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Percepção de atletas do rugby em cadeira de rodas sobre os apoios recebidos para a prática do esporte adaptado

Resumo

Introdução

A literatura tem atestado a relevância e influência positiva dos apoios sociais para a promoção e proteção do desenvolvimento humano em suas distintas dimensões.

Objetivo

Identificar a percepção de atletas do rugby em cadeira de rodas sobre os apoios recebidos para a prática do esporte adaptado.

Método

Os participantes foram 10 atletas com deficiência física que praticam o rugby em cadeiras de rodas. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa. As entrevistas foram realizadas individualmente por meio de um roteiro semiestruturado, gravadas e transcritas na íntegra.

Resultados

Observou-se que o primeiro contato com o esporte adaptado ocorreu por meio de amigos, jogadores e treinadores. O apoio mencionado com maior frequência para a prática do esporte adaptado refere-se ao contexto familiar. No contexto esportivo, encontram-se os apoios advindos dos clubes, equipes, staffs, treinador, time, com valorização do espaço para o treino. A motivação para a prática do esporte deu-se por desejos pessoais como busca por melhor qualidade de vida, independência física e desejo de reabilitar-se, bem como possibilidade de se desenvolver no campo pessoal, social e educativo. Os obstáculos para a prática do esporte adaptado centram-se na falta de apoio financeiro e na acessibilidade.

Conclusão

Identificou-se um conjunto de apoios distintos e complementares fundamentais para a prática do rugby, os quais se articulados constituem-se em pontos de uma rede de apoio. Sugerem-se investimentos em ações intersetoriais para incremento da política nacional para a pessoa com deficiência.

Palavras-chave:
Apoio Social; Pessoas com Deficiência; Futebol Americano; Esporte

Abstract

Introduction

The literature has demonstrated the relevance and positive influence of social support for the promotion and protection of human development in its different dimensions.

Objective

To identify the perception of wheelchair rugby athletes on the support received for the practice of adapted sports.

Method

Participants were 10 disabled athletes who practice Rugby in wheelchairs. This is a qualitative approach. The interviews were conducted individually through a semi-structured script, recorded and transcribed in full.

Results

It was observed that the first contact with the adapted sport occurred through friends, players, and coaches. The most frequently mentioned support for the practice of adapted sports refers to the family context. In the sporting context, there is the support coming from clubs, teams, staffs, coach, team, with an appreciation of space for training. The motivation for the practice of the sport was due to personal desires as a search for a better quality of life, physical independence and the desire to rehabilitate as well as the possibility to develop in the personal, social and educational field. Obstacles to the practice of adapted sports focus on the lack of financial support and accessibility.

Conclusion

It was identified as a set of distinct and complementary supports fundamental to the practice of Rugby, which if articulated constitute points of a support network. It is suggested to invest in cross-sectional actions to increase the national policy for people with disabilities.

Keywords:
Self-Help Groups; Disabled Persons; Rugby; Sport

1 Introdução

O esporte paraolímpico caracteriza-se por englobar modalidades esportivas adequadas às pessoas com deficiência, uma vez que são realizadas adaptações e/ou modificações para facilitar esta prática (REINA; MENAYO; SANZ, 2011REINA, R.; MENAYO, R.; SANZ, D. Cómo se organiza el deporte adaptado a las personas con discapacidad física. In: PALAU, J. et al. Deportistas sin adjetivos: el deporte adaptado a las personas con discapacidad física. Madrid: Cromagraf., 2011. p. 117-132.). O Comitê Paraolímpico Internacional aprovou 23 modalidades para os jogos paraolímpicos de verão: esgrima em cadeira de rodas, atletismo, futebol de cinco, futebol de sete, halterofilismo, basquetebol em cadeira de rodas, bocha, judô, canoagem, tênis de mesa, ciclismo de estrada, tiro com arco, ciclismo de pista, goalball, tiro esportivo, hipismo, natação, tênis em cadeira de rodas, remo, triatlo, vela, vôlei sentado e rugby em cadeira de rodas (INTERNATIONAL..., 2015INTERNATIONAL PARALYMPIC COMMITTEE – IPC. Bonn, 2015. Disponível em: <http://www.paralympic.org/the-ipc/history-of-the-movement>. Acesso em: 20 set. 2015.
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).

O Rugby em Cadeiras de Roda (RCR) é uma modalidade paraolímpica praticada por atletas com lesão na medula espinhal (nível cervical) ou com lesão neurológica caracterizada por um quadro clínico de tetraplegia ou tetra-equivalência. Pode-se citar como exemplo a paralisia cerebral, amputações e deformidades em quatro membros (INTERNATIONAL..., 2011INTERNATIONAL WHEELCHAIR RUGBY FEDERATION – IWRF. Canada, 2011. Disponível em: <ftp://iwrf.com/Layperson Guide to Classification.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2018.
ftp://iwrf.com/Layperson Guide to Classi...
).

