipo penal atribuído ao acusado na incoativa, sob pena de tornar inviável a pretendida responsabilização criminal” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 1.018, 2ª Turma, Rel. Min. Edson Fachin, j. 18/09/2018. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=748852403>. Acesso em: 18 mar. 2022); “o ônus da prova referente aos fatos constitutivos da imputação penal incumbe, exclusivamente, a quem acusa” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC n° 180.144, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 10/10/2020. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754177235> Acesso em: 18 mar. 2020).
  • 8
    A primeira referência explícita ao standard da prova para além da dúvida razoável data do ano de 1996: “Desse modo, se o Ministério Público oferece denúncia contra qualquer réu por crime de corrupção de menores, cumpre-lhe demonstrar, de modo consistente – e além de qualquer dúvida razoável –, a ocorrência do fato constitutivo do pedido [...]. O fato indiscutivelmente relevante no domínio processual penal, Sr. Presidente, é que, no âmbito de uma formação social organizada sob a égide do regime democrático, não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se – para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica – em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambiguidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet. A condenação do réu pela prática de qualquer delito – até mesmo pela prática de simples contravenção penal – somente se justificará quando existentes, no processo, e sempre colhidos sob a égide do postulado constitucional do contraditório, elementos de convicção que, projetando-se beyond all reasonable doubt (além, portanto, de qualquer dúvida razoável), veiculem dados consistentes que possam legitimar a prolação de um decreto condenatório pelo Poder Judiciário” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC n° 73.338, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13/08/1996. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=74424>. Acesso em 18 mar. 2022). Desde então, o standard da prova para além da dúvida razoável tem sido reiteradamente reafirmado pela jurisprudência do STF. Cf., por todos, BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC n° 83.947, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 07/08/2007. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=506601>. Acesso em: 18 mar. 2022; BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 470, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17/12/2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=3678648>. Acesso em: 18 mar. 2022; BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, AP n° 521, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 05/02/2015. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7688221>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 9
    Cf., nesse sentido, LUCCHESI, Guilherme Brenner. O necessário desenvolvimento de standards probatórios compatíveis com o direito processual penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v. 27, n. 156, jun. 2019, p. 165-188.
  • 10
    O sistema processual penal continental se estruturou em torno da lógica do sistema romano-germânico e concebe a ação penal como instrumento para de apuração oficial dos fatos, com objetivo de busca da verdade, em que também o acusador é visto como guardião da lei e do interesse público. As diferenças entre os sistemas anglo-saxão e o romano-germânico vão desde a diferenciação de poderes entre os atores processuais – juiz, promotor e defensor – e chegam a concepções profundamente diversas sobre a estrutura e o sentido do próprio processo criminal. Para uma visão global dessas diferenças, cf. LANGER, Maximo. From Legal Transplants to Legal Translations: The Globalization of Plea Bargaining and the Americanization Thesis in Criminal Procedure. Harvard International Law Journal, v. 45, n. 1, p. 1-64, 2004LANGER, Maximo. From Legal Transplants to Legal Translations: The Globalization of Plea Bargaining and the Americanization Thesis in Criminal Procedure. Harvard International Law Journal, v. 45, n. 1, p. 1-64, 2004..
  • 11
    No direito processual penal italiano, tão próximo do brasileiro, a doutrina da prova al di là di ogni ragionevole dubbio foi quase inteiramente desenvolvida pela jurisprudência da Corte de Cassação, e não pela Corte constitucional. Cf., sobre o tema, DELLA TORRE, Jacopo. Il lungo cammino della giurisprudenza italiana sull’“oltre ogni ragionevole dubbio”DELLA TORRE, Jacopo. Il lungo cammino della giurisprudenza italiana sull’“oltre ogni ragionevole dubbio”. Disponível em: <https://www.penalecontemporaneo.it/upload/1403195064DELLA%20TORRE_2014.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2022.
    https://www.penalecontemporaneo.it/uploa...
    . Disponível em: <https://www.penalecontemporaneo.it/upload/1403195064DELLA%20TORRE_2014.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 12
    Cf. O’DONNELL, Daniel. Derecho Internacional de los Derechos Humanos: normativa, jurisprudencia y doctrina de los sistemas universal e interamericano. Bogotá: Oficina en Colombia del Alto Comisionado de la Naciones Unidas para Colombia, 2007, p. 397O’DONNELL, Daniel. Derecho Internacional de los Derechos Humanos: normativa, jurisprudencia y doctrina de los sistemas universal e interamericano. Bogotá: Oficina en Colombia del Alto Comisionado de la Naciones Unidas para Colombia, 2007..
  • 13
    ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê de Direitos Humanos, General Comment no. 13, 1984, parágrafo 7. Disponível em: <https://www.refworld.org/publisher,HRC,GENERAL,,453883f90,0.html>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 14
    ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê de Direitos Humanos. General Comment no. 32, 2007, páragrafo 30. Disponível em: <https://digitallibrary.un.org/record/606075>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 15
    O Tribunal Constitucional da Espanha assentou que o princípio da presunção de inocência “serve de base a todo procedimento criminal e condiciona a sua estrutura, constituindo um dos princípios cardiais do Direito Penal contemporâneo, em suas facetas substantiva e formal” (ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 141/2006, 1ª Sala, Rel. María Emilia Casas Baamonde, j. 08/05/2006. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/eu-ES/Resolucion/Show/5743>. Acesso em: 18 mar. 2022).
  • 16
    FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón: Teoría del garantismo penal. Madri: Editorial Trotta, 2000, p. 549FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Teoría del garantismo penal. Madri: Editorial Trotta, 2000..
  • 17
    Art. 24.2. da Constituição espanhola (ESPANHA. Constitución Española. 1978. Disponível em: <https://www.boe.es/legislacion/documentos/ConstitucionCASTELLANO.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2022).
