RESUMO
O artigo aborda a temática da relação entre a inovação, o desenvolvimento e o papel da Universidade no contexto da sociedade do conhecimento. Nesse sentido, se desenvolve uma reflexão sobre a inovação enquanto derivada de pesquisa, conceito e tipologia, bem como uma análise das implicações de potenciais inovações disruptivas na área de educação superior, chegando à emergência da terceira missão e o papel esperado da Universidade na sociedade atual, sob essa perspectiva da terceira missão, onde a Universidade passa a ter um papel protagonista no processo de desenvolvimento econômico e social, tendo a inovação e os ambientes de inovação como fundamento. Finalmente, como reflexão final, busca-se identificar o papel dos ambientes e ecossistemas de inovação com o processo de desenvolvimento da sociedade e os desafios da Universidade nesse processo.
PALAVRAS-CHAVE
Inovação; Desenvolvimento; Sociedade do conhecimento; Ambientes de inovação; Ecossistemas de inovação
ABSTRACT
This article addresses the relationship between innovation, development and the role of universities in the knowledge society. Thus, the article looks at innovation as a phenomenon resulting from research, concept and typology. It also analyzes the implications of potentially disruptive innovations in higher education. Furthermore, it addresses the emergence of the third mission and the expected role of universities in today’s society, from the perspective of the aforementioned third mission, as universities take on a leading role in economic and social development, with innovation and innovation environments as their foundations. Lastly, we seek to identify the role of innovation environments and ecosystems in the process of development of societies and the challenges Universities face in this process.
KEYWORDS
Innovation; Development; Knowledge society; Innovative environments; Innovation ecosystems
A inovação, enquanto derivada do conhecimento científico, é fruto de um contínuo que tem na pesquisa e na geração de novos conhecimentos sua origem e mola propulsora. Ao tentarmos identificar o surgimento da atividade de pesquisa, seja ela científica, seja tecnológica, a evolução da área de ciência e tecnologia e o momento em que a inovação passa a ser determinante do desenvolvimento econômico, percebemos que esses movimentos não são lineares e ocorreram em diversas direções, nos diferentes países.
Nas últimas décadas tendemos a ver o fluxo entre ciência, tecnologia e inovação como um contínuo linear, onde a inovação é resultante direta da tecnologia, que por sua vez deriva da ciência. Essa visão do processo de pesquisa, que gera os impactos no processo de desenvolvimento econômico e social, como mostra a história, nunca foi linear, nem mesmo na atualidade.
As relações entre ciência, tecnologia, inovação e desenvolvimento são interativas, simultâneas e complexas, tendo as pessoas como principal força propulsora de um ciclo virtuoso, a pesquisa como base, a inovação como vetor e o desenvolvimento como consequência.
Nesse sentido, este artigo aborda conceitos de inovação, seus principais impactos na educação superior e o papel no desenvolvimento da sociedade do conhecimento neste século XXI.
Inovação: uma reflexão inicial
A inovação hoje está presente na sociedade, em todas as áreas e segmentos. Muitos confundem inovação com novas ideias, belas concepções e teorias do que fazer ou como algo deveria ser. Normalmente a mudança em si, a construção do novo, não está associada. Inovação é mais do que a ideia, é ideia aplicada, executada. Os processos, os produtos, a sociedade, o mundo transformado, melhorado, recriado. Inovador não é quem tem boas ideias, inovador é quem tem a capacidade de, com uma boa ideia nas mãos, transformar o mundo a seu redor, agregando valor, seja econômico, social, ou pessoal. Enfrentar e vencer os desafios, transformar, criar o novo.
Ao longo da história, desde a Idade Média, usa-se o termo inovação, seja para novas formas e técnicas de desenvolver trabalhos artísticos (como na renascença italiana nos séculos XV e XVI), seja nas revoluções industriais na Inglaterra e Alemanha (nos séculos XVIII e XIX), seja na revolução das tecnociências, em especial nos Estados Unidos, no século XX. A inovação foi largamente abordada por Schumpeter, desde uma perspectiva econômica e seu impacto nas empresas. Desde o final do século XX a inovação transbordou dos laboratórios científicos e tecnológicos nas universidades e nas empresas para a sociedade, emergindo novos conceitos, como os de inovação social e inovação aberta.
