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SOBRE SUPEREXPLORAÇÃO E CAPITALISMO DEPENDENTE1 1 Traduzido do original em castelhano por Maíra Machado Bichir, Marina Machado Gouvea e Fernando Correa Prado.

ABOUT SUPER- EXPLOITATION AND DEPENDENT CAPITALISM

SUR SUPEREXPLOTATION ET CAPITALISME DÉPENDANT

Resumos

Este artigo é uma crítica às teses que sustentam que Marx não teria deixado dúvidas de que a força de trabalho de nosso tempo é paga por seu valor, o que exigiria abandonar a categoria de superexploração. Aqui, procuramos mostrar que a violação do valor da força de trabalho é um problema inscrito na teoria marxista e presente em O Capital. Por outro lado, argumentamos sobre a relevância da noção de capitalismo dependente e seu significado para entender as particularidades desse capitalismo, que o separa das trajetórias e objetivos do capitalismo desenvolvido.

Superexploração; Capitalismo dependente; Formas de capitalismo


This article is a critique of the theories that sustain that Marx affirms that the labor force is paid for its value. Here we try to show that a violation of the value of the labor force is a problem inscribed in Marxist theory and present in O Capital. On the other hand, it argues about the importance of the notion of dependent capitalism and its meaning to understand its particularities that separate it from the traits and objectives of capitalism developed.

Superexplotation; Dependent capitalism; Capitalism patterns


Cet article est une critique des théories qui soutiennent que Marx affirme que la force de travail est payée pour sa valeur. Nous essayons ici de montrer qu’uneviolation de la valeur de la force de travail est unproblèm einscrit dans la théorie marxiste et présent dans O Capital. D’autre part, il argumente sur l’importance de la notion de capitalisme dépendant et sa signification pour comprendre ses particularités qui le séparent des traits et des objectifs du capitalisme développé.

Superexplotation; Capitalisme dépendant; Modèles de capitalisme


1INTRODUÇÃO

O que é um suposto para “a análise geral do capital”, que as mercadorias, incluindo entre elas a força de trabalho, se compram e vendem por todo seu valor, é assumido por algumas correntes marxistas como uma lei de ferro. Porém existe em O capital uma tensão entre o suposto assinalado e as tendências que pressionam por sua alteração, como o próprio Marx se encarrega de fazer notar em sua obra maior. O anterior alcança maior sentido quando se assume o capitalismo dependente como uma forma de capitalismo, a qual exige superexplorar não só pelas particularidades de sua reprodução interna, como pelos processos que resolve na reprodução do sistema mundial capitalista.

O suposto da análise geral

Em sua exposição em O capital,2 2 N.T.: Para as citações de O capital transcrevemos os trechos a partir da edição em português da Boitempo, sempre as cotejando com a edição da Abril Cultural. No texto original, o autor utiliza predominantemente a edição de O capital da Fondo de Cultura Económica, remetendo-se, em algumas passagens, contudo, à edição da Siglo XXI. Todas as referências originais utilizadas pelo autor estão indicadas ao longo da tradução entre colchetes. No caso das demais obras citadas, que possuem edições em português, utilizamos igualmente as respectivas traduções já publicadas no Brasil, sempre indicando a referência do texto da edição brasileira e, entre colchetes, a referência utilizada pelo autor; e, no caso de textos ainda não traduzidos para o português, a tradução é nossa. Marx indica o “… pressuposto de que as mercadorias, portanto também a força de trabalho, sejam compradas e vendidas por seu valor integral” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 251] 2013, livro I, p. 389). As razões da afirmação anterior se devem a que “a transformação do dinheiro em capital tem de ser explicada com base nas leis imanentes da troca de mercadorias, de modo que a troca de equivalentes seja o ponto de partida” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 120] 2013, livro I, p. 240-241). Isso implica que o “possuidor de dinheiro, que ainda é apenas um capitalista em estado larval, tem de comprar as mercadorias pelo seu valor, vendê-las pelo seu valor e, no entanto, no final do processo, retirar da circulação mais valor do que ele nela lançara inicialmente” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 120] 2013, livro I, p. 241).

Esse é o caminho para explicar a geração de mais-valia e a exploração capitalista. Mas como, para o capitalista, “o valor de uso jamais pode ser considerado como finalidade imediata […], tampouco pode sê-lo o ganho isolado, mas apenas o apetite insaciável de ganhar” mais-valia de forma crescente (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 109] 2013, livro I, p. 229), em definitivo, “o capital tem um único impulso vital, o impulso de se autovalorizar, de criar mais-valia, de absorver […] a maior quantidade possível de mais-trabalho. O capital é trabalho morto, que, como um vampiro, vive apenas da sucção de trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 179] 2013, livro I, p. 307). Veremos que nem sempre o capital logra essa apropriação de “trabalho vivo” por mecanismos que impliquem acatar o pressuposto acima descrito, como o próprio Marx se encarregará de destacar em sua obra máxima.

