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Ergometria de membros superiores. Um método importante na avaliação cardiocirculatória ao exercício

Atualização

Ergometria de Membros Superiores. Um Método Importante na Avaliação Cardiocirculatória ao Exercício

Sandra Haddad

São Paulo, SP

A eletrocardiografia de esforço é um método consagrado para detecção e estratificação de doença arterial coronária (DAC). A literatura da área é pródiga em trabalhos que apresentam técnicas de prescrição algorítmicas, indicações para sua utilização em diversas situações clínicas, valor prognóstico do método, bem como sua objetividade e reprodutibilidade. Na grande maioria dos artigos estudam-se as respostas ao esforço realizado em cicloergômetro ou em esteira ergométrica, sempre pressupondo que os pacientes deambulem normalmente.

A eletrocardiografia durante esforço no cicloergômetro ou na esteira, obviamente não se aplica aos portadores de afecções de membros inferiores (MMII), tais como: vasculopatias, na maioria dos casos secundária a diabetes mellitus, alterações músculo-esqueléticas, afecções reumáticas, doenças neurológicas degenerativas e nem aos portadores de deficiência física (DF), provocada por amputação de MMII ou por paraplegia.

Os portadores de deficiência física de membros inferiores (DF-MMII), tanto amputados quanto paraplégicos, realizam menor atividade física que a população sem deficiência, e até menor que os portadores de cardiopatia. A inatividade física prolongada, decorrente da perda de um ou mais elementos mecânicos necessários ao equilíbrio e à deambulação, aliada a hábitos de vida modificados e ao aumento de peso, reconhecidamente, são fatores de risco para o surgimento de doenças isquêmicas 1.

De fato, embora freqüentes, as arteriopatias são de difícil diagnóstico em pessoas incapacitadas de utilizarem os MMII, pela falta de métodos apropriados para sua avaliação. Assim, nessas situações especiais, o reconhecimento dessas afecções não se realiza rotineiramente.

O objetivo deste trabalho foi demonstrar, através de revisão bibliográfica, a importância da ergometria de membros superiores (MMSS), como metodologia efetiva na avaliação da capacidade cardiocirculatória em indivíduos com limitação funcional e motora de MMII.

Riscos de doença arterial coronária em deficientes físicos dos membros inferiores

Decorrentes da inatividade - Sabe-se que o paraplégico sedentário apresenta risco de amputação dos MMII, por arteriosclerose e trombose periférica, sete vezes maior que o indivíduo ativo 1. Em nossa experiência, no Departamento de Cardiologia da Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD), temos verificado que após um ano da cirurgia de amputação começam a ocorrer afecções coronárias 2, em média, 18 meses pós-cirurgia, em cerca de 37% dos pacientes amputados de coxa uni ou bilateralmente e em 25% de paraplégicos 3. Esses valores representam praticamente o dobro da incidência dessas afecções na população normal, de acordo com os dados da AACD e comparados a grupo controle de 264 indivíduos sem deficiência, da mesma faixa etária, em pacientes do ambulatório geral de funcionários do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Decorrentes do exercício - Se a inatividade aumenta os riscos dos DF-MMII, aqueles que praticam atividade física também ficam expostos a eles, sobretudo os cardiocirculatórios decorrentes da grande sobrecarga imposta pelo trabalho de deambulação. O componente isométrico do trabalho de estabilização do corpo, realizado pela musculatura dos MMSS e do tórax, provoca elevação acentuada da pressão arterial (PA) 3-8.

A freqüência cardíaca (FC) encontra-se elevada no início dos programas de treinamento, especialmente nos portadores de lesão medular alta (>T6), nos quais há alteração do centro de controle cardiovascular da medula 5-9. Provavelmente, a sobrecarga cardiocirculatória advém do fato dos MMSS, ao suportarem o peso do corpo, estarem exercendo atividade física de intensidade mais elevada do que aquela para qual foram habitualmente preparados.