Em busca de uma definição
Considerando as múltiplas definições de inovação, com vertentes das áreas de economia, gestão e educação, agregando uma visão mais prática, pode-se definir inovação como a efetiva implementação, com sucesso (valor agregado), de novas ideias, em um determinado contexto.
Uma ideia pode ser inteiramente nova ou envolver a aplicação de ideias já existentes, mas que são novas para um determinado contexto, bem como uma combinação entre as duas formas. A efetiva implementação envolve a ação de realizar, a exploração da ideia inicial, ou seja, associa a noção de realização, de colocar em prática, no mundo real, a ideia. Gerando resultado efetivo, agregando valor no contexto de seu uso. Esse valor pode ser econômico, mas também social, científico, cultural. Essa agregação de valor (com sucesso) ocorre quando uma nova empresa é criada e gera empregos e renda, também quando um novo kit de diagnóstico de doença é desenvolvido e salva vidas, ou quando uma intervenção social ocorre em um ambiente vulnerável e ocorrem melhoras na qualidade de vida de uma comunidade.
Nesse sentido, inovação envolve a criação de novos projetos, conceitos, formas de fazer as coisas, sua exploração comercial ou aplicação social e a consequente difusão para o restante da economia ou sociedade. A inovação sempre deve ser analisada em um determinado contexto, pois o que pode ser considerado inovação em um contexto pode não ser em outro.
Tipos de inovação
A inovação pode ser (a) incremental ou (b) disruptiva.
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A inovação incremental gera melhorias contínuas e sustentação nas diversas fases do ciclo de vida de um produto ou processo, envolve melhorias, normalmente modestas e sempre no mesmo patamar tecnológico no qual se aplica. Nesse sentido, gera melhorias incrementais nos indicadores de desempenho ou qualidade onde se aplicam.
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A inovação disruptiva está associada às mudanças radicais, de ruptura com os paradigmas vigentes, gerando um novo patamar tecnológico onde se aplica, abrindo toda uma nova gama de possibilidades de desenvolvimento e novos ciclos de inovação incremental, visando sua sustentação no tempo. As inovações disruptivas são dramáticas, criando novas demandas, indústrias, mercados, aplicações e processos, econômicos ou sociais. Gera melhorias significativas, exponenciais, nos indicadores de desempenho ou qualidade onde se aplicam.
A inovação disruptiva na educação superior
Podemos identificar, no contexto deste artigo, três exemplos sobre inovação disruptiva no contexto da educação superior, ao longo dos últimos anos, com profundo impacto no presente e futuro das universidades: (a) as tecnologias online de aprendizagem, (b) as mudanças no perfil dos empregos no mundo do trabalho e a educação continuada (long life learning), e (c) a terceira missão e a atuação como vetor do desenvolvimento econômico e social. Na sequência abordaremos os três exemplos, analisando os potenciais impactos, qual a tecnologia ou abordagem rompedora e as desafios e oportunidades decorrentes, concluindo com o tema central deste artigo.
a) Tecnologias online de aprendizagem
Desde a invenção da imprensa por Guttenberg no século XV, que viabilizou a impressão de livros em grandes quantidades, vivemos a maior transformação na área de educação. Essa transformação radical na área de educação tem como vetor uma tecnologia disruptiva: as tecnologias online de aprendizagem. Essa tecnologia disruptiva gera um potencial de mudança que se torna inevitável, ou seja, independentemente da análise feita pelos atores da área de educação, a mudança decorrente será radical, rompendo com o modelo anterior e gerando transformações significativas na área, que mudará inevitavelmente. Por essas características, vivemos um período de inovação disruptiva da educação.
Pelas lentes da inovação disruptiva, as instituições de educação estão em uma encruzilhada, ou incorporam essa inovação, ou serão superadas ou desafiadas pelas novas instituições que surgem ou por aquelas que incorporam essas novas tecnologias. A inovação disruptiva envolve romper com o status quo, estabelecer a mudança. Nesse contexto, emerge a maior barreira: a resistência a mudanças, seja por parte das pessoas envolvidas no processo, seja pelas próprias instituições, que em última instância são representadas pelas pessoas também, na atuação de seus gestores.
