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Serviço Social e viabilização de direitos: a licença/salário‑maternidade nos casos de adoção

Social Work and the viability of rights: the statutory maternity pay and leave in cases of adoption

Resumos

A licença e o salário‑maternidade são benefícios previstos no âmbito da seguridade social, integrantes da política pública de Previdência Social que se aplicam às gestantes e às mães trabalhadoras em razão da maternidade, independente da filiação biológica ou adotiva. Ocorre que o período de licença‑maternidade estabelecido em 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário, tem sido concedido apenas nos casos de filiação biológica, sendo fracionado a sua concessão em relação às mães adotivas conforme a idade da criança adotada. Diante dessa evidente desigualdade, constitui o presente relato um importante registro acerca da atuação e contribuição do Serviço Social, especificamente em sua prática sociojurídica, com a defesa e viabilização de dois importantes direitos sociais indissociáveis: o direito à licença/salário‑maternidade das mães adotivas (proteção à maternidade) e o direito à convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes (proteção à infância).

Licença‑maternidade; Adoção; Serviço Social


The statutory maternity pay and leave are benefits provided by the social security, and they are part of the public policy for social security. They apply to pregnant women and working mothers because of motherhood, regard-less the fact that the motherhood is biological or adoptive. It so happens that the 120‑day‑period of maternity leave, without any loss to the job or wage, has been granted only in cases of biological parentage, and it has been granted split into parts to adoptive mothers according to the child's age. This article reports this evident inequality, and it is an important record of the performance and contribution of Social Work (specifically in its socio‑legal practice) to the protection and viability of two important social rights that are inseparable: the right to statutory maternity pay and leave for adoptive mothers (maternity protection) and the right to family and community life for children and adolescents (childhood protection).

Maternity leave; Adoption; Social Work


RELATO DE EXPERIÊNCIA

Serviço Social e viabilização de direitos: a licença/salário‑maternidade nos casos de adoção

Social Work and the viability of rights: the statutory maternity pay and leave in cases of adoption

Andreia Segalin

Assistente Social do Poder Judiciário de Santa Catarina lotada na Comarca de Maravilha, mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina/ SC, Brasil. E-mail: andreiasin@yahoo.com.br

RESUMO

A licença e o salário‑maternidade são benefícios previstos no âmbito da seguridade social, integrantes da política pública de Previdência Social que se aplicam às gestantes e às mães trabalhadoras em razão da maternidade, independente da filiação biológica ou adotiva. Ocorre que o período de licença‑maternidade estabelecido em 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário, tem sido concedido apenas nos casos de filiação biológica, sendo fracionado a sua concessão em relação às mães adotivas conforme a idade da criança adotada. Diante dessa evidente desigualdade, constitui o presente relato um importante registro acerca da atuação e contribuição do Serviço Social, especificamente em sua prática sociojurídica, com a defesa e viabilização de dois importantes direitos sociais indissociáveis: o direito à licença/salário‑maternidade das mães adotivas (proteção à maternidade) e o direito à convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes (proteção à infância).

Palavras‑chave: Licença‑maternidade. Adoção. Serviço Social.

ABSTRACT

The statutory maternity pay and leave are benefits provided by the social security, and they are part of the public policy for social security. They apply to pregnant women and working mothers because of motherhood, regard–less the fact that the motherhood is biological or adoptive. It so happens that the 120‑day‑period of maternity leave, without any loss to the job or wage, has been granted only in cases of biological parentage, and it has been granted split into parts to adoptive mothers according to the child's age. This article reports this evident inequality, and it is an important record of the performance and contribution of Social Work (specifically in its socio‑legal practice) to the protection and viability of two important social rights that are inseparable: the right to statutory maternity pay and leave for adoptive mothers (maternity protection) and the right to family and community life for children and adolescents (childhood protection).

Keywords: Maternity leave. Adoption. Social Work.

Contextualizando a adoção para compreender a importância da licença‑maternidade

A adoção é filiação que se dá por laços afetivos, socioculturais e jurídicos quando esgotadas as possibilidades de convivência de uma criança ou adolescente no seio de sua família de origem, por motivos que ensejaram a perda do poder familiar1 1 . Conforme estabelece a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, art. 1.638: "Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I — castigar imoderadamente o filho; II — deixar o filho em abandono; III — praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV — incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente". dos pais biológicos. Desta forma, inexistindo a consanguinidade, o vínculo parental se estabelece pelo afeto entre os protagonistas da relação familiar, estes que se reconhecem como pais e filhos respectivamente.

Diferente da filiação biológica, que vem precedida de uma gestação com período predeterminado, a filiação adotiva acontece repentinamente, precedida de um desejo e uma decisão de pessoas adultas em serem pais por adoção. Esses pretendentes, uma vez habilitados, vivenciam um tempo de espera não determinado; tornam‑se contingentes que poderão ser acionados pelo Estado para acolher em adoção uma criança ou adolescente como filho, quando esse foi impossibilitado de continuar a viver no âmbito de sua família biológica.

É importante perceber que o objetivo da adoção é encontrar uma família para uma criança em detrimento dos adultos que se inscrevem como postulantes à adoção com o desejo de que seja para eles encontrado um filho. Entretanto, quando a adoção acontece, ambas as expectativas se compatibilizam em prol da garantia do direito à convivência familiar e comunitária de um ser humano em condição peculiar de desenvolvimento.