Pesquisas demonstraram que a prática esportiva e a realização de atividade física pode trazer benefícios físicos, motores, sociais, psicológicos e cognitivos (GREGUOL, 2017GREGUOL, M. Atividades físicas e esportivas e pessoas com deficiência: relatório nacional de desenvolvimento humano no Brasil. Brasília: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2017. Disponível em: <http://movimentoevida.org/wp-content/uploads/2017/09/Atividades-Fi%CC%81sicas-e-Esportivas-e-Pessoas-com-deficiencias.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2018.
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), diminuição da aterosclerose causada pela lesão na medula espinhal (MATOS-SOUZA et al., 2013MATOS-SOUZA, J. R. et al. Physical activity is associated with improved subclinical atherosclerosis in spinal cord injury subjects independent of variation in traditional risk factors. International Journal of Cardiology, Amsterdam, v. 167, n. 2, p. 592-593, 2013. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijcard.2012.09.222. PMid:23103140.
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), melhora do condicionamento cardiovascular (FAGHER; LEXELL, 2014FAGHER, K.; LEXELL, J. Sports-related injuries in athletes with disabilities. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, Copenhagen, v. 24, n. 5, p. e320-e331, 2014. http://dx.doi.org/10.1111/sms.12175. PMid:24422719.
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) e reabilitação e inclusão social (SILVA et al., 2013SILVA, A. A. C. et al. Esporte adaptado: abordagem sobre os fatores que influenciam a prática do esporte coletivo em cadeira de rodas. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 27, n. 4, p. 679-687, 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S1807-55092013005000010.
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).

Embora a literatura seja extensa ao apontar os benefícios da prática do esporte adaptado, Fagher e Lexell (2014)FAGHER, K.; LEXELL, J. Sports-related injuries in athletes with disabilities. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, Copenhagen, v. 24, n. 5, p. e320-e331, 2014. http://dx.doi.org/10.1111/sms.12175. PMid:24422719.
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afirmam que a participação em esportes também aumenta o risco de lesões como trauma agudo ou lesão por uso excessivo. Os autores apontam que para um atleta com deficiência a lesão também pode ter consequências mais graves em comparação com um atleta fisicamente apto. Willick et al. (2013)WILLICK, S. E. et al. The epidemiology of injuries at the London 2012 Paralympic Games. British Journal of Sports Medicine, London, v. 47, n. 7, p. 426-432, 2013. http://dx.doi.org/10.1136/bjsports-2013-092374. PMid:23515713.
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, por meio de um estudo de coorte prospectivo, caracterizaram a incidência e a natureza das lesões durante os Jogos Paraolímpicos de Verão de 2012 em Londres e concluíram que as maiores taxas de lesões encontradas foram no futebol de Cinco, seguidas pelo levantamento de peso, goalball, esgrima em cadeira de rodas, rugby em cadeira de rodas, atletismo e judô.

Acredita-se que para a prática do esporte adaptado e permanência nessa ocupação são necessárias ações efetivas de uma rede de apoio. Pesquisas têm sido desenvolvidas com o intuito de identificar como estão constituídas as “redes de apoio” das pessoas com deficiência e como estas podem contribuir para facilitar o acesso aos serviços de saúde, reabilitação, inclusão social e implementação de políticas públicas (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, K. S. Q. S. A relevância das redes de apoio social no processo de reabilitação. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, Paraíba, v. 13, n. 2, p. 69-78, 2010.; BITTENCOURT et al., 2011BITTENCOURT, Z. Z. L. C. et al. Surdez, redes sociais e proteção social. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, p. 769-776, 2011. Suplemento 1. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000700007. PMid:21503423.
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; AOKI; OLIVER; NICOLAU, 2011AOKI, M.; OLIVER, F. C.; NICOLAU, S. M. Considerações acerca das condições de vida das pessoas com deficiência a partir de um levantamento em uma unidade básica de saúde de um bairro periférico do município de São Paulo. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 169-178, 2011.; HOLANDA et al., 2015HOLANDA, C. M. D. A. et al. Support networks and people with physical disabilities: social inclusion and access to health services. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 175-184, 2015. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014201.19012013.
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; BRIGNOL, 2015BRIGNOL, P. Rede de apoio à criança com deficiência física. 2015. 94 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal de São Catarina, Florianópolis, 2015.; FREIRE et al., 2019FREIRE, G. L. M. et al. Percepção da qualidade de vida em atletas de atletismo e natação paralímpica. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional., São Carlos, v. 27, n. 2, p. 384-389, 2019. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao1775
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).