  • 18
    Preâmbulo da Constituição francesa (FRANÇA. Constitution du 4 de octobre 1958. Disponível em: <https://www.conseil-constitutionnel.fr/le-bloc-de-constitutionnalite/texte-integral-de-la-constitution-du-4-octobre-1958-en-vigueur>. Acesso em: 18 mar. 2022).
  • 19
    Art. 32.2 da Constituição portuguesa (PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. 1976. Disponível em: <https://www.parlamento.pt/ArquivoDocumentacao/Documents/CRPVIIrevisao.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2022).
  • 20
    Art. 27.2 da Constituição italiana de 1947 (ITÁLIA. Constituzione della República. 1947 Disponível em: <https://www.senato.it/documenti/repository/istituzione/costituzione.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 21
    Cf. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Suprema Corte, In re Winship, 397 US 358, 364 (1970). Disponível em: <https://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/397/358.html>. Acesso em: 17 mar. 2022. (“[A] cláusula de devido processo legal protege o acusado contra condenação, exceto mediante prova além de uma dúvida razoável sobre algum dos fatos necessários para constituir o crime pelo qual ele é acusado”, tradução livre); e ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Suprema Corte, Miles v. United States, 103 US 304, 312 (1880). Disponível em: <https://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/103/304.html>. Acesso em: 17 mar. 2022. (“A evidência sobre a qual o júri se debruça para proferir o veredicto de culpado deve ser suficiente para produzir uma convicção de culpa do acusado, com exclusão de toda dúvida razoável”, tradução livre).
  • 22
    Sobre as facetas do princípio da presunção de inocência, cf. GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 116-142GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2016..
  • 23
    É do entendimento do Supremo Tribunal Federal que “a custódia cautelar, enquanto medida excepcional, exige demonstração inequívoca de sua necessidade, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de representar mera antecipação da reprimenda a ser cumprida quando da condenação” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC n° 135.741, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 05/09/2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=14217622>. Acesso em: 18 mar. 2022).
  • 24
    O Tribunal declarou a inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória prevista no art. 44, caput, da Lei 11.343/200 por entender que a vedação absoluta da concessão da liberdade provisória é incompatível com os princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC nº 104.339, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/05/2012. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3164259>. Acesso em: 18 mar. 2022). Antes mesmo dessa decisão que declarou a inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória para o crime de tráfico de drogas, o STF já havia declarado a inconstitucionalidade do dispositivo legal que obrigava a prisão preventiva para presos em flagrante pela prática de delitos previstos no Estatuto do Desarmamento, ocasião em que afirmou que uma presunção da necessidade da prisão violava o princípio da presunção de inocência (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADI nº 3.112, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 02/05/2007. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=491806>. Acesso em: 18 mar. 2022).
  • 25
    Cf., entre outros, ITÁLIA. Corte Constitucional, Sentenza n° 265 de 2010, Rel. Giuseppe Friggo, j. 07/07/2010. Disponível em: <https://www.giurcost.org/decisioni/2010/0265s-10.html>. Acesso em: 18 mar. 2022 (sobre a presunção legal absoluta de prisão cautelar para o crime de pornografia infantil); ITÁLIA. Corte Constitucional, Sentenza n° 164 de 2011, Rel. Giuseppe Frigo, j. 09/05/2011. Disponível em: <https://www.giurcost.org/decisioni/2011/0164s-11.html>. Acesso em 18 mar. 2022 (sobre a presunção legal absoluta de prisão cautelar para o crime de homicídio); ITÁLIA. Corte Constitucional, Sentenza n° 231 de 2011, Rel. Giuseppe Frigo, j. 19/07/2011. Disponível em: <https://www.giurcost.org/decisioni/2011/0231s-11.html>. Acesso em: 18 mar. 2022 (sobre a presunção legal absoluta de prisão cautelar para o crime de associação para o tráfico de drogas).
  • 26
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP nº 512, 2ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 27/04/2016. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10810152>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 27
    GIACOMOLLI, Nereu José. Op. cit., p. 121-123GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2016..
  • 28
    NIEVA FENOLL, Jordi. La razón de ser de la presunción de inocencia. Indret. Barcelona, v.1, 2016, p. 10NIEVA FENOLL, Jordi. La razón de ser de la presunción de inocencia. Indret. Barcelona, v.1, 2016, p. 10. Disponível em: <https://indret.com/wp-content/uploads/2018/05/1203_es.pdf>. Acesso em: 6 mar. 2022.
    https://indret.com/wp-content/uploads/20...
    .
  • 29
    NARDELLI, Marcella A. M.; MASCARENHAS, Fabiana A. Os standards probatórios como métrica da verdade: em busca de parâmetros objetivos para a racionalização das decisões sobre os fatos. Revista del Instituto Colombiano de Derecho Procesal, n. 44, jul.-dez. 2016, p. 45-66NARDELLI, Marcella A. M; MASCARENHAS, Fabiana A. Os standards probatórios como métrica da verdade: em busca de parâmetros objetivos para a racionalização das decisões sobre os fatos. Revista del Instituto Colombiano de Derecho Procesal, n. 44, jul.-dez. 2016, p. 45-66. https://doi.org/10.32853/01232479.v44.n44.2016.425
    https://doi.org/10.32853/01232479.v44.n4...
    .
  • 30
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC 124/2000, 2ª Sala, Rel. Guillermo Jiménez Sánchez, j. 16/05/2000. Disponível em: <http://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/4108>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 31
    Em recente precedente, o STF consagrou a máxima de que o princípio da presunção de inocência “impõe a necessidade de um quadro probatório robusto, com provas de todos os elementos da acusação. As provas devem ser aptas a gerar a responsabilidade criminal do acusado, com o afastamento de todas as hipóteses contrárias, desde que razoáveis, a essa convicção” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP nº 676, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 05/02/2018. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14300838>. Acesso em: 18 mar. 2022).
