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(Des)Conexões entre justiça ocupacional e justiça social: uma entrevista com Gail Whiteford1 1 A Professora Gail Whiteford está atualmente trabalhando como Professora Estratégica da Allied Health and Community Wellbeing for New South Wales Health and Charles Sturt University, na Austrália. Ela tem extensa experiência em pesquisa local e internacional e em atividades educacionais, incluindo o Projeto Narrativas Ocupacionais, da Federação Mundial de Terapeutas Ocupacionais (em tradução livre). e Lilian Magalhães 2 2 A Professora Lilian Magalhães está, atualmente, trabalhando no Departamento de Terapia Ocupacional e no Programa de Pós-graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil, e é Professora Emérita na Western University of Ontario, Canadá. Sua investigação tem se centrado, sobretudo, na relação entre a imigração e a dimensão ocupacional da saúde e das condições de trabalho por meio de metodologias de investigação visual.

Desde a sua criação, no final da década de 1990 (Townsend & Wilcock, 2004Townsend, E., & Wilcock, A. (2004). Occupational justice and client-centred practice: a dialogue in progress. Canadian Journal of Occupational Therapy, 71(2), 75-87. http://dx.doi.org/10.1177/000841740407100203.
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), a justiça ocupacional tornou-se um conceito central a ser considerado dentro da terapia ocupacional e da ciência ocupacional (Durocher et al., 2014Durocher, E., Gibson, B. E., & Rappolt, S. (2014). Occupational justice: a conceptual review. Journal of Occupational Science, 21(4), 418-430. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2013.775692.
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; Malfitano et al., 2016Malfitano, A. P. S., Gomes da Mota de Souza, R., & Esquerdo Lopes, R. (2016). Occupational justice and its related concepts: an historical and thematic scoping review. OTJR, 36(4), 167-178. http://dx.doi.org/10.1177/1539449216669133.
http://dx.doi.org/10.1177/15394492166691...
; Hammell, 2017Hammell, K. R. W. (2017). Critical reflections on occupational justice: toward a rights-based approach to occupational opportunities: réflexions critiques sur la justice occupationnelle: vers une approche des possibilités occupationnelles fondée sur les droits. Canadian Journal of Occupational Therapy, 84(1), 47-57. http://dx.doi.org/10.1177/0008417416654501.
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). Embora a conversa (discussão, debate, diálogo) em torno da justiça ocupacional tenha começado no Mundo Ocidental, alguns países não anglo-saxões têm nomeado suas práticas em terapia ocupacional a partir de um conceito chamado “justiça social” (Guajardo, 2021Guajardo, A. (2021). About new forms of colonization in occupational therapy. Reflections on the idea of occupational justice from a critical-political philosophy perspective. British Journal of Occupational Therapy, 28(4), 1365-1381. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF2175.
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; Lopes & Malfitano, 2021Lopes, R. E., & Malfitano, A. P. S. (2021). Social Occupational Therapy: Theoretical and practical designs. Philadelphia: Elsevier.).

A justiça ocupacional é definida como “[...] o acesso e a participação em toda a gama de ocupações significativas e enriquecedoras oferecidas a outros, incluindo oportunidades de inclusão social e recursos para participar de ocupações para satisfazer necessidades pessoais, de saúde e sociais [...]” (American Occupational Therapy Association, 2020American Occupational Therapy Association. (2020). Occupational therapy practice framework domain and process-fourth edition. American Journal of Occupational Therapy, 74(Suppl 2), 7412410010p1-7412410010p87. https://doi.org/10.5014/ajot.2020.74S2001.
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, p. 79). Por outro lado, a “justiça social” é concebida para abordar “[...] objetivos sociais importantes, seja agindo de maneira adequada a um mundo equitativo e solidário, respeitando a dignidade humana, ou criando uma sociedade inclusiva [...]” (Hocking, 2017Hocking, C. (2017). Occupational justice as social justice: the moral claim for inclusion. Journal of Occupational Science, 24(1), 29-42. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2017.1294016.
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, p. 29).

