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Festa e ocupação: uma análise ocupacional dos bailes da saudade1 1 A pesquisa foi avaliada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, a partir do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 38485020.0.0000.5504 e aprovado conforme parecer 4.420.240.

Resumo

Introdução

Existem profundas relações entre as festas Brega e a cidade de Belém do Pará, Brasil, manifestadas em práticas cotidianas que influenciam as características culturais, performáticas e identitárias da cidade. Essas festas são realizadas semanalmente e informam três atores principais: festeiros, bregueiros e DJs. Mesmo amplamente validadas na periferia, as festas Brega enfrentam processos de marginalização social de suas práticas, sendo atribuídas noções depreciativas aos modos de viver e às ações cotidianas dos sujeitos envolvidos com esse movimento. Dentre as festas de Brega, destacamos nesse trabalho o Baile da Saudade, o qual concentra características mais ligadas ao movimento inicial do Brega em Belém.

Objetivo

Identificar os significados de ocupar-se das/nas festas de Baile da Saudade com base na perspectiva dos principais atores.

Método

A pesquisa, de natureza qualitativa e inspirada por abordagem etnográfica, ouviu cinco participantes: um DJ, dois festeiros e dois bregueiros. Os dados foram gerados através de observação participante, entrevistas semiestruturadas e por meio de Photovoice. Os recursos foram analisados por meio de Análise Temática.

Resultados

Foram geradas quatro unidades temáticas que informam as particularidades do Baile da Saudade, a construção da festa enquanto produto cultural, as diferenciações de consumo entre o Centro e a Periferia da cidade, bem como estigmas e aceitações associados ao Baile.

Conclusão

O estudo revelou os condicionantes, as tensões e os potenciais de ocupar-se das/nas festas de Baile da Saudade, bem como permitiu refletir sobre algumas ocupações humanas a partir de perspectiva contra hegemônica.

Palavras-chave:
Ocupação; Atividade Cultural; Estigma Social; Terapia Ocupacional

Abstract

Introduction

There are deep relationships between Brega parties and the city of Belém do Pará, Brazil, manifested in everyday practices that influence the city’s cultural, performance and identity characteristics. These parties are held weekly and inform three main actors: partygoers, bregueiros, and DJs. Even though they are widely validated in the periphery, the Brega parties face processes of social marginalization of their practices, with derogatory notions attributed to the ways of living and everyday actions of the subjects involved with this movement. Among the Brega parties, this study highlights the Baile da Saudade, which concentrates on characteristics more linked to the initial Brega movement.

Objective

To identify the meanings of producing/participating in the Baile da Saudade parties based on the perspective of its main actors.

Method

This qualitative study, which was inspired by an ethnographic approach, heard five participants: one DJ, two party planners, and two bregueiros. The data was generated through participant observation, semi-structured interviews, and the Photovoice. The resources were analyzed by Thematic Analysis.

Results

Four thematic units were generated: particularities of the Baile da Saudade, construction of the party as a cultural product, differences in consumption between the Center and the Periphery of city, as well as stigmas and acceptance associated with this party.

Conclusion

The study revealed the constraints, tensions, and potentials of producing/participating in Baile da Saudade parties, and allowed reflection on the role of some occupations from the counter-hegemonic perspective.

Keywords:
Occupation; Cultural Activity; Social Stigma; Occupational Therapy

Minha Gente, Vamos Festar? Contexto e Significados das Festas de Brega em Belém do Pará

Meu amor vem se mantendo apesar das estações, tanto tempose fazendo o lado triste das paixões. Foram folhas com Outono,mas ficou o meu amor, que me faz perder o sono, que me fazdeitar com a dor, que me faz perder o sono, que me faz deitar com a dor [...].

Luiz Guilherme-Apesar das Estações. Flash

Brega anos 80. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3bQTw78ks9A

A cidade de Belém do Pará é um cenário fértil para a expressão artística do gênero Brega. Práticas realizadas a partir desse gênero favorecem o desenho cultural, identitário e performático dessa cidade (Azevedo, 2019Azevedo, R. J. (2019). Derivas do brega paraense: escutas em tempos e lugares múltiplos (Tese de doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.; Coelho, 2022Coelho, F. S. (2022). O circuito bregueiro de Belém do Pará: compreendendo a dimensão ocupacional dos bailes da saudade (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.). Dentre essas práticas, destacamos as festas de Brega, denominadas de prática cultural por causa das suas características marcantes de representações sociais e de sociabilidade (Costa, 2009Costa, A. M. D. (2009). A festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Belém: EDUEPA.).

As características gerais das festas de Brega alinham-se à ideia de circuito por congregarem atividades aparentemente distintas, mas que em conjunto são reconhecidas por seus usuários habituais (Costa, 2008Costa, A. M. D. (2008). Os bailes da “Saudade” e do “Passado”: atualidades do circuito bregueiro de Belém do Pará. Revista Ponto Urbe, 3(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.4000/pontourbe.1800.
http://dx.doi.org/10.4000/pontourbe.1800...
; Magnani, 2002Magnani, J. G. (2002). De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 17(49), 11-29. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092002000200002.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092002...
). As festas no circuito bregueiro estão majoritariamente situadas na periferia da cidade e acontecem semanalmente em casas de shows, sedes beneficentes e balneários. Os eventos podem ser animados por Bandas de Brega ou por estruturas de som chamadas aparelhagens2 2 Grandes estruturas sonoras e de iluminação que animam as festas de Brega. (Figura 1), comandadas por DJs. Segundo Costa (2009)Costa, A. M. D. (2009). A festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Belém: EDUEPA., existem personagens fundamentais para a produção e manutenção dessas festas: os festeiros, promotores das festas ou empresários donos das casas de festas; os bregueiros, pessoas que dançam o Brega e os DJs, sujeitos responsáveis por animar as festas.

Figura 1
Aparelhagem utilizada no Baile da Saudade. Fonte: Acervo da pesquisa (2021).

Há várias opções de festas animadas por aparelhagens, que podem ser descritas em dois grandes grupos: 1. Festas de aparelhagem que tocam os Bregas mais atuais, que têm adolescentes e jovens como seu principal público (Costa, 2009Costa, A. M. D. (2009). A festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Belém: EDUEPA.; Vilhena, 2012Vilhena, A. P. M. P. (2012). “Eles são os considerados do setor”: uma etnografia sobre sociabilidade e consumo entre jovens das equipes nas festas de aparelhagem em Belém do Pará (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém.); 2. Festas de Baile da Saudade, caracterizadas pela reprodução dos Bregas mais antigos, de sonorização típica, com dança de pares realizada de maneira mais lenta. O principal público dessas festas são adultos e idosos (Coelho, 2022Coelho, F. S. (2022). O circuito bregueiro de Belém do Pará: compreendendo a dimensão ocupacional dos bailes da saudade (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Costa, 2008Costa, A. M. D. (2008). Os bailes da “Saudade” e do “Passado”: atualidades do circuito bregueiro de Belém do Pará. Revista Ponto Urbe, 3(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.4000/pontourbe.1800.
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).

As festas de Baile da Saudade são enfocadas neste trabalho por serem consideradas, dentro do circuito, como as mais próximas ao movimento inicial do Brega em Belém do Pará, bem como em razão de seu crescimento com o aumento das aparelhagens destinadas a esse tipo de evento e da participação do público mais jovem.

Os Bailes da Saudade são eventos originários da década de 1990, marcados pelo saudosismo ao evocar a memória ou reedição de festas Brega de décadas passadas (Costa, 2008Costa, A. M. D. (2008). Os bailes da “Saudade” e do “Passado”: atualidades do circuito bregueiro de Belém do Pará. Revista Ponto Urbe, 3(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.4000/pontourbe.1800.
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). Os Bregas, Boleros, Cúmbias e Merengues da década de 1960, 70, 80 e 90 são os principais gêneros reproduzidos nas seleções musicais dos DJs (Castro, 2020Castro, F. F. (2020). Música, temporalidade e emoção nos bailes da saudade de Belém, Pará, Brasil. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 19(57), 111-121.; Costa, 2008Costa, A. M. D. (2008). Os bailes da “Saudade” e do “Passado”: atualidades do circuito bregueiro de Belém do Pará. Revista Ponto Urbe, 3(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.4000/pontourbe.1800.
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).

