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O sentido de vida do familiar do paciente crítico

El sentido de la vida familiar del paciente grave

Resumos

Este estudo emergiu da reflexão acerca de vivências, como profissional de enfermagem. Teve como objetivos compreender o sentido de vida do familiar do paciente crítico, diante da Tríade Trágica: culpa, sofrimento e morte; e identificar os conteúdos de sentido de vida destes, fundamentada na Analise Existencial. Na trajetória metodológica, a abordagem foi qualitativa, e a análise de conteúdo. A compreensão dos significados foi guiada pela Configuração Triádica, de onde surgiram as categorias: Vazio existencial, Sofrimento, Culpa, Morte, Sentido de vida e Assistência na UTI. Para o familiar do paciente crítico, encontrar o sentido de vida frente à Tríade Trágica é perceber o otimismo trágico, como possibilidade de responder às questões da vida de modo positivo e responsável, através de forças espirituais, como do seu Deus interior, do objetivo de criar ou realizar algo ou do amor dedicado ao seu enfermo.

Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva; Relações familiares; Relações profissional-família; Existencialismo


Este estudio surgió de la reflexión acerca de las vivencias tenidas como profesional de enfermería. Tuvo como objetivos: comprender el sentido de la vida del familiar del paciente crítico, frente a la Triada Trágica: culpa, sufrimiento y muerte; e identificar los contenidos del sentido de la vida, fundamentado en el Análisis Existencial. En la trayectoria metodológica el abordaje fue el cualitativo y el análisis de contenido. La comprensión de los significados fue guiada por la Configuración Triádica de donde surgieron las categorías: Vacío existencial, Sufrimiento, Culpa, Muerte, Sentido de la vida y Asistencia en la UCI. Para el familiar del paciente crítico, encontrar el sentido de la vida frente a la Triada Trágica es percibir el optimismo trágico, como posibilidad de responder a las cuestiones de la vida de modo positivo y responsable, a través de fuerzas espirituales, como de su Dios interior, del objetivo de crear o realizar algo o del amor dedicado a su enfermo.

Enfermería; Unidades de Terapia Intensiva; Relaciones familiares; Relaciones profesional-famila; Existencialismo


This study emerged from the reflection of my nursing professional experiences. The objectives were to understand the life meaning of critical patients' relatives, in view of the Tragic Triad: guilt, suffering, and death; to identify the contents of these individuals' life meanings, based on Existential Analysis. The methodological trajectory implied the qualitative approach and content analysis. The understanding of the meanings was guided by the Triadic Configuration, from which the following categories emerged: existential emptiness, suffering, guilt, death, meaning of life and ICU care. For the critical patients' relatives, finding the meaning of life in view of the Tragic Triad means perceiving the tragic optimism, such as the possibility of answering life questions in a positive and responsible way, by means of spiritual forces, as of their inner God, though the purpose of creating or performing something, or through the love dedicated to their sick loved one.

Nursing; Intensive Care Units; Family relations; Professional-family relations; Existentialism


ARTIGO ORIGINAL

O sentido de vida do familiar do paciente crítico* * Extraído da dissertação "O sentido de vida do familiar do paciente crítico" Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, 2003.

El sentido de la vida familiar del paciente grave

Adriana Braitt LimaI; Darci de Oliveira Santa RosaII

IEnfermeira. Mestre em Saúde do Adulto e Idoso. Enfermeira da Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente do Hospital Distrital do Funchal Cruz de Carvalho. Integrante do Grupo de pesquisa sobre Educar, Ética e Exercício da Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador, BA, Brasil. abraitt@gmail.com

IIEnfermeira. Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Líder do Grupo de pesquisa sobre Educar, Ética e Exercício da Enfermagem da UFBA. Membro do Sigma Theta Tan Internacional - capítulo Ru Ypsylon - FIEERP - USP. Salvador, BA, Brasil. darcisantarosa@gmail.com

Correspondência Correspondência: Adriana Braitt Lima Caminho da Ladeira, 5 - Edifício Ladeira Bloco C, Segundo Esquerdo, Fracção Q Código Postal 9020-089 - Funchal, Madeira, Portugal