Os conceitos de justiça social e ocupacional têm sido progressivamente debatidos no campo da terapia ocupacional sobre a possibilidade de serem traduzidos de forma realista na prática profissional (Guajardo, 2021Guajardo, A. (2021). About new forms of colonization in occupational therapy. Reflections on the idea of occupational justice from a critical-political philosophy perspective. British Journal of Occupational Therapy, 28(4), 1365-1381. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF2175.
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; Hammell & Beagan, 2017Hammell, K. R. W., & Beagan, B. (2017). Occupational injustice: a critique. Canadian Journal of Occupational Therapy, 84(1), 58-68. http://dx.doi.org/10.1177/0008417416638858.
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). Esses debates são vistos como uma oportunidade para desenvolver ainda mais os conceitos mencionados, ao invés de induzir potenciais conflitos e, por isso, este Editorial visa examiná-los através de uma conversa reflexiva. Além disso, ao incorporarmos o debate sobre justiça social, também apontamos a importância de considerar a diversidade de teorias - conceitos, ideias e linguagens - que informam as práticas e pesquisas de terapeutas ocupacionais, globalmente.

Com base na relevância desses conceitos, propusemos esta edição especial: “Construindo argumentos críticos sobre justiça ocupacional e justiça social nas práticas de terapia ocupacional”. Os objetivos desta edição especial são demonstrar como os terapeutas ocupacionais abordam globalmente os direitos à participação inclusiva no cotidiano para todas as pessoas e explicitar as oportunidades para os terapeutas ocupacionais inserirem tais debates em suas práticas, das tradicionais até as menos conhecidas.

Este editorial pretende conhecer os pensamentos e opiniões em torno da justiça ocupacional e justiça social de duas pesquisadoras do campo da ciência ocupacional e da terapia ocupacional, através da abordagem “entrevistas com especialistas”, que visa colher conhecimento e explorar um conceito em estudo (Meuser & Nagel, 2009Meuser, M., & Nagel, U. (2009). The expert interview and changes in knowledge production. In A. Bogner, B. Littig & W. Menz (Eds.), Interviewing Experts. Research Methods Series (pp. 17-42). London: Palgrave Macmillan.). Para isso, convidamos as professoras: Gail Whiteford e Lilian Magalhães para participar de uma entrevista simultânea. Elas foram escolhidas porque seus caminhos de pesquisa estão relacionados aos conceitos em discussão e, também, porque estão estrategicamente localizadas em diferentes lugares geográficos, Gail na Austrália e Lilian no Brasil (sendo que Lilian ainda mantém uma relação próxima com o Canadá). A entrevista foi conduzida por pesquisadores de terapia ocupacional localizados no Chile/Austrália (DCJ), Brasil (PB) e Filipinas (MS). Embora compartilhem o interesse em terapia ocupacional e temáticas sociais, suas pesquisas abordaram o tema a partir de diferentes perspectivas.

Nesta entrevista, abordamos o tema central da justiça ocupacional e sua relação com o conceito de justiça social. Além disso, ambas as entrevistadas abordaram a necessidade de uma análise histórica, socioeconômica e política mais situada para o uso de conceitos gerais nos campos da terapia ocupacional e da ciência ocupacional. Reproduzimos a seguir trechos da transcrição da entrevista. As perguntas estão em itálico para diferenciá-la das respostas das entrevistadas, que estão nomeadas como “GW” para Gail Whiteford e “LM” para Lilian Magalhães.