Ergometria de membros superiores - O teste ergométrico (TE) de MMSS (TE-MMSS) vem merecendo atenção desde o pós-guerra e, mais recentemente, passou a ser estudado de forma mais sofisticada, com o auxílio de metodologia não invasiva mais precisa, a ergoespirometria 10-14. Estudos que mostram que, além de sua utilidade na avaliação de vários parâmetros ventilatórios, como ventilação pulmonar, consumo de oxigênio, produção de dióxido de carbono e outros, é possível se obter, com algumas adaptações, o monitoramento da PA, da FC e o registro eletrocardiográfico para detecção de isquemia miocárdica, pela observação de depressão do segmento ST 15-18.

O reconhecimento de doença cardíaca isquêmica, em pacientes com arteriopatia, é importante na contra-indicação a certos procedimentos cirúrgicos, como método auxiliar nos procedimentos pós-operatórios e de fundamental importância para os DF-MMII submetidos à reabilitação física, sobretudo os candidatos à deambulação, uma vez que em alguns pacientes a angina do peito é precipitada pelo esforço com os MMSS 15.

Lazaruse col 14, estudando a reprodutibilidade do método, não verificaram diferenças nas respostas pressóricas e cronotrópicas na repetição do mesmo TE-MMSS no mesmo dia e nos mesmos indivíduos. Quanto à validade para detecção de isquemia miocárdica em portadores de DAC, confirmada por cateterismo cardíaco, encontrou-se um r= 0,95 nos TE-MMSS, em indivíduos sem deficiência de MMII.

Comparação entre teste ergométrico de membros superiores e inferiores - Estudo comparativo entre TE realizado com MMSS e MMII demonstram que, para os mesmos níveis de trabalho, o débito cardíaco (DC) pode ser semelhante entre os dois métodos em cargas baixas; enquanto no TE-MMSS são maiores o duplo produto (DP), a ventilação pulmonar (VE), o consumo de oxigênio (VO2) e a concentração de lactato, no TE-MMSS são menores apenas o volume sistólico (VS) e o limiar anaeróbio (LAn) expresso em porcentual da capacidade aeróbia 12,19,20.

O DC pode se apresentar aumentado ou diminuído para a mesma carga no TE-MMSS em relação ao TE-MMII. O diferencial está na postura e na intensidade dos exercícios. Porém, o valor para os MMSS é plenamente maior quando é expresso em unidade de massa muscular ativa. Em conseqüência, as pressões arteriais sistólica e diastólica são maiores para membros superiores, observação feita em trabalhos mais intensos 12,20-22.

A posição do exercício interfere diretamente no DC. Na posição sentada, têm-se encontrado menores valores de DC para MMSS em relação aos MMII, enquanto que, na posição supina, estes valores se equivalem. Quando se trata do valor de pico, o DC atingido no TE-MMSS sempre é menor do que no TE-MMII 20,21,23.

No TE-MMSS a resistência periférica é mais elevada que no TE-MMII. Dois fatores contribuem para maior resistência periférica durante exercícios com MMSS: a maior secreção relativa de catecolaminas e a contração isométrica necessária para estabilização do tronco. Nos lesados medulares, além dos fatores mencionados, a resistência periférica torna-se ainda maior devido à tendência a hemoconcentração 2,8,12.

No TE-MMSS, a FC em cargas submáximas é mais elevada, sugerindo maior estímulo simpático. Entretanto, por causa das diferenças no enchimento cardíaco, os índices de contratilidade cardíaca são maiores no TE-MMII 24.

Embora níveis de lactato sangüíneo sejam semelhantes em uma mesma intensidade relativa de exercício com MMII e MMSS, o LAn tende a ser menor no TE-MMSS. A reduzida massa muscular ativa faz com que se verifiquem menores concentrações de lactado durante esforço máximo no exercício com MMSS 21.