Olivieri (2003OLIVIERI, L. A importância histórico-social das redes. [S.l.: s.n.], 2003. Disponível em: <formacaoredefale.pbworks.com/f/A%20Import%C3%A2ncia%20Hist%C3%B3rico-social%20das%20Redes.rtf>. Acesso em: 10 abr. 2012., p. 1) afirma que a palavra “rede” ganhou novos significados ao longo do tempo, sendo empregada em situações distintas:

Redes são sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições, de forma democrática e participativa, em torno de causas afins. Estruturas flexíveis e estabelecidas horizontalmente, as dinâmicas de trabalho das redes supõem atuações colaborativas e se sustentam pela vontade e afinidade de seus integrantes, caracterizando-se como um significativo recurso organizacional para a estruturação social.

Neste sentido, para a prática do esporte adaptado, apoios de natureza social, material, afetiva e emocional são necessários para o sucesso nesta ocupação. O apoio social é definido como “[...] qualquer informação, falada ou não, e/ou auxílio material oferecido por grupos e/ou pessoas que se conhecem e que resultam em efeitos emocionais e/ou comportamentos positivos” (VALLA, 1999VALLA, V. V. Educação popular, saúde comunitária e apoio social numa conjuntura de globalização. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, p. 7-14, 1999. Suplemento 2. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1999000600002. PMid:10578073.
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, p. 10). O apoio material refere-se ao acesso dos indivíduos aos serviços e aos recursos materiais; o apoio de ordem afetiva envolve expressões de amor e afeição; o apoio emocional está relacionado com a empatia, carinho, amor, confiança, estima, afeto, escuta e interesse (MINKLER, 1985MINKLER, M. Building supportive ties and sense of community among the innercity elderly: the Tenderloin Outreach Project. Health Education Quarterly, New York, v. 12, n. 4, p. 303-314, 1985. PMid:4077543.). Para Holanda et al. (2015HOLANDA, C. M. D. A. et al. Support networks and people with physical disabilities: social inclusion and access to health services. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 175-184, 2015. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014201.19012013.
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, p. 176) “[...] o conjunto dos apoios permutados pelas pessoas inseridas num determinado contexto social constitui uma rede de apoio social”.

Um estudo nacional divulgado na forma de relato de experiência desenvolvido, a partir de um projeto de extensão na Universidade Estadual de Campinas sobre o “rugby” em cadeira de rodas, revela apoios, no contexto universitário, para a prática desse esporte. Em síntese, os apoios ofertados ocorreram na forma de treinamentos planejados, avaliações e jogos específicos para cada classe funcional. A partir dos apoios ofertados, houve a criação de uma nova equipe frente ao aumento da demanda e aumento do nível técnico e, ainda para aumentar a qualidade do apoio, contou-se com o trabalho de uma equipe multidisciplinar, parcerias com associações esportivas e criação de uma associação de esporte adaptado (PENA et al., 2014PENA, L. G. S. et al. O “rugby” em cadeira de rodas no âmbito da universidade: relato de experiência da Universidade Estadual de Campinas. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 28, n. 4, p. 661-669, 2014. http://dx.doi.org/10.1590/1807-55092014000400661.
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).

Embora se tenha localizado esse estudo nacional, observa-se uma prevalência de pesquisas desenvolvidas sobre a temática do rugby em cadeira de rodas na perspectiva orgânica, fisiológica e de desempenho, como, por exemplo: avaliação da influência do treinamento de rugby em cadeira de rodas a longo prazo sobre as habilidades funcionais de pessoas com tetraplegia durante um período de 2 anos pós lesão medular (FURMANIUK; CYWIŃSKA-WASILEWSKA; KACZMAREK, 2010FURMANIUK, L.; CYWIŃSKA-WASILEWSKA, G.; KACZMAREK, D. Influence of long-term wheelchair rugby training on the functional abilities in persons with tetraplegia over a two-year post-spinal cord injury. Journal of Rehabilitation Medicine, Stockholm, v. 42, n. 7, p. 688-690, 2010. http://dx.doi.org/10.2340/16501977-0580. PMid:20603700.
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); descrição dos aspectos técnicos e táticos do Rugby em Cadeira de Rodas e oferta de indicações de como trabalhá-los para um melhor rendimento do time (CAMPANA et al., 2011CAMPANA, M. B. et al. O Rugby em Cadeira de Rodas: aspectos técnicos e táticos e diretrizes para seu desenvolvimento. Motriz, Rio Claro, v. 17, n. 4, p. 748-757, 2011. http://dx.doi.org/10.1590/S1980-65742011000400020.
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); determinação da base fisiológica de associações entre a função autonômica, a Classificação da Federação Internacional de Rugby em Cadeira de Rodas (IWRF) e os índices de desempenho de exercício em atletas altamente treinados (WEST; ROMER; KRASSIOUKOV, 2013WEST, C. R.; ROMER, L. M.; KRASSIOUKOV, A. Autonomic function and exercise performance in elite athletes with cervical spinal cord injury. Medicine and Science in Sports and Exercise, Madison, v. 45, n. 2, p. 261-267, 2013. http://dx.doi.org/10.1249/MSS.0b013e31826f5099. PMid:22914247.
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); fornecimento de indicativos para o treinamento de rugby em cadeira de rodas (RCR), a partir das alterações fisiológicas, neuromusculares e bioquímicas, características dos atletas com lesão na medula espinhal (CAMPOS et al., 2013CAMPOS, L. F. C. C. et al. Rugby em cadeira de rodas: aspectos relacionados à caracterização, controle e avaliação. Conexões: Revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, Campinas, v. 11, n. 4, p. 72-89, 2013. http://dx.doi.org/10.20396/conex.v11i4.8637591.
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) e investigação dos efeitos longitudinais do treinamento em rugby em cadeira de rodas (WR) na composição corporal de indivíduos com tetraplegia (GORLA et al., 2016GORLA, J. I. et al. Impact of wheelchair rugby on body composition of subjects with tetraplegia: A pilot study. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, Reston, v. 97, n. 1, p. 92-96, 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.apmr.2015.09.007. PMid:26433046.
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). A partir destes achados, nota-se que poucos estudos foram realizados sobre os apoios ofertados para a prática, acesso e permanência do RCR.