A Entrevista

Hammell (2017Hammell, K. R. W. (2017). Critical reflections on occupational justice: toward a rights-based approach to occupational opportunities: réflexions critiques sur la justice occupationnelle: vers une approche des possibilités occupationnelles fondée sur les droits. Canadian Journal of Occupational Therapy, 84(1), 47-57. http://dx.doi.org/10.1177/0008417416654501.
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, p.47) escreveu que “[...] a justiça ocupacional (JO) é citada em toda a literatura da ciência ocupacional e da terapia ocupacional, apesar da pouca atenção acadêmica à sua definição ou à forma como as situações de justiça ocupacional são identificáveis”. a) Qual é a sua opinião sobre isso? b) Em que medida você sente que os tipos de JO ajudam a entender, identificar, explorar: privação, marginalização, desequilíbrio, alienação, apartheid?

LM:Eu fico um pouco preocupada quando fazemos algum tipo de revisão, revisão histórica, sem entender aquele construto, o conceito que foi construído em outro tempo. Quero dizer, existem limitações sobre o conceito de justiça ocupacional como o conhecemos? É claro. Não existe a produção de um conceito bem-feito, bem conciso e que nos faça felizes. Não existe isso na produção de conhecimento! Mas, o engraçado é que em cinco ou seis artigos, de uma revisão que fiz recentemente sobre justiça ocupacional, percebi que há publicações nos últimos cinco ou seis anos, sendo que quatro artigos foram construídos fora da esfera anglófona, como no Chile, um artigo sobre casais do mesmo sexo, e um na Espanha, sobre jovens que vivem em cidades pequenas. Então, há uma grande variedade de pessoas trabalhando e produzindo um trabalho bom, sofisticado e crítico com um conceito que foi construído há mais de 20 anos, mas que ainda abre alguma possibilidade para as pessoas avançarem.

GW:Não tenho certeza do porquê a justiça ocupacional foi destacada já que, na verdade, existem muitas construções na terapia ocupacional e na ciência ocupacional que ainda estão em desenvolvimento. [...] O que precisamos fazer é a reflexividade epistêmica crítica. Precisamos nos engajar criticamente com essas construções para que estejamos sempre trabalhando nelas. As pessoas precisam fazer isso em relação aos seus contextos culturais, sociais, históricos e econômicos. Não queremos ser culpados de universalizar. Portanto, como qualquer construção, a justiça ocupacional precisa ser continuamente retrabalhada, compreendida, o que é um trabalho em andamento. Quando penso no propósito do desenvolvimento da justiça ocupacional, ela serve a um propósito muito importante tanto na terapia ocupacional quanto na ciência ocupacional. […] Eu tentei dizer isso sobre ‘privação ocupacional’, que existem maneiras muito sutis pelas quais as pessoas são privadas ocupacionalmente e são formas absolutas de privação ocupacional por causa de estruturas legislativas. Por exemplo, se você é um solicitante de asilo na Austrália, você não pode trabalhar e provavelmente nunca trabalhará, essa é uma exclusão muito difícil e é uma privação ocupacional muito real que advém disso. Mas aí tem a privação ocupacional, por exemplo, que vem da estigmatização, como ter uma doença mental crônica. Então, como sabemos, ainda precisamos desenvolver essas áreas, mas eu ainda diria que quando Wilcock as desenvolveu, essas eram ideias realmente importantes e nos permitiram pensar sobre as pessoas com quem estávamos trabalhando de uma maneira muito diferente, em contraste às maneiras que as instituições para as quais trabalhamos nos direcionaram, colocando o foco nos problemas, nas deficiências ou nas doenças.

Qual é a relação que você identifica entre os conceitos de justiça ocupacional e justiça social? Complementares, independentes, sobrepostas?