  • 32
    Nesse sentido, o princípio in dubio pro reo entra em ação depois de concluída a produção de prova. Referido princípio dispõe, na verdade, que a dúvida insanável sobre factos deve favorecer o arguido. […] O princípio do in dubio pro reo não é, pois, um princípio de direito probatório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos (ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 4. ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, p. 61ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 4ª ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011.).
  • 33
    Com efeito, em muitos países da Europa e da América Latina, o tribunal constitucional é acessado diretamente por meio do chamado recurso de amparo. Trata-se de ação autônoma de impugnação, célere e eficaz, vocacionada à proteção de determinados direitos fundamentais, cujo conhecimento se atribui ao tribunal constitucional, e que se caracteriza pelos princípios da subsidiariedade e da excepcionalidade. Em verdade, o recurso de amparo, na experiência da Europa continental e da América Latina, assemelha-se à versão individual da ADPF incidental que, aprovada pelo Congresso Nacional, acabou vetada pela Presidência da República (inciso II do art. 2º do projeto de lei que resultou na aprovação da lei nº 9.882/99). O recurso de amparo é considerado instrumento subsidiário, cabível quando a parte não dispuser de outro meio recursal pelo qual possa fazer cessar, dentro do regular itinerário processual, a lesão a direito, a fim de evitar dano irreversível. Cf. BOTELHO, Catarina Santos. Tutela Directa dos Direitos Fundamentais: Avanços e Recuos na Dinâmica Garantística das Justiças Constitucional, Administrativa e Internacional. Coimbra: Almedina, 2010BOTELHO, Catarina Santos. Tutela Directa dos Direitos Fundamentais: Avanços e Recuos na Dinâmica Garantística das Justiças Constitucional, Administrativa e Internacional. Coimbra: Almedina, 2010..
  • 34
    PORTUGAL. Tribunal Constitucional, Decisão Sumária nº 291/2020. Nesse sentido, a advertência da doutrina portuguesa: “como é evidente – se o Tribunal Constitucional ultrapassasse o âmbito do controlo estritamente normativo que lhe está cometido, estaria a invadir as áreas de competência dos outros tribunais, nomeadamente no que se refere à interpretação do direito infraconstitucional, à apreciação da matéria de facto e do mérito da causa, naquilo que se não prende com a estrita resolução da questão de constitucionalidade suscitada [...]” (REGO, Carlos Lopes do. Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional. Coimbra: Almedina, 2010, p. 107REGO, Carlos Lopes do. Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional. Coimbra: Almedina, 2010.).
  • 35
    Cf. ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 139/2000, 1ª Sala, Rel. Fernando Garrido Falla, j. 29/05/2000. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/HJ/es/Resolucion/Show/4123>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 36
    Cf. COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia SU-447/11, Tribunal Pleno, Rel. Mauricio Gonzalez Cuervo, 26/05/2011. Disponível em: https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2011/SU447-11.htm. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 37
    Cf., sobre as origens dessa categoria jurídica que foi progressivamente sendo reconhecida como expressão do direito fundamental à presunção de inocência, WHITMAN, James Q. The origins of reasonable doubt. New Haven: Yale Press, 2008WHITMAN, James Q. The origins of reasonable doubt. New Haven: Yale Press, 2008..
  • 38
    A Corte afirmou que esse standard “reduz o risco de condenações baseadas em erro factual e densifica a presunção de inocência (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Suprema Corte, In re Winship, 397 U.S. 358 (1970). Disponível em: <https://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/397/358.html>. Acesso em: 18 mar. 2022 – tradução livre).
  • 39
    Tradução livre. No original: Any evidence that is relevant - that has any tendency to make the existence of an element of a crime slightly more probable than it would be without the evidence, cf. Fed. Rule Evid. 401- could be deemed a ‘mere modicum’. But it could not seriously be argued that such a ‘modicum’ of evidence could by itself rationally support a conviction beyond a reasonable doubt”. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Suprema Corte, Jackson v. Virginia, 443 U.S. 307, 320 (1979). Disponível em: <https://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/443/307.html>. Acesso em: 18 mar. 2022).
  • 40
    Na jurisprudência portuguesa, por exemplo, as regras probatória e de juízo aparecem, não raro, de maneira indistinta: “Enquanto norma probatória, [o princípio da presunção de inocência] consubstancia-se no princípio processual penal do in dubio pro reo, que se traduz numa imposição dirigida ao julgador no sentido de que qualquer situação de dúvida a respeito dos factos relevantes para o apuramento da responsabilidade do arguido deve ser decidida a favor deste, de modo que a condenação penal fique reservada aos casos em que, em função das provas obtidas segundo as formas admitidas por lei, o tribunal de julgamento esteja em condições de dar por demonstrados os factos de que o arguido é acusado” (PORTUGAL. Tribunal Constitucional, Acórdão nº 173/2018, 3ª Seção, Rel. Cons. Gonçalo de Almeida Ribeiro, j. 05/04/2018. Disponível em: <https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180173.html>. Acesso em: 18 mar. 2022).