Nesse contexto, ressalta‑se que a inserção de um novo membro na família, seja o nascimento de um filho ou a chegada de uma criança por adoção, é sempre um grande marco na vida das pessoas. É um fato significativo que gera oportunidades de crescimento, desenvolvimento e mudança, por isso, demanda reorganização do núcleo familiar em torno de novos papéis parentais, novos arranjos na rotina, adaptações do espaço físico, do orçamento, entre outros.

Nesse sentido, o elemento TEMPO torna‑se fundamental aos pais, para que todas essas mudanças sejam processadas e, na adoção, para que a criança ou adolescente inserido como filho possa ser devidamente acompanhado em sua fase de adaptação e vinculação à nova família.

Ressalta‑se que a cultura hodierna conserva padrões familiares que ainda atribuem à figura feminina identificada no papel de mãe o predomínio do cuidado e educação dos filhos, em detrimento do papel exercido pela figura masculina do pai, prioritariamente identificado como provedor principal da família.

Entretanto, a mulher trabalhadora torna‑se sobrecarregada ao conciliar a vida doméstica dos afazeres da casa e cuidado dos filhos com o trabalho profissional externo ao lar. Dessa forma, a licença e o salário‑maternidade, previstos como benefícios à mulher/mãe trabalhadora, sobretudo na fase inicial de sua maternidade torna‑se fundamental. Independente da filiação biológica ou adotiva, o período inicial da maternidade, demanda adaptação recíproca entre pais e filhos, relação mediada pela figura materna. Na adoção, esta presença física da mãe torna‑se extremamente importante e necessária, pois se torna contingente às necessidades circunstanciais de uma criança inserida repentinamente no âmbito de uma nova família, com diferentes valores, cultura e rotina. A criança recebida em adoção geralmente vivenciou abandono e sofrimento no seio de sua família biológica, com histórico de institucionalização (acolhimento) e sente a necessidade de pertencimento, de segurança emocional, de afeto, de um pai e uma mãe que lhe sejam referenciais positivos de família.

Para corresponder às expectativas e necessidades dessa criança recebida como filho, a presença física dos pais é imprescindível. E, no caso da mãe trabalhadora, a licença‑maternidade é um dispositivo de direito que lhe garante essa permanência com seu filho sem prejuízo do emprego e do salário.

Ocorre que a concessão da licença e salário‑maternidade tem sido aplicada de forma diferenciada na maternidade biológica em detrimento da adotiva. Por isso, faz‑se necessário uma compreensão abrangente acerca da questão à luz das normativas nacionais reguladoras da aplicação do referido direito.

Entraves jurídicos e sociais à ampliação do direito à licença‑maternidade

O direito a licença e salário‑maternidade representam uma conquista histórica em benefício da mulher trabalhadora. Assegurado prioritariamente na Constituição Federal de 1988 e detalhado em outras leis ordinárias, sobretudo na CLT (Decreto‑ -lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943) e na Lei dos Benefícios Previdenciários (Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991).

Tal benefício em sua origem pretendia assegurar a permanência da mãe com seu filho após o nascimento pelo período mínimo de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário — tendo como critérios para sua concessão a comprovação da requerente acerca da ocorrência da maternidade e de sua condição de segurada (contribuição previdenciária).

Registra‑se que entre os anos de 1988 a 2002 a licença e o salário‑maternidade contemplavam somente as mães biológicas em razão do nascimento de seu filho. Com a aprovação da Lei n. 10.421, de 15 de abril de 2002, foi possível a inclusão das mães adotivas, porém o período de 120 dias tinha sua aplicação fracionada conforme a idade da criança adotada.

A referida lei que estendeu a licença‑maternidade às mães adotivas estabelecia que

à segurada da Previdência Social que adotasse ou obtivesse guarda judicial para fins de adoção de criança era devido salário‑maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias, se a criança tiver até 1 (um) ano de idade, de 60 (sessenta) dias, se a criança tiver entre 1 (um) e 4 (quatro) anos de idade, e de 30 (trinta) dias, se a criança tiver de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de idade.

Esta gradação foi incluída na CLT e na Lei dos Benefícios Previdenciários como forma de regular a aplicação do direito a licença e ao salário‑maternidade.

Em 2009, com a aprovação da Lei n. 12.010, conhecida como Lei da Convivência Familiar e Comunitária ou Nova Lei da Adoção houve alteração das normativas anteriores que faziam referência à licença‑maternidade, especificamente no que tange ao fracionamento do período de licença.

A referida lei menciona em seu artigo 8º a revogação dos dispositivos da CLT que previam o fracionamento da licença conforme a idade da criança adotada (§§ 1º a 3º do artigo 392‑A da Lei n. 5.452/1943). Porém não mencionou expressamente a revogação da gradação constante na Lei dos Benefícios Previdenciários (Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991) — fato que levava o INSS a continuar aplicando o benefício de forma diferenciada entre mães biológicas e adotivas. A autarquia previdenciária (INSS) alegava a impossibilidade da concessão do período integral da licença para todos os casos, quando não havia menção expressa sobre a inaplicabilidade dos critérios fracionários constantes na Lei dos Benefícios Previdenciários, ainda que se tratasse de redação derivada da CLT em seus dispositivos revogados. Essa divergência normativa representou o primeiro e mais significativo entrave para a garantia do direito à licença e ao salário‑maternidade das mães adotivas.

