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Meningite criptocócica e perda de audição reversível

meningite criptocócica; perda auditiva reversível

RELATO DE CASO

Meningite criptocócica e perda de audição reversível

Janini Oliveira MatosI; Andréia Migueres ArrudaII; Shiro TomitaIII; Patricia de Pinho Marques AraujoII; Felipe Barbosa MadeiraIV; Krishnamurti Matos de Araujo Sarmento JuniorV

IResidente de otorrinolaringologia do segundo ano

IIResidente de otorrinolaringologia do terceiro ano

IIIProfessor titular de otorrinolaringologia, chefe do serviço de otorrinolaringologia

IVMédico otorrinolaringologista

VMédico Otorrinolaringologista. Endoscopista per-oral

Palavras-chave: meningite criptocócica, perda auditiva reversível.

INTRODUÇÃO

A criptococose é a infecção fúngica mais comum do Sistema Nervoso Central. A apresentação é subaguda com febre, cefaléia, náuseas e alteração do comportamento. Disacusia ocorre em até 27% dos casos, quase sempre bilateral e de apresentação súbita1. A reversibilidade é rara e foi descrita por Mayer et al. em 1990. Em geral, sem tratamento, a evolução é letal.

APRESENTAÇÃO DO CASO

AJGG, feminino, 29 anos, em 25/12/2003 apresentava cefaléia intensa, mal estar, náuseas, diplopia e redução da acuidade visual iniciados há dois meses.

Encontrava-se com rigidez de nuca e paresia do abducente direito. O hemograma foi normal, teste rápido para HIV negativo. O teste de látex, a coloração pelo nanquim e a cultura do LCR fizeram o diagnóstico de Criptococose. A TC revelou edema cerebral.

A paciente evoluiu com hipoacusia e rapidamente para cegueira e cofose bilateral. A avaliação otorrinolaringológica, excetuando-se a paresia do abducente, foi normal.

O quadro impossibilitou a realização de exame audiométrico. O BERA mostrou limiar em 110 dBNPS à direita e 100 dBNPS à esquerda compatível com perda auditiva severa bilateral para cliques. Não foi possível obter respostas duplicadas a 130 dBNPS e portanto, as ondas I,III e V não foram estudadas. As emissões otoacústicas mostraram-se dentro dos padrões de normalidade.

O tratamento foi iniciado com Anfotericina B intravenoso 50mg/dia, chegando a dose de 1725 mg. Necessitou de inúmeras punções lombares de alívio e derivação ventrículo-peritoneal.

Em 100 dias de internação melhorou clinicamente, tendo recebido alta sem cefaléia ou rigidez de nuca, com recuperação parcial da acuidade auditiva (figura) e repetidas culturas para fungos do LCR negativas.


DISCUSSÃO

A meningite criptocócica pode ocorrer em qualquer idade e é mais comum em imunocomprometidos1.

A hipoacusia é descrita em até 27% dos casos e pode ser flutuante1, com grau da perda variando de unilateral moderada à bilateral profunda2. O mecanismo de lesão ao sistema auditivo tem sido estudado. Igarashi et al.3 e Kwartler et al.4 verificaram destruição das estruturas cocleares e vestibulares, com microorganismos no nervo vestibulococlear, conduto auditivo interno e estruturas cocleares. Harada et al.5 verificaram a maioria destas alterações, porém com órgão de Corti normal e o nervo vestibular preservado em relação ao coclear. Assim, apesar de os pesquisadores não concordarem se a doença atinge a cóclea, todos concordam que o dano retrococlear existe2. Nesse sentido, a otoemissão normal no caso sugere preservação do órgão de Corti.

A reversibilidade da hipoacusia foi descrita por Mayer et al. em 19908. O mecanismo não é compreendido.

O tratamento em pacientes HIV negativo é feito com anfotericina B e/ou flucitosina por 6 a 10 semanas6. Sem tratamento a doença é grave e potencialmente letal.

COMENTÁRIOS FINAIS

A meningite criptocócica é uma infecção grave e a apresentação clínica torna o diagnóstico difícil. O acometimento auditivo parece ser comum, porém sua reversibilidade, rara. Desta forma, é importante uma terapia de início precoce e de monitorização audiométrica nos casos acompanhados.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 08 de março de 2005. cod. 22.

Artigo aceito em 14 de junho de 2006.

Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

E-mail: janini_matos@ig.com.br

  • 1
    Hughes KV 3rd, Green JD Jr, Alvarez S, Reimer R. Vestibular dysfunction due to cryptococcal meningitis. Otolaryngol Head Neck Surg 1997;116(4):536-40.
  • 2
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  • 3
    Igarashi M, Weber SC, Alford BR, Coats AC, Jerger J. Temporal bone findings in cryptococcal meningitis. Arch Otolaryngol 1975;101(9):577-83.
  • 4
    Kwartler JA, Linthicum FH, Jahn AF, Hawke M. Sudden hearing loss due to AIDS-related cryptococcal meningitis--a temporal bone study. Otolaryngol Head Neck Surg 1991;104(2):265-9.
  • 5
    Harada T, Sando I, Myers EN. Temporal bone histopathology in deafness due to cryptococcal meningitis. Ann Otol Rhinol Laryngol 1979;88(5 Pt 1):630-6.
  • 6
    Saag MS, Graybill RJ, Larsen RA, Pappas PG, Perfect JR, Powderly WG, Sobel JD, Dismukes WE. Practice guidelines for the management of cryptococcal disease. Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis 2000;30(4):710-8. Epub 2000 Apr 20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Fev 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Aceito
    14 Jun 2006
  • Recebido
    08 Mar 2005
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