  • 41
    Para maior clareza do raciocínio, cf., na doutrina portuguesa, a lição de Helena Magalhães Bolina: “O princípio in dubio pro reo só se aplica no caso de surgir a dúvida quanto à apreciação da matéria de facto. O princípio da presunção de inocência, atento o objetivo que visa atingir, intervém em momento anterior, condicionando o surgimento dessa dúvida, impondo-o em todas as situações em que, à luz da verdade material, a culpabilidade do arguido não possa considerar-se afirmada com certeza. A dúvida é, assim, por imposição do princípio de presunção de inocência, uma dúvida legal: uma dúvida que deve surgir em determinadas circunstâncias e constitui também matéria de direito, não só a questão de saber se a dúvida surgida na apreciação da prova foi resolvida favoravelmente ao arguido – caso em que se está perante a verificação do respeito do princípio in dubio pro reo –, mas também se, em face da prova produzida, a dúvida surgiu quando devia, ou, noutra perspectiva, se o juízo de certeza foi bem fundado. Nesse caso, o princípio cujo respeito se avalia é, não já o in dubio pro reo, mas, mais rigorosamente, o princípio da presunção de inocência. O princípio da presunção de inocência distingue-se, assim, do princípio in dubio pro reo, não só pela sua relevância no tratamento do arguido ao longo de todo o processo e pelo seu reflexo extraprocessual como critério dirigido ao legislador ordinário, mas também, em sede de prova, impondo que a dúvida surja em determinadas circunstâncias, assim possibilitando, em momento lógico posterior, a aplicação do princípio in dubio pro reo” (BOLINA, Helena Magalhães. Razão de ser, significado e consequências do princípio da presunção da inocência. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. 70, 1994, p. 443-446BOLINA, Helena Magalhães. Razão de ser, significado e consequências do princípio da presunção da inocência (art. 32, nº 2, da CRP). Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. 70, 1994.).
  • 42
    Para uma síntese desse debate na doutrina nacional e estrangeira, cf. VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Standard probatório para condenação e dúvida razoável no processo penal: análise das possíveis contribuições ao ordenamento brasileiro. Revista Direito GV, v. 16, n. 2, 2020VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Standard probatório para condenação e dúvida razoável no processo penal: análise das possíveis contribuições ao ordenamento brasileiro. Revista Direito GV, v. 16, n. 2, 2020. https://doi.org/10.1590/2317-6172201961
    https://doi.org/10.1590/2317-6172201961...
    .
  • 43
    A respeito das diversas posições na doutrina sobre as relações entre o princípio da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, cf. BOLINA, Helena Magalhães. Op. cit., p. 440-442BOLINA, Helena Magalhães. Razão de ser, significado e consequências do princípio da presunção da inocência (art. 32, nº 2, da CRP). Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. 70, 1994..
  • 44
    SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais. Revista de Direito de estado, n. 4, 2006, p. 24SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais. Revista de Direito de Estado, n. 4, 2006..
  • 45
    Têm-se ressaltado, nos últimos anos, as vantagens das teorias dialógicas como vetores prescritivos capazes de aperfeiçoar a jurisdição constitucional. A superioridade normativa das teorias dialógicas foi sintetizada por Rodrigo Brandão nos seguintes termos: “a grande vantagem da teoria dos diálogos constitucionais consiste em reconhecer as falhas e as virtudes de cada ator institucional, confiando que a interação entre eles em um sistema de separação de poderes contribuirá para a construção de um sistema deliberativo melhor” (BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial v. Diálogos Constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição?. Lumen Iuris: Rio de Janeiro, 2011, p. 288BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial v. Diálogos Constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição? Lumen Iuris: Rio de Janeiro, 2011.). Esse diálogo se dá não apenas no âmbito doméstico, a partir do intercâmbio de experiências entre os Poderes Legislativo e Executivo com o Tribunal constitucional, mas também das cortes constitucionais entre si e com os Tribunais internacionais. Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento asseveram que atualmente “há uma positiva troca de experiências, conceitos e teorias entre cortes nacionais e internacionais, com a possibilidade de aprendizado recíproco entre as instâncias envolvidas nesse diálogo” (SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 451SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012.).
  • 46
    ITÁLIA. Corte de Cassação. Sentenza n° 30407/2018, 2ª Seção Penal, Rel. Recchione Sandra, j. 19/06/2018. Disponível em: <http://www.italgiure.giustizia.it/xway/application/nif/clean/hc.dll?verbo=attach&db=snpen&id=./20180705/snpen@s20@a2018@n30407@tS.clean.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2022 (tradução livre).
  • 47
    RUIZ, Juan Cámara. La impugnación de las resoluciones penales por falta de motivación. Santiago de Compostela: Andavira Editora, 2018, p. 80RUIZ, Juan Cámara. La impugnación de las resoluciones penales por falta de motivación. Santiago de Compostela: Andavira Editora, 2018.. Na jurisprudência estrangeira, cf. ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC 31/1981, 1ª Sala, Rel. Gloria Begué Cantón, j. 28/07/1981. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/31>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 48
    CORDERO, Franco. Tre studi sulle prove penali. Milão: Giuffrè, 1963, p. 65CORDERO, Franco. Tre studi sulle prove penali. Milão: Giuffrè, 1963..
  • 49
    CENTOZE, Francesco. La Corte d’assise di fronte al “ragionevole dubbio”. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, v. 46, n° 1/2, 2003, p. 674CENTOZE, Francesco. La Corte d’assise di fronte al ‘ragionevole dubbio’. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, v. 46, n° 1/2, 2003..
  • 50
    Para uma crítica sobre a indefinição desse standard no direito norte-americano, cf. LAUDAN, Larry. Por qué un estándar de prueba subjetivo y ambíguo no es un estándar. Doxa, n. 28, 2005, p. 95-113LAUDAN, Larry. Por qué un estándar de prueba subjetivo y ambíguo no es un estándar. Doxa, n. 28, 2005. https://doi.org/10.14198/DOXA2005.28.08
    https://doi.org/10.14198/DOXA2005.28.08...
    .
  • 51
    Concorda-se, no ponto, com a posição de Vinícius Vasconcelos, segundo a qual “há potencial espaço para aprimoramentos a partir da definição de seu conteúdo em termos ainda não concretizados nos exemplos indicados pelo autor, especialmente em ordenamentos em que há um dever forte de motivação das decisões judiciais” (VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Op. cit., p. 15VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. A prova no processo penal: a importância da valoração do lastro probatório e de seu controle por meio recursal. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 13, n. 2, p. 695–721, 2018. https://doi.org/10.5902/1981369430012
    https://doi.org/10.5902/1981369430012...