Ainda que as festas de Brega sejam amplamente validadas e consumidas na periferia de Belém, historicamente, o gênero Brega sofre processos de marginalização no Brasil (Amaral, 2009Amaral, P. M. G. (2009). Estigma e cosmopolitismo na constituição de uma música popular urbana de periferia: etnografia da produção do tecnobrega em Belém do Pará (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.). Esse fenômeno pode estar ligado ao sentido depreciativo à palavra Brega, associado às zonas de prostituição, músicas reproduzidas no interior de prostíbulos e comportamentos moralmente inaceitáveis do final século 19 e início do século 20 (Amaral, 2009Amaral, P. M. G. (2009). Estigma e cosmopolitismo na constituição de uma música popular urbana de periferia: etnografia da produção do tecnobrega em Belém do Pará (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Ferreira, 1999Ferreira, A. B. H. (1999). Novo Aurélio século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.). Esses sentidos depreciativos são frequentemente reafirmados pela elite branca dos grandes centros urbanos, bem como pela elite do meio artístico que subestima a arte popular, pois o gênero e suas representações têm origem nas periferias (Amaral, 2009Amaral, P. M. G. (2009). Estigma e cosmopolitismo na constituição de uma música popular urbana de periferia: etnografia da produção do tecnobrega em Belém do Pará (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Lima, 2016Lima, M. B. (2016). Das bordas para o centro: brega ou erudito! O que era gênero, virou ritmo? Revista do Centro de Estudos da Oralidade,2, 20-31.). Ao Baile da Saudade são atribuídas noções preconceituosas referentes aos modos de viver, de mau gosto estético, sentidos ligados a algo ultrapassado, caricato e ignorante ao público consumidor, promotor e animador dos Bailes (Amaral, 2009Amaral, P. M. G. (2009). Estigma e cosmopolitismo na constituição de uma música popular urbana de periferia: etnografia da produção do tecnobrega em Belém do Pará (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Bastos et al., 2009Bastos, I. F. G., Melo, L. R. S., Maués, J. P., Cruz, R. R., & Silva, S. C. A. F. (2009). A resistência pela memória: um estudo do grupo cultural constituído por freqüentadores de bailes da saudade em Belém. In Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Org.), Anais do 32º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (pp. 4-7). Curitiba, Brasil: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.; Lima, 2016Lima, M. B. (2016). Das bordas para o centro: brega ou erudito! O que era gênero, virou ritmo? Revista do Centro de Estudos da Oralidade,2, 20-31.). Essa estigmatização também afeta as ocupações desenvolvidas a partir dessas festas, sendo favorecida por padrões culturais hegemonicamente impostos (Coelho, 2022Coelho, F. S. (2022). O circuito bregueiro de Belém do Pará: compreendendo a dimensão ocupacional dos bailes da saudade (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Por meio das festas podemos compreender dinâmicas sociais e ocupacionais que estão condicionadas a relações de poder (Perez, 2012Perez, L. F. (2012) Festa para além da festa. In L. Amaral, W. Mesquita & L. F. Perez (Orgs.), Festa como e em perspectiva (pp. 21-42). Rio de Janeiro: Garamond.; Pyatak & Muccitelli, 2011Pyatak, E., & Muccitelli, L. (2011). Rap music as resistive occupation: constructions of black American identity and culture for performers and their audiences. Journal of Occupational Science, 18(1), 48-61. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2011.554154.
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). Nessa perspectiva, as festas podem auxiliar a compreensão de problemáticas individuais e coletivas da vida em sociedade (Perez, 2012Perez, L. F. (2012) Festa para além da festa. In L. Amaral, W. Mesquita & L. F. Perez (Orgs.), Festa como e em perspectiva (pp. 21-42). Rio de Janeiro: Garamond.). Dentre as finalidades das festas, Amaral (1998)Amaral, R. (1998). As mediações culturais da festa. Mediações-Revista de Ciências Sociais, 3(1), 13-22. http://dx.doi.org/10.5433/2176-6665.1998v3n1p13.
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destaca a negação ou destruição das estruturas sobre as quais a sociedade é organizada; ou reafirmação dos modos pelos quais é organizada. Em paralelo, Castro Júnior (2008)Castro Júnior, L. V. (2008). Campos de visibilidade da capoeira baiana: as festas populares, as escolas de capoeira, o cinema e a arte (1955-1985) (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. aponta que as festas não se restringem pelo tempo disponível oposto ao mundo do trabalho. A festa também pode ser a produção estratégica de cultura para protagonizar fazeres plurais, a representação das sociabilidades entre sujeitos, a ligação entre passado e presente e a resistência contra a exploração do trabalho (Castro Júnior, 2008Castro Júnior, L. V. (2008). Campos de visibilidade da capoeira baiana: as festas populares, as escolas de capoeira, o cinema e a arte (1955-1985) (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.; Martín-Barbero, 1997Martín-Barbero, J. (1997). Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.). Para além das finalidades propostas por Amaral (1998), aAmaral, R. (1998). As mediações culturais da festa. Mediações-Revista de Ciências Sociais, 3(1), 13-22. http://dx.doi.org/10.5433/2176-6665.1998v3n1p13.
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festa não interrompe o cotidiano, mas pode renovar o seu sentido de continuidade, acompanhada de dinâmicas que reconhecem a pertença, a identidade, a subjetividade e tantos outros aspectos (Martín-Barbero, 1997Martín-Barbero, J. (1997). Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.).

Ainda que estudos ocupacionais que se aprofundem sobre os fenômenos das festas sejam escassos, é fundamental considerar o protagonismo das ocupações humanas para a produção e manutenção de práticas festivas, por meio das quais sujeitos coletivos escrevem suas narrativas de vida (Pyatak & Muccitelli, 2011Pyatak, E., & Muccitelli, L. (2011). Rap music as resistive occupation: constructions of black American identity and culture for performers and their audiences. Journal of Occupational Science, 18(1), 48-61. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2011.554154.
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; Simaan, 2017Simaan, J. (2017). Olive Growing in Palestine: a decolonial ethnographic study of collective daily-forms-of-resistance. Journal of Occupational Science, 24(4), 510-523. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2017.1378119.
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). A partir da perspectiva da Ciência Ocupacional Crítica, refletimos que as ocupações humanas possuem atravessamentos socioeconômicos e políticos articulados por contextos macro, meso e microssociais, e podem ser validadas ou invalidadas culturalmente (Dickie et al., 2006Dickie, V., Cutchin, M. P., & Humphry, R. (2006). Occupation as transactional experience: a critique of individualism in occupational science. Journal of Occupational Science, 13(1), 83-93. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2006.9686573.
http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2006....
; Rudman, 2013Rudman, D. L. (2013). Enacting the critical potential of occupational science: problematizing the ‘individualizing of occupation’. Journal of Occupational Science, 20(4), 298-313. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2013.803434.
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).

O fazer possibilita aos indivíduos produzir suas festividades e estruturar suas vidas; portanto, este estudo objetiva elucidar os significados de ocupar-se das/nas festas de Baile da Saudade baseados na perspectiva dos seus principais atores.

A Metodologia na Pista

Realizamos um estudo qualitativo3 3 A pesquisa foi avaliada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (CEP- UFSCar), a partir do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 38485020.0.0000.5504, e aprovada conforme o parecer nº 4.420.240. , inspirado na abordagem etnográfica, com cinco pessoas ativas nas festas de Baile da Saudade: dois festeiros, um DJ e dois bregueiros, entre janeiro e abril de 2021. Os participantes receberam nomes fictícios para preservar suas identidades, a destacar: Mauro e Lúcio (Festeiros), Júnior (DJ) e Edilson e Valdilene (Bregueiros).

Procedimentos para a produção de dados

Utilizamos observação participante, entrevistas semiestruturadas e Photovoice. O Photovoice é um método de investigação participativa que objetiva, principalmente, a expressão da realidade vivida por indivíduos, grupos ou comunidades pelo uso da fotografia, evidenciando o protagonismo de suas interpretações (Berinstein & Magalhães, 2009Berinstein, S., & Magalhães, L. (2009). A study of the essence of play experience to children living in Zanzibar, Tanzania. Occupational Therapy International, 16(2), 89-106. http://dx.doi.org/10.1002/oti.270.
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; Wang & Burris, 1997Wang, C., & Burris, M. A. (1997). Photovoice: concept, methodology, and use for participatory needs assessment. Health Education & Behavior, 24(3), 369-387. http://dx.doi.org/10.1177/109019819702400309.
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). Recomenda-se que o Photovoice seja desenvolvido em nove etapas: 1. Identificação as demandas comunitárias; 2. Convocação dos participantes; 3. Aprendizagem da técnica; 4. Orientações para o uso da câmera, bem como sobre os aspectos éticos de imagem; 5. Distribuição das câmeras para o registro das imagens mediante temas norteadores; 6. Identificação das fotografias registradas; 7. Discussão grupal sobre as fotografias e identificação de problemas; 8. Encaminhamento das propostas elencadas por líderes; 9. Estratégias para o compartilhamento de imagens e planos de ação para mudanças das demandas encontradas (Wang & Burris, 1997Wang, C., & Burris, M. A. (1997). Photovoice: concept, methodology, and use for participatory needs assessment. Health Education & Behavior, 24(3), 369-387. http://dx.doi.org/10.1177/109019819702400309.
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).

