Acessibilidade / Reportar erro

Reprodutibilidade das classificações AO/ASIF e Gartland para fraturas supracondilianas de úmero em crianças Trabalho desenvolvido na Disciplina de Ortopedia e Traumatologia, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil

Resumos

OBJETIVO:

Avaliar a reprodutibilidade das classificações radiográficas de Gartland e Association for Osteosynthesis/Association for the Study of Internal Fixation (AO/ASIF) para fraturas supracondilianas de úmero em crianças.

MÉTODOS:

Em duas ocasiões foram avaliadas por três cirurgiões ortopedistas pediátricos 50 radiografias nas incidências anteroposteriores e perfil de acordo com as classificações de Gartland e AO/ASIF pediátrica. As respostas foram submetidas à análise estatística pelo cálculo do coeficiente κ para avaliar a concordância intra- e interobservador, em ambas as classificações.

RESULTADOS:

A força de concordância intraobservador foi grande ou quase perfeita para os três examinadores nos dois sistemas de classificação. A força de concordância interobservador foi grande nos dois sistemas, com coeficiente κ de 0,756 para classificação de Gartland e de 0,766 para classificação AO/ASIF.

CONCLUSÃO:

Os sistemas de classificação de Gartland e AO/ASIF mostraram reprodutibilidade e desempenho similar. Observou-se grande força de concordância nas análises intra- e interobservador.

Fraturas do úmero; Criança; Variações dependentes do observador; Reprodutibilidade dos resultados


OBJECTIVE:

To evaluate the reproducibility of the radiographic classifications of Gartland and the Association for Osteosynthesis/Association for the Study of Internal Fixation (AO/ASIF) for supracondylar fractures of the humerus in children.

METHODS:

On two occasions, 50 radiographs in anteroposterior and lateral views were evaluated by three pediatric orthopedists in accordance with the Gartland and AO/ASIF pediatric classifications. Their responses were subjected to statistical analysis consisting of calculation of the κ coefficient to assess the intra- and interobserver concordance, in both classifications.

RESULTS:

The strength of the intraobserver concordance was high or near perfect for the three examiners in the two classification systems. The strength of the interobserver concordance was high in the two systems, with κcoefficients of 0.756 for the Gartland classification and 0.766 for the AO/ASIF classification.

CONCLUSION:

The Gartland and AO/ASIF classification systems showed similar reproducibility and performance. High strength of concordance was seen in the intra- and interobserver analyses.

Fractures of the humerus; Children; Observer-dependent variations; Reproducibility of results


Introdução

As fraturas supracondilianas são as mais comuns do cotovelo da criança e a segunda mais comum na infância e respondem por mais de 60% dos casos.1Lins RE, Simovitch RW, Waters PM. Pediatric elbow trauma. Orthop Clin North Am. 1999;30(1):119-32. , 2Cheng JC, Shen WY. Limb fracture pattern in different pediatric age groups: a study of 3350 children. J Orthop Trauma. 1993;7(1):15-22. , 3Blount WP. Fractures in children. Baltimore: Williams and Wilkins; 1955. and 4Smith FM. Children's elbow injuries: fractures and dislocations. Clin Orthop Relat Res. 1967;(50):7-30. Ocorrem mais frequentemente entre cinco e 10 anos.5Kasser JR, Beaty JH. Supracondylar fractures of the distal humerus. In: Beaty JH, Kasser JR, editors. Rockwood and Wilkins' fractures in children. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. p. 577. As várias classificações propostas para essa fratura têm como objetivo orientar o tratamento, estimar o prognóstico e permitir a padronização e a comparação entre vários estudos científicos. As classificações devem ser simples, de fácil aplicação clínica e reprodutíveis, com grande concordância entre cirurgiões.6Audigé L, Bhandari M, Kellam J. How reliable are reliability sudies of fracture classifications? A systematic review of their methodologies. Acta Orthop Scand. 2004;75(3):184-94. , 7Garbuz DS, Marsi BA, Esdaile J, Duncan CP. Classification systems in orthopaedics. J Am Acad Orthop Surg. 2002;10(4):290-7. and 8Slongo T, Audigé L, Schlickewei W, Clavert J, Hunter J. Development and validation of the AO paediatric comprehensive classification of long-bone fractures. J Pediatr Orthop. 2006;26(1):43-9. A classificação de Gartland para fratura supracondiliana de úmero é a mais usada;9Gartland JJ. Management of supracondylar fractures of the humerus in children. Surg Gynecol Obstet. 1959;109(2):145-54. and 1010 Heal J, Boud M, Livingstone J, Blewitt N, Blom AW. Reproducibility of the Gartland classification for supracondylar humeral fractures in children. J Orthop Surg (Hong Kong). 2007;15(1):12-4. nesse sistema de classificação, as fraturas são agrupadas conforme o grau de desvio.

