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Cartas ao Editor

Cartas ao Editor

Senhor Editor,

Li com atenção o artigo "Uma macromolécula capaz de alterar o resultado da CK-MB e induzir ao erro no diagnóstico de infarto agudo do miocárdio", publicado em Arquivos Brasileiros de Cardiologia, no volume 66 de março/96, pelos Drs Ana Cristina Camarozano e Luiz Miguel Henriques.

Nessa publicação, os autores destacam a possibilidade de liberação de formas atípicas da isoenzima CK-BB conseqüente ao comprometimento maciço de órgãos, como o trato gastrointestinal, bexiga, próstata, rins e útero, especialmente, se acometidos por neoplasias. O método habitual de dosagem da CK-MB utiliza um anticorpo monoclonal antifração M do dímero da CK, que inibe tanto a isoenzima MM, como a subunidade M da CK-B. Considerando-se que o dímero BB praticamente inexiste no sangue periférico, infere-se que a atividade enzimática residual decorrerá da subunidade B, acoplada à subfração M neutralizada.

A partir dessas observações, os autores sugerem, de maneira apropriada, que a CK-MB constitui um marcador fidedigno do infarto agudo do miocárdio (IAM), desde que não haja elevação significativa da CPK. Caso contrário, deve-se pesquisar a presença de macro-BB, para se descartar resultados falso-positivos. Essa elevação enzimática anômala poderia estar relacionada a neoplasias malignas, especialmente o carcinoma da próstata.

Durante trabalho experimental em cães, objeto de nossa Tese de Doutoramento em 1986, em que comparávamos a proteção miocárdica ao coração isquêmico, proporcionada pela hipotermia e por diferentes soluções cardioplégicas, utilizamos a dosagem enzimática como um dos parâmetros avaliatórios do dano celular miocárdio 1. Já nessa época, observamos que a dosagem isolada de creatinoquinase total sérica não demonstrava especificidade para se avaliar lesões do músculo cardíaco. Os níveis séricos de creatinoquinase elevavam-se em todos os grupos de cães em que se realizava toracotomia, sugerindo sua liberação conseqüente ao traumatismo da massa muscular durante a mesma.

Por outro lado, o método de dosagem de sua subfração CK-MB, proposto por Jockers-Wretou e col 2 e modificado por Roberts e col 3 e Neumeier e col 4, empregado amplamente no diagnóstico de IAM, pressupunha a ausência de CK-BB na circulação sangüínea, o que nem sempre ocorria.

Já em 1977, Mercer 5, estudando pacientes internados em unidades de Pronto-Socorro ou Terapia Intensiva, observou elevação de CK-BB em 73 dentre 331 (22%) pacientes acometidos de emergências diversas, tendo condenado os métodos que dosavam conjuntamente CK-MB e CK-BB. Coolen e col 6 obtiveram resultados semelhantes ao detectarem atividade de CK-BB acima do normal em 20% (15 em 75) de pacientes não selecionados, internados em Centros de Terapia Intensiva.

A fração BB da CK é a subunidade predominante no cérebro. Sua migração catódica, semelhante à gama-globulina, possibilitou constatar sua ausência nos demais tecidos, embora seja a isoenzima predominante em músculos de fetos humanos até o 3º mês gestacional. São descritas elevações séricas significativas em recém-nascidos que sofreram asfixia ou dano no sistema nervoso central neonatal. Devemos, portanto, também ter em mente a possibilidade da elevação da CK-BB ocorrer em pacientes que sofreram distúrbios neurológicos, muitas vezes concomitantes ou decorrentes de problemas cardiovasculares Nesses casos, a elevação de CK-MB não decorre exclusivamente dos problemas cardíacos, caso a metodologia de dosagem enzimática não seja específica para cada isoenzima.

Essas evidências nos levaram a empregar, em 1986, a técnica de dosagem de CK-MB descrita por Mercer 7 que, através da separação das isoenzimas em colunas de cromatografia, possibilita sua quantificação sem a interferência das demais frações da creatinoquinase.

Devemos lembrar que, atualmente, a quantificação sérica de CK-MB não é empregada apenas na detecção do IAM. Novas aplicações para as variações séricas de CK-MB vêm sendo efetuadas através do cálculo da extensão do IAM, bem como na avaliação de seu prognóstico, fato que pode gerar falsos resultados e, conseqüentemente, conclusões impróprias.

A dosagem CK-MB, amplamente empregada nas unidades de Pronto-Socorro e Centros de Terapia Intensiva, constitui hoje, juntamente com os sintomas clínicos e o eletrocardiograma, a base diagnóstica inicial nos eventos isquêmicos cardíacos. O intensivista deve ter em mente, portanto, a possibilidade de falso positivos, decorrentes ou de problemas neurológicos associados, como destacamos, ou de neoplasias malignas concomitantes, como bem salientaram os autores, a quem parabenizo pela publicação.

Atenciosamente

Dr. Luís Alberto Oliveira Dallan

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP

Referências

1. Dallan LAO - Proteção miocárdica por hipotermia e cardioplegia. Aspectos enzimáticos, hemodinâmicos e ultra-estruturais. Estudo experimental. Tese de Doutoramento, FMUSP, 1986 .

2. Jockers-Wretou E, Pfleiderer G - Quantitation of creatine-kinase isoenzymes in human tissues and sera by immunological method. Clin Chim Acta 1975; 58: 223-32.

3. Roberts R, Sobel BL, Parker CW - Radioimmunoassay for creatine-kinase isoenzymes. Science 1976; 194: 855-7.

4. Neumeier D, Prellwitz W, Wüerzburg U et al - Determination of creatine-kinase isoenzyme MB activity in serum using immunological inhiition of creatine-kinase M subunit activity. Clin Chim Acta 1976; 73: 445-51.

5. Mercer DW - Frequent appearence of creatine kinase isoenzyme BB in sera of critical-care patients. Clin Chem 1977; 23: 611-2.

6. Coolen RB, Pragay DA, Chilcote ME - The occurrence of the brain (BB) isoenzyme of serum creatine kinase (CK) in different diseases as determined by quantitative electrophoresis and ion exchange columm chromatography. Clin Chem 1975; 21: 976.

7. Mercer DW - Separation of tissue and serum creatino kinase isoenzymes by ion-exchange columm chromatography. Clin

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2001
  • Data do Fascículo
    Out 1997
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