Etapa 1: Convite aberto, via redes sociais, a participantes com vasta experiência nos Bailes da Saudade, por meio de amostragem não probabilística intencional, seguido da técnica Bola de Neve (Pires, 2008Pires, A. (2008). Amostragem e pesquisa qualitativa: ensaio teórico e metodológico. In J. Poupart, J. P. Deslauriers, L. H. Groulx, A. Laperriére, R. Mayer & A. Pires (Eds.), A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos (pp. 154-211). Petrópolis: Vozes.; Vinuto, 2014Vinuto, J. (2014). A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Revista Temáticas, 22(44), 203-220. http://dx.doi.org/10.20396/tematicas.v22i44.10977.
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). Esse processo foi facilitado pelo fato da primeira autora ser participante desses eventos há bastante tempo, reconhecendo os atores principais. Os cinco participantes atenderam aos critérios de inclusão: ter mais de 18 anos, residir em Belém ou região metropolitana e considerar-se participante ativo dos Bailes da Saudade;

Etapa 2: Via aplicativo de mensagem (WhatsApp), a primeira autora explicou brevemente os objetivos da pesquisa, as etapas metodológicas e o agendamento para a primeira entrevista com cada participante;

Etapa 3: Presencialmente, explicou-se detalhadamente o objetivo do estudo e as etapas da geração de dados. Por fim, os participantes foram esclarecidos a respeito do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e assinaram o documento. Posteriormente, iniciamos a entrevista semiestruturada, na qual os participantes puderam caracterizar o envolvimento ocupacional nos Bailes da Saudade do Circuito Bregueiro. Ao final, os procedimentos para o Photovoice foram descritos.

Etapa 4: Os participantes enviaram as fotografias registradas via aplicativo WhatsApp. Em seguida, a primeira autora realizou uma triagem técnica das fotos, excluindo as com pouca nitidez e aquelas que não se relacionavam diretamente aos Bailes da Saudade. Também foram considerados os aspectos éticos, evitando a identificação não autorizada de pessoas e locais. A partir da impressão das fotografias selecionadas, agendou-se um último encontro para finalizar as etapas do Photovoice.

Etapa 5: Os participantes puderam narrar as histórias de cada fotografia selecionada. Das 149 fotos enviadas, 17 foram selecionadas.

Etapa 6: A primeira autora realizou a observação participante com registros no diário de campo das cenas de dois Bailes da Saudade localizados na periferia de Belém. Os registros buscaram contemplar o olhar ocupacional sobre as dinâmicas de funcionamento das festas.

Em virtude da pandemia de COVID-19, os dados foram gerados respeitando-se as medidas sanitárias preconizadas (Organização Mundial da Saúde, 2020Organização Mundial da Saúde - OMS. (2020). Recomendações sobre o uso de máscaras no contexto da COVID-19: orientações provisórias. Genebra: OMS.). Equipamentos de proteção individual e distanciamento social foram utilizados tanto pela primeira autora quanto pelos participantes nas raras oportunidades em que se encontraram presencialmente. O Photovoice foi realizado individualmente com os participantes.

As entrevistas foram transcritas literalmente. Os dados foram analisados pelo método da Análise Temática (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101.). A Tabela 1 descreve brevemente os participantes:

Tabela 1
Apresentação dos participantes de pesquisa.

Cinco categorias temáticas explicitam a dimensão ocupacional das festas de Baile da Saudade, das quais destacamos quatro para este artigo: 1. Particularidades do fenômeno Baile da Saudade; 2. Raiz sociocultural regional: o Baile da Saudade enquanto produto cultural; 3. Práticas de Consumo no Baile da Saudade: dessemelhanças entre Centro e Periferia e 4. Estigma e aceitação do Baile da Saudade.

Conhecendo a Festa por Dentro, o Que as/os Participantes Disseram

Particularidades do fenômeno Baile da Saudade

A narrativa dos participantes revelou aspectos característicos das festas de Baile da Saudade. A partir disso, refletimos sobre as ocupações humanas enquanto camada fundamental para tal prática. As dinâmicas de funcionamento da festa revelam uma curiosa rede de significações em torno da música Brega e de seus desdobramentos artísticos e culturais que levam as pessoas a participarem do evento (Coelho, 2022Coelho, F. S. (2022). O circuito bregueiro de Belém do Pará: compreendendo a dimensão ocupacional dos bailes da saudade (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.). O Baile da Saudade (Figura 2) é estruturado mediante ações que promovam o envolvimento coletivo e o entretenimento popular (Costa, 2008Costa, A. M. D. (2008). Os bailes da “Saudade” e do “Passado”: atualidades do circuito bregueiro de Belém do Pará. Revista Ponto Urbe, 3(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.4000/pontourbe.1800.
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). Para tanto, planejamentos semanais em ritmo frenético são desenvolvidos no interior do circuito bregueiro para a produção de uma boa festa. As festas ocorrem semanalmente: algumas iniciam-se no final da tarde, estendendo-se para a noite, enquanto outras se iniciam e desenvolvem ao longo do período noturno. Existe concorrência entre casas de festas e aparelhagens visando a maior atração do público nos dias em comum dos eventos:

Figura 2
A festa de Baile da Saudade. Fonte: Coelho (2022)Coelho, F. S. (2022). O circuito bregueiro de Belém do Pará: compreendendo a dimensão ocupacional dos bailes da saudade (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos..

A festa começa muito antes da festa propriamente dita. Daqui a duas semanas a gente vai programar uma festa, pra ter uma noção que isso é muito tempo pra gente, mas pra uma questão de festa não, porque tem evento de Show que a organização dura 6 meses, mas pra uma festa de aparelhagem não, 2 semanas já é muito tempo (Mauro-Festeiro).

A produção dos eventos aciona diversas estratégias que empreendem ocupações e pessoas com funções específicas. Para o Baile da Saudade, a boa festa revela, principalmente, o maior grau de envolvimento do público com o evento. Esse envolvimento é caracterizado nas ocupações de dançar o Brega, ouvir o Brega, cantar as músicas, socializar com amigos e pares, entre outros. De acordo com Amaral (1998)Amaral, R. (1998). As mediações culturais da festa. Mediações-Revista de Ciências Sociais, 3(1), 13-22. http://dx.doi.org/10.5433/2176-6665.1998v3n1p13.
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, as festas precisam de critérios para serem produzidas. Apenas a presença do público não garante a promoção de uma boa festa, mas sim a participação. Isso ilumina o fato de que os produtores do Baile da Saudade acionam diversas estratégias para atrair o público, como escolha dos melhores dias, aparelhagens e casas de festas, promoções de bebidas e de entradas, qualidade no atendimento, etc. A participação é um fator que diferencia as festas do espetáculo, como os festivais, por exemplo, pois o grau de envolvimento dos participantes pode garantir ou não o sucesso da festa (Amaral, 1998Amaral, R. (1998). As mediações culturais da festa. Mediações-Revista de Ciências Sociais, 3(1), 13-22. http://dx.doi.org/10.5433/2176-6665.1998v3n1p13.
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).

Nesse sentido, identificamos no fenômeno do estudo a presença fundamental das várias ocupações para o desenvolvimento, organização e manutenção de uma prática festiva. Essas ocupações estão presentes antes, durante e após os eventos e sinalizam a presença de um determinado grupo que escreve sua historicidade no mundo (Coelho, 2022Coelho, F. S. (2022). O circuito bregueiro de Belém do Pará: compreendendo a dimensão ocupacional dos bailes da saudade (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

O grupo participante desta pesquisa, que é formado majoritariamente por adultos residentes na periferia da cidade, apresenta diversas escolhas para o envolvimento no evento. Segundo a narrativa dos participantes, a preferência pelo Baile da Saudade relaciona-se ao apreço pela “dança colada e cadenciada de pares” (Figura 3), à música antiga - sobretudo os Bregas antigos, à segurança e tranquilidade da festa, ao encontro com a rede de amigos e à importância cultural do gênero Brega na região:

Figura 3
Dança de pares colados no Baile da Saudade. Fonte: Coelho (2022)Coelho, F. S. (2022). O circuito bregueiro de Belém do Pará: compreendendo a dimensão ocupacional dos bailes da saudade (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos..

Eu tenho preferência pelo Baile da Saudade porque é mais gostoso de dançar o Baile [...] é mais legal, mais tranquilo. As pessoas que eu gosto também gostam de frequentar o Baile [...]. A gente não vê coisas que a gente vê em outros tipos de festa que eu já frequentei. Em outras festas rola muita droga [...]. Eu não gosto, tem briga! No Baile da Saudade é raro tu ver uma confusãozinha [...] (Valdilene-Bregueira).

A minha preferência pelo Baile da Saudade é porque eu vi um crescimento no Baile [...]. O Baile da Saudade veio muito forte e eu resolvi me empenhar, eu resolvi estudar, me aprofundar mais ainda pra ver até onde eu ia chegar (Júnior-DJ).