Nesse sentido, o presente estudo busca identificar a percepção dos atletas do rugby em cadeira de rodas sobre o fenômeno relativo aos apoios que constituem ou se constituíram a rede de suporte para a prática do RCR. Além disso, busca-se conhecer, a partir do relato dos próprios atletas, aspectos que impactaram o acesso e a permanência ao esporte adaptado.

2 Método

2.1 Características de pesquisa

Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória caracterizada pelo uso da abordagem qualitativa (GIL, 2008GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008.).

Quando estamos lidando com problemas pouco conhecidos e a pesquisa é de cunho exploratório, este tipo de investigação parece ser o mais adequado. Quando o estudo é de caráter descritivo e o que se busca é o entendimento do fenômeno como um todo, na sua complexidade, é possível que uma análise qualitativa seja a mais indicada. Ainda quando a nossa preocupação for a compreensão da teia de relações sociais e culturais que se estabelecem no interior das organizações, o trabalho qualitativo pode oferecer interessantes e relevantes dados. Nesse sentido, a opção pela metodologia qualitativa se faz após a definição do problema e do estabelecimento dos objetivos da pesquisa que se quer realizar (GODOY, 1995GODOY, A. S. Introdução a pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 57-63, 1995. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75901995000200008.
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, p. 63).

2.2 Considerações éticas

Esta pesquisa respeitou e cumpriu as prerrogativas da resolução nº 466/2012 (BRASIL, 2012BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Trata de pesquisas e testes em seres humanos. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 dez. 2012.), garantido aos participantes sigilo e anonimato, sendo aprovada pelo comitê de ética em pesquisa em seres humanos sob o nº 1.888.237. Os participantes receberam e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido com todas as informações sobre a pesquisa.

2.3 Local e participantes

Participaram da pesquisa 10 atletas praticantes do rugby em cadeira de rodas. A pesquisa foi realizada dentro das instalações de um evento que sediou uma Copa de Rugby em Cadeira de Rodas em uma cidade localizada no interior do estado de São Paulo1 1 Participaram da pesquisa atletas de três clubes. Em geral, a constituição das equipes de rugby varia entre 7 a 15 atletas. Uma amostra por conveniência foi composta, a partir do aceite dos atletas em participar da entrevista (n=10). O nome dos clubes foram omitidos para não identificação dos participantes. .

2.4 Instrumento de coleta de dados

Para atender o objetivo da pesquisa, foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado com questões abertas. Este roteiro teve por objetivo coletar informações sobre a percepção dos atletas que praticam o RCR sobre os apoios recebidos para a prática do esporte adaptado. A potência e pertinência do roteiro foram previamente testadas e analisadas em etapa preliminar da coleta de dados (LUDKE; ANDRÉ, 1986LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986.; MINAYO, 1996MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 1996.).

O roteiro, elaborado por Becerra (2018)BECERRA, M. A. G. Percepção de atletas sobre os apoios sociais ofertados para prática do rugby em cadeira de rodas. 2018. 75 f. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2018., ficou composto por 3 blocos temáticos. O Bloco 1 contém questões relacionadas à caracterização dos participantes versando sobre gênero, idade, grau de escolaridade e tempo praticando o RCR, o bloco 2 contemplou temáticas direcionadas às experiências com o esporte adaptado, destacando-se o primeiro contato com o RCR e a motivação para prática esportiva e o bloco 3 abarcou assuntos relacionados com os apoios (familiar, político, governamental) recebidos para iniciar a prática do esporte adaptado, apoios recebidos ao longo da trajetória esportiva e obstáculos enfrentados para a prática do esporte.