Essa resistência, sempre presente em qualquer processo de mudança, se potencializa quando a tecnologia rompedora gera uma transformação mais forte do modelo vigente. Na área de educação emergem motivos variados para justificar a manutenção do status quo e não mudar. Justificativas que representam esta aversão à mudança, à incorporação do novo, tais como:
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Por que mudar? Funcionou tão bem até hoje...
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Se mudar é o fim! Cultura do medo...
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Se mudar, não me responsabilizo...
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Pode tentar, mas já aviso, outros tentaram antes e não funcionou...
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Pode mudar, desde que não mude nada que estamos fazendo tão bem nos últimos anos...
Podemos enunciar um princípio básico para a análise da oportunidade (ou não) da mudança: se a equipe de gestão acredita que os fatores de sucesso das últimas décadas não serão os mesmos das próximas décadas, a mudança já deveria ter começado. Se, ao contrário, a equipe de gestão entende que os fatores de sucesso no futuro serão os mesmos que garantiram o sucesso no passado, não faz sentido a mudança.
Ainda nesse mesmo exemplo, podemos identificar outros momentos na história em que ocorreram grandes transformações disruptivas na área de educação:
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Surgimento das escolas, na antiguidade clássica, na Grécia;
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Livro impresso, na Europa no século XV;
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Tecnologias online de aprendizagem, século XXI.
Esse exemplo permite explorar diversos aspectos relevantes com relação à inovação, como a importância de uma Instituição ter a capacidade de avaliar continuamente a incorporação de inovações incrementais (de sustentação) e inovações disruptivas, estabelecendo ciclos, que reflitam e respeitem a missão, a visão de futuro e os valores institucionais. Esse balanço entre inovação incremental e disruptiva é importante, em especial para as instituições líderes em seus segmentos de atuação, pois essas tendem a reforçar seu domínio por meio de inovações incrementais, mas, em comparação com as novas entrantes ou instituições mais inovadoras, são conservadoras e ineficazes na exploração de inovações disruptivas.
A inovação de sustentação faz as coisas melhores e maiores, no mesmo paradigma vigente, enquanto a inovação disruptiva rompe o ciclo melhor e maior, buscando, potencialmente, oferecer algo inicialmente menos melhor e maior, mas mais ajustado ao novo ambiente e fácil de usar, muitas vezes com um custo e uma complexidade menor. Esse contexto das instituições líderes ou maiores gera uma perigosa sensação de que são as melhores, não correm risco (avessas a risco crescentemente), são autossatisfeitas (com processos endógenos de autoavaliação positiva) e tornam-se perigosamente caras e complexas. Por essas razões tendem a falhar em responder, ou mesmo se dar conta, que o mundo mudou.
Muitas dessas grandes instituições sobrevivem em momentos em que as inovações são incrementais, alicerçadas em seu prestígio e a ausência de uma tecnologia disruptiva, que ofereça oportunidades de um novo paradigma na área. Entretanto, atualmente vivemos na área de educação esse período de transformação. Hoje a mudança é inevitável, fruto das mudanças na sociedade e nas tecnologias de aprendizagem online, gerando, inevitavelmente, ao menos a necessidade de repensar o modelo tradicional de educação que está sendo oferecido, seja pelas profundas mudanças na sociedade (novas demandas), seja pelas novas tecnologias rompedoras.
b) Mudanças no mundo do trabalho e aprendizagem continuada
Durante a época da Escola de Platão, na Grécia Clássica, o ensino tinha uma característica generalista, com uma formação integral e abrangente do estudante, no contexto do conhecimento daquele tempo. Durante séculos essa foi a abordagem do ensino, abrangente e com forte base nas ciências humanas (em especial a filosofia), durante o tempo em que as áreas de conhecimento eram em menor número e mais inclusivas, reunindo conhecimento de diferentes fontes em torno de problemas ou observações ou desafios de entender a natureza e o papel do ser humano no mundo.