As preferências pela festa apresentadas pelos participantes alinham-se à noção de Escolha Ocupacional proposta por Galvaan (2015)Galvaan, R. (2015). The contextually situated nature of occupational choice: marginalised Young adolecents’ experiences in South Africa. Journal of Occupational Science, 22(1), 39-53. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2014.912124.
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, sendo que essas escolhas não necessariamente são condicionadas por perspectivas individuais e ambientais. Fatores que fogem ao comando do sujeito interferem em quais ocupações estão disponíveis para o engajamento, gerando processos de iniquidades, principalmente referentes a grupos estigmatizados.

As escolhas ocupacionais feitas pelos participantes sofrem influências de uma rede sociocultural e de mercado, principalmente situada na periferia, que tende a valorizar as ocupações em torno do Baile da Saudade. Ainda que fora da rede supracitada possam ser encontrados sentidos depreciativos à festa, caracterizando-a como ultrapassada, de mau gosto, entre outros, é nos núcleos periféricos que, culturalmente, valores e crenças positivas são construídos. Os motivos que levam à preferência por essas festas, e revelados nas narrativas dos sujeitos, evidenciam a cena cultural e coletiva das festas. Revela-se ainda a curiosa ambivalência espaço-temporal de uma prática majoritariamente relacionada às periferias e com apelo às “coisas” do passado.

Segundo os participantes, o envolvimento com a festa Baile da Saudade produz significados expressos por sentimentos de felicidade, pertença, diminuição de sintomas emocionais, realizações pessoais e compartilhamento de experiências entre amigos:

Por meio do Brega, do Baile da Saudade, eu estou realizando os meus sonhos. Já era pra eu ter carro, moto, mas queria uma aparelhagem e estou conseguindo, e agora estou finalizando para ter a minha casa. Eu tenho orgulho de ser DJ de Baile da Saudade, eu sou louco (Júnior-DJ).

Eu me sinto muito bem participando do Baile da Saudade, me sinto feliz. Às vezes eu chego até a pensar que é uma coisa de alma, sabe, porque eu gosto muito, é uma coisa que eu me sinto bem [...]. Ir para o Baile da Saudade é mais como uma terapia, porque eu sempre tive problema de ansiedade, depressão e quando eu danço eu meio que esqueço. Se eu estou passando por uma semana bem difícil, no fim de semana eu saio pra dançar, na outra semana eu já fico mais tranquila (Valdilene-Bregueira).

Os significados atribuídos pelos sujeitos ao envolvimento nas festas conversam com as ideias de identidade e bem-estar ocupacional. A compreensão sobre identidade ocupacional, na Ciência Ocupacional, é atravessada pelas preferências ocupacionais, marcadas por fatores sócio-históricos, políticos e culturais. As ocupações nas quais os indivíduos e coletivos escolhem se engajar favorecem a identificação da pessoa/grupo que pensamos que somos, conhecemos e queremos nos tornar (Kiepek et al., 2018Kiepek, N. C., Beagan, B., Rudman, D. L., & Phelan, S. (2018). Silences around occupations framed as unhealthy, illegal, and deviant. Journal of Occupational Science, 26(3), 341-353. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2018.1499123.
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).

Em situações influenciadas por processos de marginalização social, a realização de determinadas ocupações pode informar a identidade ocupacional, configurando-a em estratégias de reconhecimento e resistência (Pyatak & Muccitelli, 2011Pyatak, E., & Muccitelli, L. (2011). Rap music as resistive occupation: constructions of black American identity and culture for performers and their audiences. Journal of Occupational Science, 18(1), 48-61. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2011.554154.
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). Novas significações são expressas pelos sujeitos, contrariando os padrões hegemonicamente impostos. As identidades de bregueiro, festeiro e DJ podem informar práticas valorativas das quais esse grupo, coletivamente, deseja continuar a se ocupar.

As noções de bem-estar ocupacional alinham-se aos significados atribuídos pelos participantes, pois os indivíduos podem organizar sua vida ocupacional por meio das ocupações nos Bailes, produzindo satisfação de maneira consistente. Doble & Santha (2008)Doble, S. D., & Santha, J. C. (2008). Occupational well-being: rethinking occupational therapy outcomes. Canadian Journal of Occupational Therapy, 75(3), 184-190. http://dx.doi.org/10.1177/000841740807500310.
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apresentam que é pelo bem-estar ocupacional que as pessoas, a partir de escolhas ocupacionais, podem sanar suas necessidades, gerando significados valorativos alusivos à organização e satisfação com/na vida. Entretanto, as ideias principais de bem-estar ocupacional precisam problematizar a não individualização de aspectos sociais que influenciam os processos de organização e satisfação na vida. É importante evidenciar o agenciamento de variadas instituições sociais, que atuem para favorecer o bem-estar ocupacional de sujeitos e coletivos, legitimando suas diversas demandas.

Ainda enquanto particularidade do Baile da Saudade, destacamos que o envolvimento dos participantes no evento aciona memórias afetivas ativadas pela dança, pelas músicas, pela organização da festa em si, os quais rememoram momentos marcantes da vida dos participantes:

[...] é como se passasse um filme na nossa cabeça. Eu escuto aquela música do Reginaldo Rossi e me lembro quando eu tinha 7 anos de idade, esperando o meu pai chegar com um hot dog imenso pra eu dividir com os meus irmãos [...]. Tocou a música A Rosa e o Beija-Flor, que é na voz do Markinho Duran [...] eu lembro a primeira menina que beijei. Então, eu digo que é eclética no tempo porque faz lembrar períodos da tua vida [...] é como se eu viajasse por toda uma linha temporal, relembrando coisas a partir da música. Eu consigo sentir cheiros, eu consigo sentir gosto, porque eu lembro daquilo, a música, esses períodos conseguem ativar na cabeça de muita gente que às vezes tá perdido no tempo. [...] toca uma música e o cara pega o copo de cerveja dele e fica assim cantando aquela música, então é como se ele tivesse lembrando algo que ele não fazia ideia do que tinha se passado, entendeu? Falam que a música em si, o Brega, o Arrocha, é muito música de corno... Não é, não é só isso, tem gente ali que lembra momentos felizes, tem gente ali que lembra momentos tristes, tem gente que quando toca aquela música do Betto Barbosa chora lembrando da mãe, toca a música do Nenéo “ Ai meu pai...♫”, tem gente chorando lembrando do pai que morreu [...] (Mauro-Festeiro).

As memórias afetivas ressaltam a influência dos sentidos para o envolvimento pleno em ocupações. Bailliard (2013), em um estudo com imigrantes latinos nos Estados Unidos, destacou que a mudança de ambiente alterou informações sensoriais dos sujeitos nas suas ocupações. Logo, as variações de input sensorial puderam alterar os significados, bem-estar e integração com o novo lugar. Igualmente, o estudo realizado por Ratcliff et al. (2002)Ratcliff, E., Farnworth, L., & Lentin, P. (2002). Journey to wholeness: the experience of engaging in physical occupation for women survivors of childhood abuse. Journal of Occupational Science, 9(2), 65-71. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2002.9686494.
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com mulheres vítimas de abuso infantil destacou que informações sensoriais são importantes à promoção de reconexões conscientes com o próprio corpo e suas ocupações desenvolvidas. Para os participantes do Baile da Saudade — ao evocar memórias e sensações e aspectos performativos de Bailes dos tempos passados — a característica saudosista da festa favorece o seu envolvimento nas ocupações desempenhadas. Elliot (2011)Elliot, M. L. (2011). Being mindful about mindfulness: an invitation to extend occupational engagement into the growing mindfulness discourse. Journal of Occupational Science, 18(4), 366-376. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2011.610777.
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complementa essa perspectiva destacando a importância das sensações para o favorecimento da consciência na realização das ocupações.

Raiz Sociocultural Regional: o Baile da Saudade Enquanto Produto Cultural

O envolvimento dos sujeitos com o Baile da Saudade revela um movimento sociocultural que, ao longo do tempo, evidenciou o gênero Brega na/para e pela periferia de Belém. Os participantes da pesquisa informaram que o envolvimento no Baile se deu a partir de redes compostas por familiares, amigos, vizinhos e pelo movimento do bairro, que legitimaram o consumo da música Brega e suas performances:

Por influência de muitas pessoas ali do entorno de onde eu morava, como vizinhos, tios, primos e colegas mais velhos que iam para as festas e contavam as histórias, eu escutava e fui atraído para isso. O que me levou foi justamente àquela cultura de estar naquele ambiente, perto daquelas pessoas e eu viver aquilo desde muito cedo. Me atraiu logo (Edilson-Bregueiro).