Para o preparo da aplicação do roteiro, foram realizadas sessões para o treino e familiarização do pesquisador com o roteiro. Nestas oportunidades, refletiu-se sobre a adequação, estrutura e sequência das questões, bem como o aprimoramento das formas de registro, adaptação e treino da língua portuguesa2 2 Importante considerar que o autor do presente estudo realizou a pós graduação na UFSCar / PPGEES por meio do “Programa de Becas OEA-GCUB 2015”, sendo sua língua materna, o espanhol. Cabe ressaltar que, na etapa da coleta de dados caso os participantes tivessem dificuldade de compreender as perguntas, o pesquisador mostrava a pergunta escrita, em português, para o participante. , buscando-se assim o controle das possíveis variáveis intervenientes na fase de coleta.

2.5 Procedimento de coleta e análise de dados

Os dados foram coletados a partir da realização de entrevistas individuais. Primeiramente, ocorreu um contato inicial com os clubes que participariam da copa. Os clubes que aceitaram participar da pesquisa informaram o agendamento das entrevistas com os atletas que consentiram ser entrevistados. As entrevistas tiveram duração média de 15 minutos e foram realizadas em dois dias da copa. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. As transcrições foram auxiliadas integralmente por um auxiliar de pesquisa com domínio da língua portuguesa, a fim de dirimir dúvidas.

A sistematização dos dados foi realizada na perspectiva qualitativa (LUDKE; ANDRÉ, 1986LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986.; MINAYO, 1996MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 1996.) e a análise dos dados baseou-se nos passos indicados por Alves e Silva (1992ALVES, Z. M. M. B.; SILVA, M. H. G. F. D. Análise qualitativa de dados de entrevista: uma proposta. Paidéia, Ribeirão Preto, n. 2, p. 61-69, 1992., p. 66): a) “Impregnação pelos dados” durante as leituras; b) Realização de anotações “para que nada se perca”; c) “Partilha dos dados” com diferentes pesquisadores para “checagem” das formas de compreensão, explicação e interpretação das respostas advindas da verbalização dos participantes; d) Estabelecimento de relações entre o conteúdo expresso nas falas, a experiência do pesquisador e o pensamento registrado; e) Investigação de “regularidades e diferenças nas respostas”: respostas diferentes podem apresentar “o mesmo fundamento” e respostas iguais podem significar “fundamentos diferentes”; f) “Aprofundamento dos dados” em relação à estrutura, tema e afunilamento de tópicos.

Para melhor compreensão dos dados, a seção de resultados foi dividida em 4 tópicos. O primeiro tópico acena para o primeiro contato com o esporte adaptado. O segundo tópico refere-se à motivação para realizar o esporte adaptado. O terceiro tópico é referente à percepção dos atletas sobre quais foram os apoios mais importantes para a prática do esporte adaptado. O quarto tópico traz dados sobre os obstáculos existentes para a prática do esporte adaptado.

3 Resultados

Participaram do estudo atletas que praticam o rugby em cadeiras de rodas em três clubes distintos3 3 Por questões éticas não foram revelados os nomes dos clubes e associações. , cuja caracterização em termos de escolaridade, idade e tempo de esporte encontra-se descrita a seguir. A Tabela 1 apresenta a caracterização dos participantes.

Tabela 1
Caracterização dos participantes.

Em síntese, a amostra ficou composta por 10 atletas do sexo masculino, com deficiência física, na faixa etária compreendida entre 25 a 39 anos que praticam esporte adaptado no mínimo há 1 ano e no máximo há 8 anos. Todos os participantes são integrantes de clubes/ associação de ordem pública e encontravam-se inseridos, no momento da pesquisa, em três clubes, no âmbito de uma Copa de Rugby em Cadeira de Rodas. O grau de escolaridade dos participantes variou de nenhuma escolaridade (n=1) até Ensino Superior (n=5).

3.1 Primeiro contato com o Rugby em Cadeiras de Roda

A Tabela 2 mostra informações sobre como ocorreu o primeiro contato dos participantes com o RCR, apresenta elementos facilitadores e contextos que permitiram o acesso ao esporte. São apresentadas ilustrações por meio de trechos das entrevistas transcritas.

Tabela 2
Primeiro contato com Rugby em Cadeiras de Roda.

Os dados da Tabela 2 demonstram que o primeiro contato com o esporte adaptado foi promovido para quatro participantes pelos contatos estabelecidos por meio de amigos (P4, P7, P8, P10). Nesta pesquisa, esta variável apresentou-se como facilitadora para o ingresso em uma associação/clube.

Os equipamentos de saúde, como os hospitais e clínicas de reabilitação, se constituíram em 02 casos (P5 e P3) como fonte de acesso ao esporte adaptado. Vídeos e filmes foram outros facilitadores que impactaram dois atletas (P6 e P2). O clube foi o equipamento que possibilitou P9 ter acesso ao esporte. Outro fator que permitiu um participante (P1) ter acesso à realização de um esporte adaptado foi um programa municipal intitulado “Programa Superar”.

Há uma diversidade de fontes de acesso ao Rugby em Cadeira de Rodas, o que pode ser interpretado como algo positivo. Essas fontes ampliam as possibilidades de encaminhamento da pessoa com deficiência física para o esporte e, por outro lado, ilustram que não há uma política clara que define a “porta” que dá acesso ao esporte adaptado.