A partir de 2009, tendo identificado a inconsistência normativa e a consequente restrição no acesso ao direito referido, inicia‑se o debate em defesa da licença e do salário‑maternidade na sua integralidade também para os casos de adoção, questionando‑se o INSS sobre a continuidade de sua aplicação fracionada no enquadramento de novos pedidos requeridos pelas mães adotivas.

Na tendência comparativa entre as necessidades de um bebê recém‑nascido oriundo da maternidade biológica e uma criança a partir de um ano de idade inserida numa família na forma de adoção, identifica‑se o segundo entrave que impedia a extensão do direito à licença e ao salário‑maternidade das mães adotivas.

Esse entrave de ordem social e cultural mantinha‑se no discurso de que a mãe biológica necessita de um tempo de afastamento do trabalho, justificável pela necessidade de recuperação pós‑parto, além da dependência exclusiva do nascituro em relação à presença materna, sobretudo para atendimento às suas necessidades basicamente fisiológicas: choro, fome/amamentação, asseio pessoal/troca de fraldas e banho, variação de temperatura (frio, calor)... das quais o bebê não consegue satisfazer sozinho. A restrição no período de licença pauta‑se na alegação de que tais necessidades não eram evidentes na maternidade e filiação adotiva. Entretanto, verifica‑se que na adoção as necessidades das crianças e/ou adolescentes são diferenciadas e de ordem mais complexas: de natureza afetiva, emocional, circunstancial — não menos importantes do que aquelas apresentadas por um bebê.

De maneira geral, na adoção, as crianças "testam" a nova família e "desafiam" os pais para ter certeza de que serão aceitas e amadas do jeito que são. Desta forma, diz‑se que a adoção é recíproca, uma vez que as crianças também precisam aprender a ser filhos, a ter pais, irmãos, tios, avós, primos e padrinhos, saber se o amor que irão receber é forte suficiente para resistir às adversidades da vida. Trata‑se de um ambiente absolutamente novo para as crianças e uma experiência absolutamente nova para ambos, pais e filhos.

Desta forma, a presença física dos pais postulantes à adoção, como referência de adaptação cotidiana e segurança afetiva, é imprescindível — tarefa impossível de confiar a outrem. Torna‑se fundamental no percurso do processo adotivo a capacidade dos pais de atenderem às necessidades de seus filhos, sobretudo diante das condutas regressivas, as quais podem se manifestar nessa fase.

Por conta da busca de integração no grupo familiar, a criança vive um sentimento de inadequação por não se perceber com raízes comuns com as pessoas que a cercam. Isso explica, em parte, comportamentos opostos ou contraditórios que encontramos nos filhos adotivos: rebeldia e agressividade; isolamento ou depressão. Enquanto não diminuir a distância psicológica da ligação afetiva entre a criança e sua nova família, ela desenvolverá uma dinâmica de crise. (Schettini Filho, 2005, p. 165)

Para a criança ou adolescente colocada em adoção, a passagem do ambiente anterior para a criação de novos vínculos demandam tempo: geralmente a criança/adolescente vivenciou longo período de institucionalização na forma de acolhimento institucional ou familiar e aprendeu a se reconhecer nessa instituição ou família acolhedora com seu sistema de regras, normas e valores específicos que passam a ser constituinte da sua subjetividade. Também podem expressar receio de serem novamente abandonadas, devolvidas. Desta forma, será importante respeitar o tempo de passagem e adaptação da criança ao novo ambiente, às novas pessoas que se agregam na convivência e aos valores daquele núcleo familiar para que a apropriação do novo lar e família seja tranquila, segura e perene.

Quanto mais idade, mais evidentes são os desafios de adaptação e necessidades circunstanciais da criança adotada. É a peculiaridade da adoção tardia, entendida aquela realizada a partir dos dois anos de idade da criança, quando se torna participativa no processo de adoção, faz suas escolhas, contra‑argumenta, aceita, nega, negocia; possui opinião, compreende o que está acontecendo com ela. Sobressaem as necessidades de afeto, de acolhimento de sua história, de aprendizado de novos valores familiares... Também pode haver dificuldade de vinculação potencializada na adoção tardia, quando a criança apresenta histórico de dolorosas experiências de rompimentos e abandono anteriores — questão que demanda atenção redobrada dos pais e o devido acompanhamento.

Educar uma criança recebida com mais idade é como arrumar pedras irregulares em uma caixa: quadradas, redondas, grandes e pequenas. É preciso ter paciência, bom humor, bom senso, constância e acreditar que é possível. Ao mesmo tempo, é preciso desmistificar a ideia de que a adoção só dá certo se for realizada com recém‑nascidos. (Souza, 2008, p. 59)

Nesse contexto de análise, entende‑se que ambas as formas de filiação, seja ela biológica ou adotiva, conservam peculiaridades e necessidades que requerem tempo e dedicação dos pais, sobretudo da mãe, para a qual a licença e o salário‑maternidade contribuem positivamente.

O período da licença parametrizado pela lei em quatro meses constitui um tempo significativo, que permite o convívio integral da mãe com seu filho em estágio de convivência para fins de adoção. Esse período que antecede a sentença de adoção constitui um tempo necessário de vinculação afetiva e adaptação recíproca entre pais e filhos. É evidente que se tratando de relações humanas e subjetividades, esse tempo poderá variar em cada família e, segundo pesquisadores, na adoção, a adaptação pode levar até 2 anos. Porém um tempo mínimo de quatro meses de convivência (parâmetro da licença‑maternidade) torna‑se indicador satisfatório.