RESUMO

Este estudo emergiu da reflexão acerca de vivências, como profissional de enfermagem. Teve como objetivos compreender o sentido de vida do familiar do paciente crítico, diante da Tríade Trágica: culpa, sofrimento e morte; e identificar os conteúdos de sentido de vida destes, fundamentada na Analise Existencial. Na trajetória metodológica, a abordagem foi qualitativa, e a análise de conteúdo. A compreensão dos significados foi guiada pela Configuração Triádica, de onde surgiram as categorias: Vazio existencial, Sofrimento, Culpa, Morte, Sentido de vida e Assistência na UTI. Para o familiar do paciente crítico, encontrar o sentido de vida frente à Tríade Trágica é perceber o otimismo trágico, como possibilidade de responder às questões da vida de modo positivo e responsável, através de forças espirituais, como do seu Deus interior, do objetivo de criar ou realizar algo ou do amor dedicado ao seu enfermo.

Descritores: Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva; Relações familiares; Relações profissional-família; Existencialismo.

RESUMEN

Este estudio surgió de la reflexión acerca de las vivencias tenidas como profesional de enfermería. Tuvo como objetivos: comprender el sentido de la vida del familiar del paciente crítico, frente a la Triada Trágica: culpa, sufrimiento y muerte; e identificar los contenidos del sentido de la vida, fundamentado en el Análisis Existencial. En la trayectoria metodológica el abordaje fue el cualitativo y el análisis de contenido. La comprensión de los significados fue guiada por la Configuración Triádica de donde surgieron las categorías: Vacío existencial, Sufrimiento, Culpa, Muerte, Sentido de la vida y Asistencia en la UCI. Para el familiar del paciente crítico, encontrar el sentido de la vida frente a la Triada Trágica es percibir el optimismo trágico, como posibilidad de responder a las cuestiones de la vida de modo positivo y responsable, a través de fuerzas espirituales, como de su Dios interior, del objetivo de crear o realizar algo o del amor dedicado a su enfermo.

DESCRIPTORES: Enfermería; Unidades de Terapia Intensiva; Relaciones familiares; Relaciones profesional-famila; Existencialismo.

INTRODUZINDO O TEMA

Este artigo é originado da dissertação de mestrado intitulada O sentido de vida do familiar do paciente crítico, teve como motivação a minha experiência junto à pessoas no cotidiano da Unidade de Terapia Intensiva Geral (UTI-G). Partindo do princípio de que o familiar do paciente crítico expressa emoções, valores e culturas diversificadas, buscou-se compreendê-lo como ser bio-psico-espiritual, tendo como referencial a análise existencial frankliana(1).

O despertar para o aprofundamento do tema emergiu de análise reflexiva sobre a trajetória acadêmica e vivências que marcaram a formação profissional das autoras, particularmente, acerca da experiência sobre o sentido de vida, ao perceber que esta busca e os fenômenos de sofrimento e morte estão presentes no dia-a-dia da enfermeira, dos pacientes e dos familiares.

No âmago dos cuidados na UTI, dos conflitos vivenciados por familiares destes pacientes está presente a Tríade Trágica constituída de sofrimento, culpa e possibilidade de morte, assim, foi estabelecida como questão norteadora: Qual o sentido de vida dos familiares dos pacientes críticos internados na UTI? E como objetivos: Compreender o sentido de vida do familiar do paciente crítico na UTI, diante da Tríade Trágica: culpa, sofrimento e morte; identificar os conteúdos de sentido de vida do familiar do paciente crítico na UTI.

Espera-se ao conhecer esse vivenciar, implementar na prática cotidiana conhecimentos que auxiliem ao enfermeiro que atende o familiar na sala de espera da UTI e contribuir para o ensino da enfermagem, visto que, os estudantes de enfermagem apresentam despreparo nas relações com os pacientes e seus familiares acerca de questões sobre o processo de morrer no contexto do cuidado(2).

Outro aspecto, é a escassez de trabalhos que enfoquem o sentido de vida, e particularmente o do familiar do paciente crítico, pretende-se que este estudo venha acrescentar para o conhecimento sobre a temática além de suscitar reflexões, redimensionar o olhar sobre a prática dos enfermeiros junto a essas pessoas e estimular novos estudos sobre o tema.