3.2 Motivação para a prática do Rugby em Cadeiras de Roda

A Tabela 3 apresenta dados relativos à motivação dos participantes para a prática do esporte adaptado e os efeitos da motivação na vida diária.

Tabela 3
Motivação para praticar Rugby em Cadeiras de Roda.

Conforme os dados obtidos na Tabela 3, nota-se que as motivações dos atletas se situam predominantemente no campo da realização de um desejo pessoal (n=9), sendo a melhora da saúde, da condição física, da qualidade de vida e o desejo de reabilitar-se as mais relatadas.

Outras motivações relativas à vida pessoal também foram apontadas, como, por exemplo, ter a possibilidade de mudar o estilo de vida ou mesmo a possibilidade de praticar atividade física ou um esporte. Outros relatos referem-se a ter independência física por meio da prática do esporte adaptado e da pratica de esporte de alto rendimento. Na prática do esporte adaptado também surge como possibilidade desenvolver o campo pessoal da socialização e educação, conhecendo novos lugares, cidades e times.

3.3 Percepção sobre os apoios importantes para a prática do RCR

Os dados a seguir apresentados, na Tabela 4, trazem informações relativas à percepção dos participantes sobre os apoios mais importantes para a prática de um esporte adaptado.

Tabela 4
Identificação dos apoios e contextos mais importantes mencionados pelos atletas para a prática do RCR.

Os dados apresentados na Tabela 4 informam que os atletas, na sua grande maioria, identificaram mais de um apoio importante para a prática do esporte adaptado. No contexto familiar (n=5), o pai e a mãe foram os membros da família identificados como mais valorizados, ainda que “família” e “membros familiares”, citados de forma generalizada, também estiveram presentes. O apoio no âmbito familiar esteve relacionado ao apoio financeiro e emocional (“empurrãozinho”).

No contexto esportivo (n=3), encontram-se os apoios advindos dos clubes, equipes, staffs, patrocínio, treinador e time. Nota-se ainda a valorização do espaço para treino, das explicações financeiras passadas entre clube e atletas, oferta de academia e técnico para treinamentos.

No contexto social, encontra-se o apoio dos amigos (n=1). Foi citada a importância do apoio ofertado por profissionais especializados e capacitados para promover o esporte adaptado. No contexto governamental encontra-se o apoio da “Bolsa Atleta”.

Em síntese, os tipos de apoios mencionados são os de ordem emocional, financeira, infraestrutura, instrumental, informativos e social, sendo que os apoios citados com maior frequência são o “emocional” e o “financeiro”.

3.4 Obstáculos mais frequentes para a prática do RCR

A Tabela 5 a seguir ilustra os principais obstáculos para a prática do RCR descritos e identificados por alguns participantes.

Tabela 5
Percepção dos participantes sobre os obstáculos mais frequentes para a prática do RCR.

Em síntese, os obstáculos identificados com maior frequência foram a dificuldade financeira (n= 3) e a falta de acessibilidade (n=2). Outros relatos referem-se à situação de sair pela primeira vez de casa para conhecer o esporte (n=1) e a distância para se deslocar até o local do treino (n=1). Dois participantes relataram que há uma variedade de obstáculos para a prática do RCR e dois participantes não souberam ou quiseram responder essa pergunta.

4 Discussão

O tema da presente pesquisa centra-se em identificar a percepção de atletas do rugby em cadeira de rodas sobre os apoios recebidos para o acesso e a permanência nesse esporte a partir da importância de redes de colaboração. Para tanto, foram explorados, no conjunto de questões que compuseram as entrevistas, o acesso à prática do esporte adaptado, a motivação, a percepção dos participantes em relação aos principais apoios recebidos e obstáculos. A partir dos dados obtidos, a hipótese do estudo se confirma, uma vez que foi identificada a necessidade de ações efetivas de uma rede de apoio de natureza social, instrumental e emocional para a população.

Holanda et al. (2015)HOLANDA, C. M. D. A. et al. Support networks and people with physical disabilities: social inclusion and access to health services. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 175-184, 2015. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014201.19012013.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320142...
destacaram que as pessoas da família nuclear se apresentaram como fortes redes de apoio para as pessoas com deficiência física. Além disso, identificaram que as pessoas com deficiência física têm dificuldades na ampliação de relações sociais extrafamiliares devido à dificuldade de acessibilidade. Estes dados vão ao encontro do que fora identificado no presente estudo, no sentido da importância do estabelecimento das redes de apoio para as pessoas com deficiência física.