A VE, para qualquer carga de trabalho, é maior com MMSS do que com MMII. Possíveis fatores que contribuem para essa resposta são: o baixo VO2máx atingido em exercícios com MMSS, a elevada concentração de lactato sangüíneo, a contração muscular isométrica proporcionalmente maior e o incremento da atividade neurogênica proveniente da musculatura ativa dos MMSS 25.

Sawka 25 comparou o impacto imediato de exercício de MMSS e MMII sobre a função cardiorrespiratória em DF e sem deficiência. Diferenças substanciais de resposta aguda ao exercício foram observadas nitidamente em vários parâmetros entre os dois tipos de atividade, comparados num mesmo VO2 absoluto. Muitas dessas diferenças desapareceram, quando os dados foram examinados na mesma fração dos respectivos VO2máx dos membros.

O VO2máx no exercício com MMSS, mesmo em indivíduos treinados, em geral, atinge valores mais baixos do que os conseguidos com MMII. Astrand e Saltin 24 identificaram valores percentuais mais altos de VO2máx para MMSS em relação aos MMII, porém, a maioria dos autores tem verificado cifras em torno de 50% a 80% do VO2máx em indivíduos sedentários e treinados 2,16,18,26,27.

Vale lembrar que, enquanto no exercício com MMII a capacidade de trabalho é limitada, principalmente, pela função cardiorrespiratória central e pelo transporte de oxigênio, no exercício com MMSS é devido a pequena massa muscular ativa e, portanto, funções como VE, FC, VS, DC não atingirão, habitualmente, o nível máximo verificado em exercícios de MMII.

Efeito do treinamento físico com membros superiores - Estudos prévios têm demonstrado as características de adaptação cardiocirculatória, respiratória e metabólica ao treinamento físico (TF) específico de MMSS em indivíduos jovens e saudáveis 2,6,12,17,19. Essas adaptações são predominantemente periféricas e, por isso, altamente específicas do grupo muscular treinado.

Têm sido demonstrados os efeitos do TF de MMSS na melhora da aptidão cardiorrespiratória, metabólica e da função periférica de musculatura. Hickson e Rosenkoetter 28 encontraram incrementos de 14% no DC e 11% no VS, enquanto a diferença arteriovenosa de O2 aumentou 16%. Por outro lado, Magel e col 23, após programa de 10 semanas de treinamento em jovens, não encontraram qualquer melhora do DC e do VS no exercício máximo nem no exercício submáximo, porém notaram significante diminuição da FC, aumento do VS e do trabalho total em cargas submáximas.

Alterações em parâmetros circulatórios centrais e periféricos foram comparados por Clausen e col 4, utilizando metodologia invasiva antes e após treinamento de alta e moderada intensidade de MMSS e MMII, respectivamente. Foram observados aumento do VO2máx(9,9 a 15,9%), e do trabalho total no grupo de treinamento de alta intensidade. No grupo que treinou em intensidade moderada não foram encontradas modificações significativas do VO2máx, do trabalho total e da resistência vascular periférica total. Nas duas intensidades de treinamento verificou-se diminuição significativa da FC em repouso.

O TF de MMSS em DF de MMII e os seus efeitos tem sido relatado em literatura 29,30. Várias publicações têm demonstrado adaptações cadiorrespiratórias benéficas nesses indivíduos quando submetidos a TF de MMSS 29-33.

Knutsson e col 32 estudaram os efeitos do TF de MMSS em indivíduos paraplégicos. Eles realizaram de quatro a cinco sessões de TF com duração total de seis semanas. Nos DF com lesão abaixo da 6ª vértebra torácica aumentou a capacidade de trabalho físico em 50%. Ao contrário, nos indivíduos com lesão entre a 5ª vértebra cervical e a 6ª torácica, houve pouca ou nenhuma melhora em resposta ao programa de TF.