O que é um pressuposto da “análise geral do capital” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t.III., t. III, p. 235] 2017, livro III, p. 274), isto é, no nível do modo de produção,3 3 “A possibilidade de uma incongruência quantitativa entre preço e grandeza de valor, ou o desvio do preço em relação à grandeza de valor, reside, portanto, na própria forma-preço. Isso não é nenhum defeito dessa forma, mas, ao contrário, aquilo que faz dela a forma adequada a um modo de produção em que a regra só se pode impor como a lei média do desregramento que se aplica cegamente” (Marx, [1975, t. I, v. 1, p. 125] 2013, livro I, p. 177, grifo do autor). [N.T.: No artigo original em castelhano, o autor destaca aqui que, diferentemente da edição da Siglo XXI, utilizada por ele na citação acima, na edição da Fondo de Cultura Económica “modo de produção” é traduzido como “regime de produção” (Marx, 1973, t. I, p. 63). Segundo o autor, a mesma diferença está presente no tomo III de ambas as edições: “La tendência progresiva de la tasa general de ganancia a la baja sólo es […] una expresión, peculiar al modo de producción capitalista […]” (Marx, 1976, t. III, v. 6, p. 271). Nas edições em português da Boitempo e da Abril Cultural emprega-se “modo de produção”]. é assumido por algumas correntes marxistas como uma lei de ferro, na qual, se a realidade se comporta de outras maneiras, pior para a realidade. Assume-se, com isso, que o pressuposto deve prevalecer no capitalismo em todos os níveis de análise,4 4 Desde o modo de produção à conjuntura, passando pelo sistema mundial e pelas formações econômico-sociais. em todos os lugares ou espaços5 5 Sejam economias desenvolvidas, ou mesmo economias dependentes. e em todo tempo.6 6 E, em caso de se alterar, isso foi próprio do capitalismo novecentista, porém não do de nossos dias. É possível que se chegue a reconhecer que existem processos nos quais o salário e o valor da força de trabalho diferem entre si, alcançando relevância histórica, porém isso não significa, para essas leituras, que tais processos alcancem relevância teórica. No máximo, serão considerados como anomalias ou exceções.7 7 O escrito mais recente nessa linha é “Aciertos y problemas de la superexplotación”, de Claudio Katz (2017). Não é difícil constatar que estamos diante de um tipo de análise que assume uma ortodoxia mal compreendida.

Situado na análise da mais-valia relativa, o que supõe a não alteração da duração da jornada de trabalho, Marx sublinha que o capital pode prolongar o tempo de trabalho excedente reduzindo o pagamento correspondente ao tempo de trabalho necessário, e que isso implica “…compressão do salário do trabalhador abaixo do valor de sua força de trabalho” (Marx, [1973, t. IMARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., p. 251] 2013, livro I, p. 388). E, linhas adiante, agrega que, “nesse caso, o mais-trabalho só seria prolongado se ultrapassasse seus limites normais, seus domínios só seriam expandidos mediante a invasão usurpatória do domínio do tempo de trabalho necessário” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 251] 2013, livro I, p. 388). Ao finalizar essas linhas, Marx indica algumas razões que limitam o marco de sua reflexão. Ali, lemos: “Apesar do importante papel que desempenha no movimento real do salário, esse método [compressão do salário do trabalhador abaixo do valor de sua força de trabalho] é aqui excluído pelo pressuposto de que as mercadorias, portanto também a força de trabalho, sejam compradas e vendidas por seu valor integral” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 251] 2013, livro I, p. 388-389).8 8 N.T.: No artigo original em castelhano, o autor salienta que, na edição da Siglo XXI, tal parágrafo apresenta mudanças, as quais, entretanto, não alteram substancialmente o sentido do texto anterior. A mudança mais significativa estaria no uso de “procedimento” (Marx, 1975, t. I, v. 2, p. 381), em vez de “método”.

Destaquemos alguns pontos dessa citação. Primeiro, Marx estabelece uma temporalidade, indicando “esse método é aqui excluído”. E esse “aqui” está dado pelo nível em que se formula a reflexão, a análise geral do capital. Isso se reforça com o “partindo-se desse pressuposto”. Fora desse momento ou nível reflexivo, já não é necessário excluí-lo, porque os problemas e processos apresentam determinações que alteram o pressuposto.

Segundo, frente ao método ou procedimento de “compressão do salário do trabalhador abaixo do valor de sua força de trabalho”, Marx não poupa advérbios para acentuar sua relevância, sublinhando o “importante papel que desempenha no movimento real do salário” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 251] 2013, livro I, p. 389, grifo do autor).

Terceiro, ao enfatizar o peso daquela compressão “no movimento real do salário” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 251] 2013, livro I, p. 389, grifo nosso), evidencia que, em níveis de maior concretude, ali onde opera um número maior de determinações – como a competição entre trabalhadores, o peso da superpopulação relativa, a força do campo trabalhador e a força do capital, os espaços no sistema mundial, etc. –, o “pressuposto” assumido tende a ser efetivamente alterado.

Não se trata de um assunto menor o fato de que, de maneira reiterada, prevaleça a indicação de que é o valor da força de trabalho que se remunera abaixo de seu valor, o que não ocorre em relação a outras mercadorias. Isso está relacionado à particularidade dessa mercadoria, que não apenas cria valor, que gera valorização, mas também permite, por meio de prolongamentos da jornada de trabalho, da intensificação do trabalho ou por salários abaixo do valor da força de trabalho, elevar a taxa e a massa de mais-valia, sem alterar a composição orgânica do capital, e tudo isso sem pressionar para baixo a taxa de lucro. Aqui repousam algumas das primeiras razões para explicar por que o “pressuposto” se desnaturaliza naqueles espaços do sistema mundial onde existe abundância de mão de obra, onde a reprodução do capital é voltada para mercados externos, o que facilita a “redução violenta” dos salários, e onde não há generalização de elevadas tecnologias ou de altas tecnificações, o que favorece um intercâmbio comercial desfavorável com outras economias. Tudo isso acontece justamente no capitalismo denominado dependente.