    ).
  • 52
    PORTUGAL. Tribunal Constitucional, Acórdão n. 521/2018, 3ª Seção, Rel. Cons. Gonçalo de Almeida Ribeiro, j. 17/10/2018. Disponível em: <https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180521.html>; Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 53
    TARUFFO, Michelle. A prova. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 135TARUFFO, Michelle. A prova. São Paulo: Marcial Pons, 2014..
  • 54
    PALMA. Andrea Galhardo. Breve análise comparativa dos modelos de valoração e constatação da prova penal – standards probatórios – no Brasil, nos EUA e na Itália: crítica à regra beyond any reasonable doubt ou oltre ragionevole dubbio (além da dúvida razoável). In: FILIPPO, Thiago Baldani Gomes de; ONODERA, Marcus Vinicius Kiyoshi (coords.). Brasil e EUA: temas de direito comparado. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2017, p. 287-338PALMA, Andrea Galhardo. Breve análise comparativa dos modelos de valoração e constatação da prova penal – standards probatórios – no Brasil, nos EUA e na Itália: crítica à regra beyond any reasonable doubt ou oltre ragionevole dubbio (além da dúvida razoável). In: FILIPPO, Thiago Baldani Gomes de; ONODERA, Marcus Vinicius Kiyoshi (coords.). Brasil e EUA: temas de direito comparado. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2017, p. 287-338..
  • 55
    Cf., a propósito, LAUDAN, Larry. Truth, Error, and Criminal Law: an essay in legal epistemology. Nova York: Cambridge University Press, 2006LAUDAN, Larry. Truth, Error, and Criminal Law: an essay in legal epistemology. New York: Cambridge University Press, 2006..
  • 56
    Cf., sobre a recepção dessa doutrina em países de tradição continental, cf. CLERMONT, Kevin M; SHERWIN, Emily. A Comparative View of Standards of Proof. The American Journal of Comparative Law, v. 50, n. 2, 2002, p. 243–275.
  • 57
    FLETCHER, George P. Conceptos básicos de Derecho Penal. Valência: Ed. Tirant lo Blanch, 1997, p. 36-37FLETCHER, George P. Conceptos básicos de Derecho Penal. Valência: Ed. Tirant lo Blanch, 1997..
  • 58
    PALMA, Andrea Galhardo. Op. cit., p. 297PALMA, Andrea Galhardo. Breve análise comparativa dos modelos de valoração e constatação da prova penal – standards probatórios – no Brasil, nos EUA e na Itália: crítica à regra beyond any reasonable doubt ou oltre ragionevole dubbio (além da dúvida razoável). In: FILIPPO, Thiago Baldani Gomes de; ONODERA, Marcus Vinicius Kiyoshi (coords.). Brasil e EUA: temas de direito comparado. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2017, p. 287-338..
  • 59
    Até porque, como adverte a doutrina, no processo penal não se provam, a rigor, os fatos, mas sim a veracidade de enunciados factuais. A expressão “prova do fato” é utilizada por razões pragmáticas, pois é extensamente acolhida por doutrina e jurisprudência. Cf. UBERTIS, Giulio. La Prova Penale: Profili Giuridici ed Epistemologici. Turim: UTET Librería, 1999, p. 8 e ssUBERTIS, Giulio. La Prova Penale: Profili Giuridici ed Epistemologici. Torino: UTET Librería, 1999..
  • 60
    Confira-se: “Tanto a jurisprudência do Tribunal Constitucional como a do Supremo Tribunal, em praticamente todos os casos em que fizeram uso de seu poder para anular ou casar sentenças recorridos, foram, precisamente, como consequência do entendimento de que as evidências poderiam levar não apenas à tese condenatória, mas também a outras teses alternativas igualmente razoáveis de conteúdo absolutório, que supõem, em minha opinião, uma clara aplicação das consequências implícitas no princípio interpretativo ‘in dubio pro reo’” (BELLOCH JULBE, Juan Alberto. “La prueba indiciaria” en la sentencia penal. Madri: Consejo General del Poder Judicial, 1992, p. 77BELLOCH JULBE, Juan Alberto. “La prueba indiciaria” en la sentencia penal. Madri: Consejo General del Poder Judicial, 1992.).
  • 61
    FERRER BELTRÁN, Jordi. Los estándares de prueba en el proceso penal español. Cuadernos electrónicos de filosofía del derecho, nº 15, 2007FERRER BELTRÁN, Jordi. Los estándares de prueba en el proceso penal español. Cuadernos electrónicos de filosofía del derecho, nº 15, 2007.. Disponível em: <https://www.uv.es/CEFD/15/ferrer.pdf>. Acesso em 18 mar. 2022. Em sentido crítico a essa formulação, reafirmando a possibilidade de subjetivismo também na aplicação desses parâmetros, cf. NIEVA FENOLL, Jordi. La razón de ser de la presunción de inocencia. Indret. Barcelona, v.1, 2016, p. 12NIEVA FENOLL, Jordi. La razón de ser de la presunción de inocencia. Indret. Barcelona, v.1, 2016, p. 10. Disponível em: <https://indret.com/wp-content/uploads/2018/05/1203_es.pdf>. Acesso em: 6 mar. 2022.
    https://indret.com/wp-content/uploads/20...
    .