CONTEXTUALIZANDO A TEMÁTICA

As Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) são serviços que reúnem, entre seus profissionais, médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, especialmente treinados e organizados para dar assistência ao paciente clínico e cirúrgico em estado crítico. O objetivo desses centros é diminuir a mortalidade através de cuidados mais intensivos e da observação individual, contínua e integral, de acordo com as necessidades do paciente(3).

A UTI tornou-se o local mais tenso, agressivo e traumatizante do hospital, por reunir, em um só espaço, os pacientes críticos com possibilidade de morte(4). Nesse contexto, percebe-se como ponto positivo, o crescimento da tecnologia verificada em uma variedade de técnicas, medicamentos, equipamentos e procedimentos para a recuperação ou cura dos pacientes graves e, como ponto negativo, o prolongamento da vida daqueles que não têm possibilidade de recuperação(5).

A presença do familiar na UTI significa segurança para o enfermo e um cuidado fraterno. Estando sempre presente, a família sofre com a incerteza da finitude da existência do seu familiar. O sofrimento, manifestado através da insegurança, emerge em todos os níveis do viver deste familiar, em diferentes intensidades que deixam marcas diante da perspectiva do futuro e possibilidade de morte(6).

Não é suficiente permitir a visita do familiar na UTI, é necessário cuidá-lo para potencializar nosso trabalho na Enfermagem. Este cuidar do familiar significa em compreender as suas emoções, os seus gestos e falas, seus conceitos e limitações(7).

Há por parte dos familiares de pacientes críticos uma incansável busca de mensagens como uma lágrima que escorre do rosto do paciente ao ser chamado pelo apelido ou de sinais que revelem vida ou morte sem sofrimento, tais como: a cor e a abertura esporádica dos olhos em pacientes comatosos e a temperatura dos pés, além do apego a sinais vitais como a pressão arterial(8). Estas informações criam significância no universo desses familiares, revelando na maioria das vezes, a negação do processo de morrer.

O tempo de morrer tem um sentido por mais clara que tenha sido a informação sobre a gravidade do paciente. Acompanhar esse tempo, para os familiares é reconhecer os limites humanos. Seja qual for o seu amor por aquele, que está próximo da morte, não vai impedi-lo de morrer. O que a enfermeira pode fazer é não deixar que esse sofrimento seja vivido com solidão e abandono e tentar transformar esse processo em um momento solidário e humanizado(9).

A ANÁLISE EXISTENCIAL FRANKLIANA

A Análise Existencial ou Logoterapia utilizada por Viktor Frankl tem origem na palavra grega logos que significa sentido(10). É a terapia através do sentido e se baseia na busca de significados da existência do ser humano. Nela o homem é livre, responsável, tem consciência de sua responsabilidade, busca um sentido para sua vida e possui um Deus inconsciente dentro de si.

As bases da Análise Existencial são a responsabilidade e a liberdade incondicionada, sendo esta última a expressão do que há de mais humano em cada ser que ao assumir a liberdade vive as angústias do seu cotidiano. Esta liberdade está presente na consciência da convivência com os fantasmas da morte e do sofrimento(11).

Na análise existencial a vida tem um sentido a partir do momento em que somos atirados neste mundo, faltando a cada um o descobri-lo em seu interior(11). Um sentido na vida é alcançado quando se consegue encontrar um conteúdo significante para a existência e se dá através da realização de valores. Esses valores, a vivência da Tríade Trágica, aparecem quando a pessoa preenche, de maneira positiva, o vazio no qual se encontra(12). O vazio para a pessoa caracteriza a frustração existencial com predomínio da sensação de perda do sentido da existência e do conteúdo da vida(13).

As pessoas tornam-se plenas de fé e esperança na vida, quando acreditam num sentido, porém é no sentimento de angústia intensa que a fé aparece, ela é a esperança num futuro e faz emergir o sentido da vida e a crença em Deus. Esse Deus que vive na intimidade da pessoa é uma força que emerge quando todas as outras desapareceram e caracteriza a dimensão noética. Essa dimensão revela a sensação que surge como uma luz sustentadora e que parecia estar escondida no mais íntimo de cada um(11).