Acerca do valor da força de trabalho

Para refletir sobre a superexploração, é pertinente destacar algumas ideias relativas ao valor da força de trabalho. Nas páginas de O Capital, nas quais Marx se dedica especificamente a estabelecer critérios para determinar esse valor, não são indicadas cifras, nem sequer para a Inglaterra de sua época. Tal elemento se encontra fora do nível de análise subjacente ao livro, na medida em que elementos histórico-morais intervêm no valor da força de trabalho, o que exigiria análises mais concretas. Isso não significa, entretanto, que não encontremos bases para aproximações, nem mecanismos que pressionem para a transgressão daquele valor. Essas duas perspectivas se conjugam de maneira permanente em O Capital, de modo que a afirmação de que “[Marx] concentrou seus estudos no caso inglês, para desvelar a lógica laboral imperante na era contemporânea” é correta, porém o mesmo não se pode dizer daquela que a segue: “nessa indagação [Marx] não deixou nenhuma dúvida sobre a remuneração da força de trabalho pelo seu valor” (Katz, 2017KATZ, C. Aciertos y problemas de la superexplotación. 2017. Disponível em: katz.lahaine.org/b2-img/ACIERTOSYPROBLEMASDELASUPERXPLOTACION.pdf. Acesso em: 01.07.2018.
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, p. 7).

Nem mesmo nos capítulos teóricos Marx deixa de lado a permanente tensão entre o respeito ao valor da força de trabalho e sua transgressão. Tampouco quando reflete sobre situações de maior concretude. E menos ainda quando destaca o que ocorria na Inglaterra com a jornada laboral, com a intensidade e com o trabalho de mulheres e crianças, apoiado na informação dos “inspetores de fábrica”, nos Factory Reports, nos Reports in Mines, ou em Essay on Trade and Commerce, entre outros, onde explicita o horror em que se encontravam os trabalhadores, as mulheres e as crianças que trabalhavam.9 9 Ver Marx ([1973, t. I] 2013, livro I), capítulos VIII, XII e XIII, em particular.

“Por força de trabalho ou capacidade de trabalho entendemos – aponta Marx – o complexo [Inbegriff] das capacidades físicas e mentais que existem na corporeidade [Leiblichkeit], na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento sempre que produz valores de uso de qualquer tipo” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 121] 2013, livro I, p. 242, grifo nosso). Na determinação do valor da força de trabalho, é necessário considerar, portanto, “o valor dos meios de subsistência necessários à manutenção de seu possuidor” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 124] 2013, livro I, p. 245).

Aqui, Marx introduz dois elementos da maior relevância. O primeiro: que a força de trabalho somente se realiza trabalhando, o que implica um gasto de uma determinada quantidade de músculos, de nervos, de cérebro humano, etc., que é necessário repor, e que “esse gasto aumentado implica uma renda aumentada” (Marx, [1973, t. I, p. 124] 2013, livro I, p. 245). A intensificação no gasto de energia vital implica, “forçosamente”, maior receita, isto é, aquele desgaste extra, seja por uma maior jornada laboral ou uma maior intensidade do trabalho, o que carrega, implicitamente, uma elevação do valor da força de trabalho, que deve se expressar no salário. Isso implica que, em estudos concretos, o número de horas trabalhadas, em média, e a intensidade média do trabalho devem ser levados em consideração, já que esses desgastes médios, ao se excederem, alteram o valor da força de trabalho para cima.

O segundo: que o desgaste médio da força de trabalho tem um condicionante, porque, “se o proprietário da força de trabalho trabalhou hoje, ele tem de poder repetir o mesmo processo amanhã, sob as mesmas condições no que diz respeito à sua saúde e força. A quantidade dos meios de subsistência tem, portanto, de ser suficiente para manter o indivíduo trabalhador como tal em sua condição normal de vida” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 124] 2013, livro I, p. 245-246, grifo do autor).

A referência a “manter o indivíduo trabalhador como tal em sua condição normal de vida” mostra que Marx considera um critério de normalidade que não está marcado simplesmente pela média existente, seja de horas de trabalho, de salários ou de intensidade, mas que se estabelece por uma qualidade de vida de um ser humano, em cuja corporeidade repousa a força de trabalho. Um trabalhador tem de se alimentar, vestir-se, proteger-se sob um teto, descansar e se reproduzir nessa condição de vida.