  • 62
    ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 6584/1998, Sala de Penal, Rel. Jose Jimenez Villarejo, j. 10/11/1998. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/a2bac224b8dd0d88/20031011>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 63
    ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 4500/2002, Sala de Penal, Rel. Diego Antonio Ramos Gancedo, 19/06/2002. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/1670a259eb7a5ae3/20030918>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 64
    ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 7905, Sala de Penal, Rel. Enrique Bacigalupo Zapater, j. 31/10/2000. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/1670a259eb7a5ae3/20030918>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 65
    ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 3209/2002, Sala de Penal, Rel. Perfecto Agustin Andres Ibañes, j. 07/05/2002. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/a2bac224b8dd0d88/20031011>. Acesso em 18 mar. 2022.
  • 66
    Da remansosa jurisprudência do Tribunal Supremo Espanhol em relação a esta questão, vale destacar os seguintes: ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 1248/2003, Sala de Penal, Rel. Candido Conde-Pumpido Touron, j. 25/02/2003. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/1670a259eb7a5ae3/20030918>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Supremo, STS 7829/2002, Sala de Penal, Rel. Diego Antonio Ramos Gancedo, j. 25/11/2002. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/a2bac224b8dd0d88/20031011%3E>.Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 67
    Cf. ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 444/2001, Sala de Penal, Rel. Enrique Bacigalupo Zapater, j. 22/03/2001. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/a2bac224b8dd0d88/20031011%3E>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Supremo, STS n° 702/2001, Sala de Penal, Rel. Enrique Bacigalupo Zapater, j. 05/02/2001. Disponível em: <https://www.poderjudicial.es/search/TS/openDocument/a2bac224b8dd0d88/20031011%3E.>. Acesso em: 18 mar. 2022
  • 68
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 694, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 31/08/2017. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13501194>. Acesso em: 18 mar. 2022; e BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 676, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 17/10/2017. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14300838>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 69
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 580, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 13/12/2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=13086712>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 70
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP n° 465, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24/04/2014. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7065801>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 71
    Francesco Iacovello. La motivazione dela Sentenza Penale e il suo controlo in Cassazione. Milão: Giufreé, 1997, p. 778 apud LOPES, José António Mouraz. A fundamentação da sentença no sistema penal português: legitimar, diferenciar, simplificar. Coimbra: Edições Almedina, 2019, p. 237LOPES, José António Mouraz. A fundamentação da sentença no sistema penal português: legitimar, diferenciar, simplificar. Coimbra: Edições Almedina, 2019..
  • 72
    O standard da prova para além da dúvida razoável não foi incorporado de maneira uniforme no direito brasileiro. Como advertiu Guilherme Lucchesi, “[c]ausa espanto o fato de um standard probatório desenvolvido para ser uma forma rígida de evitar condenações indevidas seja defendida como um meio de mitigar o controle sobre a atividade de valoração de provas no Brasil. [...] Ao que parece, o recurso à expressão ‘prova para além de dúvida razoável’ tem sido utilizado como simples adorno retórico da decisão, sem que esteja cumprindo alguma efetiva função de controle” (LUCCHESI, Guilherme Brenner. O necessário desenvolvimento de standards probatórios compatíveis com o direito processual penal brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 27, n. 156, jun. 2019, p. 165-188).
  • 73
    Enquanto o juízo de condenação pressupõe a certeza processual da culpabilidade, a absolvição não pressupõe a certeza da inocência, mas a simples não certeza – e, assim, uma dúvida razoável – da culpa penal.
  • 74
    Em vista de tudo isso, pode-se concluir que, no processo criminal, diferentemente do que ocorre na ordem civil, enquanto o ônus da prova da acusação implica na necessidade de esta demonstrar a realidade dos fatos em que se sustenta a pretensão, ao acusado é suficiente gerar no tribunal uma dúvida razoável sobre a confiabilidade da versão acusatória. Assim, o grau de conhecimento judicial sobre os fatos alegados por ele é significativamente menor do que aquele que deve ser alcançado pela acusação. Isso significa, em última análise, que a defesa deve ter como objetivo mínimo gerar uma dúvida razoável que debilite a hipótese acusatória, e pode fazê-lo de duas maneiras: em primeiro lugar, limitando-se a atacar a credibilidade das provas de acusação ou, em segundo lugar, em vez disso, apresentando provas sobre os elementos de defesa. Vislumbra-se assim uma diferença substancial com a regra do juízo civil: enquanto no processo civil o réu verá rechaçada sua pretensão quando existam dúvidas acerca de algum fato impeditivo, extintivo ou excludente, no processo criminal a existência da dúvida – graças à presunção de inocência, que gera essa importante diferença – , beneficia, em qualquer caso, o acusado; em outras palavras, o réu, ao contrário do acusado, tem o ônus de convencer o tribunal da realidade dos fatos que lhe são favoráveis” (FERNÁNDEZ LÓPEZ, Mercedes. Presunción de inocencia y carga de la prueba en el proceso penal. Tese de (Doutorado em Direito) – Facultad de Derecho, Universidad de Alicante, 2004, p. 323, tradução livreFERNÁNDEZ LÓPEZ, Mercedes. Presunción de inocencia y carga de la prueba en el proceso penal. Tese de Doutorado em Direito – Facultad de Derecho, Universidad de Alicante, 2004.). Cf., no mesmo sentido, ACCATINO, Daniela. Certezas, dudas y propuestas en torno al estándar de la prueba penal. Revista de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, n. 37, 2011ACCATINO, Daniela. Certezas, dudas y propuestas en torno al estándar de la prueba penal. Revista de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, n. 37, 2011, p. 483-511. https://doi.org/10.4067/s0718-68512011000200012
    https://doi.org/10.4067/s0718-6851201100...
    , p. 508. Disponível em: <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-68512011000200012&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 16 mar. 2022.
  • 75
    FERRER BELTRÁN, Jordi. Uma concepção minimalista e garantista de presunção de inocência. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 4, n. 1, jan./abr. 2018FERRER BELTRÁN, Jordi. Uma concepção minimalista e garantista de presunção de inocência. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 4, n. 1, jan./abr. 2018. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i1.131
    https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i1.131...