A palavra noético de origem grega nous, significa mente e espírito. Esse espiritual no homem constitui-se na sua personalidade(14). Nessa perspectiva o ser humano é constituído de três dimensões, a fisiológica, a psicológica e a noológica, que, respectivamente, constituem, o corpo, a alma e o espírito, tornando-se a pessoa, um ser indivisível, um total de todas as partes(1). O espiritual é aqui compreendido como uma dimensão especificamente humana, embora não seja única por ser o homem uma unidade e uma totalidade(1).

Nesse total, o sofrimento pode ser superado pela intensidade de esperança que pode emerge na condição vivenciada por cada ser humano. A esperança e os valores caminham juntos e estão vinculados à fé no futuro e ao estado de ânimo que se torna o sustento espiritual(15).

MÉTODO

A opção pela metodologia qualitativa levou em consideração a possibilidade de descrever comportamentos, fatos ou elementos que auxiliem o enfermeiro a atuar em situações de sofrimento, culpa e morte. Não se pretendeu fixar leis para criar generalizações, para um contexto mais amplo e sim, associar os princípios do ato de compreender o universo existencial do ser familiar de paciente crítico no ambiente da UTI, a vivência com fenômenos que não são quantificáveis.

A instituição onde foi realizado o estudo está localizada na cidade de Salvador. Trata-se de um hospital geral, privado, que presta atendimento em unidades de internamento, pronto atendimento, laboratório de análises clínicas e em exames de diagnóstico por imagens, dentre outros.

A escolha do familiar do paciente crítico obedeceu aos seguintes critérios: estar devidamente esclarecido pelo médico acerca do diagnóstico e do prognóstico; ter o seu familiar enfermo na UTI classificado como grave ou crítico; ser o familiar que reside com o paciente; ser o familiar mais constante no período de internação; concordar livremente, após esclarecimentos, em participar do estudo; dispor-se a, após ter concordado, assinar o termo de consentimento livre e esclarecido(16).

Para o desenvolvimento deste estudo, foram atendidos os critérios legais e éticos a fim de garantir a integridade, o respeito aos entrevistados e a autorização da Comissão de Ética da instituição (CM - 007/01) para a livre possibilidade de concretizar esta pesquisa, considerando o disposto na Resolução 196/96 que dispõe sobre Diretrizes para Pesquisas em Seres Humanos no Brasil. Levou-se em conta a relação com o tema, a forma da pesquisa, a presença de um consentimento informado e a observância do respeito ao pesquisado(16).

A finalidade dos dados da pesquisa qualitativa é possibilitar o entendimento profundo do fenômeno, apoiando-se na relevância do fator subjetivo obtido através da realização de entrevista semi-estruturada com a utilização do gravador para posterior transcrição e análise. As fitas foram arquivadas pelas pesquisadoras em local seguro pelo prazo de cinco anos, findo o qual a critério dos entrevistados serão devolvidas ou destruídas. Foram realizadas dez entrevistas, sendo selecionadas seis, seguindo o critério dos conteúdos que se mostraram suficientes para este estudo. Os entrevistados para garantia do anonimato, receberam nomes fictícios como de pedras preciosas.

A compreensão da pessoa exige uma fundamentação existencialista e humanista(15,17). Assim, o familiar do paciente crítico, no centro do seu existir e através de sua singularidade, coloca-se frente à sua realidade-mundo - a UTI - vivenciando situações limítrofes com os fenômenos da vida, que expressam culpa, sofrimento e possibilidade de morte, fazendo emergir conflitos existenciais em relação a si mesmo (interior) e à realidade (exterior).

A seguir, estão as questões de aproximação com os familiares dos pacientes críticos: você sabe o que está acontecendo com seu familiar internado na UTI? Como era sua vida antes do seu familiar adoecer? E a questão norteadora: Como é que está sua vida neste momento? Para encerrar a entrevista: quer falar sobre algo mais?