Marx indica que as necessidades naturais, vestuário, alimentação e moradia, variam de acordo com o clima e com as demais condições naturais de cada país, e seu volume e o modo de satisfazê-las constituem um produto histórico, que depende do nível de cultura de um país, e, sobretudo, das condições, hábitos e exigências sob as quais se formou a classe dos trabalhadores livres. Por essa razão, existe um elemento histórico-moral no valor da força de trabalho. Uma das consequências da afirmação anterior é que a reprodução da força de trabalho não pode ser assumida como a reprodução de animais de carga.10 10 No século XVIII, assim como no século XXI, um animal de carga pode se reproduzir consumindo os mesmos tipos de pastagem, em quantidade e qualidade. Para um trabalhador satisfazer suas necessidades naturais, o volume e o modo de satisfazê-las são elementos que variam na história. Esse tema coloca em questão a utilização de cestas básicas de consumo para determinar os salários, tendo em vista as proteínas, os carboidratos, etc., que um ser humano necessita e considerando em que condição tais produtos são encontrados (em geral, os mais baratos, para justificar os reduzidos salários), porém sem respeitar os hábitos alimentares daqueles a quem se dirigem, nem o tempo histórico em que vivem. A dimensão histórico-moral coloca limites também àqueles que consideram que “a força” do antagonismo entre capital e trabalho pode definir o volume dos valores de uso incorporados à cesta, ou os limites da jornada ou da intensidade, para não falar da quantidade de salário, já que essas mudanças estariam dentro da lógica do valor. Os “graus de força” do capital podem propiciar mudanças nas condições salariais e de trabalho que atentem contra o valor da força de trabalho.11 11 Erroneamente, e depois das brutais quedas salariais propiciadas pelas ditaduras do Cone Sul nos anos setenta e oitenta do século XX, Valenzuela Feijóo indica: “O que acontece quando v. g. [por exemplo] o salário real de tendência cai? […] Devemos falar então de superexploração? Em nossa opinião não. Em vez disso, deve-se falar de uma queda no valor da força de trabalho, de uma redefinição para baixo e pela via da redução salarial desse valor (Valenzuela, 1997, p. 113). Esse valor apenas pode se ver reduzido por uma elevação da produtividade nos ramos produtores de bens-salários, e pela consequente queda de seus preços.

“A quantidade dos meios de subsistência necessários à produção da força de trabalho inclui [...] os meios de subsistência dos substitutos dos trabalhadores, isto é, de seus filhos, de modo que essa peculiar linhagem de possuidores de mercadorias possa se perpetuar no mercado” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., v. I, p. 125] 2013, livro I, p. 246), o que implica, além de alimentos, vestuário, etc., saúde, medicamentos, gastos com educação e com ócio e descanso, pelo menos, para a média de filhos de uma família trabalhadora em tempos determinados. De acordo com esses tempos, o grau de educação que se deve proporcionar e os gastos com ócio e recreação podem variar em função dos distintos modos como eles são assumidos.12 12 Na primeira metade do século XX, não se podia considerar o uso da televisão, por exemplo, que se massifica nas últimas décadas desse século, o que vale também para o caso da América Latina. Ainda assim, tais elementos devem estar contemplados no valor da força de trabalho. Os filhos, sua criação e proteção, elevam necessariamente o valor da força de trabalho.

O valor dos meios de vida fisicamente indispensáveis indica o limite último ou mínimo do valor da força de trabalho. Mas “se o preço da força de trabalho é reduzido a esse mínimo, ele cai abaixo de seu valor, pois, em tais circunstâncias, a força de trabalho só pode se manter e se desenvolver de forma precária”, uma vez que o valor de toda mercadoria depende do tempo de trabalho necessário para “fornecê-la com sua qualidade normal” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. 1, p. 126] 2013, livro I, p. 247).

O capítulo XIII de O capital termina com um parágrafo que critica aqueles que assumem que, no mercado, a compra e venda de força de trabalho existe apenas pelo seu valor e que sua utilização na produção se atém ao “normal”, sem que apareça o “roubo sistemático das condições de vida do operário durante o trabalho” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 353] 2013, livro I, p. 498). Marx afirma que: “Ao abandonarmos essa esfera da circulação simples ou da troca de mercadorias [na qual ‘contratam como pessoas livres, juridicamente iguais’, o ‘verdadeiro éden dos direitos naturais do homem’], de onde o livre-cambista vulgaris [vulgar] extrai noções, conceitos e parâmetros para julgar a sociedade do capital e do trabalho assalariado, já podemos perceber certa transformação, ao que parece, na fisionomia de nossas dramatis personae [personagens teatrais]. O antigo possuidor de dinheiro se apresenta agora como capitalista, e o possuidor de força de trabalho, como seu trabalhador. O primeiro, com um ar de importância [...]; o segundo, tímido e hesitante, como alguém que trouxe sua própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da…despela” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 129] 2013, livro I, p. 251, grifos do autor).

Apesar da suposição na qual se move (de que a força de trabalho é comprada e vendida por todo o seu valor), Marx tem de soltar as amarras, pois é a própria corporeidade do trabalhador e a normalidade de sua vida e de sua saúde que são postas em jogo, quando ele entra na oficina ou na fábrica. E o drama, como bem indica Marx, apenas está começando. Por isso, ao terminar a jornada de trabalho “temos de reconhecer que nosso trabalhador sai do processo de produção diferente de quando nele entrou. [...] O contrato pelo qual ele vende sua força de trabalho ao capitalista demonstrava [...] que ele dispunha livremente de si mesmo. Fechado o contrato, descobre-se que ele não era ‘nenhum agente livre’, que o tempo de que livremente dispõe para vender sua força de trabalho é o tempo em que é forçado a vendê-la, e que, na verdade, seu parasita [Sauger] não o deixará ‘enquanto houver um músculo, um nervo, uma gota de sangue para explorar’” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 240-241] 2013, livro I, p. 373).