    , p. 176.
  • 76
    FERRER BELTRÁN, Jordi. La valutazione razionale della prova. Milão: Giuffrè, 2012, p. 53FERRER BELTRÁN, Jordi. La valutazione razionale della prova. Milão: Giuffrè, 2012.. Para uma formulação semelhante, cf. ACCATINO, Daniela. Certezas, dudas y propuestas en torno al estándar de la prueba penal. Revista de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, n. 37, 2011, p. 483-511ACCATINO, Daniela. Certezas, dudas y propuestas en torno al estándar de la prueba penal. Revista de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, n. 37, 2011, p. 483-511. https://doi.org/10.4067/s0718-68512011000200012
    https://doi.org/10.4067/s0718-6851201100...
    . Disponível em: <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-68512011000200012&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 16 mar. 2022.
  • 77
    TARUFFO, Michele. Simplemente la verdade: El juez y la construcción de los hechos. Madrid: Marcial Pons, 2010, p. 249, tradução livreTARUFFO, Michele. Simplemente la verdad: El juez y la construcción de los hechos. Madrid: Marcial Pons, 2010..
  • 78
    Cf. HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 302-310HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998..
  • 79
    Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 472-474ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008..
  • 80
    Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Jurídica Virtual, v. 2, n. 13, jun. 1999MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Jurídica Virtual, v. 2, n. 13, jun. 1999.; e CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 440CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998..
  • 81
    É o que explica Luiz Guilherme Marinoni: “Será que o direito à tutela jurisdicional é apenas o direito ao procedimento legalmente instituído, não importando a sua capacidade de atender de maneira idônea o direito material? Ora, não tem cabimento entender que há direito fundamental à tutela jurisdicional, mas que esse direito pode ter a sua efetividade comprometida se a técnica processual houver sido instituída de modo incapaz de atender ao direito material. Imaginar que o direito à tutela jurisdicional é o direito de ir a juízo através do procedimento legalmente fixado, pouco importando a sua idoneidade para a efetiva tutela dos direitos, seria inverter a lógica da relação entre o direito material e o direito processual. Se o direito de ir a juízo restar na dependência da técnica processual expressamente presente na lei, o processo é que dará os contornos do direito material. Mas, deve ocorrer exatamente o contrário, uma vez que o primeiro serve para cumprir os desígnios do segundo. Isso significa que a ausência de técnica processual adequada para certo caso conflitivo concreto representa hipótese de omissão que atenta contra o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional (MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Revista Peruana de Derecho Procesal, n. 07, 2004, p. 199-258MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Revista Peruana de Derecho Procesal, n. 07, 2004.).
  • 82
    A expressão foi utilizada pelo Tribunal Constitucional de Portugal em PORTUGAL. Acórdão n° 521/2018, 3ª Seção, Rel. Cons. Gonçalo de Almeida Ribeiro, j. 17/10/2018. Disponível em: <https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180521.html>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 83
    VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. A prova no processo penal: a importância da valoração do lastro probatório e de seu controle por meio recursal. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 13, n. 2, ago. 2018, p. 715VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. A prova no processo penal: a importância da valoração do lastro probatório e de seu controle por meio recursal. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 13, n. 2, p. 695–721, 2018. https://doi.org/10.5902/1981369430012
    https://doi.org/10.5902/1981369430012...
    .
  • 84
    ALCÁCER GUIRAO, Rafael. El derecho a una segunda instancia con todas las garantías. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 106-107 Apud VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. A prova no processo penal: a importância da valoração do lastro probatório e de seu controle por meio recursal. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 13, n. 2, ago. 2018, p. 715VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. A prova no processo penal: a importância da valoração do lastro probatório e de seu controle por meio recursal. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 13, n. 2, p. 695–721, 2018. https://doi.org/10.5902/1981369430012
    https://doi.org/10.5902/1981369430012...
    .
  • 85
    IGARTUA SALAVERRÍA, Juan. Motivación de las sentencias, presunción de inocencia, in dubio pro reo. In: Anuario de derechos humanos, núm. 2, 2001, p. 478-47IGARTUA SALAVERRÍA, Juan. Motivación de las sentencias, presunción de inocencia, in dubio pro reo. In: Anuario de derechos humanos, núm. 2, 2001, pp. 459-479.9.
  • 86
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 189/1998, 2ª Sala, Rel. Carles Viver Pi-Sunyer, j. 28/09/1998. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/3691>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n°220/1998, 2ª Sala, Rel. Carles Viver Pi-Sunyer, j. 16/11/1998. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/3722>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 87
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 67/2021, Tribunal Pleno, Rel. Juan Antonio Xiol Ríos, j. 17/03/2021. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es/Resolucion/Show/26650>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 88
    A doutrina espanhola também tem enfatizado o dever do julgador de considerar todas as provas apresentadas pela parte perdedora no processo penal. Cf. IGARTUA SALAVERRÍA, Juan. La Motivación de Las Sentencias, Imperativo Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, p. 162.
  • 89
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 9/2015, 1ª Sala, Rel. Francisco Pérez de los Cobos Orihuel, j. 02/02/2015. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/24295>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 139/2009, 2ª Sala, Rel. Pascual Sala Sánchez, j. 17/07/2009. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/6558>. Acesso em 18 mar. 2022.
  • 90
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 61/2019, 1ª Sala, Rel. Cándido Conde-Pumpido Tourón, j. 10/06/2019. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es/Resolucion/Show/25927>. Acesso em 18 mar. 2022.
  • 91
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 104/2011, 2ª Sala, Rel. Elisa Pérez Vera, j. 20/06/2011. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/6886>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 92
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 73/2019, 2ª Sala, Rel. Fernando Valdés Dal-Ré, j. 20/05/2011. Disponível: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/25936>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 93
    COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia T-671/17, 1ª Sala de Revisão, Rel. Carlos Bernal Pulido, j. 07/11/2017. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2017/t-671-17.htm>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 94
    COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia T-969/09, 2ª Sala de Revisão, Rel. María Victoria Calle Corre, j. 18/12/2009. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2009/t-969-09.htm>. Acesso em 18 mar. 2022.