Pollock e col 34 submeteram oito DF sedentários e 11 homens sem DF a um programa de TF de endurance. A intensidade dos exercícios variou de 80% a 85% da FC máxima, 30min por sessão, três vezes por semana e duração de 20 semanas. Ambos os grupos demonstraram melhora significativa da função cardiorrespiratória. O VO2máx aumentou 39% nos indivíduos sem deficiência física, enquanto nos DF, a melhora foi de 19%.

Dreisinger 35 examinou os efeitos da prescrição de TF sobre a resposta cardiorrespiratória em indivíduos confinados em cadeiras de rodas. Vinte e oito homens e mulheres foram divididos em dois grupos, experimental e controle. O grupo experimental exercitou-se por 20min cada sessão, três vezes por semana por um período de oito semanas de TF. O grupo controle manteve apenas sua atividade habitual. Ao final do estudo, verificou que só houve aumento na carga máxima de trabalho e no VO2máx dos indivíduos que treinaram no grupo experimental.

Di Carlo 36 utilizou um programa de TF de endurance para melhorar a capacidade cardiorrespiratória ao exercício submáximo e máximo em um indivíduo masculino de 24 anos de idade com quadriplegia. O TF consistiu de exercício em um cicloergômetro de MMSS, três vezes por semana por um período de oito semanas. A duração de cada sessão variou de 15 a 30min numa intensidade média de 80% da FC máxima. Os resultados verificados após o término do TF revelaram diminuição significativa da FC nas cargas submáximas de trabalho. A capacidade máxima de exercício e a potência aeróbica aumentaram 37% (35 vs 47w) e 55% (11 vs 17mlo2/kg-1/min-1), respectivamente.

Em outro estudo, Di Carlo e col 31, acompanhou a resposta evolutiva de TF sobre o sistema cardiorrespiratório, durante cinco semanas em quatro indivíduos DF. Cada sessão durou 37min, era realizada três vezes por semana a uma intensidade entre 60% e 80% da FC máxima. Os resultados verificados antes e após o TF de MMSS, demonstraram aumentos de 55% na carga máxima de trabalho e 65% no VO2máx atingido.

Em resumo, os estudos sobre o TF de MMSS em indivíduos jovens e saudáveis, como também em DF, demonstram claramente, que os efeitos ocorrem de maneira favorável sobre os sistema cardiorrespiratório, metabólico e muscular. Em sua grande maioria, eles têm verificado no exercício submáximo, a diminuição da FC, do quociente respiratório, da ventilação pulmonar e do consumo de oxigênio. Enquanto no exercício máximo, observam-se aumento da carga máxima de trabalho, do consumo máximo de oxigênio, da ventilação pulmonar e do ácido lático.

Em pacientes cardíacos, o TF de MMSS não é tradicional. Entretanto, na atualidade, vários estudos têm demonstrado, segurança e eficiência equivalentes ao TF realizado com MMII nesses pacientes.

Fardy e col 37 estudaram as respostas eletrocardiográficas e hemodinâmicas para MMSS, MMII e combinados em 20 indivíduos cardíacos e não encontraram diferenças significativas na FC, pressão arterial sistólica (PAS) e DP nos três tipos de exercícios. A pressão diastólica média foi significativamente maior durante o exercício realizado com os MMSS, sugerindo um maior componente isométrico. A resposta eletrocardiográfica não mostrou prevalência de arritmias no exercício de MMSS, quando comparado ao esforço realizado com os MMII e combinado, respectivamente. Resultados estes confirmados por outros estudos em pacientes cardíacos 48-50.

Thompson e col 38 examinaram a resposta cardiorrespiratória de quatro homens treinados e oito não-treinados, com angina de peito antes e após oito semanas de TF de MMSS e MMII, respectivamente. Os indivíduos treinaram 40min em cada sessão, três vezes por semana numa intensidade próxima ou no limiar de angina. O tempo de início de angina aumentou 3,6min para o grupo treinado e 1,6min para os não-treinados. O DP não modificou-se com o treinamento. O grupo treinado com MMSS, aumentou o VO2máx em 19% enquanto o treinado com MMII aumentou somente 10%.