Ressalta‑se que o sucesso da vinculação adotiva está amplamente relacionado com a disponibilidade de tempo das mães adotivas — elemento imprescindível no período do estágio de convivência. O elemento tempo é fundamental não somente em quantidade, mas em qualidade. E tempo de qualidade implica disponibilidade afetiva, vontade, esforço, paciência, diálogo, contato físico, convivência... Contudo, o tempo da mãe em estar com seu filho é indicador fundamental que favorece e estimula o afeto, o carinho, o cuidado, a proteção, o atendimento às necessidades de um ser humano em desenvolvimento (seu filho) — para o êxito de uma relação de filiação, seja ela biológica ou adotiva.

Desta forma, a ocorrência do fracionamento ou restrição ao período de licença‑maternidade nos casos de adoção constituía uma violação do direito das mães e, sobretudo das crianças e adolescentes sob o enfoque do seu direito prioritário à convivência familiar e comunitária.

Portanto, a questão merece especial atenção e proteção do Estado para que a concessão da licença‑maternidade seja em tempo integral, ou seja de no mínimo 120 dias, para todos os casos de adoção, independente da idade do adotando.

Com certeza, essa dinâmica temporal favorece a consolidação dos laços de afeto, de pertencimento, de segurança psicológica, emocional recíproca entre pais e filhos da relação socioafetiva, permitindo que a adoção aconteça com maior tranquilidade e seja exitosa, sem risco de devolução.

A prática profissional do Serviço Social na adoção e o acesso a licença/salário‑maternidade das mães adotivas: estudo de caso na comarca de Maravilha

Minha prática profissional cotidiana e atuação enquanto a assistente social forense vinculada à área sociojurídica no âmbito do Poder Judiciário permitiu identificar e atuar frente à necessidade de ampliação de direitos em duplo sentido: o direito a licença‑maternidade das mães adotivas e o direito a convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes em situação de acolhimento.

Dentre as atividades e demandas sociojurídicas pertinentes ao Serviço Social Forense enfatizamos neste estudo a intervenção do assistente social nos procedimentos de adoção que tramitam no âmbito da justiça. Abordaremos especificamente quatro casos de adoção realizados no ano de 2011, na comarca de Maravilha, jurisdição de atuação desta profissional, que envolveram cinco crianças com idades entre dois, três, quatro, cinco e sete anos respectivamente. Todos os casos foram categorizados como adoção tardia,2 2 . A maioria das crianças disponíveis para adoção apresenta idade superior a três anos, muitos já adolescentes. Em contrapartida, a maioria dos pretendentes à adoção procura crianças até três anos de idade. Nota‑se que são indicadores contrapostos: muitas crianças e adolescentes permanecem sob tutela do Estado, nas instituições de acolhimento, esperando e sonhando com uma família; e um número infinitamente maior de pretendentes permanece esperando por seu filho — duas realidades que se compatibilizam no desejo subjetivo de constituir família por filiação e paternidade socioafetiva, mas que na prática estão dissociadas. que é mais difícil de efetivar, tendo em vista que os postulantes preferem bebês, recém‑nascidos até no máximo dois anos de idade, saudáveis, prioritariamente meninas — preferências alicerçadas em motivações pessoais pautadas em idealismos, mitos e preconceitos que circundam o tema da filiação adotiva.

Não obstante o indicador de idade das crianças, observou‑se na intervenção a condição das mães adotivas: ambas trabalhadoras, seguradas da Previdência Social, que requereram o direito a licença e salário‑maternidade em virtude da filiação adotiva. Porém todas tiveram seu direito fracionado conforme a idade da criança adotada sob o pretexto da gradação normatizada pela Lei n. 8.213/1991 que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, artigo 71‑A que, estabelecia que "à segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário‑maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias, se a criança tiver até 1 (um) ano de idade, de 60 (sessenta) dias, se a criança tiver entre 1 (um) e 4 (quatro) anos de idade, e de 30 (trinta) dias, se a criança tiver de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de idade".

A dificuldade apontada pelas famílias atendidas na Comarca de Maravilha em acompanhamento dessa profissional nos processos de adoção foi a restrição no direito à licença‑maternidade das mães adotivas. Em todos os quatro casos acompanhados verificou‑se que as mães eram trabalhadoras seguradas da Previdência Social e tiveram obstáculos para a concessão da licença‑maternidade tendo em vista o fracionamento por idade. As mães das crianças entre dois a quatro anos conseguiram sessenta dias de licença‑maternidade; a mãe da criança com cinco anos, apenas trinta dias. E apenas uma delas conseguiu permanecer em gozo do benefício durante 120 dias, após recurso administrativo junto ao poder público municipal — essa que era funcionária pública. Observou‑se na intervenção a angústia dessas famílias com o término da licença‑maternidade frente a uma relação parental constituída por adoção e que ainda não era sólida, pois estava no primeiro, segundo mês de convivência. É importante destacar que a filiação por adoção não é uma vinculação imediata, mas uma construção socioafetiva cotidiana que se estabelece a partir da convivência entre os adotantes e os adotandos, que passam a se reconhecer como pais e filhos.