Apesar de ser mais descritiva e detalhada em desvios maiores, a classificação de LaGrange1111 LaGrange JRP. Fractures supracondyleennes. Rev Chir Orthop. 1962;48:337-414. não é a mais usada.

Por sua vez, o sistema adotado pelo grupo AO1212 Slongo T, Audigé L, Clavert JM, Lutz N, Frick S, Hunter J. AO comprehensive classification of pediatric long-bone fractures: a web-based multicenter agreement study. J Pediatr Orthop. 2007;27(2):171-80.para fraturas dos ossos longos na criança combina a classificação de Muller et al.1313 Müller ME, Nazarian S, Koch P. The comprehensive classification of fractures of long bones. Berlin: Springer-Verlag; 1990. para adultos com a descrição adicional focada no esqueleto imaturo.8Slongo T, Audigé L, Schlickewei W, Clavert J, Hunter J. Development and validation of the AO paediatric comprehensive classification of long-bone fractures. J Pediatr Orthop. 2006;26(1):43-9.Trata-se de um sistema alfanumérico que inclui o osso acometido, a localização e a gravidade, associados a peculiaridades do osso em crescimento. Assim, as fraturas supracondilianas seriam descritas como 13-/9.1 com fim I, II, III ou IV, conforme a fratura fosse completa ou incompleta, com ou sem contato entre fragmentos. Desse modo, apenas o componente de exceção (I a IV) do segmento morfológico da classificação AO/ASIF foi considerado neste estudo.

O objetivo deste estudo é avaliar a reprodutibilidade das classificações de Gartland e AO/ASIF para fraturas supracondilianas do úmero em crianças por meio da verificação do nível de concordância intra- e interobservador.

Métodos

O estudo foi feito em hospital de referência no atendimento de trauma ortopédico, após aprovação pelo comitê de ética da instituição. Foram selecionadas para avaliação 50 radiografias convencionais (incidências anteroposterior e lateral) provenientes do atendimento inicial de pacientes com fratura supracondiliana de úmero feito de janeiro a junho de 2013.

As imagens radiográficas do estudo foram obtidas por meio de fotografia digital de alta resolução, com preservação das características originais do filme.

A seleção desconsiderou a qualidade da radiografia. Foram excluídas as imagens de pacientes maiores de 16 anos ou que apresentassem linha fisária fechada e radiografias com fraturas múltiplas. As imagens foram avaliadas por três ortopedistas pediátricos, os quais tiveram acesso prévio às classificações. Foi permitido treinamento por sete dias antes da análise.

Os examinadores avaliaram as 50 imagens, em um tempo máximo de duas horas, e após duas semanas fizeram a segunda avaliação, com o mesmo período de duração. A ordem das 50 imagens foi modificada por randomização. Os examinadores não tiveram acesso às respostas de seus pares ou à sua resposta dada na ocasião anterior.

A resposta dada por cada examinador à avaliação radiográfica foi escrita em planilha impressa, entregue a cada participante, juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os resultados foram recolhidos e analisados com o auxílio do software SPSS(r) versão 12.0 (Chicago, EUA), para determinação do coeficiente κ, que infere o grau de concordância além do que seria esperado tão somente pelo acaso. Foi então determinada a força das concordâncias intra- e interobservador dos dois sistemas de classificação, 1414 Brandao G, Teixeira L, Américo L, Soares C, Caldas L, Azevedo A, et al. Reprodutibilidade da classificaccao da AO/Asif para fraturas dos ossos longos na criancca. Rev Bras Ortop. 2010;45 Suppl.:37-9. conforme discriminado na tabela 1.

Tabela 1
- Associação do coeficiente κ e a força de concordância14

Resultados

A concordância intraobservador, pelo coeficiente κ, referente às classificações Gartland para fraturas supracondilianas de úmero em crianças e AO/ASIF para fraturas em crianças, conforme apresentado na tabela 2, foi grande ou quase perfeita para todos os examinadores em ambas as classificações. Para dois dos três examinadores a concordância para o sistema AO/ASIF foi ligeiramente superior.