[...] meu irmão mais velho era apaixonado por Guitarrada e na época tinha uma sede no bairro onde morávamos [...] mas ele era muito vergonhoso e não gostava de sair sozinho, então ele me levava. Eu tinha uns 13 pra 14 anos quando comecei a frequentar essa sede e quando o meu irmão parou de ir eu continuei frequentando. A partir daí que eu comecei a gostar do Brega (Valdilene-Bregueira).

Costa (2009)Costa, A. M. D. (2009). A festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Belém: EDUEPA. aponta a concretude de um universo da cultura musical Brega, tipicamente belenense, ora valorizado, ora marginalizado, por apresentar práticas e vivências dos sujeitos periféricos. A presença de rádios, gravadoras, produtoras e, principalmente, aparelhagens e casas de festas contribuiu para a consolidação do gênero na cidade e reconhecimento do público, principalmente na periferia. Costa (2009)Costa, A. M. D. (2009). A festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Belém: EDUEPA. aponta a ampla divulgação e envolvimento com a música Brega em eventos de familiares, amigos e vizinhos, animados por aparelhagens administradas também por familiares, favorecendo a identificação de elementos que fundamentam a cena bregueira.

Refletimos sobre o Baile da Saudade e seus elementos constituintes enquanto produto cultural. Esse termo não retrata necessariamente a identificação de algo físico com uso específico. Existe a dimensão simbólica do que é produzido e inserido em hábitos de vida, gerando significados (Ponte, 2012Ponte, L. F. (2012). Capital cultural e o consumo de produtos culturais: as estratégias de consumo de status entre mulheres da nova classe média (Dissertação de mestrado). Faculdade Estácio de Sá, Rio de Janeiro.; Silva, 2008Silva, A. L. L. (2008) Consumo de produtos culturais em São Paulo: análise dos fatores antecedentes e proposta de modelo (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.). O produto cultural diferencia-se de outros produtos, pois o seu valor social ultrapassa os valores de uso e troca, e não se esgota com o consumo, mas se remodela com o passar do tempo (Ponte, 2012Ponte, L. F. (2012). Capital cultural e o consumo de produtos culturais: as estratégias de consumo de status entre mulheres da nova classe média (Dissertação de mestrado). Faculdade Estácio de Sá, Rio de Janeiro.; Silva, 2008Silva, A. L. L. (2008) Consumo de produtos culturais em São Paulo: análise dos fatores antecedentes e proposta de modelo (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.).

Consideramos a importância da natureza simbólica dos produtos culturais, enfatizando a produção e o consumo de práticas, saberes, objetos, etc., que se sobrepõem aos valores do capital. Ainda que não sejam anuladas as tensões ligadas ao mercado e ao consumo de massas, ressalta-se que o Baile da Saudade produz sentidos simbólicos pelos quais os sujeitos, ao longo do tempo, identificam-se e se envolvem. A experiência de ocupar-se das/nas festas dos Bailes é atravessada por sentidos de manutenção de uma prática cultural e/ou legado ancestral, compartilhamento de experiências, identificação coletiva, entre outros, sendo impossível uma análise pela perspectiva mercadológica de uso e troca de forma exclusiva. Essa questão pode ser identificada na narrativa do festeiro Mauro:

[...] a gente tem que fazer com que as pessoas deem importância justamente pra isso, nossa missão é essa, essa coisa sinestésica que o ritmo traz, que a festa traz em si, que é misturar várias coisas/lembranças. Como eu te falei, eu já sinto cheiro, eu já sinto gosto, por quê? Porque é importante essa identidade da festa em si (Mauro-Festeiro).

Problematizamos o papel da cultura enquanto marca fundamental para informar e produzir significados em torno das ocupações, considerando aspectos espaço-temporais, socioeconômicos e o grupo para o qual uma prática se destina. A raiz sociocultural, protagonizada pelos agentes supracitados favoreceu a validação das festas bregueiras e as ocupações desenvolvidas a partir do Brega, principalmente na periferia de Belém. A lente cultural oportuniza conhecermos ocupações em diversidade, contrariando a lógica hegemônica de informar ocupações pela perspectiva eurocêntrica (Silvestrini et al., 2019Silvestrini, M. S., Silva, C. R., & Prado, A. C. S. A. (2019). Terapia ocupacional e cultura: dimensões ético-políticas e resistências. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(4), 929-940. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF1727.
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). Podemos reconhecer ações, a partir do Sul Global, que estruturam coletivos, que podem ser periféricos, amazônicos e festivos (Coelho, 2022Coelho, F. S. (2022). O circuito bregueiro de Belém do Pará: compreendendo a dimensão ocupacional dos bailes da saudade (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

No Baile da Saudade, percebemos que a festa é um aspecto importante que organiza a vida das pessoas, na qual uma rede de ocupações e suas significações são acionadas. As práticas festivas em torno do Brega favorecem vínculos entre pessoas, lugares e símbolos, os quais, notadamente, influenciam a construção de identidades (Rodrigues, 2008Rodrigues, C. I. (2008). Vem do Bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaço urbano. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Entre fronteiras: identidades e culturas na modernidade, pp. 33-66.).

Argumentamos que as ocupações nas quais os sujeitos se envolvem podem influenciar o constructo da identidade humana (Phelan & Kinsella, 2009Phelan, S., & Kinsella, E. A. (2009). Occupational identity: engaging socio‐cultural perspectives. Journal of Occupational Science, 16(2), 85-91. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2009.9686647.
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). Quando o engajamento em determinadas ocupações afeta a identificação pessoal e coletiva da pessoa que somos, conhecemos e queremos nos tornar, podemos estar em contato com o fenômeno da identidade ocupacional (Kiepek et al., 2018Kiepek, N. C., Beagan, B., Rudman, D. L., & Phelan, S. (2018). Silences around occupations framed as unhealthy, illegal, and deviant. Journal of Occupational Science, 26(3), 341-353. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2018.1499123.
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).

A relação entre ocupação e identidade tem sido uma questão emergente entre cientistas ocupacionais, enquanto um fenômeno dinâmico, diverso e complexo (Phelan & Kinsella, 2014Phelan, S. K., & Kinsella, E. A. (2014). Occupation and identity: perspectives of children with disabilities and their parents. Journal of Occupational Science, 21(3), 334-356. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2012.755907.
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). Autores defendem que, ao longo da vida humana, o envolvimento em ocupações pode produzir identidades (Taylor & Kay, 2015Taylor, J., & Kay, S. (2015). The construction of identities in narratives about serious leisure occupations. Journal of Occupational Science, 22(3), 260-276. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2013.803298.
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). No entanto, ainda que o caráter individualista da identidade seja frequentemente priorizado, a ênfase às influências socioculturais, mesmo que em menor grau, tem sido problematizada (Rudman & Dennhardt, 2008Rudman, D. L., & Dennhardt, S. (2008). Shaping knowledge regarding occupation: examining the cultural underpinnings of the evolving concept of occupational identity. Australian Occupational Therapy Journal, 55(3), 153-162. http://dx.doi.org/10.1111/j.1440-1630.2007.00715.x.
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; Phelan & Kinsella, 2009Phelan, S., & Kinsella, E. A. (2009). Occupational identity: engaging socio‐cultural perspectives. Journal of Occupational Science, 16(2), 85-91. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2009.9686647.
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). Phelan & Kinsella (2014)Phelan, S. K., & Kinsella, E. A. (2014). Occupation and identity: perspectives of children with disabilities and their parents. Journal of Occupational Science, 21(3), 334-356. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2012.755907.
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apontam as forças socioculturais dominantes para a construção de identidades e ocupações. Taylor & Kay (2015)Taylor, J., & Kay, S. (2015). The construction of identities in narratives about serious leisure occupations. Journal of Occupational Science, 22(3), 260-276. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2013.803298.
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destacam que a construção de identidades também é favorecida pelo envolvimento em ocupações de lazer, não apenas focalizando as ocupações de trabalho para tanto.

A organização das sociedades contemporâneas, bem como as relações de poder instituídas, tendem a valorizar determinados papéis ocupacionais, potencializando o direcionamento a certas escolhas ocupacionais que, por sua vez, refletem na construção de identidades socialmente valorizadas e/ou na produção de iniquidades (Galvaan, 2015Galvaan, R. (2015). The contextually situated nature of occupational choice: marginalised Young adolecents’ experiences in South Africa. Journal of Occupational Science, 22(1), 39-53. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2014.912124.
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; Rudman & Dennhardt, 2008Rudman, D. L., & Dennhardt, S. (2008). Shaping knowledge regarding occupation: examining the cultural underpinnings of the evolving concept of occupational identity. Australian Occupational Therapy Journal, 55(3), 153-162. http://dx.doi.org/10.1111/j.1440-1630.2007.00715.x.
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). No entanto, quando indivíduos e coletivos se engajam em ocupações socialmente marginalizadas, conflitos podem ser gerados (Pyatak & Muccitelli, 2011Pyatak, E., & Muccitelli, L. (2011). Rap music as resistive occupation: constructions of black American identity and culture for performers and their audiences. Journal of Occupational Science, 18(1), 48-61. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2011.554154.
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; Taylor & Kay, 2015Taylor, J., & Kay, S. (2015). The construction of identities in narratives about serious leisure occupations. Journal of Occupational Science, 22(3), 260-276. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2013.803298.
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). Esse engajamento pode, portanto, significar tanto empoderamento, quanto resistência de pessoas e grupos oprimidos (Taylor & Kay, 2015Taylor, J., & Kay, S. (2015). The construction of identities in narratives about serious leisure occupations. Journal of Occupational Science, 22(3), 260-276. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2013.803298.
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).