Na análise da jornada de trabalho, Marx apresenta novos elementos que colocam em questão a ideia de que, em O capital, “não deixou nenhuma dúvida sobre a remuneração da força de trabalho pelo seu valor” (Katz, 2017KATZ, C. Aciertos y problemas de la superexplotación. 2017. Disponível em: katz.lahaine.org/b2-img/ACIERTOSYPROBLEMASDELASUPERXPLOTACION.pdf. Acesso em: 01.07.2018.
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, p. 7). Indica, na voz de um trabalhador: “Por meio de um prolongamento desmedido da jornada de trabalho, podes, em um dia, fazer fluir uma quantidade de minha força de trabalho maior do que a que posso repor em três dias. O que assim ganhas em trabalho eu perco em substância do trabalho. A utilização de minha força de trabalho e o roubo dessa força são coisas completamente distintas”. Por isso, “exijo [...] uma jornada de trabalho de duração normal” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 179-180] 2013, livro I, p. 308).

A defesa do trabalhador é vital, pois “o capital não se importa com a duração de vida da força de trabalho. O que lhe interessa é única e exclusivamente o máximo de força de trabalho que pode ser posta em movimento numa jornada de trabalho. Ele atinge esse objetivo por meio do encurtamento da duração da força de trabalho, como um agricultor ganancioso que obtém uma maior produtividade da terra roubando dela sua fertilidade” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 208] 2013, livro I, p. 338).

O prolongamento da jornada de trabalho pode ser retribuído com o pagamento de horas extras que busquem compensar o maior desgaste de energia. Mas esse procedimento tem um limite, mesmo supondo que o aumento do salário por meio de horas extras pudesse cobrir aquele desgaste maior. “Até certo ponto, o desgaste maior da força de trabalho, inseparável do prolongamento da jornada de trabalho, pode ser compensado com uma remuneração maior. Além desse ponto, porém, o desgaste aumenta em progressão geométrica, ao mesmo tempo em que se destroem todas as condições normais de reprodução e atuação da força de trabalho. O preço da força de trabalho e o grau de sua exploração deixam de ser grandezas reciprocamente comensuráveis” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 441] 2013, livro I, p. 594 grifo do autor). Essa é uma forma da superexploração, exposta e desenvolvida em O Capital.13 13 Com apontamentos como este, cabe questionar que versão de O capital é lida por aqueles que repetem e repetem, como um mantra, que Marx sustenta que “a força de trabalho é remunerada por seu valor”. Não deveriam dizer algo a respeito quando Marx indica o contrário? Ou ao menos problematizar o tema, em vez de se conformarem com a fórmula simples: se há salários insuficientes, jornadas de trabalho extensas e intensificação elevada, deve ser porque o valor da força de trabalho é baixo. E assim o mantra segue vigente, em toda parte e a toda hora. Parece ser mais importante salvá-lo, mesmo que isso nos afaste da realidade.

O mesmo pode ocorrer quando é a intensidade do trabalho que se impõe. Marx afirma que “a redução forçada da jornada de trabalho, juntamente com o enorme impulso que ela imprime no desenvolvimento da força produtiva e à redução de gastos com as condições de produção, impõe, no mesmo período de tempo, um dispêndio aumentado de trabalho, uma tensão maior da força de trabalho, um preenchimento mais denso dos poros do tempo de trabalho, isto é, impõe ao trabalhador uma condensação do trabalho num grau que só pode ser atingido com uma jornada de trabalho mais curta. [...] A hora mais intensa da jornada de trabalho de 10 horas encerra tanto ou mais trabalho, isto é, força de trabalho despendida, que a hora mais porosa da jornada de trabalho de 12 horas” (Marx, [1973, t. I, p. 337-338] 2013, livro I, p. 482-483).

Ora, “dentro de certos limites, o que se perde em duração se ganha no grau de esforço realizado. Mas o capital assegura, mediante o método de pagamento, que o trabalhador efetivamente movimente mais força de trabalho” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 338] 2013, livro I, p. 483). Aumentar a velocidade das máquinas, pagar o salário por peça e estender o raio do maquinário que deve ser vigiado por um mesmo trabalhador são algumas das formas de elevar a intensidade do trabalho. Mas, também aqui, existe um ponto de agudização da intensidade no qual, por mais que se paguem melhores salários, eles não podem recuperar o desgaste produzido, destruindo-se as condições normais de reprodução da força de trabalho.