Mesmo após o surgimento das universidades, já no século IX, na Europa Ocidental, o foco do ensino e da formação acadêmica, acompanhando a demanda da sociedade, era por uma formação generalista, em torno de um pequeno conjunto de cursos (como direito, medicina e filosofia). Somente a partir das Revoluções Industriais (final do século XVIII e século XIX), com mudança nas demandas da sociedade, do emergente mercado de trabalho profissional, a especialização começa a ocupar um espaço crescentemente importante. No século XX a especialização na formação acadêmica atinge seu ápice, tanto no ensino como na pesquisa e na própria organização da Universidade (em múltiplos departamentos).
Um conjunto de fatores atuando de forma alinhada pressiona fortemente por mudanças neste sentido. Essas mudanças envolvem:
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Profundas mudanças na sociedade, gerando novas demandas, novas carreiras profissionais, com formação mais abrangente e flexível, fim do emprego único, perspectivas de uma vida profissional com mudanças de carreira frequentes;
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Novo perfil dos estudantes, gerações digitais, globais, demandas por novos formatos de ensino-aprendizagem;
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Complexificação dos problemas, com demandas por conhecimento diversos na busca das soluções para os desafios e problemas das empresas e da sociedade;
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Importância da capacidade de aprender a aprender, mais autonomia na aquisição de conhecimentos e na formação, necessidade crescente de educação continuada por toda a vida, visando manter a capacidade de renovação e adaptação às constantes mudanças.
Esse cenário, de fim do emprego tradicional, que demanda um novo tipo de formação, pressiona para novos cursos, estimula a formação integral, mais generalista, e gera a necessidade de novas estruturas nas universidades, em todas as suas dimensões. À soma desses movimentos, a emergência das redes e da interdisciplinaridade, a formação generalista e a educação continuada ao longo da vida geram enormes desafios para as universidades, mas também oferecem grandes oportunidades, sendo fator de reflexão e mudança em muitas instituições, com vistas ao futuro da educação superior.
c) Terceira missão e a atuação como vetor de desenvolvimento econômico e social
Desde o século XI, quando surge a primeira Universidade na Europa (Universidade de Bolonha, 1088), o ensino emerge como a primeira missão da Universidade. Somente no século XIX, em especial na Alemanha, na França e na Inglaterra, no escopo da primeira revolução na missão da Universidade, surge a segunda missão (pesquisa). Naquele momento, a inserção da pesquisa na missão e a criação dos Centros de Pesquisa foram mudanças disruptivas nas instituições. Na segunda metade do século XX, em especial nos Estados Unidos, surge e segunda revolução na missão, com a emergência da inovação e a atuação da Universidade como vetor (e protagonista) do processo de desenvolvimento econômico e social da sociedade onde está inserida. Temos aí mais uma mudança radical, disruptiva, no contexto da missão e da atuação das universidades.
Independentemente da posição das equipes de gestão, os impactos dessa segunda revolução são imensos, gerando novos desafios e oportunidades para as instituições. O surgimento dos mecanismos de geração de empreendimentos, como incubadoras, aceleradoras e espaços de coworking, bem como os ambientes de inovação, como parques científicos e tecnológicos, fablabs e distritos de inovação, desafiam as instituições a se repensarem profundamente. Esse novo contexto requer novas formas e posicionamento nas interações com outros atores da sociedade. Isso gera a necessidade de novas relações entre ensino, pesquisa e inovação no interno da instituição, novas relações com as empresas (públicas e privadas), novas relações com os governos (locais, regionais e nacionais).
A mudança na missão requer um repensar das novas estruturas acadêmicas necessárias para fazer frente a essa nova realidade, como os Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT), os Escritórios de Transferências de Tecnologia (ETT), Parque Científicos e Tecnológicos, Institutos de Pesquisa aplicada com o meio empresarial, participação em iniciativas de projetos de Smart Cities e Distritos de Inovação. O nível dessa mudança gera a necessidade de uma análise dos impactos na visão de futuro, na estrutura organizacional da Universidade, nas suas unidades periféricas (na relação com a sociedade) etc.
Essas novas estruturas representam não só a necessidade de construção de nova cultura institucional, incorporando o empreendedorismo e a inovação, a interdisciplinaridade (demandada pela complexificação dos problemas da sociedade), como a necessidade de novos perfis profissionais, com foco no mercado e nas demandas da sociedade, tanto nos meios empresariais como nos sociais e ambientais.