Essa ideia pode ser relacionada ao engajamento dos sujeitos no Baile da Saudade. A festa — lida enquanto prática marginalizada pela elite de centros urbanos, bem como pela elite do meio artístico (Amaral, 2009Amaral, P. M. G. (2009). Estigma e cosmopolitismo na constituição de uma música popular urbana de periferia: etnografia da produção do tecnobrega em Belém do Pará (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.) — apresenta outros significados coletivamente compartilhados pelos sujeitos da periferia. Significados positivos são atribuídos, nos quais são expressos modos próprios de ser, fazer, tornar-se, e pertencer no mundo, escrevendo historicidades ao longo da vida. Essa questão demarca a presença de uma experiência viva que estabelece relações com a cultura nas quais são desenhadas as configurações próprias de um espaço e por meio das quais as pessoas se reconhecem e se identificam.

A rede sociocultural constituída no circuito bregueiro advém da relação intensa entre seus participantes e outros elementos constituintes. As ocupações realizadas são amplamente reconhecidas pelos sujeitos, os quais também se reconhecem nelas, gerando identificações pessoais e coletivas. Esse movimento favoreceu a constituição de um grupo, que ao longo do tempo e perante os conhecimentos compartilhados culturalmente, fomentou uma espécie de raiz sociocultural bregueira, congregando práticas coletivas, sociais, culturais, mercadológicas, entre outras, que direcionam o envolvimento das pessoas da periferia de Belém com o Brega (Costa, 2009Costa, A. M. D. (2009). A festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Belém: EDUEPA., 2008Costa, A. M. D. (2008). Os bailes da “Saudade” e do “Passado”: atualidades do circuito bregueiro de Belém do Pará. Revista Ponto Urbe, 3(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.4000/pontourbe.1800.
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; Rodrigues, 2008Rodrigues, C. I. (2008). Vem do Bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaço urbano. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Entre fronteiras: identidades e culturas na modernidade, pp. 33-66.).

As ideias sobre pertencimento parecem essenciais à reflexão sobre a raiz sociocultural do Baile da Saudade. Com o envolvimento em determinadas ocupações, as conexões com outras pessoas, lugares, culturas, etc., podem ser desenvolvidas, influenciando o sentimento de pertença com o meio e/ou prática compartilhada (Hitch et al., 2014Hitch, D., Pépin, G., & Stagnitti, K. (2014). In the footsteps of Wilcock, part one: the evolution of doing, being, becoming, and belonging. Occupational Therapy in Health Care, 28(3), 231-246. http://dx.doi.org/10.3109/07380577.2014.898114.
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; Martin et al., 2020Martin, E., Hocking, C., & Sandham, M. (2020). Doing, being, becoming, and belonging: experiences transitioning from bowel cancer patient to survivor. Journal of Occupational Science, 2020,1-14. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2020.1827017.
http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2020....
). Pertencer pode favorecer a identificação de sujeitos, grupos e coletividades que, em conjunto, reconhecem-se. Pertencer pode ainda revelar uma das forças pelas quais os sujeitos mantêm práticas culturalmente construídas (Castro Júnior, 2008Castro Júnior, L. V. (2008). Campos de visibilidade da capoeira baiana: as festas populares, as escolas de capoeira, o cinema e a arte (1955-1985) (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.; Martin et al., 2020Martin, E., Hocking, C., & Sandham, M. (2020). Doing, being, becoming, and belonging: experiences transitioning from bowel cancer patient to survivor. Journal of Occupational Science, 2020,1-14. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2020.1827017.
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).

Os sentidos de pertencer ao Baile da Saudade talvez sejam uma das forças pelas quais os sujeitos desse movimento escrevem as marcas das suas vivências no mundo. A identificação das atividades realizadas, seja pela dança, pela música ou pela organização da festa, por exemplo, pode instituir relações fortes entre pessoas, lugares, práticas, histórias e símbolos que estruturam os eventos.

Práticas de Consumo no Baile da Saudade: Dessemelhanças Entre Centro e Periferia

Ainda que o Brega paraense seja conhecido como um gênero importante para a construção das características culturais e performáticas de Belém, o seu consumo apresenta diferenciações entre o centro e a periferia da cidade, segundo os participantes. Para o DJ Júnior, os Bailes das áreas periféricas são interpretados, por esse público, como mais autênticos por causa da liberdade para tocar músicas mais antigas, da tradicionalidade das casas de eventos, e do público frequentador, em geral, mais velho:

O público da periferia [...] é aquele mais velha guarda que curtiu as sedes de antigamente [...]. O Baile da Saudade do centro não é o Baile da Saudade. A gente pode chamar para a festa do centro de Baile Marcante, porque toca Roberto Villar [...] Fruto Sensual [...] que é de 2000 [...]. Eu vou chegar numa casa do centro e tocar um José Augusto? Um Fernando Mendes? Eu vou acabar com a festa [...]. Mas se a gente for pra casa da periferia, aí eu tenho que ser o DJ Júnior da Saudade, porque se não o pessoal vai me criticar (Júnior-DJ).

O festeiro Mauro aponta que os participantes de eventos do centro da cidade ainda não consomem o Baile da Saudade por terem a preferência pelos Bregas da década de 90 em diante. O festeiro ressalta que o consumo do Baile não se resume a escutar as músicas em si, mas também a participar dos eventos, identificar-se e relacionar-se com os significados em torno do Brega, amplamente difundidos na periferia:

Eu acho que o centro da cidade ainda não está experimentando a questão de Saudade, o centro está experimentando o Brega. O centro da cidade ainda não sabe fazer a diferença de Baile da Saudade pra Tecnobrega, tanto que eles classificam misturando os gêneros [...] eles estão consumindo tudo como Brega [...] porque essa diferença só existe pra nós, porque nós consumimos isso desde que a gente nasce praticamente. Desde que eu estou lá pelas ruas da periferia eu escuto um Reginaldo Rossi, eu escuto um Mauro Cotta [...] (Mauro-Festeiro).

Refletimos que as diferenciações dos Bailes da Saudade, apontada pelos participantes, segue a perspectiva ampliada de festa que considera o evento enquanto produção do cotidiano e de sociabilidade festiva (Amaral, 1998Amaral, R. (1998). As mediações culturais da festa. Mediações-Revista de Ciências Sociais, 3(1), 13-22. http://dx.doi.org/10.5433/2176-6665.1998v3n1p13.
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; Costa, 2009Costa, A. M. D. (2009). A festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Belém: EDUEPA.; Rodrigues, 2008Rodrigues, C. I. (2008). Vem do Bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaço urbano. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Entre fronteiras: identidades e culturas na modernidade, pp. 33-66.). O tempo do Baile da Saudade pode ser lido como estratégia para o protagonismo de fazeres múltiplos de um determinado grupo (Castro Júnior, 2008Castro Júnior, L. V. (2008). Campos de visibilidade da capoeira baiana: as festas populares, as escolas de capoeira, o cinema e a arte (1955-1985) (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.). Esses fazeres denunciam modos vivos, coletivos e individuais de vivências e perspectivas sobre o mundo (Rodrigues, 2008Rodrigues, C. I. (2008). Vem do Bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaço urbano. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Entre fronteiras: identidades e culturas na modernidade, pp. 33-66.). Produzir e/ou viver a festa pode alinhar-se a uma conexão direta com o cotidiano, no qual acontece as relações sociais de determinadas pessoas (Guarinello, 2001Guarinello, N. (2001). Festa, trabalho e cotidiano. In I. Jancsó & I. Kantor (Orgs.), Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa (pp 969-975). São Paulo: Hucitec.).