Na medida em que o valor diário da força de trabalho está determinado por seu valor total, isto é, pelo tempo total de vida útil dos trabalhadores, com seu desgaste normal de energia, é no valor diário que os processos de prolongamento da jornada de trabalho e de intensificação do trabalho se fazem presentes como salários abaixo do valor.14 14 Nas páginas seguintes, quando nos referirmos ao salário abaixo do valor da força de trabalho devido ao prolongamento da jornada ou à intensificação do trabalho, diremos “salários abaixo do valor” – isto é, quando tratarmos da forma como a força de trabalho é desgastada na produção. Ao tratar diretamente da compra ou venda da força de trabalho no mercado abaixo de seu valor, empregaremos a expressão “salários diretos abaixo do valor”. “Sabemos que o valor diário da força de trabalho é calculado sobre a base de certa duração da vida do trabalhador.]” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 451] 2013, livro I, p. 609). Novamente, na voz de um trabalhador, Marx indica: “Se o período médio que um trabalhador médio pode viver executando uma quantidade razoável de trabalho é de 30 anos, o valor de minha força de trabalho, que me pagas diariamente, é de 1/365 × 30, ou 1/10.950 de seu valor total. Mas se a consomes em 10 anos, me pagas diariamente 1/10.950, em vez de 1/3.650 de seu valor total; portanto, apenas 1/3 de seu valor diário, e me furtas, assim, diariamente, 2/3 do valor de minha mercadoria. Pagas a mim pela força de trabalho de um dia, mas consomes a de 3 dias” (Marx, [1973, t. I, p. 180] 2013, livro I, p. 308).

O desgaste presente de anos futuros de vida útil exige que o salário diário se eleve de maneira equivalente ao valor da força de trabalho. Se essa elevação não é equivalente ao desgaste produzido, está violentando seu valor, isto é, está ocorrendo superexploração. Também não devemos nos esquecer de que, “até certo ponto”, é possível compensar o desgaste maior. Passado esse ponto, por mais elevada que seja a retribuição, a força de trabalho não pode se reproduzir em condições normais, sendo esgotada prematuramente. Toda a deterioração propiciada pela superexploração se expressará nos anos futuros de vida.

Se o prolongamento da jornada de trabalho e a elevação da intensidade operam na esfera da produção, afetando o valor total da força de trabalho e suas próprias condições futuras de vida, na esfera da circulação o capital pode adquirir a força de trabalho por um salário abaixo de seu valor no próprio momento da compra. É a forma mais tosca e visível de superexploração. Sobre essa forma, Marx indica: “Nas seções dedicadas à produção de mais-valia, partimos sempre do pressuposto de que o salário era pelo menos igual ao valor da força de trabalho. Mas a redução forçada do salário abaixo desse valor desempenha um papel importante demais no movimento prático para que não nos dediquemos a ela por um momento”. E conclui: “De fato, ela transforma, dentro de certos limites, o fundo necessário de consumo do trabalhador num fundo de acumulação de capital” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 505] 2013, livro I, p. 675, grifo do autor).

Dessa forma, os trabalhadores são impedidos de se reproduzir em condições normais, afetando por sua vez a reprodução normal de seus filhos, que crescerão e se desenvolverão física e espiritualmente com as marcas da espoliação e do aviltamento.

Capitalismo dependente: outra forma de capitalismo

A pergunta que subjaz ao exposto e aos múltiplos apontamentos em O capital sobre o pagamento de salários abaixo do valor da força de trabalho é o porquê da reiteração desse tema por Marx, quando já se havia indicado, em contraste, que se assume o pressuposto de que todas as mercadorias são compradas e vendidas por seu valor, inclusive a força de trabalho.

Minha resposta é a de que esse pressuposto é necessário para o nível de abstração no qual Marx o formula. A exploração no capitalismo é possível, mesmo que se respeite o valor da força de trabalho. Sob essa premissa, é possível a produção de mais-valia. Mas quando aparecem novas determinações, por aproximações sucessivas ao concreto no uso de força de trabalho por tempos, jornada de trabalho e condições de intensidade determinados, aquele pressuposto sobre a compra de força de trabalho é sacudido pela ânsia insaciável por trabalho excedente, em meio à competição acirrada entre distintos capitais,15 15 Não nos esqueçamos de que Marx afirmou que a questão do pagamento de salários abaixo do valor da força de trabalho é importante, mas é um tema que concerne à concorrência, de modo que, pelo momento, deve deixá-lo de lado. uma vez que a elevação do trabalho excedente exige não apenas acréscimos no emprego da força produtiva de novas máquinas e tecnologias, mas também o emprego de crescente força física dos trabalhadores.

Os problemas se tornam mais agudos quando aumenta a composição orgânica do capital e onde a sobrevivência do conjunto dos capitais – e não apenas de alguns – se vê em risco frente à queda da taxa de lucro e às crises. Esses processos se convertem em problemas urgentes que devem ser contidos, sendo o incremento dos graus de exploração e o pagamento de salários abaixo do valor dois dos fatores centrais dessa contenção. Esses elementos explicam a constante imbricação entre o pagamento da força de trabalho por seu valor e abaixo de seu valor, no decorrer de todo O capital.

Tais processos assumirão novas determinações quando forem abordados problemas indicados por Marx que não competem a esse livro e que seriam tratados em outros, como o comércio exterior, o mercado mundial e as crises,16 16 Ver Marx ([1971, t. I, p. 29-30] 2011, p. 61). aos quais podemos agregar a troca desigual entre economias e a conformação de novas formas de capitalismo, o que alentará novas influências sobre os pressupostos originários.

Na qualidade de fundamento do capitalismo dependente, o ponto de partida para a análise da superexploração é o sistema mundial capitalista, ali onde as diversas economias e suas modalidades de exploração se integram e se articulam, e ali onde o capital funciona como capital mundial.