GW:Há uma diferença realmente essencial nos fundamentos da justiça social e da justiça ocupacional, simplificando, justiça social é sobre uniformidade. Queremos, em uma estrutura de justiça social, ou de visão de mundo, garantir que todas as pessoas tenham os mesmos recursos e as mesmas oportunidades. Na justiça ocupacional, estamos interessados ​​em pessoas com diferentes recursos e oportunidades em relação às suas necessidades. Essa é uma diferença realmente definidora na minha opinião. Então, se pensarmos, por exemplo, nas pessoas que recebem equipamentos de apoio porque podem ter uma deficiência - temos uma política aqui na Austrália que permite o fornecimento de equipamentos para pessoas com deficiência. Por outro lado, em uma estrutura de justiça social, todas as pessoas devem ter acesso a uma cadeira de rodas. Em [uma] estrutura de justiça ocupacional, na verdade, você saberia onde essa pessoa mora, como, por exemplo, uma propriedade remota rural com terreno muito acidentado [e inacessível] … eles precisam de um tipo diferente de cadeira de rodas. Assim, a necessidade delas é diferente; portanto, justiça ocupacional, para elas, é ter os recursos necessários para atender suas necessidades particulares naquele contexto específico […].

LM:Bem, aqui vem o problema. A justiça social é uma área bastante complexa da prática social, certo? E, como a democracia, é um conceito que entendemos como universal, todos nós temos diferentes visões sobre ela. A justiça era uma obsessão de Paulo Freire. Paulo Freire era advogado e quando começou a trabalhar rapidamente percebeu que a justiça não era para todos, tratando todos como iguais. Muito rapidamente percebeu que, porque as pessoas não sabiam ler, e ele trabalhava com elas, não poderiam se apresentar ao sistema de justiça no Brasil, e estavam assinando contratos e papéis enquanto não sabiam o que estava escrito neles. Então, eu acho que ‘justiça em contexto’, como a brasileira, é algo que nós temos um caminho longo para discutir. Também quero acrescentar que Sandra Galheigo, e um grande grupo de pensadoras no Brasil, dedicaram seu trabalho ao conceito de ‘cidadania’ – um conceito que é bastante conhecido em outros contextos. Cidadania significa que existem algumas pessoas na população, que são cidadãos plenos, têm todos os direitos, todas as possibilidades, todas as oportunidades. E existem algumas pessoas, é claro, a maioria da população, que não têm direitos – que têm direitos de segunda classe. Então, eles são “cidadãos de segunda classe”. Todo o trabalho, de Paulo Freire a Boaventura de Sousa Santos, visa a plena cidadania para todos. Na verdade, o que normalmente vemos é mais injustiça ocupacional do que justiça ocupacional. Normalmente estamos trabalhando no sentido inverso, certo? Ou seja, ainda temos um longo caminho a percorrer para transmitir esses conceitos e colocá-los na prática da terapia ocupacional.

Você considera a JO um conceito hegemônico na terapia ocupacional, ou não? E quais outros conceitos, para você, expressam melhor o campo da justiça para informar a prática dos terapeutas ocupacionais?

LM:Eu só quero fazer um pequeno comentário sobre a palavra “hegemônico”. Hegemônico significa que tem poder em si mesmo e é valorizado, e acho que alguns trabalhos estão vindo de vários lugares – trabalhos vindos da África do Sul, Chile, Austrália. Estou falando, por exemplo, sobre escolha. Estou falando de possibilidades ocupacionais, oportunidades ocupacionais. E, assim, eu não diria que é hegemônico nesse ponto, mas diria que é constitutivo. Ela [JO] constrói a disciplina da ciência ocupacional.