O conceito de cotidiano é amplamente utilizado nas dimensões teórico-práticas da Terapia Ocupacional, e empreende a lente basilar para compreendermos as ocupações diárias e suas relações com sujeitos e coletividades (Galheigo, 2003Galheigo, S. M. (2003). O cotidiano na terapia ocupacional: cultura, subjetividade e contexto histórico-social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 14(3), 104-109. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v14i3p104-109.
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, 2020Galheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teóricos-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO2590.
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). O cotidiano vem sendo concebido como ações do dia-a-dia que informam narrativas de vida expressas por um espaço-tempo, cultura e relações sociais. Dessa forma, evidencia-se a possibilidade de conhecermos a experiência concreta da vida humana. Segundo Galheigo (2020)Galheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teóricos-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO2590.
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A leitura do cotidiano permite ainda conhecer os modos de pensar, agir e sentir de sujeitos e coletivos; as representações que fazem suas experiências em meio à ideologia hegemônica que cria instituídos e resulta na instrumentalização da vida diária. Cotidiano, portanto, é experiência e saber (Galheigo, 2020, pGalheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teóricos-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO2590.
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. 8).

O Baile da Saudade pode revelar-se como produto das relações cotidianas e o sentido de continuidade de um coletivo, majoritariamente periférico e urbano, que historicamente consome o evento e mantém os significados produzidos pela/para e a partir da festa (Coelho, 2022Coelho, F. S. (2022). O circuito bregueiro de Belém do Pará: compreendendo a dimensão ocupacional dos bailes da saudade (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.). Os Bailes expressam maneiras de estar, perceber e viver no mundo, no qual sentidos identitários, de lazer, de manifestação cultural e artística são (re)construídos (Costa, 2009Costa, A. M. D. (2009). A festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Belém: EDUEPA.; Rodrigues, 2008Rodrigues, C. I. (2008). Vem do Bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaço urbano. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Entre fronteiras: identidades e culturas na modernidade, pp. 33-66.).

Esse fenômeno, produzido no cotidiano e a partir dele, revela uma sociabilidade festiva na qual um coletivo de pessoas (por vezes desconhecidas) se reconhece e se agrupa para agenciar a natureza festiva do eventos nos quais são destacadas diversas ocupações e relações sociais e de poder (Costa, 2009Costa, A. M. D. (2009). A festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Belém: EDUEPA.; Rodrigues, 2008Rodrigues, C. I. (2008). Vem do Bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades em espaço urbano. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Entre fronteiras: identidades e culturas na modernidade, pp. 33-66.).

Com as dessemelhanças entre as festas de Baile da Saudade do centro e da periferia, refletimos que as relações, significados e símbolos construídos podem estar profundamente atrelados à vida cotidiana para além da festa, pela qual os sujeitos participantes estão inseridos. Os contornos específicos de uma festa alusiva ao Baile da Saudade, localizada no centro urbano, podem perder parte da caracterização performática de Baile da Saudade, pois os sujeitos, ambientes, contextos e, por que não, os significados produzidos, diferenciam-se daqueles onde o berço do evento e as relações sociais estabelecidas são desenvolvidos.

Estigma e Aceitação do Baile da Saudade

As manifestações culturais e artísticas em torno do gênero Brega passam por processos históricos de marginalização social (Amaral, 2009Amaral, P. M. G. (2009). Estigma e cosmopolitismo na constituição de uma música popular urbana de periferia: etnografia da produção do tecnobrega em Belém do Pará (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Lima, 2016Lima, M. B. (2016). Das bordas para o centro: brega ou erudito! O que era gênero, virou ritmo? Revista do Centro de Estudos da Oralidade,2, 20-31.). No Baile da Saudade, tanto depreciações como aceitação social da festa foram apontadas pelos participantes. A bregueira Valdilene destaca que julgamentos aos participantes das festas, geralmente, advém de fora do circuito bregueiro. As críticas surgem sobre estilos de vida que, aparentemente, não informam outras ocupações e papéis socialmente aceitos:

A maioria das pessoas vê o Baile da Saudade com um olhar de que somos todos vagabundos. Isso daí é fato. Muitas pessoas têm preconceito até começarem a ir. Eu conheço pessoas que julgavam muito e de repente tava ali viciado também. [...] o olhar é distorcido [...] é como se as pessoas não tivessem muita coisa pra fazer da vida, não tem muita expectativa de vida, mas não é assim [...] no grupo de dança [...] nós temos participantes de várias profissões. Não tem ninguém ali do nosso grupo que não faça nada da vida e dos outros grupos também. Os que eu conheço eu sei que são trabalhadores e estudiosos [...] (Valdilene-Bregueira).

Por outro lado, o festeiro Mauro relatou que os sentidos depreciativos à festa e aos participantes do Baile vêm diminuindo, principalmente quando comparados a outros gêneros musicais e práticas festivas intensamente marginalizadas na atualidade. Para Mauro, as formas de julgamento da sociedade mudam e afetam, diretamente, o que antes era negativamente julgado:

Hoje a história mudou, eu vejo que hoje a aceitação é maior pro Baile da Saudade. [...] porque houve uma mudança do ponto de vista das pessoas pensarem na festa, como as pessoas veem a festa, mas também comparando com o que toca hoje [...] O que se via há 25/30 anos atrás como subversivo, hoje é o padrão de qualidade, porque o que surgiu mais a frente é totalmente imoral com relação ao que já existia. Então eu vejo dessa forma essa aceitação da sociedade [...] (Mauro-Festeiro).

O papel do Estado e a realização de políticas culturais de fomento ao Brega foram aspectos questionado pelos participantes deste estudo. O DJ Júnior e o bregueiro Mauro compartilharam a ideia de que a presença do Estado é insalubre para a cultura bregueira na região. Eles destacam que a realização das práticas festivas se dá por meio dos sujeitos ativos do movimento:

A nossa cultura não tá lá aquelas coisas, mas eu ajudo muitos cantores e muitas bandas. [...] a gente ajuda sim a nossa cultura paraense, só que, infelizmente, não tá muito forte [...] Poderíamos ser mais unidos, as pessoas poderiam ajudar mais ainda outras pessoas, principalmente os governantes nesse momento difícil que estamos vivendo [...] (Júnior-DJ).

O Estado nunca realizou uma festa de Baile da Saudade. As festas são realizadas pela gente mesmo que tá ali, diariamente fazendo o evento acontecer. Os eventos não são de produção pública, mas sim de iniciativa privada e realizada por uma galera que está há um tempo nesse ramo (Mauro-Festeiro).

Entende-se que grupos privados e comunidades podem agenciar estratégias que promovam cultura; porém, é também um papel constitucional do Estado garantir acesso, fruição e criação cultural a todo cidadão. No entanto, historicamente, no Brasil, o incentivo estatal à cultura vem sofrendo sucessivos desmontes e instabilidades quanto a sua promulgação e efetivação (Rubim, 2020Rubim, A. A. C. (2020). La accíon político-cultural de la administración Messias Bolsonaro. Revista Alteridades, 30(60), 9-20. http://dx.doi.org/10.24275/uam/izt/dcsh/alt/2020v30n60/canelas.
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).

Sendo a cultura compreendida como direito básico à vida humana, as políticas culturais servem como estratégias basilares para concretizar ações que fortaleçam práticas culturais ameaçadas ou marginalizadas, bem como democratizar o acesso cultural através do país (Coelho, 1997Coelho, T. (1997). Dicionário crítico de política cultural. São Paulo: Iluminuras.). Por políticas culturais, entende-se:

[...] como programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas. Sob este entendimento imediato, a política cultural apresenta-se assim como o conjunto de iniciativas, tomadas por esses agentes, visando promover a produção, a distribuição e o uso da cultura, a preservação e divulgação do patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por elas responsável (Coelho, 1997, pCoelho, T. (1997). Dicionário crítico de política cultural. São Paulo: Iluminuras.. 292).

Mesmo com o reconhecimento e valorização popular do Brega no Estado do Pará, apenas em 2015 e, posteriormente, em 2021, foram aprovadas e assinadas as leis que consideram o gênero como Patrimônio Cultural e Imaterial do Município de Belém e como Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado do Pará, respectivamente (Belém, 2015Belém. (2015, 23 de abril). Lei nº 9.095, de 23 de abril de 2015. Reconhece como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Município de Belém os ritmos “Brega, Techno Brega, Calypso, Guitarrada, Melody e Tecnomelody”. Diário Oficial do Município de Belém, Belém. Recuperado em 23 de dezembro de 2021, de https://leismunicipais.com.br/a/pa/b/belem/lei-ordinaria/2015/909/9095/lei-ordinaria-n-9095-2015-reconhece-como-patrimonio-cultural-de-natureza-imaterial-do-municipio-de-belem-os-ritmos-brega-techno-brega-calypso-guitarrada-melody-e-tecnomelody-e-da-outras-providencias
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; Pará, 2021Pará. (2021, 15 de setembro). Lei nº 9.310, de 15 de setembro de 2021. Declara o “Ritmo Brega” como integrante do Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado do Pará. Diário Oficial do Estado do Pará, Belém. Recuperado em 23 de dezembro de 2021, de https://leisestaduais.com.br/pa/lei-ordinaria-n-9310-2021-para-declara-o-ritmo-brega-
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). Em entrevistas, parlamentares relataram que esse feito sinaliza o reconhecimento do gênero, bem como a valorização das práticas culturais, incluindo cantores, compositores, músicos e outros artistas (Pará, 2021Pará. (2021, 15 de setembro). Lei nº 9.310, de 15 de setembro de 2021. Declara o “Ritmo Brega” como integrante do Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado do Pará. Diário Oficial do Estado do Pará, Belém. Recuperado em 23 de dezembro de 2021, de https://leisestaduais.com.br/pa/lei-ordinaria-n-9310-2021-para-declara-o-ritmo-brega-
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).