Desta forma, constatou‑se a desigualdade na concessão da licença e salário‑maternidade às mães adotivas em relação à filiação biológica, além de sua aplicação absolutamente restritiva, pois é de forma proporcional à idade da criança, até o limite de oito anos do adotando. Tornou‑se flagrante a constatação de que o período integral de 120 dias acabava beneficiando somente as mães biológicas ou as que adotassem crianças até um ano de idade (realidade da minoria das adoções).

A partir do acompanhamento3 3 . Na maioria dos casos de adoção, o acompanhamento, atendimento e suporte durante o estágio de convivência e pós‑adoção são fundamentais. Os casos que demandam maior atenção e cautela estão majoritariamente relacionados à adoção de grupo de irmãos, às situações de adotandos com problemas de saúde e/ou deficiência, os casos de crianças e/ou adolescentes que vivenciaram devoluções em tentativa anterior de adoção, os casos de adoção tardia. Essas situações e particularidades na adoção requerem o acompanhamento oportuno e fundamental prevenindo riscos de devolução e favorecendo a formação dos vínculos em respeito ao tempo necessário de adaptação. Ressalta Souza (2008, p. 58‑59) que "a adaptação total poderá levar até dois anos [...] depende de muito esforço dos pais [...] além de muito amor e paciência, muitas vezes torna‑se conveniente dispor de ajuda terapêutica". do estágio de convivência (artigo 46 do ECA, Lei n. 8.069/1990), no âmbito dos processos de adoção referidos, esta profissional presenciou a angústia de muitos pais, em especial das mães, pela ocorrência da restrição à licença‑maternidade requerida junto ao seu empregador e/ou autarquia previdenciária (INSS). Em ambos os casos, as mães relataram a preocupação em virtude de não dispor de tempo integral para estar com seus filhos.

Ressalta‑se que para uma mãe que repentinamente assume a maternidade pela filiação adotiva, o fato de não poder permanecer com seu filho é frustrante e angustiante, sobretudo nos meses iniciais de adaptação à nova dinâmica familiar, que foi ampliada pela inserção de um novo membro.

É relevante exemplificar o relato de uma mãe adotiva, requerente da adoção de um menino com cinco anos de idade na Comarca de Maravilha, acerca dos desafios do período de adaptação (pré‑adoção). Essa mãe adotiva conseguiu o deferimento de apenas 30 dias de licença‑maternidade e a criança passou a apresentar dificuldades de vinculação e adaptação a seguir retratadas:

O Paulinho agora está em sua casa. Envolve‑me com seus abraços, me chama de mãe com a maior naturalidade... reação que começou pelo mês de outubro [...] Estou com processo para requerer os três meses restantes da licença‑maternidade pelo INSS. Tenho um advogado que está cuidando disso e até agora nada de resposta. Meu filho estava com uma tosse seca e o levamos ao médico e ele diagnosticou bronquite. Como o médico não sabe seu quadro anterior, vamos ver como fica. De início ele está muito bem. Fez seções de nebulização com alguns remédios. Logo que ele veio já o levamos no médico e também ao dentista. Sobre os dentes, já tem a "janelinha" fechada. Em julho ele estava com 21,8 kg e agora está com 26 kg. Come muito bem, e seus alimentos preferidos são saladas, macarrão e feijão com arroz. Aprendeu, aqui a comer linguiça. Como se delicia... ele e seu pai. [...] Está muito bom o relacionamento com minha família [...] com os meus sogros há um clima superlegal. Paulinho veio alegrá‑los [...] se gostam muito. Na escola sua avaliação foi muito boa. Em fevereiro reiniciam as seções da fono e psico. Sempre que tem seção vamos os três. No início ele praticava muitos atos de violência conosco... (tipo dar pontapé, pancada) o que não faz mais agora. [...] Tenho procurado filmes educativos e ele tem gostado. [...] Já começou a brincar sozinho, pois antes era só comigo. [...] até participou da apresentação de Natal, onde em conjunto com outras crianças cantou músicas natalinas [...] Faço‑o adormecer e depois vou ao meu quarto. [...] Com relação a sua história passada, tem algumas perguntas e se fosse possível gostaria da resposta para um dia poder relatar a ele [...]. Estamos muito tranquilos em nossa relação com ele. Essas dúvidas vêm em decorrência do que ele nos relata. Vemos que se um dia ele nos pedir alguma informação, queremos falar, pois nossa relação é muito clara. [...]. A professora nos relatou que em sala de aula Paulinho verbalizou para ela de que era adotivo [...] não sei de que forma ele ouviu esta palavra. [...] Refletimos sobre isto e decidimos conversar com ele. Relatamos que na Bíblia há histórias de pessoas que foram adotadas e criadas como filhos verdadeiros; que ele era adotivo, mas o amávamos como se tivesse saído da barriga e de que nunca o deixaremos. Explicamos que morávamos em uma grande casa que o papai construiu, depois veio eu (mãe), depois o Tobi (cachorrinho) e agora a família está completa com ele. Falamos também que se alguém o maltratasse ou o deixasse triste, que era para nos dizer que iríamos resolver sua dor. [...] hoje fazem seis meses que temos o nosso filho. Foi uma caminhada marcante. Tempo de aprendizado... aprendemos muito com o Paulinho e repassamos nosso modo de viver de acordo com o que Deus espera de nós. Tem horas que nos vemos em situações que nos causam espantos; em outras, alegria e também emoções.4 4 . Relato de uma mãe encaminhado em janeiro de 2012 acerca das impressões da convivência com seu filho, decorridos seis meses do estágio de convivência iniciado em julho de 2011. A nominação dos atores é fictícia para preservar a identidade das pessoas e o sigilo do processo.