GW: Acho que é uma situação em que os terapeutas ocupacionais podem saber que a justiça ocupacional é importante, mas não sabem como abordá-la na prática cotidiana. Então, para mim, ainda existe uma lacuna entre ‘saber que’ e ‘saber como’, que na verdade é um dos principais propósitos desta edição especial, certo? Para ajudar as pessoas a preencherem essa lacuna entre saber que [existe] e saber como [praticar] no trabalho diário. Eu acho que uma das melhores estruturas que pode informar a prática orientada para a justiça é o conceito de “inequidades estruturais”. Tenho pensado muito e feito muito mais sobre isso nos últimos dois anos em relação a questões relativas a COVID, por exemplo, assim como com questões como os desastres naturais. As desigualdades estruturais tornam-se realmente explícitas em situações de desastres naturais e outros desastres, porque fica muito claro, nessas situações, quem são as pessoas que têm recursos e oportunidades, capital social, e aquelas que não têm. E vimos isso particularmente [e evidentemente], na minha opinião, nos Estados Unidos. Você só precisava ver quem era mais vulnerável ao COVID. Então, inequidades estruturais, pensando nas desigualdades em qualquer estado-nação em que você esteja, novamente, é muito contextualizado, e nos permite identificar, então, onde as injustiças estão ocorrendo, para podermos enfrentá-las de duas maneiras. Uma é uma “abordagem reformista”, e acho que fizemos muito disso na terapia ocupacional, onde nós, nossas ações com as pessoas, são para diminuir os efeitos das inequidades estruturais. Então, por exemplo, para uma pessoa com deficiência, podemos fazer um programa específico de treinamento de habilidades. Mas isso é reformista. Podemos adotar uma segunda abordagem que é a “reforma estrutural”. Podemos realmente mudar essas estruturas enraizadas que excluem as pessoas das formas de participação no mercado de trabalho como um todo. Agora, eu diria que, na última década, passamos realmente a combinar essas duas abordagens – reformista e estrutural.

Como você percebe a possibilidade de um diálogo sobre as conceituações de justiça ocupacional criadas entre as perspectivas de onde ela se originou (Norte Global) e como está sendo entendida ou aplicada no Sul Global?

GW: […] Eu diria que, na verdade, agora, realmente estamos em um tempo de “revisionismo ontológico”. Isso soa acadêmico, mas o ponto aqui é que agora estamos entendendo que existem muitas maneiras diferentes de compreender conceitos-chave e suas construções. Mas o que é importante é que todos nós permanecemos criticamente reflexivos… que estamos todos neste projeto colaborativo onde precisamos nos manter… firmemente fixados à medida que avançamos no futuro. Eu gostaria de acrescentar – não temos espaço para entrar nisso – mas eu, assim como Lilian, gostaria de nos ver focando na cidadania. Eu acho que na cidadania... na estrutura da cidadania, nós nos igualamos com as pessoas com quem trabalhamos. Somos pessoas, eles são pessoas, compartilhamos nossos conhecimentos e habilidades em um continuum. […]. No Chile, assim como na Bolívia, os terapeutas ocupacionais trabalham com pessoas da comunidade com doença mental de longa data. O trabalho deles se concentra… em apoiar aquelas pessoas a contribuírem para a nova Constituição chilena, porque eles veem a si mesmos como cidadãos do país e isso era sua responsabilidade. Acredito que seja uma abordagem muito apropriada do que devemos fazer, que eles devem fazer! Então, essa é minha palavra final – a cidadania é o nosso caminho para sair disso – eles, nós, clientes, pacientes, o que for. Somos todos pessoas. Somos cidadãos. Vamos trabalhar juntos pela transformação social.

LM:Tenho evitado a expressão “diálogo internacional”, porque diálogo internacional significa diálogo entre nações. A questão está nos diálogos globais, porque dentro dessas nações, mesmo as muito ricas, você também tem injustiça social. Eu tenho escrito por um tempo sobre um diálogo global. Acabamos de escrever um comentário na edição especial do Journal of Occupational Science contra o racismo – que eu gosto muito (Magalhães et al., 2021Magalhães, L., Farias, L., Rivas-Quarneti, N., Alvarez, L., & Malfitano, A. P. S. (2021). Commentary on “The development of occupational science outside the Anglophone sphere: enacting global collaboration”. Journal of Occupational Science, 28(3), 425-434. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2021.1899746.
http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2021....
). Tenho trabalhado em como conseguimos manejar a linguagem, como conseguimos construir algumas pontes, conseguimos fazer o que Boaventura de Sousa Santos chama de “tradução intercultural”, como falamos uns com os outros, como conseguimos construir um diálogo que seja capaz de avaliar o que está acontecendo em um país muito complexo e diversificado como Austrália, Brasil, países da Ásia. Como podemos realmente estabelecer essa conversa? E neste comentário que citei temos uma lista de recomendações. O diálogo está melhorando, mas ainda temos um longo caminho a percorrer para realmente construir uma discussão global, um diálogo global. O bom é que já começamos. Temos melhorado e estou bastante orgulhosa da maneira como isso está se formando.