A fundamentação para a compreensão dos depoimentos foi realizada através da análise de conteúdo. Cuja técnica consiste em aproximar as descrições de conteúdo subjetivos, buscando evidências de forma objetiva, a natureza e as forças relativas dos estímulos a que o sujeito é submetido(18).

Após a coleta foram efetuadas a análise, a catego-rização e a compreensão dos significados. Considerou-se para descrição das falas dos entrevistados, o método de categorização, formulado como uma espécie de gavetas ou rubricas significativas, que permitem a classificação dos elementos de significação da mensagem(18). Esse modelo de categorização foi utilizado para a compreensão do sentido de vida do familiar do paciente crítico(17).

Do processo descritivo e reflexivo da análise dos conteúdos emergiram as seguintes categorias empíricas: O vazio existencial, O sofrimento, A culpa, A morte, O sentido de vida e A assistência ao familiar crítico. Estas foramconstruídas mediante a classificação das unidades de registros em unidades de contexto e estas em subcategorias empíricas.

O vazio existencial: desvelando a situação concreta do familiar

O familiar do paciente crítico desvela a situação de sofrimento e vazio que emerge da situação do seu familiar internado na UTI.

Veio um colega dele [...] Eu disse: o senhor quer dar uma olhadinha? Ele disse: Não tenho coragem. Aí ele não entrou e eu entro, porque sou mãe e quero ver, mas é uma hora tão [...] Meu Deus, não sei [...] tão angustiada quando eu, eu chego junto de meu filho que não posso fazer nada, ele [...] (Pérola).

Pérola no momento da visita, sente um vazio ao constatar que não pode se comunicar com seu filho na UTI. Essa restrição é marcada pela angústia e tristeza de perceber os limites que lhes são impostos pelo uso de fios e aparelhos.

Teve um dia que eu fui lá. Aí, ele tava mexendo o pé, mexeu a mão, quando o olho abriu, foi que eu corri e disse: Oh! Doutor! Meu filho melhorou, ele está se bulindo. Ele disse: Não, é a sedação que está baixa, eu vou aumentar. Mas nesse dia o corpo tremia, saindo, fiquei [...] não fiquei, porque eu não agüentei (Pérola).

Para Pérola, verificar a gravidade do seu familiar foi um dos momentos mais difíceis de sua vida, onde a esperança de encontrar um sinal significativo de melhora e ao mesmo tempo a perda da esperança caíram por terra diante dissipadas do não expresso pelo médico. Ela refere que durante a visita vê-lo naquela condição e ouvir a resposta do médico lhe gerou angústia, frustração e tristeza. Vale ressaltar que o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma, do mesmo modo que o destino e a morte. Aflição e morte fazem parte da existência como um todo(10).

O vazio, também, ocupa uma condição não dimensionada diante da possibilidade de morte.

Eu só estou um vácuo, um vazio muito grande dentro de mim, como se tivesse um labirinto aqui [...] que eu estou perdida dentro de mim de meus sentimentos, de meu coração e não consigo encontrar o caminho de saída porque o meu caminho era ele, minha vida era ele [...] Eu era forte porque tinha ele. Não sei o que eu sou hoje [...] (choro) (Ametista).

Para Ametista, é muito difícil a situação de entrar na UTI e encontrar o seu familiar sofrendo. Quando presente, ela percebe a falta de reações do parente devido à sedação ou estado de coma. Frente a essa situação concreta, ela sente o vazio deixado pela ausência de sentido da sua vida, gerando sentimento de solidão e de perda da identidade.

A situação concreta vivida por Pérola revela o vazio existencial pela angústia de ver seu familiar na UTI, já para Ametista é desvelado ao considerar o abismo que emerge entre eles com a perda de sentido da vida.

O sofrimento: desvelando a gravidade do familiar e o Deus inconsciente

O sofrimento faz emergir o Deus inconsciente no familiar do paciente crítico no momento em que todas as possibilidades de cura pela medicina já não existem.

Eu espero todo dia por um milagre do céu [...] porque só Deus cura [...], mas tem acontecido cura e pela medicina e pelo poder de Deus, porque eu vi quando ele teve pela segunda vez e eu acreditei que, se Deus quiser, ele cura ele (Pérola).