Wrisley e col 39 estudaram a treinabilidade de MMSS e MMII em 13 indivíduos após sofrerem infarto do miocárdio e investigaram, se as respostas do treinamento com MMSS eram semelhantes aos efeitos verificados com os MMII. Sessões de treinamento em círculo com duração de 30min, três vezes por semana por um período de seis semanas a uma intensidade entre 60% e 80% do VO2máx foram realizadas. Os indivíduos alternaram os equipamentos que incluíam esteira, ergômetro de MMSS e MMII, remoergômetro modificado e exercícios em um banco. Os resultados demonstraram diminuição da FC, PAS e percepção subjetiva ao esforço em cargas submáximas realizadas na esteira e no ergômetro de MMS, respectivamente. Enquanto isso, o VO2máx e a carga máxima atingida aumentaram 13% e 11% e 24% e 23% no exercício realizado com MMSS e MMII, respectivamente.

Os resultados indicaram que a melhora qualitativa e quantitativa da capacidade cardiorrespiratória pelo exercício aeróbio realizado com os MMSS, é comparativamente a mesma observada com os MMII. Portanto, os resultados dessas pesquisas, são encorajadores e sugerem que o TF de MMSS é um importante meio para melhorar o nível de aptidão física de indivíduos com limitações de MMII e/ou daqueles que realizam atividades ocupacionais de MMSS.

Técnicas para realização do teste ergométrico de membros superiores

Escolha do ergômetro - Na AACD utilizamos, basicamente, dois tipos de ergômetros, o cicloergômetro adaptado para MMSS e o ergômetro de manivela. De acordo com a meta a ser atingida, varia a escolha do ergômetro. O cicloergômetro adaptado para MMSS propicia maiores incrementos no desempenho muscular aeróbio e tem ampla aplicação na avaliação física funcional de MMSS (cardiocirculatória, capacidade aeróbia muscular, etc) 25-29. É um ergômetro de baixo custo e de fácil utilização na avaliação e prescrição de nossos pacientes 40. A diferença básica dos dois tipos de ergômetros está na engrenagem e circunferência do volante. No ergômetro adaptado Monark, elas foram dimensionadas de modo que uma volta completa dos pedais desenvolva uma distância teórica comparável a 6m, enquanto no ergômetro de manivela, a distância é de 3m. A escala de carga de trabalho, no ergômetro adaptado Monark, é graduada em kilopounds (kp) (1 kp é a força que age sobre uma massa de 1kg à aceleração normal da gravidade). O poder de frenagem (kp) estipulado pelo ajuste da tensão da correia, multiplicado pela distância pedalada ou ciclada (m), fornece o volume de trabalho em kp/m (kpm) ou kilograma/m (kgm). Se a distância for expressa pelo tempo gasto na realização do exercício, então, obtém-se a média do trabalho em kpm/min-1 ou kgm/min-1 41.

O envolvimento de pequenos grupos musculares provoca fadiga muscular precoce, principalmente em DF do sexo feminino, sedentárias. A ocorrência de fadiga precoce é menos acentuada em indivíduos treinados em modalidades esportivas que requeiram grande participação dos MMSS ( natação, caiaque, remo, etc). Para pessoas de baixa aptidão física, principalmente do sexo feminino, diabéticas, preferimos utilizar inicialmente o ergômetro de manivela, que mobiliza a musculatura de braços e antebraços, poupando os músculos do tronco e facilitando a realização de cargas baixas por maior período de tempo.