Alguns Pontos de Reflexão

A entrevista com Gail Whiteford e Lilian Magalhães traz perspectivas e abre muitas oportunidades para refletir sobre as implicações da justiça ocupacional para a nossa prática. Por meio deste editorial, gostaríamos de convidar os leitores a continuar explorando da ideia de utilizar a justiça ocupacional e a justiça social na profissão. A discussão da entrevista confirmou que a “justiça ocupacional” é um conceito em pleno desenvolvimento situado e, em alguns casos, pode ser negligenciado dentro e fora do espaço da terapia ocupacional. Como leitor dessa edição, considere: a “justiça ocupacional” e/ou a “justiça social” é um conceito adotado por terapeutas ocupacionais em seu país ou em ambiente de prática local?

A entrevista também articulou o conceito de cidadania para esta discussão. A compreensão do conceito de cidadania transcende sua compreensão no interior da terapia ocupacional, alinhando-se proximamente com as práticas emergentes. Quando a ideia de cidadania está incorporada na formulação de políticas, no desenvolvimento de práticas e na definição de resultados, pode ser mais possível reduzir as tensões potenciais entre justiça ocupacional/social e terapia ocupacional. Como leitor dessa edição, considere: como a “cidadania” está sendo definida em seu país? E como você aplica essa definição em sua própria prática em saúde e na assistência social? Ou no seu dia a dia? Expanda essa reflexão para a vida de seus públicos destinatários.

Este editorial não pretende dar uma resposta final ao uso e compreensão do conceito de justiça (social e ocupacional) dentro da terapia ocupacional (a disciplina). Em vez disso, oferece uma rica oportunidade para reflexão e consideração de várias questões que atualmente estão criando algumas das (des)conexões dentro de nossa profissão. Considerar a teoria e a prática com cuidado e continuar refletindo como indivíduo, cidadão e terapeuta ocupacional poderia ser um caminho a seguir.

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    A Professora Gail Whiteford está atualmente trabalhando como Professora Estratégica da Allied Health and Community Wellbeing for New South Wales Health and Charles Sturt University, na Austrália. Ela tem extensa experiência em pesquisa local e internacional e em atividades educacionais, incluindo o Projeto Narrativas Ocupacionais, da Federação Mundial de Terapeutas Ocupacionais (em tradução livre).
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    A Professora Lilian Magalhães está, atualmente, trabalhando no Departamento de Terapia Ocupacional e no Programa de Pós-graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil, e é Professora Emérita na Western University of Ontario, Canadá. Sua investigação tem se centrado, sobretudo, na relação entre a imigração e a dimensão ocupacional da saúde e das condições de trabalho por meio de metodologias de investigação visual.
  • Como citar: Castro de Jong, D., Sy, M. P., Twinley, R., Lim, K. H., & Borba, P. L. O. (2022). (Des)Conexões entre justiça ocupacional e justiça social: uma entrevista com Gail Whiteford e Lilian Magalhães. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30(spe), e30202202. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoED302022021

Referências

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  • Durocher, E., Gibson, B. E., & Rappolt, S. (2014). Occupational justice: a conceptual review. Journal of Occupational Science, 21(4), 418-430. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2013.775692
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Editado por

Editores de seção

Michael Sy
Patricia Leme de Oliveira Borba

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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