A maioria das mães refere preocupação frente à necessidade de confiar seu filho, logo após o "nascimento afetivo5 5 . Segundo Schettini Filho (2006, p. 157‑159), "a criança adotada vive a passagem de um [...] um novo nascimento. Na sua interioridade, a figura de mãe passa da morte para a vida com o surgimento da mãe adotiva [...] as dores do nascimento do filho adotivo são o mergulho em uma nova história, para a qual ele leva todo um acervo, consciente e inconsciente, das ligações parentais anteriores". no seio da família adotiva" para uma terceira pessoa, seja uma babá, algum parente, uma instituição... já que em razão do compromisso com o trabalho ficariam impossibilitadas de exercer diretamente seu cuidado.

Com certeza, se uma mãe trabalhadora não tem tempo para estar com seu filho e por consequência, terá que delegar esses cuidados para outras pessoas já a partir do primeiro dia de convivência ou trinta dias depois... a formação do vínculo parental será mais demorada (não impossível — pois as famílias são criativas, desenvolvem outras redes de apoio e solidariedade...). Porém dificuldades na formação do vínculo, dificuldades de lidar com as crises e conflitos inerentes à mudança familiar com a inserção de um novo membro (o filho) poderão resultar no fracasso da adoção — que é quando ocorre a devolução da criança durante o estágio de convivência — propriamente quando os pais não suportam a fase inicial de adaptação, com seus desafios, e desistem da criança. Quando a devolução acontece, revive‑se a perda, o abandono e configura‑se nova violação de direito na vida dessas crianças.

Não obstante, identificou‑se no acompanhamento das adoções a insegurança vivenciada também pelas crianças inseridas no âmbito da família adotiva, uma vez que eram estranhas a novas pessoas, culturas, valores, papéis parentais... carentes de acolhimento, afeto, proteção.

Em ambas as situações vivenciadas pelos pais e filhos na adoção, a licença‑maternidade tornava‑se imperiosa, uma vez que possibilitaria às mães o tempo necessário para estar com seus filhos e exercer o papel afetivo referencial para o êxito da adaptação necessária à relação socioafetiva. Embora o estágio de convivência (período de efetivo convívio entre adotantes e adotando, que antecede a sentença de adoção) não referir prazo, sendo variável para cada caso mediante decisão da autoridade judiciária, acredita‑se que os 120 dias referenciais da licença‑maternidade é tempo oportuno e relevante, que contribui para uma adaptação recíproca entre pais e filhos na relação adotiva, e consequentemente, favorece a solidez dos vínculos da relação socioafetiva, pressupondo o êxito da adoção.

[...] o aprofundamento das ligações entre as pessoas acontece pelo conhecimento entre elas e, na relação pais e filhos, essa verdade cresce de importância porque, de início, a vida do filho dependerá, em muitos aspectos, do conhecimento que o pai e mãe vão acumular a respeito dele e de seu processo de desenvolvimento. (Schettini Filho, 2006, p. 85)

É nesse movimento de convívio e conhecimento recíproco entre pais e filhos que se desenvolve a habilidade da mulher e do homem em serem pais, no exercício da maternidade e paternidade de seu filho nascido do afeto pela decisão da adoção. É uma relação construída no dia a dia da convivência. Não é algo dado, estabelecido imediatamente pelo novo vínculo jurídico entre as partes. Portanto, os vínculos parentais não são imediatos, mas nutridos, e reconhecer‑se e sentir‑se pai, mãe e filho não é resultado de uma relação consanguínea, mas sobretudo resultado de uma relação afetiva, que se constrói na convivência. E convivência pressupõe tempo, dedicação, proximidade, esforço, trabalho... envolvimento com a pessoa do seu relacionamento, nesse caso a criança ou adolescente inserida em uma nova família pela adoção. Portanto, a construção dos novos vínculos afetivos é gradual tanto para pais quanto para filhos.

O filho é uma conquista que se incorpora à vida de seus pais, modificando sua trajetória de vida, interferindo na sua história pessoal. Como consequência, a vida do filho é também modificada por seus pais, segundo a forma e a qualidade da relação afetiva. [...] o crescimento e o desenvolvimento do filho dependem da boa organização do grupo familiar. Duas condições [...] são indispensáveis para a formação da personalidade sadia: de início, é necessário proteção e aconchego; em fases posteriores, é preciso autonomia e independência. A harmonia entre esses elementos, que se completam entre si, produzirá a pessoa emocionalmente amadurecida. (Schettini Filho, 2005, p. 73‑74)

O resultado dessa matemática pai+ mãe+filho é a família, lócus privilegiado de formação do ser humano e cidadão. Entretanto, a família possui um duplo viés: apresenta‑se como um lugar privilegiado de proteção e pertencimento versus espaço possível de conflitos e contradições.