Nessa fase, a organização do capitalismo se apresenta como unidade diferenciada de diversas formas de capitalismo. O capitalismo desenvolvido e o capitalismo dependente são as formas fundamentais, com modalidades particulares de reprodução de capital imbricadas. Assim, os padrões de reprodução, em umas e em outras formas de capitalismo, apresentam originalidades que conferem conotações específicas ao processo de reprodução. Por exemplo, o significado do desenvolvimento científico e tecnológico, ou o peso da mais-valia relativa, na primeira forma fundamental mencionada; e a cisão do ciclo do capital e o surgimento de uma estrutura produtiva afastada das necessidades da maioria da população trabalhadora, na segunda.

É apenas a partir da consideração dos níveis e elementos indicados anteriormente que ganham sentido processos como a constante revolução das forças produtivas em uma forma de capitalismo, ou os salários estruturalmente instalados abaixo do valor da força de trabalho na outra. Esses processos não podem ser analisados de maneira isolada, sem se considerar a estrutura reprodutiva da qual fazem parte, tanto em nível de economias nacionais quanto no sistema mundial, tampouco sem considerar sua relevância para a reprodução do capital mundial.

O sistema mundial capitalista está conformado por diversas formas de capitalismo17 17 Osorio (2016, p. 403-442). interdependentes, de modo que a sorte de umas determina a sorte de outras. É nesses marcos que autores da teoria marxista da dependência formularam a necessidade de dar conta das leis e tendências que regem a forma capitalismo dependente. Marini a apontava da seguinte maneira: “A tarefa fundamental da teoria marxista da dependência consiste em determinar a legalidade específica pela qual se rege a economia dependente” (Marini, [1973MARINI, R. M. Dialéctica de la dependencia. México: Serie Popular Era, 1973., p. 99] 2005MARINI, R. M. Dialética da dependência. In: TRASPADINI, R.; STÉDILE, J. P. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005., p. 193).

Em 1970, Theotônio Dos Santos indicou que “...a dependência havia sido geralmente entendida como um fenômeno externo à nossa realidade [...] uma espécie de força exógena [...] que se introduzia a partir do exterior e nos era imposta”. E agregava: “...o que se explicitou teoricamente foi, principalmente, o fato de que a situação de dependência em que vivemos dentro do sistema capitalista mundial condiciona as estruturas internas de nossos países, tornando-as dependentes em sua própria formação”. E mais, prosseguia Dos Santos: “constatou-se [...] que a dependência era algo muito mais profundo, ligado a mecanismos internos do funcionamento de nossas sociedades” e que “há [...] um tipo de formações socioeconômicas dentro do sistema mundial capitalista que, devido a seu papel dentro desse sistema, tem leis próprias de desenvolvimento, contradições específicas que devem ser analisadas” (Dos Santos, 1970DOS SANTOS, T. Dependencia y cambio social. Santiago de Chile: Centro de Estudios Socio Económicos (CESO), Universidad de Chile, 1970. (Cuadernos de estudios socio económicos n. 11)., p. 7-8, grifo do autor).

Junto às tarefas de desvelar as relações da forma capitalismo dependente no e com o sistema mundial, bem como com o capitalismo desenvolvido em suas diversas etapas e as consequências dessas relações para ambos e para a região, definitivamente a tarefa central da teoria marxista da dependência passa a ser explicar a legalidade que impera no capitalismo dependente e que define sua reprodução. É nessa direção que ganham sentido noções como superexploração, cisão do ciclo do capital, desenvolvimento do subdesenvolvimento ou troca desigual, na qualidade de categorias de um corpo teórico que define relações e determinações e as conjuga, conferindo-lhes conteúdo.

Seguir falando de economias com baixa composição orgânica e baixa produtividade, com salários baixos, produtoras fundamentalmente de matérias-primas e alimentos e com muita força de trabalho, bem como da maneira pela qual isso propicia modalidades de inserção no mercado mundial que as desfavorecem, é seguir movendo-se na superfície dos problemas, com peças soltas e desarticuladas de um quebra-cabeça. Um quebra-cabeça inclusive incompleto, pois lhe faltam aquelas peças que explicam processos particulares, que permitem explicar as relações e as hierarquizações próprias de qualquer formulação teórica e de uma teoria marxista da dependência substantiva. O mesmo ocorre com denominações como periferia, atraso, subdesenvolvimento ou países em vias de desenvolvimento. Não deixam de ser descrições – melhores ou piores, mas descrições –, que não permitem avançar em nada na explicação do porquê aquilo ocorre e que tendências e forças o tornam possível.

É justamente nesse ponto que se estabelece um divisor de águas, expresso por Agustín Cueva e hoje repetido de distintas maneiras. Aqueles que falam de economias “subdesenvolvidas” ou “atrasadas”, e não de capitalismo dependente, o fazem porque seguem submersos nos mesmos dilemas de Cueva quando indicou que “... resta […] a inquietude de saber se, entre o capitalismo chamado clássico e o dependente, existe realmente uma diferença qualitativa que autorize a formulação de leis específicas para um ou outro” (Cueva, 2007CUEVA, A. Entre la ira y la esperanza y otros ensayos de crítica latinoamericana. Buenos Aires: CLACSO/Prometeo Libros, 2007., p. 77). A inquietude inicial se torna, contudo, uma certeza: “Nossa tese”, afirma Cueva, “é […] de que não existe nenhum espaço teórico no qual uma teoria da dependência, marxista ou não, possa assentar-se” (Cueva, 2007CUEVA, A. Entre la ira y la esperanza y otros ensayos de crítica latinoamericana. Buenos Aires: CLACSO/Prometeo Libros, 2007., p. 78).