Tabela 2 - Nível
de concordância intraobservador pelo coeficiente κ referente às classificações Gartland e AO para fraturas supracondilianas de úmero em crianças

As Tabela 3 and Tabela 4 apresentam a análise interobservador para as classificações de Gartland e AO, respectivamente. Observa-se que a concordância interobservador diminui quando se trata da categoria II, nos dois sistemas de classificação.

Tabela 3 - Análise
interobservador do coeficiente κ para classificação de Gartland

Tabela 4 - Análise
interobservador do coeficiente κ para a classificação AO

De acordo com a tabela 5, na avaliação interobservador, foi encontrado κ de 0,756 para a classificação de Gartland e 0,766 para a classificação AO/ASIF, o que configura uma grande concordância para ambos os sistemas.

Tabela 5 - Coeficiente
κ geral na avaliação interobservador por sistema de classificação

Discussão

A diversidade de classificações publicadas, ao longo do tempo, para um grupo de fraturas pode gerar conflitos em sua interpretação.

Dessa forma, é necessária a verificação da validade, da reprodutibilidade e da correlação de classificações consagradas, uma vez que a comparação de avaliações diferentes, com a exclusão da casualidade e do viés pessoal, demonstra as qualidades ou as fraquezas de determinado sistema analisado. De acordo com Audigé et al.,6Audigé L, Bhandari M, Kellam J. How reliable are reliability sudies of fracture classifications? A systematic review of their methodologies. Acta Orthop Scand. 2004;75(3):184-94. para alcançar esses objetivos a classificação deve passar por três fases de pesquisa antes que seja validada para uso clínico.6Audigé L, Bhandari M, Kellam J. How reliable are reliability sudies of fracture classifications? A systematic review of their methodologies. Acta Orthop Scand. 2004;75(3):184-94. and 1414 Brandao G, Teixeira L, Américo L, Soares C, Caldas L, Azevedo A, et al. Reprodutibilidade da classificaccao da AO/Asif para fraturas dos ossos longos na criancca. Rev Bras Ortop. 2010;45 Suppl.:37-9.

Para saber se uma dada caracterização/classificação de um objeto é confiável, é necessário ter esse objeto avaliado várias vezes e por mais de um examinador. Para isso, neste trabalho, foi usado o coeficiente κ, que infere o grau de concordância além do que seria esperado tão somente pelo acaso. Ele baseia-se no número de respostas concordantes, ou seja, no número de casos cujo resultado é o mesmo entre os examinadores.1515 Siegel S, Castellan N. Nonparametric statistics for the behavioral sciences. New York: McGraw-Hill; 1988. and 1616 Fleiss JL. The measurement of interrater agreement. In: Statistical methods for rates and proportions. New York: John Wiley and Sons; 1981.

Neste estudo, os examinadores parecem estar "calibrados", quer consigo mesmos, quer com os demais. Os valores encontrados de concordância interobservador estão dentro do intervalo de confiança de 95%, com p < 0,001 nas duas classificações. Apresentam, portanto, significância estatística. Assim como nos resultados de Brandão et al.,1414 Brandao G, Teixeira L, Américo L, Soares C, Caldas L, Azevedo A, et al. Reprodutibilidade da classificaccao da AO/Asif para fraturas dos ossos longos na criancca. Rev Bras Ortop. 2010;45 Suppl.:37-9. nosso índice de concordância interobservador não foi maior do que 0,8; em que pese o fato de os observadores terem sido todos ortopedistas pediátricos.

A concordância encontrada nos sistemas de classificação Gartland e AO/ASIF foi satisfatória (grande ou quase perfeita) e com desempenho similar, a despeito da maior complexidade da classificação AO/ASIF e da menor familiaridade dos examinadores com esse sistema.

Neste estudo, a menor força de concordância (moderada), na análise interobservador, foi encontrada nos tipos II das classificações de Gartland e AO/ASIF. De acordo com o trabalho de Heal et al.,1010 Heal J, Boud M, Livingstone J, Blewitt N, Blom AW. Reproducibility of the Gartland classification for supracondylar humeral fractures in children. J Orthop Surg (Hong Kong). 2007;15(1):12-4. entretanto, o menor nível de concordância interobservador para a classificação de Gartland ocorreu no tipo I.