Nesse sentido, o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (PNCF) apresenta uma definição ampliada de família, como um grupo de pessoas que são unidas por laços de consanguinidade, de aliança e de afinidade — que implicam obrigações mútuas; um conjunto vivo, contraditório e cambiante de pessoas com sua própria individualidade; referência de afeto, proteção e cuidado em que significados, crenças, mitos, regras e valores são construídos, negociados e modificados, contribuindo para a constituição da subjetividade de cada membro e a capacidade para se relacionar em que obrigações, limites, deveres e direitos são circunscritos e papéis são exercidos.

É sabido que a ligação consanguínea não assegura a perenidade da família, que em muitos casos é dissolvida com a perda do poder familiar. A ligação afetiva, portanto, é que garante e consolida a vinculação familiar, e para que ela se constitua é necessário vontade, desejo de ser pai ou mãe por adoção. São necessários tempo, esforço, dedicação, disponibilidade afetiva e material (presença física) para construir esse vínculo socioafetivo.

Agir profissional em favor da proteção à maternidade e à infância: compromisso com a defesa e viabilização dos direitos sociais

Tendo em vista a constatação da desigualdade na aplicação da licença‑maternidade no âmbito da filiação adotiva e ciente das consequências dessa restrição para as mulheres (mães) trabalhadoras e para os filhos (crianças e adolescentes) no âmbito do direito à convivência familiar e comunitária, fundamentou‑se nessa evidência as bases para o agir dessa profissional em prol da defesa e viabilização dos direitos sociais. Neste sentido, essa profissional formalizou em relatório a descrição dos casos de adoção realizados na Comarca de Maravilha, no ano de 2011, informando sobre a situação das mães adotivas em relação a licença‑maternidade requerida e encaminhando ao Ministério Público Federal para tomada de providências.

Após a entrega do relatório circunstanciado protocolado em outubro de 2011, sucedeu o ingresso da Ação Civil Pública (ACP) contra o INSS pelo Ministério Público Federal, no âmbito da Justiça Federal — Subseção de São Miguel do Oeste.6 6 . Ação Civil Pública n. 5002103‑58.2011.404.7210/SC, proposta pela procuradora da República Maria Rezende Capucci — Ministério Público Federal — subseção de São Miguel do Oeste. O pedido referia‑se à extensão do direito às mães adotivas à licença‑maternidade pelo período integral de 120 dias, independente da idade do adotando.

Ressalta‑se que o relatório circunstanciado elaborado pelo Serviço Social Forense serviu para objetivar a propositura do MPF, primeiro como denúncia e informe acerca da ocorrência da suposta ilegalidade (identificação da demanda e necessidade imperiosa de agir) e depois como subsídio para o ingresso com a ação competente.

Tendo em vista que a demanda referia‑se a um pedido abrangente no tocante ao direito de uma extensa coletividade ocorreu o encaminhamento do pedido para a esfera estadual, onde houve a propositura de ação civil pública também pela Procuradoria da República do Estado,7 7 . Ação Civil Pública n. 5019632‑23.2011.404.7200/SC, proposta pelo procurador da República Maurício Pessutto — Ministério Público Federal — Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão. ingressando com ação junto ao Juízo da capital do estado de Santa Catarina.

Ressalta‑se na instância estadual a contribuição subsidiária de um segundo relatório circunstanciado encaminhado pelo Serviço Social da capital a pedido do procurador da República do Estado, acerca das adoções realizadas naquela jurisdição. A elaboração desse documento foi realizada pela assistente social forense Danúbia Rocha Vieira, no qual se constatou a ocorrência de situação semelhante à da comarca de Maravilha no que se refere ao fracionamento da licença‑maternidade concedida às mães adotivas.

Sucederam aproximadamente oito meses a partir do envio do relatório circunstanciado e ingresso com a ACP regional e estadual. Em meados de maio de 2012, a ação estadual foi julgada procedente, sendo proferida a sentença da Justiça Federal de Santa Catarina favorável ao pedido formulado pelo Ministério Público, a fim de assegurar o período integral de 120 dias de licença‑maternidade às mães adotivas, independente da idade da criança adotada. A decisão da Justiça Federal em Santa Catarina gerou efeito em âmbito nacional para todos os novos pedidos de licença e salário‑maternidade nos casos de adoção, inclusive aqueles em usufruto na data da sentença. Houve ampla divulgação nos meios de comunicação acerca da ampliação do direito à licença‑maternidade, com repercussão nacional, o que gerou visibilidade social para as questões afetas às temáticas da adoção, maternidade e infância.

Entretanto, deve‑se ressaltar que a decisão da Justiça Federal em Santa Catarina representou o primeiro passo na defesa do referido direito, pois faltava a devida alteração da lei. Ou seja, a sentença apenas suspendeu a aplicação do disposto no artigo 71‑A da Lei n. 8.213/91, que aplicava o fracionamento no período da licença‑maternidade conforme a idade do adotado. Tornava‑se imperativo e urgente a necessidade do reconhecimento do Poder Legislativo quanto à necessidade de mudança da normatização nacional reguladora da aplicação do benefício previdenciário de salário‑maternidade. Esse movimento legislativo se efetivou cerca de um ano depois da decisão judicial, quando em 6 de junho de 2013 foi aprovada a Medida Provisória n. 619 que alterou a Lei n. 8.213/91, revogando o artigo 71‑A, que atualmente passa a vigorar com a seguinte redação: "À segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário‑maternidade pelo período de 120 dias". Nota‑se que foi suprimido os parâmetros de fracionamento anteriores que determinavam períodos equivalentes à idade do adotando, pondo fim às divergências normativas acerca da temática.