Nesse contexto é importante a clareza da preservação do núcleo organizacional, dos valores e do marco referencial da instituição, que deve ser preservado, sendo fator norteador das novas estratégias, deliberadas ou emergente, no contexto do processo de planejamento institucional.
Inovação, desenvolvimento e o papel da Universidade
A nova economia, baseada no conhecimento, quebrou muitos conceitos estabelecidos, entre eles dos antigos distritos industriais nas cidades, como símbolo da dinâmica e do crescimento econômico e social. Um novo modelo de ambientes de geração de riqueza e crescimento econômico e social surgia, envolvendo diretamente as universidades, utilizando nomes diferentes, mas envolvendo um significado comum: são os Parques Científicos, Tecnológicos ou de Pesquisa.
Apesar de a qualidade dos espaços físicos (prédio e facilidades) ser muito mais moderna que a dos antigos ambientes industriais, os novos ambientes envolvendo pessoas com conhecimento e talentosas envolvem fatores comuns, tais como: (a) participação de empresas de tecnologias e inovadoras, (b) relação com Universidades e Centros de Pesquisa, (c) serviços especializados qualificados, como gestão da propriedade intelectual, acesso a redes internacionais, contato com investidores e acesso a capital de risco, uso de laboratórios de pesquisa e desenvolvimento compartilhados, (d) espaços de convivência, descompressão e tecnologias limpas e (e) acesso a redes locais e globais, de negócios, de ciência e de tecnologias.
Esses Parques Tecnológicos, de Pesquisa ou de Ciências, incorporaram diversos mecanismos de geração de novos empreendimentos de base tecnológica, começando com as incubadoras e, com o tempo, outros mecanismos de geração de empreendimentos inovadores e de alto desempenho, como incubadoras, aceleradoras, espaços de coworking e living labs.
Nesse primeiro momento, na emergência da Sociedade do Conhecimento, e o surgimento dos Parques, foram se consolidando novos conceitos nessa área. Apesar de diferentes definições, algumas características dos Parques são comuns a todas. Destacam-se a percepção de que (a) são instituições híbridas, que abrigam empresas inovadoras de diversos portes e procedências e centros e laboratórios de investigação de instituições de ensino e pesquisa, e (b) geram intervenções urbanas de impacto onde se situam, com repercussões nos instrumentos públicos do seu ambiente, adensando o espaço urbano onde se localizam.
Ao longo desse tempo, desde a ação pioneira de Stanford, que termina por gerar o Vale do Silício na Califórnia, variantes do modelo vão surgindo e se desenvolvendo no mundo, como as Tecnópoles francesas, os Innovation Clusters na Coreia do Sul e os Innovation Districts e Technologies Clusters nos Estados Unidos. Atualmente os maiores Parques Tecnológicos do mundo estão localizados na China, Índia e Coreia do Sul, com forte ação dos governos nacionais desses países, que encontraram nesse modelo uma forma de estabelecer um novo ciclo de crescimento econômico e social para suas sociedades.
Atualmente temos uma nova geografia da inovação no mundo, onde esses diferentes ambientes de inovação determinam o progresso das nações e apontam para um novo futuro para as sociedades onde estão localizados. Esse novo modelo, seja qual for sua variante de implantação, tem o talento das pessoas como a base para a nova economia. Talento em função do seu conhecimento e talento empreendedor, com capacidade para criar, inovar e transformar o mundo que vivemos.
O conceito mais utilizado para entender esse novo ambiente é o da Hélice Tripla (Etzkovitz), que articula a indústria, os governos e as universidades em um mesmo ambiente, criando um framework de ação alinhada com a nova economia baseada no conhecimento. Abordagens mais recentes incorporam a própria Sociedade ou as Pessoas (cidadãos) como uma quarta hélice, gerando o modelo da Quadrúpla Hélice. Os Parques encontram guarida adequada nesse framework proposto pelo Modelo da Tripla Hélice e suas variantes.
Com o tempo, nos últimos anos, vemos que os Parques Científicos e Tecnológicos têm um importante papel na Sociedade e na Economia do Conhecimento. Não somente os Parques, mas também os diversos outros ambientes de inovação, sejam Tecnopoles, Clusters, Distritos ou Comunidades de Inovação.