Observa-se que variações de concordância na análise interobservador de publicações diferentes1010 Heal J, Boud M, Livingstone J, Blewitt N, Blom AW. Reproducibility of the Gartland classification for supracondylar humeral fractures in children. J Orthop Surg (Hong Kong). 2007;15(1):12-4. and 1414 Brandao G, Teixeira L, Américo L, Soares C, Caldas L, Azevedo A, et al. Reprodutibilidade da classificaccao da AO/Asif para fraturas dos ossos longos na criancca. Rev Bras Ortop. 2010;45 Suppl.:37-9. não invalidam a observação constante de que as duas classificações têm boa reprodutibilidade.

A avaliação da reprodutibilidade dessas classificações se mostra relevante na medida em que são norteadoras do tratamento de fraturas (conservador × cirúrgico) e possibilita, ainda, uma padronização da linguagem ortopédica para comparação de estudos de diferentes centros.

Uma vez constatada a reprodutibilidade dessas classificações, tornam-se necessários trabalhos futuros que possam verificar a superioridade de uma em relação à outra e, assim, determinar um sistema padrão.

Conclusão

Houve reprodutibilidade para os sistemas de classificação de Gartland e AO/ASIF de forma similar e observou-se grande força de concordância nas análises intra- e interobservador, em que pese o uso ainda restrito da classificação AO/ASIF pelos cirurgiões ortopédicos e, consequentemente, menor familiaridade com o método.

References

  • 1
    Lins RE, Simovitch RW, Waters PM. Pediatric elbow trauma. Orthop Clin North Am. 1999;30(1):119-32.
  • 2
    Cheng JC, Shen WY. Limb fracture pattern in different pediatric age groups: a study of 3350 children. J Orthop Trauma. 1993;7(1):15-22.
  • 3
    Blount WP. Fractures in children. Baltimore: Williams and Wilkins; 1955.
  • 4
    Smith FM. Children's elbow injuries: fractures and dislocations. Clin Orthop Relat Res. 1967;(50):7-30.
  • 5
    Kasser JR, Beaty JH. Supracondylar fractures of the distal humerus. In: Beaty JH, Kasser JR, editors. Rockwood and Wilkins' fractures in children. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. p. 577.
  • 6
    Audigé L, Bhandari M, Kellam J. How reliable are reliability sudies of fracture classifications? A systematic review of their methodologies. Acta Orthop Scand. 2004;75(3):184-94.
  • 7
    Garbuz DS, Marsi BA, Esdaile J, Duncan CP. Classification systems in orthopaedics. J Am Acad Orthop Surg. 2002;10(4):290-7.
  • 8
    Slongo T, Audigé L, Schlickewei W, Clavert J, Hunter J. Development and validation of the AO paediatric comprehensive classification of long-bone fractures. J Pediatr Orthop. 2006;26(1):43-9.
  • 9
    Gartland JJ. Management of supracondylar fractures of the humerus in children. Surg Gynecol Obstet. 1959;109(2):145-54.
  • 10
    Heal J, Boud M, Livingstone J, Blewitt N, Blom AW. Reproducibility of the Gartland classification for supracondylar humeral fractures in children. J Orthop Surg (Hong Kong). 2007;15(1):12-4.
  • 11
    LaGrange JRP. Fractures supracondyleennes. Rev Chir Orthop. 1962;48:337-414.
  • 12
    Slongo T, Audigé L, Clavert JM, Lutz N, Frick S, Hunter J. AO comprehensive classification of pediatric long-bone fractures: a web-based multicenter agreement study. J Pediatr Orthop. 2007;27(2):171-80.
  • 13
    Müller ME, Nazarian S, Koch P. The comprehensive classification of fractures of long bones. Berlin: Springer-Verlag; 1990.
  • 14
    Brandao G, Teixeira L, Américo L, Soares C, Caldas L, Azevedo A, et al. Reprodutibilidade da classificaccao da AO/Asif para fraturas dos ossos longos na criancca. Rev Bras Ortop. 2010;45 Suppl.:37-9.
  • 15
    Siegel S, Castellan N. Nonparametric statistics for the behavioral sciences. New York: McGraw-Hill; 1988.
  • 16
    Fleiss JL. The measurement of interrater agreement. In: Statistical methods for rates and proportions. New York: John Wiley and Sons; 1981.
  • Trabalho desenvolvido na Disciplina de Ortopedia e Traumatologia, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2014
  • Aceito
    15 Maio 2014
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br