No presente estudo, tanto para o acesso quanto para a permanência não foram identificadas redes de colaboração pactuadas formalmente, o que denota ausência de políticas públicas intersetoriais na atenção às necessidades de pessoas adultas com deficiência física. Esse achado corrobora com o estudo de Pancoto (2016)PANCOTO, H. P. O esporte nas políticas públicas de inclusão social para pessoas com deficiência, no Brasil. 2016. 119 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016. sobre o esporte nas políticas públicas de inclusão social para pessoas com deficiência no Brasil e com o estudo de Mauerberg de Castro et al. (2016MAUERBERG DE CASTRO, E. et al. Fatores que afetam a carreira esportiva de alto rendimento do atleta com deficiência: uma análise crítica. Revista da Associação Brasileira de Atividade Motora Adaptada, Marília, v. 17, n. 2, p. 23-30, 2016., p. 25).

O problema no cenário do esporte adaptado é que as instituições públicas, instituições não governamentais e o setor privado estão longe de materializar um sistema de políticas públicas realistas e democráticas que resultem em soluções práticas [...].

Importa, entretanto, destacar a diversidade de pontos que compõem a rede de acesso das pessoas à prática do RCR associada à motivação para o exercício dessa ocupação. Assim, os resultados trazem a forte presença dos familiares/ amigos e dos equipamentos de saúde aliado ao desejo pessoal.

No que se refere à motivação, Dosil et al. (2004)DOSIL, J. et al. Psicología de la actividad física y del deporte. Madrid: McGraw-Hill, 2004. destaca, de forma especial, sua relação com o esporte e afirma que a motivação é o motor do esporte. O autor estabelece a relação da motivação com o ingresso, permanência e abandono da prática esportiva.

A partir dos resultados obtidos, sugere-se que o acesso à rede de apoio seja efetivado por meio de três pontos: núcleo familiar/amigos, setor da saúde e dos esportes. Acredita-se que o desenvolvimento de ações intersetoriais favoreça o acesso das pessoas à prática do RCR por possibilitar a conectividade.

A compreensão da dinâmica da conectividade (propriamente, a dinâmica de rede) passa ainda pelo exame de mais uma característica da curiosa dialética ponto-e-linha no âmbito da rede. Cada conexão representa sempre um par de pontos, pois uma ligação só pode se estabelecer na medida da existência de dois elementos a serem ligados. Nesse sentido, uma linha vale por dois pontos. Em compensação, cada ponto pode manter uma infinidade de linhas que se projetam dele; pode possuir tantas linhas quantos forem os demais pontos pertencentes à rede a que ele estiver ligado (WWF-BRASIL, 2003WWF-BRASIL. Redes: uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-organização. Brasília: WWF, 2003., p. 18).

Dois conjuntos de respostas foram fundamentais para identificação dos pontos da rede que favorecem a permanência do atleta do RCR nesse esporte: um deles trata dos apoios citados como relevantes para a prática do RCR e o outro trata dos obstáculos.

Em relação aos apoios, as “pessoas-chave” que ofertaram suporte para os participantes dessa pesquisa no processo de permanência no RCR foram os familiares, amigos pessoais, profissionais da área da saúde, os técnicos, os companheiros de time e os staffs. Na pesquisa de Fitzgerald e Kirk (2009)FITZGERALD, H.; KIRK, D. Identity work: young disabled people, family and sport. Leisure Studies, London, v. 28, n. 4, p. 469-488, 2009. http://dx.doi.org/10.1080/02614360903078659.
http://dx.doi.org/10.1080/02614360903078...
a maioria das famílias ofereceu apoio contínuo para a prática esportiva do jovem com deficiência, compreendendo os benefícios que o esporte implica para o desenvolvimento social. Outros benefícios do esporte para a pessoa com deficiência referem-se ao aumento de relações sociais favoráveis à integração e normalização, desenvolvimento de atitudes, competição de valores e ocupação de tempo livre (RODRÍGUEZ MARTIN, 2015RODRÍGUEZ MARTIN, L. M. Las personas con discapacidad y su integración en el deporte. Espanha: Universidad de La Laguna, 2015.).

Observou-se que a prática do RCR, além de ampliar as ocupações da pessoa com deficiência física, expande suas relações para outros contextos de desenvolvimento como o familiar, clínico, social e esportivo e favorece, assim, a permanência no esporte por permitir que os atletas acessem os apoios de ordem emocional, financeira, infraestrutura, instrumental, informativo e social. Um destaque é dado pelos atletas à necessidade de suportes financeiro e emocional. Para dar conta da diversidade de apoios necessários para permanência no RCR, um conjunto de pontos deve compor a rede, para manter a motivação conforme relatado pelos atletas: família, clubes, programas governamentais e profissionais especializados.

O surgimento das redes ocorre quando um propósito comum consegue aglutinar diferentes atores e convocá-los para a ação. O elemento de coesão das redes é uma ideia-força, uma tarefa, um objetivo. Algo que parece frágil como princípio organizacional, mas quando potencializado pela ação voluntária se constitui num poderoso agente de transformação (WWF-BRASIL, 2003WWF-BRASIL. Redes: uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-organização. Brasília: WWF, 2003., p. 50).