Reflexões sobre estruturas de poder (Quijano, 2009Quijano, A. (2009). Colonialidade do poder e classificação social. In B. S. S. Santos & M. P. Meneses (Orgs.), Epistemologias do sul (pp. 73-114). Coimbra: Almedina.; Santos & Meneses, 2009Santos, B. S., & Meneses, M. P. (2009). Epistemologias do sul. Coimbra: Almedina.) parecem importantes para compreendermos as tensões sociais dos estigmas e resistências no Baile da Saudade. A organização sociopolítica das sociedades contemporâneas, principalmente aquelas com passados coloniais, é estruturada para produzir exclusão e desigualdade (Quijano, 2009Quijano, A. (2009). Colonialidade do poder e classificação social. In B. S. S. Santos & M. P. Meneses (Orgs.), Epistemologias do sul (pp. 73-114). Coimbra: Almedina.). Diversas estratégias são acionadas para ordenar a vida e as ações cotidianas (Quijano, 2009Quijano, A. (2009). Colonialidade do poder e classificação social. In B. S. S. Santos & M. P. Meneses (Orgs.), Epistemologias do sul (pp. 73-114). Coimbra: Almedina.). Esse fenômeno estrutura a manutenção de poder às pessoas, grupos e instituições privilegiadas que detém o controle social (Santos & Meneses, 2009Santos, B. S., & Meneses, M. P. (2009). Epistemologias do sul. Coimbra: Almedina.).

Como herança colonial, formas de ser, estar e pertencer no mundo, bem como estilos de vida que fogem do padrão eurocêntrico, branco, classista, patriarcal, cristão, etc., são marginalizados, nas dimensões micro e macrossociais, direta, simbólica e/ou estruturalmente (Coelho et al., 2021Coelho, F. S., Ambrosio, L., Cardoso, P. T., Alves, H. C., & Silva, C. R. (2021). Colonialidade do fazer e re-existências: reflexões a partir de uma terapia ocupacional decolonial. In P. H. B. Rocha, J. L. Q. Magalhães & S. G. Teixeira (Orgs.), Decolonialidade a partir do Brasil (Vol. 8, pp. 341-366). São Paulo: Dialética.). Logo, a festa popular, por se tratar de uma prática social, historicamente ligada a sentidos que abalam as normativas sociais, pode sofrer sucessivas formas de marginalização, estendendo-se aos seus participantes e suas ações cotidianas (Castro Júnior, 2008Castro Júnior, L. V. (2008). Campos de visibilidade da capoeira baiana: as festas populares, as escolas de capoeira, o cinema e a arte (1955-1985) (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.; Coelho et al., 2021Coelho, F. S., Ambrosio, L., Cardoso, P. T., Alves, H. C., & Silva, C. R. (2021). Colonialidade do fazer e re-existências: reflexões a partir de uma terapia ocupacional decolonial. In P. H. B. Rocha, J. L. Q. Magalhães & S. G. Teixeira (Orgs.), Decolonialidade a partir do Brasil (Vol. 8, pp. 341-366). São Paulo: Dialética.).

Nesse sentido, refletimos que as ocupações, mesmo em diversidade, podem ser lidas seguindo perspectivas padronizadoras (Angell, 2014Angell, A. M. (2014). Occupation-centered analysis of social difference: contributions to a socially responsive occupational science. Journal of Occupational Science, 21(2), 104-116. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2012.711230.
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). As ocupações não sancionadas ou desviantes, na Ciência Ocupacional, são compreendidas enquanto ações que podem ser percebidas como ilegais ou inaceitáveis, fugindo de um padrão imposto de normalidade civil. Quando realizadas por sujeitos historicamente oprimidos, esse fenômeno se intensifica (Kiepek et al., 2018Kiepek, N. C., Beagan, B., Rudman, D. L., & Phelan, S. (2018). Silences around occupations framed as unhealthy, illegal, and deviant. Journal of Occupational Science, 26(3), 341-353. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2018.1499123.
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; Kiepek et al., 2013Kiepek, N., Phelan, S., & Magalhães, L. (2013). Introducing a critical analysis of the figured world of occupation. Journal of Occupational Science, 21(4), 403-417. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2013.816998.
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).

Segundo Kiepek et al. (2018)Kiepek, N. C., Beagan, B., Rudman, D. L., & Phelan, S. (2018). Silences around occupations framed as unhealthy, illegal, and deviant. Journal of Occupational Science, 26(3), 341-353. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2018.1499123.
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, quando determinadas ocupações violam tradições, normas, valores, comportamentos, etc. de uma lógica dominante, as sanções podem variar desde olhares de desaprovação, fofocas, até a repreensão legal. Para uma compreensão mais abrangente desse fenômeno, destacamos as sanções, diretas ou indiretas, às ocupações que informam estilos de vida plurais e com significados diversos; as ocupações que resistem às regras do ciclo circadiano, à estrutura capitalista moderna e às regras eurocêntricas.

O fenômeno das festas de Baile da Saudade pode informar diversas ocupações e suas dinâmicas reais, por meio das quais os indivíduos se organizam e deixam seus registros no mundo. O envolvimento das pessoas na vida pode ser refletido a partir de práticas realizadas nas cenas festivas. Por meio delas, podemos visualizar redes de ocupações e suas dinâmicas de poder, mas que ainda sim são capazes de produzir significados valorativos pelos quais coletivos, não apenas indivíduos, desejam continuar a se ocupar.

Fim de Festa? Semana Que Vem Tem Mais!

Tchau, tchau amor, eu vou embora. Tchau, tchau amor, chegou a hora, de me despedir, de dizer adeus e beijar pela última vez os lábios seus. Por favor, não chore, se não quer me ver chorar também, pois é muito triste um adeus para quem ama alguém, como eu, que já não vivo mais sem ter você. E amanhã, tão distante, o que é que vou fazer? Tchau amor, até um dia quando eu aqui voltar. Tchau amor, o meu amor não vá a outro entregar

Ivan Peter- Flash Brega. Anos 80.

Disponível em: https://youtu.be/Jcz-fnI0cMs.

Pudemos aprofundar os estudos em torno das ocupações humanas a partir da perspectiva contra-hegemônica. É evidente a natureza central das ocupações enquanto aspecto basilar para a estruturação da vida das pessoas e de coletivos culturais. Com efeito, ainda que sujeitos e grupos sejam compreendidos como seres ocupacionais, esse processo é atravessado por contextos variados que podem produzir iniquidades em determinados grupos, bem como privilégios em outros.

Todavia, múltiplos sujeitos, grupos e comunidades resistem escrevendo narrativas diversas de viver a vida. As ocupações em torno das festas de Baile da Saudade de Belém do Pará exemplificam esse fenômeno. Pudemos identificar que mesmo o movimento bregueiro sendo marginalizado na cidade de Belém, por situar modos de vida cotidianos, símbolos e significados de um povo majoritariamente periférico, as práticas em torno das festas refletem processos de resistência cultural e demarcação identitária.

Acreditamos que este estudo contribuirá para o campo da Terapia Ocupacional no sentido de refletirmos sobre as ocupações humanas e suas forças estruturais. Destacamos o papel essencial da cultura para pensarmos em ocupações plurais e contra-hegemônicas. Acreditamos ainda que terapeutas ocupacionais podem encontrar pistas para refletirem sobre práticas emancipatórias e situadas às demandas dos sujeitos e coletivos, contestando as estruturas de poder que limitam performances de vida.

  • 1
    A pesquisa foi avaliada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, a partir do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 38485020.0.0000.5504 e aprovado conforme parecer 4.420.240.
  • 2
    Grandes estruturas sonoras e de iluminação que animam as festas de Brega.
  • 3
    A pesquisa foi avaliada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (CEP- UFSCar), a partir do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 38485020.0.0000.5504, e aprovada conforme o parecer nº 4.420.240.
  • Como citar: Coelho, F. S., & Magalhães, L. (2023). Festa e ocupação: uma análise ocupacional dos bailes da saudade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 31, e3315. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO253733151
  • Fonte de Financiamento

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Lilian Magalhães recebeu suporte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, através da bolsa produtividade 303037/2018-0.

Referências

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Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Marcia Maria Pires Camargo Novelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2022
  • Revisado
    29 Abr 2022
  • Revisado
    25 Out 2022
  • Aceito
    28 Nov 2022
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