A efetivação do direito integral à licença‑maternidade nos casos de adoção contribui para a igualdade de direitos entre filiação biológica e adotiva, promovendo a ruptura com preconceitos que ainda circundam o tema da adoção. Também o salário‑maternidade é importante em termos de benefício socioeconômico, pois assegura à mãe trabalhadora a manutenção dos seus rendimentos, contribuindo para atender satisfatoriamente às necessidades básicas do grupo familiar, repentinamente ampliado pela inserção de um novo membro.

O tempo referencial de 120 dias é exemplificativo da importância do convívio fraterno entre pais e filhos da relação socioafetiva. Significa tempo oportuno, sobretudo para a mãe (culturalmente compreendida como rainha do lar), para dedicar‑se a maternagem de seu filho nascido do afeto, do desejo de ser família para um ser humano em desenvolvimento.

Deve‑se ressaltar que a licença e o salário‑maternidade às mães adotivas pelo período integral de 120 dias é uma conquista histórica que traz intrínseca a importante contribuição do assistente social enquanto profissional empenhado na defesa e a viabilização dos direitos sociais dos usuários — registra‑se aqui com orgulho o mérito de minha atuação.

Conclui‑se o presente relato de experiência reafirmando o pressuposto teórico de que a prática profissional é intrinsecamente propulsora de conhecimento. Porém o saber implícito na prática só terá condições de emergir a partir do olhar crítico e investigativo do profissional da intervenção. Este é o desafio lançado a todos os profissionais: produzir conhecimento por meio da prática em prol da defesa e viabilização de direitos.

Recebido em 14/6/2013

Aprovado em 20/6/2013

  • BRASIL. Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC). Brasília, 2006.
  • ______. Decreto‑lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, 1943.
  • ______. Lei n. 10.421, de 15 de abril de 2002. Estende à mãe adotiva o direito à licença‑maternidade e ao salário‑maternidade. Brasília, 2002.
  • ______. Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção [...] e dá outras providências. Brasília, 2009.
  • ______. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, 1991.
  • SCHETTINI FILHO, Luiz. Compreendendo os pais adotivos Recife: Bagaço. 2005.
  • SCHETTINI FILHO, Luiz. Compreendendo o filho adotivo 3. ed. Recife: Bagaço. 2006.
  • SOUZA, Hália Pauliv de. Adoção: exercício da fertilidade afetiva. São Paulo: Paulinas, 2008.
  • 1
    . Conforme estabelece a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, art. 1.638: "Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I — castigar imoderadamente o filho; II — deixar o filho em abandono; III — praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV — incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente".
  • 2
    . A maioria das crianças disponíveis para adoção apresenta idade superior a três anos, muitos já adolescentes. Em contrapartida, a maioria dos pretendentes à adoção procura crianças até três anos de idade. Nota‑se que são indicadores contrapostos: muitas crianças e adolescentes permanecem sob tutela do Estado, nas instituições de acolhimento, esperando e sonhando com uma família; e um número infinitamente maior de pretendentes permanece esperando por seu filho — duas realidades que se compatibilizam no desejo subjetivo de constituir família por filiação e paternidade socioafetiva, mas que na prática estão dissociadas.
  • 3
    . Na maioria dos casos de adoção, o acompanhamento, atendimento e suporte durante o estágio de convivência e pós‑adoção são fundamentais. Os casos que demandam maior atenção e cautela estão majoritariamente relacionados à adoção de grupo de irmãos, às situações de adotandos com problemas de saúde e/ou deficiência, os casos de crianças e/ou adolescentes que vivenciaram devoluções em tentativa anterior de adoção, os casos de adoção tardia. Essas situações e particularidades na adoção requerem o acompanhamento oportuno e fundamental prevenindo riscos de devolução e favorecendo a formação dos vínculos em respeito ao tempo necessário de adaptação. Ressalta Souza (2008, p. 58‑59) que "a adaptação total poderá levar até dois anos [...] depende de muito esforço dos pais [...] além de muito amor e paciência, muitas vezes torna‑se conveniente dispor de ajuda terapêutica".
  • 4
    . Relato de uma mãe encaminhado em janeiro de 2012 acerca das impressões da convivência com seu filho, decorridos seis meses do estágio de convivência iniciado em julho de 2011. A nominação dos atores é fictícia para preservar a identidade das pessoas e o sigilo do processo.
  • 5
    . Segundo Schettini Filho (2006, p. 157‑159), "a criança adotada vive a passagem de um [...] um novo nascimento. Na sua interioridade, a figura de mãe passa da morte para a vida com o surgimento da mãe adotiva [...] as dores do nascimento do filho adotivo são o mergulho em uma nova história, para a qual ele leva todo um acervo, consciente e inconsciente, das ligações parentais anteriores".
  • 6
    . Ação Civil Pública n. 5002103‑58.2011.404.7210/SC, proposta pela procuradora da República Maria Rezende Capucci — Ministério Público Federal — subseção de São Miguel do Oeste.
  • 7
    . Ação Civil Pública n. 5019632‑23.2011.404.7200/SC, proposta pelo procurador da República Maurício Pessutto — Ministério Público Federal — Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      14 Jun 2013
    • Aceito
      20 Jun 2013
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