Apesar do sofrimento, Pérola revela acreditar em um milagre de Deus para curar o seu familiar e trazê-lo de volta à família. Essa força expressa-se como energia e luz interior que emerge do seu íntimo, diante do sofrimento com a enfermidade e com a hospitalização do seu familiar na UTI.

Este Deus não é um deus mágico, no sentido espiritual, mas uma energia que aparece no momento em que todas as outras sumiram. Aparece como um alento, uma luz alentadora que parecia estar escondida no mais íntimo de cada um. Esta é a dimensão noética [...] é incorruptível e lúcida, ainda que a doença e o sofrer sejam infinitos(11)

Culpa: orientando-se pela responsabilidade

A culpa e a responsabilidade emergem da consciência diante de uma situação concreta.

É claro que eu não vou de maneira nenhuma me sentir culpada pelo que aconteceu, nem passa pela minha cabeça. Ele veio. O objetivo dele era esse. Infelizmente, foi uma fatalidade o que aconteceu, mas desregula um pouco o dia-a-dia, né? Eu fico meio desnorteada. Saí do esquema do dia. Aí é muito triste (Cristal).

Cristal relata as ações desenvolvidas por seu familiar antes da hospitalização e examina a sua consciência orientando-se pela responsabilidade de estar a seu lado na UTI. Ela revela a presença ao lado do seu familiar crítico, o sentimento de culpa pelo que o levou à UTI. Expressa, ainda, os sentimentos de perda de sentido da vida que essa condição traz para ela.

Impulsionada pela culpa, Cristal compreende o significado da responsabilidade de estar-com-o-outro e descobre nessa situação uma possibilidade de sentido.

A responsabilidade é aquilo para o que se é puxado e do que se foge. A sabedoria da língua indica com isso que no homem há forças contrárias que o afastam do assumir responsabilidades [...]. E terrível saber que em cada momento sou responsável pelo próximo; que cada decisão, a menor e a maior, é uma decisão [...], é uma decisão para toda a eternidade...(19).

A morte: desvelando momentos de reflexão

O familiar reflexiona sobre a aceitação do sofrimento do paciente crítico e expressa que o objetivo do seu viver diante da possibilidade da morte do seu ente querido é criar os filhos e estudar, considerando esta uma atitude que lhe dará força para enfrentar a situação concreta.

Eu vivo com o objetivo de cuidar dos meus filhos, estudar e fazer o curso de direito, que era a vontade dele. Às vezes, eu pensava, comigo mesma, que eu queria ir primeiro do que ele, [...], preferia ir primeiro que perdê-lo, como para minha mãe. Sempre, eu disse comigo mesma, que preferia ir primeiro do que qualquer um deles dois (Jade).

Perante o sofrimento que a possibilidade de morte traz, Jade estabelece como sentido para continuar a viver, estudar direito e cuidar dos filhos. Essa força emergiu no momento de reflexão sobre a vida e o sentido que a morte trouxe para assumir a responsabilidade por sua existência.

Sentido de vida: desvelando o arquivo eterno

Os familiares expressam amplas possibilidades de sentido ao refletirem sobre o passado. Estas são constituídas de valores, considerados pela análise existencial como caminhos para o encontro de sentido da vida(20).

Osvalores de experiências ocorrem ao se experimentar algo – como a bondade, a verdade e a beleza – experimentando a natureza e a cultura ou ainda, experimentando outro ser humano em sua originalidade única – amando-o(10).

Ele disse: Minha mãe! Estou com a passagem comprada, nós vamos viajar pra o Rio Grande do Sul, não diga que não [...] Fiquei tão feliz por ele me dar essa alegria. Ele não sabia que eu era apaixonada pelo Rio Grande do Sul. Passamos dias lá em Gramado, em julho, agora ele está assim (choro) (Pérola).

Pérola relata experiências de felicidade e contemplação conjunta que desfrutou com seu familiar durante uma viagem. Esta foi uma situação valorizada por ela e seu familiar, ora em estado crítico, como de alegria, beleza e plenitude. Aqui se apreende que as atividades conjuntas atribuíram significado na concretude da co-existência.