Claramente o modelo dos Parques Científicos e Tecnológicos está em transição, em direção a uma nova visão na área de ambientes de inovação. A abordagem precursora dessa mudança é analisada e apresentada em 2001 por Luis Sanz, ao identificar uma tendência no movimento de Parques que ele chamou de Learning Villages. Os principais elementos descritos foram: (a) negócios, (b) centros educacionais, e (c) áreas residências, todos no mesmo ambiente. Esse estudo identificou o conceito-chave que transformaria alguns anos mais tarde a percepção sobre os ambientes de inovação: um lugar para trabalhar . viver na Sociedade e Economia do Conhecimento.
Nesse sentido, os movimentos e ambientes convergem para uma nova abordagem, incorporada pela IASP em sua missão como sendo das Áreas de Inovação (AI), expandindo o conceito de Parques Científicos e Tecnológicos (PCT), mantendo seus princípios básicos, mas entendendo a cidade como o locus da transformação e do novo modelo proposto. Viver e trabalhar em um novo ambiente, inserido na malha urbana, usando a tecnologia e a inovação para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Os Parques deixam de estar nas cidades, eles passam a ser a cidade. O mais importante deixa de ser onde fazemos (espaço físico) e passar a ser o que fazemos.
As áreas de inovação
Em 2012, nesse contexto, a IASP abriu suas portas para as Áreas de Inovação (AI), entendida como uma evolução dos Parques Científicos e Tecnológicos, que não os substitui, mas amplia o leque de possibilidades dos ambientes de inovação, compartilhando muitos objetivos, trabalham com ferramentas e elementos comuns, mesmo considerando a existência de importantes diferenças.
Os Parques possuem espaços físicos definidos, uma gestão e governança específica, hospeda e cria e desenvolve tipos específicos de empresas (selecionadas), suporta seu próprio crescimento e competitividade com autonomia, oferece serviços de valor agregado com Universidades e Centros de Pesquisa. Em outras palavras, definir um Parque é possível, sendo identificável (ou não) a presença dos elementos definidos como necessários.
As Áreas de Inovação, ao contrário, envolvem uma multiplicidade de possibilidades estando inseridas em um espaço difuso, nas cidades, inseridas na malha urbana e interagindo com a cidade em todas suas instâncias. São múltiplas possibilidades, passamos de uma estrela para uma galáxia de possibilidades.
Por outro lado, PCT e AI compartilham a realização de muitas coisas comuns, como planejamento estratégico, gestão imobiliária e das facilidades oferecidas, serviços de apoio para as empresas nascentes (startups) e estabelecidas, apoio à inovação, gestão do networking, relações (conexões) internacionais, ações e marketing, relações com os stakeholders, entre outras.
Com relação à geografia dos ambientes, as AI são desenvolvidas, normalmente, em espaços preexistentes (brown field), nas cidades e regiões, na recuperação de espaços degradados ou projetados para novo uso, enquanto que os PCT em novos ambientes (green field) que necessitam ser construídos e ocupados.
Importante notar que ambos compartilham a mesma missão fundamental: gerar desenvolvimento econômico e social por meio da tecnologia e da inovação. Os PCT por determinação e condução de atores externos, como governos ou universidades, enquanto as AI podem envolver também ação interna, da própria região, cidade ou conjunto de atores envolvidos.
Um aspecto central das AI está relacionado com o uso híbrido dos espaços, envolvendo: (a) ambientes para viver, se divertir e trabalhar, (b) coexistência de negócios e de pessoas, (c) prática do conceito de fertilização cruzada, e (d) uma dimensão de vida inteligente em meios urbanos, com suporte da tecnologia e da inovação a serviço das pessoas. Ou seja, integração de negócios, centros educacionais, áreas residenciais e serviços em um mesmo espaço e conceito. As novas AI podem ser uma solução interessante para o desenvolvimento das cidades, trazendo-as para a economia do século XXI.
Podem-se identificar em diversos exemplos no mundo, onde gestores de AI estão aplicando conceitos e ferramentas de PCT, com sucesso, na transformação de cidades e regiões nesse novo paradigma.