Em relação aos obstáculos, as maiores barreiras constituem-se nas financeiras e as de acessibilidade. Outro destaque é dado para a necessidade de adequação de espaço físico, como rampas nas quadras, oferta de academia, ausência de bolsas e ausência de recursos financeiros próprios para se manter no esporte. Cardoso (2011CARDOSO, V. D. A reabilitação de pessoas com deficiência através do desporto adaptado. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 33, n. 2, p. 529-539, 2011. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32892011000200017.
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32892011...
, p. 536) afirma que para iniciar e se manter em uma modalidade esportiva adaptada muito ainda precisa ser conquistado:

[...] destaca-se a formação profissional para atuação com pessoas com deficiência, que ainda carece de incremento na qualidade; melhorias e concretizações em prol da inclusão, e também em termos de oportunidades de prática desportiva, que percebe-se que indivíduos com deficiência ainda encontram muitas dificuldades e se deparam com falta de apoio, acessibilidade e preconceito para começar e se manter realizando uma modalidade desportiva adaptada.

Para eliminar tais barreiras sugere-se também o desenvolvimento de ações em rede, assim como já acenado, nesse estudo, para o acesso à prática do RCR. Para além dos núcleos familiar/amigos, setor da saúde e dos esportes, outro ponto a ser considerado na rede é o apoio governamental. Dessa forma, são necessárias articulações intersetoriais com as políticas públicas de saúde, com as políticas esportivas e com as políticas sociais do país.

Nesse período de virada de século e de milênio, a sociedade civil potencializa sua organização em iniciativas, cujos atores envolvidos percebem a colaboração participativa como um meio eficaz de realizar transformações sociais. As instituições do terceiro setor têm procurado desenvolver ações conjuntas, operando nos níveis local, regional, nacional e internacional, contribuindo para uma sociedade mais justa e democrática. Para tanto, e a partir de diversas causas, a sociedade civil se organiza em redes para a troca de informações, articulação institucional e política e para a implementação de projetos comuns. As experiências têm demonstrado as vantagens e os resultados de ações articuladas e projetos desenvolvidos em parcerias e alianças (OLIVIERI, 2003OLIVIERI, L. A importância histórico-social das redes. [S.l.: s.n.], 2003. Disponível em: <formacaoredefale.pbworks.com/f/A%20Import%C3%A2ncia%20Hist%C3%B3rico-social%20das%20Redes.rtf>. Acesso em: 10 abr. 2012., p. 56).

Diante dos dados obtidos e do diálogo realizado com a literatura, reafirma-se a importância da pactuação entre serviços e pessoas para a construção e conexão dos pontos que compõem a rede de apoio para a prática do rugby em cadeiras de rodas.

5 Considerações Finais

O presente estudo trouxe informações sobre os apoios fundamentais para a prática do esporte adaptado a partir da percepção de atletas que praticam o rugby em cadeira de rodas, possibilitando a identificação de pontos que compõem uma possível rede como um sistema organizacional que favorece a prática desse esporte. Nesse sentido, foi possível identificar os contextos de relacionamento dos atletas no cotidiano, os atores que deles participam e as necessidades e obstáculos para a prática do RCR.

O apoio advindo da família, amigos, profissionais da saúde e de pessoas do ambiente esportivo mostrou-se estratégico, a partir da percepção dos atletas, para seu desenvolvimento e engajamento na prática do RCR. A falta de acessibilidade e problemas financeiros apresentou-se como os maiores obstáculos para a prática do RCR, demandando ações governamentais.

Nessa perspectiva, foi possível identificar um conjunto de apoios distintos e complementares fundamentais para a prática do RCR, os quais, se articulados, constituem-se em pontos (nós) de uma rede de apoio. Dessa forma, sugerem-se investimentos em ações intersetoriais para incremento da política nacional para a pessoa com deficiência, a partir do fortalecimento dos processos de comunicação entre os setores identificados na presente pesquisa.

  • 1
    Participaram da pesquisa atletas de três clubes. Em geral, a constituição das equipes de rugby varia entre 7 a 15 atletas. Uma amostra por conveniência foi composta, a partir do aceite dos atletas em participar da entrevista (n=10). O nome dos clubes foram omitidos para não identificação dos participantes.
  • 2
    Importante considerar que o autor do presente estudo realizou a pós graduação na UFSCar / PPGEES por meio do “Programa de Becas OEA-GCUB 2015”, sendo sua língua materna, o espanhol. Cabe ressaltar que, na etapa da coleta de dados caso os participantes tivessem dificuldade de compreender as perguntas, o pesquisador mostrava a pergunta escrita, em português, para o participante.
  • 3
    Por questões éticas não foram revelados os nomes dos clubes e associações.
  • Fonte de Financiamento CAPES.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2018
  • Revisado
    03 Dez 2018
  • Revisado
    10 Abr 2019
  • Aceito
    04 Jun 2019
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