  • 95
    COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia SU-074/14, Tribunal Pleno, Rel. Mauricio González Cuervo, j. 05/02/2014. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2014/SU074-14.htm>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 96
    IGARTUA SALAVERRÍA, Juan. Motivación de las sentencias, presunción de inocencia, in dubio pro reo. In: Anuario de derechos humanos, núm. 2, 2001, p. 471IGARTUA SALAVERRÍA, Juan. La Motivación de Las Sentencias, Imperativo Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003..
  • 97
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 233/1992, 2ª Sala, Rel. Alvaro Rodríguez Bereijo, j. 14/12/1992. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/2120>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. STC n° 78/2001, 2ª Sala, Rel. Diego González Campos, j. 26/03/2001. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/ca-ES/Resolucion/Show/4374>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 98
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 30/1986, 2ª Sala, Rel. Antonio Truyol Serra, j. 20/02/1986. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/593>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 69/2001, 2ª Sala, Rel. Antonio Truyol Serra, j. 17/03/2001. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/593>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 99
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 1/1996, 2ª Sala, Rel. Tomás S. Vives Antón, j. 15/01/1996. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/3053>. Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 101/1999, 2ª Sala, Rel. Carles Viver Pi-Sunyer, j. 31/03/199. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/3843>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 100
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 61/2019, 1ª Sala, Rel. Cándido Conde-Pumpido Tourón, j. 06/05/2019. Disponível em: <https://hj.tribunalconstitucional.es/es/Resolucion/Show/25927>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 101
    COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia SU-774/14, Tribunal Pleno, Rel. Mauricio González Cuervo, j. 16/10/2014. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2014/SU774-14.htm>. Acesso em 18 mar. 2022; e COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia T-926/14, 6ª Sala de Revisão, Rel. Gloria Stella Ortiz Delgado, j. 02/12/2014. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2014/T-926-14.htm>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 102
    Conferir, nesse sentido, exemplificativamente, BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE nº 27990, 1ª Turma, Rel. Min. Afrânio Costa (Convocado), j. 24/10/1955. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=128918>. Acesso em 18 mar. 2022; e BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE nº 86.082, 2ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 16/11/1976. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=180151>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 103
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 187/2003, 1ª Sala, Rel. Pablo García Manzano, j. 27/10/2003. Disponível em: https://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/4962 . Acesso em: 18 mar. 2022; e ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 115/2006, Tribunal Pleno, Rel. Pablo Cachón Villar, j. 24/03/2006.
  • 104
    ESPANHA. Tribunal Constitucional, STC n° 340/2006, 1ª Sala, Rel. Jorge Rodríguez-Zapata Pérez, j. 11/12/2006. Disponível em: <https://www.boe.es/diario_boe/txt.php?id=BOE-T-2007-868>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 105
    COLÔMBIA. Corte Constitucional, Sentencia SU-159/02, Tribunal Pleno, Rel. Manuel José Cepeda Espinosa, j. 06/03/2002. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2002/SU159-02.htm>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 106
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AI nº 791.292 QO-RG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23/06/2010. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=613496>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 107
    Cf., nesse sentido, os excepcionais precedentes firmados nos seguintes julgamentos: BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC nº 83.864, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 20/04/2004. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79491>. Acesso em 18 mar. 2022; e BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC nº 96.356, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 24/08/2010. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=614452 . Acesso em: 18 mar. 2022. E, mais recentemente, o seguinte precedente: “A comprovação da deficiência mental da vítima, circunstância passível de ser demonstrada por perícia, constitui núcleo indispensável do tipo previsto no artigo 217, § 1º, do Código Penal, de modo que a existência de conclusões divergentes nos laudos, deixando as instâncias ordinárias de proceder à análise comparativa entre os resultados em sentido opostos, revela situação de dúvida razoável concernente à configuração do crime, que, considerado o princípio constitucional da não culpabilidade, há de ser interpretada em benefício do acusado.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC nº 170.117, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 19/05/2020. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754035067>. Acesso em: 18 mar. 2022).
  • 108
    Cf., por todos, BRASIL. Supremo Tribunal Federal, HC nº 80.320, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 19/09/2000. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=78345>. Acesso em: 18 mar. 2022; e BRASIL. HC nº 100.249-AgR, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 31/08/2010. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=618131>. Acesso em: 18 mar. 2022.
  • 109
    Cf., por todos, as seguintes decisões proferidas em julgamentos de ações penais originárias: “A presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura. Como regra de prova, a formulação mais precisa é o standard anglo saxônico no sentido de que a responsabilidade criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt), o qual foi consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP nº 676, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 17/10/2017. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14300838>. Acesso em: 18 mar. 2022); “Inexistência de provas produzidas pelo Ministério Público na instrução processual ou de confirmação em juízo de elemento seguro obtido na fase inquisitorial e apto a afastar dúvida razoável no tocante à culpabilidade do réu” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, AP nº 883, 1ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 11/05/2018. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?idDocumento=14801986>. Acesso em: 20 mar. 2022).
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Editado por

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  • Associated-editor: 1 (MKJ)

  • Reviewers: 5

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Revisado
    01 Fev 2022
  • Revisado
    14 Fev 2022
  • Revisado
    15 Fev 2022
  • Revisado
    16 Fev 2022
  • Revisado
    17 Fev 2022
  • Revisado
    22 Fev 2022
  • Revisado
    06 Mar 2022
  • Revisado
    23 Mar 2022
  • Aceito
    02 Abr 2022
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