As AI e os PCT têm muito em comum, pois compartilham uma mesma origem e uma mesma missão (desenvolvimento econômico e social por meio da inovação e da tecnologia), mas as AI levam os conceitos de PCT a outro nível, com forte influência na vida das pessoas nas cidades. Nesse sentido, PCT e AI são ambientes de inovação que fazem muito sentido em uma Sociedade e Economia do Conhecimento.
Uma reflexão final
Assim como na área de mecanismos de geração de empreendimentos inovadores temos vivenciado uma evolução e multiplicidade de modelos e abordagens, como incubadoras, aceleradoras, coworking e maker spaces, na área de ambientes de inovação também ocorre o mesmo.
Na área de ambientes de inovação, os modelos tradicionais de Parques Científicos e Tecnológicos são desafiados e complementados com novos modelos e abordagens, como das Cidades Inteligentes, Distritos Industriais, Comunidades de Inovação, Clusters de Tecnologia ou de Inovação etc. Esses novos modelos e abordagens estão sendo chamados, genericamente, de Áreas de Inovação.
Abordagens mais recentes ainda estão adotando o conceito de Ecossistemas de Inovação, como equivalente a Áreas de Inovação, visando estabelecer um paralelo ou uma metáfora com a biologia e os ecossistemas naturais, onde a vida se cria, se adapta e evolui, com intensa interação e sinergia. Independentemente do modelo de ambiente de inovação adotado, seja em uma região, seja em uma cidade, o desenvolvimento de uma área de inovação vai necessitar de uma série de fatores para ter sucesso no processo de transformação econômica, social e urbana envolvida.
A metáfora do ecossistema é muito adequada, pois remete também à visão do Modelo da Rainforest, floresta tropical, um ecossistema exuberante, imprevisível, diverso, sem controle absoluto e constante transformação e evolução. Trata-se de ambientes não uniformes (como no molde da plantação), desiguais por definição, altamente colaborativo e flexível. Uma metáfora adequada para um ambiente de inovação propício ao desenvolvimento de novas tecnologias, inovações, atração de pessoas com talento, em que as competências tenham espaço para florar e se desenvolverem, gerando um processo de inovação sistêmica de larga escala e alto impacto econômico e social.
Esses ecossistemas propiciam as condições para o florescimento da inovação, seja de produto (típico dos anos 1970 e 1980), de modelos de negócios (típica dos anos 1990 e 2000) ou a inovação cultural, que está mudando para sempre o estilo de vida de nossa sociedade (nos últimos anos). É nesses ecossistemas ao longo do mundo que essas inovações ocorreram e estão ocorrendo, tanto os ambientes (dos parques científicos e tecnológicos aos modernos ecossistemas de inovação) como os mecanismos de geração de empreendimentos inovadores (das incubadoras às aceleradoras e coworkings) estão em constante evolução, pois são organismos vivos em continuo crescimento, adaptação e desenvolvimento.
Em todos os ambientes, adotando o termo de Área de Inovação ou Ecossistema de Inovação, seja em um desenvolvimento greenfield, sejam em um brownfield, usando os conceitos de Parques Científicos e Tecnológicos, Distritos Industriais, Clusters ou qualquer outro, será sempre necessário criar uma ecologia de inovação que inclua todos os agentes dos ecossistemas (universidades, empresas, governos e pessoas).
O ponto de partida pode ser diferente, mas a visão será sempre a mesma, compartilhando como missão a busca do desenvolvimento econômico e social tendo como meio a tecnologia e a inovação.
Nesse sentido, no contexto da terceira missão das Universidades, essas assumem um novo e renovado desafio, o de atuarem como vetores do desenvolvimento econômico e social da sociedade, ampliando suas missões básicas, de ensino e pesquisa. A inovação emerge como o motor desse processo de transformação, levando a pesquisa à sociedade, atuando como fonte de resolução de problemas e abertura de novas possibilidades. Nesse ambiente, os ambientes de inovação, sejam mecanismos de geração de empreendimentos, sejam áreas de inovação, emergem como o locus onde está processo de atuação das universidades se manifesta com muita força, na conexão e interação com os meios empresariais, governamentais e a própria sociedade.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
May-Aug 2017
Histórico
-
Recebido
20 Jul 2017 -
Aceito
02 Ago 2017