Os valores criativos são momentos preenchidos por atividades próprias do trabalho, da criação dos filhos, considerando-se a felicidade que atribui significado à vida no seu dia-a-dia. Esses valores caracterizam-se pela descoberta do sentido de vida, quando o ser humano experimenta que é capaz de dar algo ao mundo(15). O mais significante, na realização dos valores criativos, é como ele ocorre.

A gente, sempre, trabalhava junto [...] a gente tem uma sorveteria [...] Se saía prá fazer uma compra, eu ia junto. Se ia fazer entrega de sorvete, eu ia junto. Se ia comprar uma farinha de trigo, eu pegava o saco do lado dele prá ajudar no peso [...]. Sempre muito junto (Ametista).

Ametista relembra os conteúdos que mais atribuíram significados ao seu passado, destacando o compartilhar na execução do trabalho com o seu familiar, ora em situação crítica na UTI.

Os valores de atitude são apreendidos em situações de sofrimentos suportados com bravura das quais se têm orgulho(10).

O apartamento ele me deu [ ] esse seguro você só dá a meu filho quando ele estiver homem, na faculdade, que ele der gosto [ ]. Ele fez a reunião e disse: Oh gente, não me abandone não! [ ]. Da outra vez, ele não disse nada disso, mas, dessa vez, ele conheceu a situação. Quando ele piorava, sempre ele tinha alguma coisa para dizer [ ] Ele sabia! (Pérola).

Pérola relembra a atitude do filho quando, percebendo a situação em que se encontrava e a possibilidade de vir a morrer, organizou seus bens para deixar para ela e o filho dele. Este foi um valor de atitude que demonstrou a sua força para a realização de tarefas positivas e impulsionou o assumir da responsabilidade, considerando a finitude da sua vida.

Ao descortinar o seu arquivo eterno Pérola e Ametista compreendem o contexto da assistência na UTI e descobrem o sentido de suas vidas revelados através de valores de experiência, criativos e de atitude.

A assistência ao familiar do paciente crítico: desvelando a UTI como espaço de cuidar.

Ao desvelar o seu arquivo eterno, o familiar do paciente crítico compreende o contexto da assistência na UTI, nas dimensões dos seus comportamentos e daqueles apresentados pelos profissionais.

A UTI é vista como espaço de cuidar que tem aspectos positivos e negativos.

Então, a parte positiva da UTI [...] ele ali tem toda assistência, todas as pessoas estão ali para atender a qualquer momento. O que não acontece no quarto, nem na Semi - UTI. Agora, todas as horas as pessoas estão lá, toda hora que chamar estão lá, o bloco de enfermeiras e auxiliares. Não posso me queixar de ninguém, mas a ausência do parente [...] Só que você não tem condições de ficar lá (Safira).

Safira avalia positivamente a assistência dispensada pelo pessoal de enfermagem da UTI a seu doente em estado crítico, e destaca a disponibilidade dos profissionais, em atenderem, em tempo integral, o seu doente, comparando negativamente a assistência prestada em outros tipos de unidades. Para ela, é importante a presença do familiar junto ao doente, consciente de que esta permanência possui limites, por ser um local de isolamento devido às gravidade dos pacientes críticos, e esta condição ser requisito do tratamento. Entretanto, emergem com mais intensidade na fala de Safira sentimentos de abandono e da ruptura do vínculo afetivo com o seu ente querido.

A apreensão das atitudes dos profissionais de enfermagem é tida como positiva no contexto da UTI.

Agora [...] faziam aquilo com amor, se preocupava, nesse ponto eu estou tranqüila, porque meu filho sempre foi tratado bem, nunca foi maltratado. (Pérola).

Pérola expressa tranqüilidade ao considerar a assistência dispensada pela equipe de enfermagem e justifica a prática como possível e amorosa apesar do contexto. Ela revela que alguns profissionais se afeiçoaram ao doente.