Quando o objetivo é obter resposta rápida e expressiva do sistema cardiocirculatório sempre utilizamos o cicloergômetro adaptado para MMSS, uma vez que permite execução de níveis elevados de trabalho, aumentando a FC >85% da FC máxima predita, por envolver maior número de grupos musculares (cintura escapular, tronco), e atingir maior VO2máx com menores níveis de cansaço e lactacidemia 42.

Protocolo - Na AACD, utilizamos protocolos intermitentes com incrementos de cargas de trabalho escalonados de 125 (20w) e 140kgm/min-1 (25w) para mulheres e homens, respectivamente no cicloergômetro adaptado Monark e ergômetro de manivela para MMSS. Cada estágio tem duração de 3min intercalados com 1min de intervalo ativo. O intervalo entre as cargas tem duração de 30s de para medição da PA e registro de eletrocardiograma seguidos por mais 30s de repouso com os mãos fora dos pedais adaptados e apoiadas sobre a mesa. Para adequada medição da PA durante o intervalo ativo, um dos braços permanece em movimento, enquanto a PA é medida no membro contralateral por método auscultatório, na artéria braquial. São realizados dois registros eletrocardiográficos: o 1º durante o intervalo ativo e o 2º imediatamente após à soltura dos pedais adaptados.

Utilizamos velocidades entre 69 a 83rpm para mulheres e 83 a 95rpm para homens, respectivamente. Essas rotações são ajustadas para ambos os sexos e têm sido utilizadas com relativa facilidade ao longo de cinco anos em cerca de 800 TE-MMSS, possibilitando melhor eficiência muscular, resposta cronotrópica satisfatória atingindo a FC submáxima predita para a idade, semelhantes aos achados de Hardison e col 43 . Velocidades superiores às estabelecidas provocam interrupção precoce por fadiga muscular localizada, enquanto inferiores tornam os testes demasiadamente longos e sem eficácia.

Concluindo, a ergometria de MMSS ainda pouco conhecida e utilizada pela cardiologia, tem sido de grande utilidade como meio alternativo na avaliação de parâmetros cardiocirculatórios em indivíduos com limitações provocadas por alterações de ordem motora, vascular e/ou neurologica.

O método tem permitido constatar, na maioria dos casos, a verificação de alterações cardiovasculares importantes, como também, os efeitos de treinamento físico (TF). Estudos em indivíduos com limitação motora de MMII indicam que o TF aeróbio de MMSS realizado por várias semanas, podem aumentar significativamente a potência muscular e o VO2máx 31-33.

Embora o TF de MMSS apresente um limite inferior para o aumento da potência aeróbia quando comparado ao TF com MMII, ele pode ser atingido. Todavia, a magnitude deste aumento parece ser dependente do nível inicial de aptidão física e do tamanho da massa muscular envolvida no exercício.

Geralmente, os maiores ganhos são observados em indivíduos com baixa capacidade física 44. As adaptações fisiológicas provenientes do TF aeróbio com MMSS são devidas a melhorias periféricas (melhora da densidade capilar e/ou capacidade metabólica dentro dos músculos) mais que adaptações circulatórias centrais 23,44

Alguns estudos 14-16,18,45 têm demonstrado, que o método empregado é reprodutível e de grande utilidade como teste diagnóstico na detecção de isquemia miocárdica via depressão do segmento ST e/ou angina de peito provocada pelo exercício de MMSS 15,46,47.

Assim, consideramos a ergometria de MMSS uma alternativa importante para avaliação funcional de DF, daqueles acometidos por quaisquer afecções dos MMII que dificultem a deambulação e em indivíduos que realizam atividades físicas ocupacionais dominantes de MMSS.

Associação de Assistência à Criança Defeituosa e Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP

Correspondência: Sandra Haddad - Incor - Div de Cardiologia Social - Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44 - 05403-000 - São Paulo, SP

Recebido para publicação em 4/12/96

Aceito em 2/7/97

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2001
  • Data do Fascículo
    Set 1997

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 1996
  • Aceito
    02 Jul 1997
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