Apreende-se que a UTI é um local de isolamento, de tratamento, onde os profissionais são afetuosos e dedicados e neste contexto, há mais intensidade, na sensação de ruptura do vínculo afetivo, consciência dos aspectos positivos e negativos deste espaço de cuidar, no qual o familiar não pode permanecer por tempo integral, embora ele tenha dúvidas sobre o beneficio de sua presença constante no local. Contudo, sofre por essa separação com sentimentos de solidão e abandono.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O familiar do paciente crítico ao ter consciência da situação concreta e da possibilidade de morte do seu enfermo que está na UTI expressa o vazio existencial através de sentimentos como: tristeza, frustração, pessimismo, desorientação, angústia e falta de sentido para viver.

Para entender a tríade trágica, é necessário definir cada familiar do paciente crítico como uma pessoa constituída da unidade e totalidade em três dimensões: corpo, alma e espírito. A dimensão corporal acontece ao se deparar com a limitação do somático devido à doença. A psíquica, a alma, pelo que reflete na sua mente, ao experienciar a doença, e que é exteriorizado através das emoções. O paciente sente, de corpo e alma, todo esse processo. O espiritual revela-se, quando o familiar volta-se para si mesmo e sente o sofrimento através de uma maneira de ser que lhe é única e específica, que o faz transcender para uma compreensão maior. Em sua tridimensionalidade o familiar do paciente crítico encontra sentido, transformando os aspectos negativos em positivos, através da busca de possibilidades para crescer como pessoa.

O sofrimento é transformado em atitude positiva diante do medo da morte e da UTI, transcendido na fé em Deus, na energia quando já não existe esperança de cura; a consciência, até o último instante, de que a sua fé é que lhe dá força e esperança, sendo esta, o último sentido; na crença na religião como salvação do seu familiar e nas práticas religiosas, paz e esperança para reverter a situação do seu familiar.

O familiar do paciente crítico é o ser responsável por seu enfermo. Esta responsabilidade é cobrada pela consciência e pelos limites em suas atitudes. O sentimento de culpa que emerge possibilita reflexões acerca: do que poderia ter feito durante a convivência com o seu familiar; de promessas não cumpridas; da dedicação e do amor autêntico que sente por ele que funciona como uma força no enfrentamento do sofrimento.

Ao ter consciência da possibilidade de morte do seu parente na UTI, o familiar sofre e deixa aflorar em sua mente: as lembranças de morte de outras pessoas, comparações entre sofrimentos vividos; a compreensão sobre a temática; o estabelecimento de novos objetivos; a revelação de dilemas antes não percebidos, apesar da busca de qualidade de vida e das atitudes do seu familiar crítico no enfrentamento da morte.

A reflexão sobre a transitoriedade da vida leva o familiar a buscar outros motivos que dão uma força e um sentido as suas vidas estão: criar os, filhos, estudar e trabalhar. Entre outras coisas mostra a intencionalidade para o agir com responsabilidade e a expressão de valores de experiência, de criação e de atitude.

É possível encontrar sentido frente a uma situação irreversível, em presença da tríade trágica. Todavia, esses conteúdos de sentido emergem do arquivo eterno vivenciado diante do seu familiar enfermo. Ao relembrar as vivências com seu ente querido, ele descobre como sentidos para sua vida a plenitude e as suas realizações através de valores de vivência, de criação e de atitude, de lembranças de momentos compartilhados, das qualidades do seu familiar, e do amor, que sentem, um amor intencional e autêntico pelo seu familiar considerado co a força que dá sentido à sua vida.

Para o familiar do paciente crítico, encontrar o sentido da vida frente à Tríade Trágica é perceber o otimismo trágico, como possibilidade de responder ás questões da vida de modo positivo e responsável, através de forças espirituais, do seu deus interior, de ações e atitudes, de onde ele consegue configurar o sentido da sua vida.

Recebido: 06/08/2007

Aprovado: 11/03/2008

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  • Correspondência:
    Adriana Braitt Lima
    Caminho da Ladeira, 5 - Edifício Ladeira
    Bloco C, Segundo Esquerdo, Fracção Q
    Código Postal 9020-089 - Funchal, Madeira, Portugal
  • *
    Extraído da dissertação "O sentido de vida do familiar do paciente crítico" Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, 2003.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      11 Mar 2008
    • Recebido
      06 Ago 2007
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