Esse é o marco divisor de águas, pois, se os seguidores de Cueva também desconhecem a diferença qualitativa entre capitalismo desenvolvido e capitalismo dependente, efetivamente não existe espaço teórico para qualquer teoria marxista da dependência, de modo que discutir sobre a cisão do ciclo do capital, o desenvolvimento do subdesenvolvimento ou a superexploração aparece como assunto banal. Nesse cenário, adquire perfeito sentido postular a “revisão” da superexploração, forma eufemística de dizer que ela deve ser “corrigida”, considerando que “a modificação substitui a ideia de pagamento abaixo do valor da força de trabalho pela baixa remuneração desse recurso” (Katz, 2017KATZ, C. Aciertos y problemas de la superexplotación. 2017. Disponível em: katz.lahaine.org/b2-img/ACIERTOSYPROBLEMASDELASUPERXPLOTACION.pdf. Acesso em: 01.07.2018.
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, p.15, grifo do autor), de modo que a essência da superexploração é confundida e convertida em outra coisa.18 18 Katz assinala que “el punto de partida de la polémica (sobre la superexplotación) es la revisión encarada por Marini”, onde “en su mirada de la globalización señaló que la retribución de la fuerza de trabajo por debajo de su valor tendía a extenderse a las economías centrales”, e que “esa ampliación suscita las controversias”, para de imediato assinalar a sua posição: “En nuestra opinión, la superexplotación afecta las franjas más vulnerables (sic) de los asalariados de todas las economías. “No define – prossegue – distinciones entre regiones avanzadas, emergentes o subdesarrolladas”, para chegar ao central: “Esas diferencias se concentran en la preeminencia de niveles altos, bajos y medios del valor de la fuerza de trabajo”, para agregar que “cada país se sitúan unos de esos tres rangos…”, (Katz, 2018, p. 1), (grifos do autor). Não é difícil ver que Katz e Marini estão falando de coisas muito distintas. Um de remunerações da força de trabalho “abaixo de seu valor”, e o outro de “níveis altos, médios, ou baixos do valor da força de trabalho”. Essa diferença, para Katz, não é a que suscita a controvérsia, mas apenas o tema de sua ampliação. Mas ampliação do que? Do que assinala Marini ou do que assinala Katz?

Seria mais pertinente, então, regressar às discussões primárias, como: que relação guardam entre si desenvolvimento e subdesenvolvimento? São entidades autônomas, ou se explicam somente pela relação que estabelecem entre si? Se se explicam apenas a partir da relação que estabelecem entre si, apresentam apenas diferenças de grau ou contam com diferenças qualitativas?

Com a noção de capitalismo dependente, o capitalismo deixou de ter apenas uma forma, com variações marcadas pelo avanço de algumas economias e pelo atraso de outras nas quais estas últimas – de modo regular – podem avançar para o desenvolvimento, ou a periferia pode alcançar formas que a aproximem da condição de centro. Trata-se de entidades que, no seio do sistema mundial, prosseguem caminhos diferenciados e, em lugar de se aproximarem, separam-se. Com a nova formulação, passar do atraso ao desenvolvimento é possível, mas apenas como processo de exceção, e nunca como um caminho normal e regular de qualquer economia. Ao contrário da visão predominante, a Coreia do Sul, no sudeste asiático, é precisamente um caso de exceção, e não a norma, no desenvolvimento de qualquer capitalismo.19 19 (Cf. Osorio, 2015, 2016).

É paradoxal que seja a partir da América Latina que se sustenta a ideia de “repetir o milagre” do sudeste asiático, após dois séculos de desenvolvimento do capitalismo, em uma região com Estados formalmente independentes e cujas economias, neste já longo período, caminham pela rota do desenvolvimento do subdesenvolvimento e não pela rota da Coreia do Sul.

Superexploração e esgotamento da força de trabalho

No capitalismo dependente, existem condições objetivas para que a superexploração se constitua como um mecanismo fundamental de exploração por parte do capital. O primeiro fator que a favorece consiste na cisão do ciclo do capital presente nos padrões de reprodução do capital que se gestaram a partir dos processos de independência. A vocação exportadora presente em todos esses padrões, apenas atenuada na curta vida do padrão industrial, cria o cenário propício para que o capital gere estruturas produtivas afastadas das necessidades da maioria da população trabalhadora. Dessa maneira, ao passo em que os trabalhadores não têm um papel relevante na realização dos bens produzidos pelas empresas de ponta na acumulação, o capital pode operar com maior folga para implementar as diversas formas de superexploração, em particular o pagamento direto da força de trabalho abaixo de seu valor e o prolongamento da jornada de trabalho. O segundo fator que favorece a superexploração está constituído pelas perdas de valor sofridas pelo capitalismo dependente no mercado mundial, por meio da troca desigual e de outros tipos de transferências. Essas perdas alcançam algum grau de reposição através da apropriação, pelo capital, de parte do fundo de consumo dos trabalhadores e de sua conversão em fundo de acumulação, ou da apropriação presente de parte dos anos futuros de trabalho e de vida, por intermédio da extensão das jornadas de trabalho e da intensificação do trabalho. Nada disso seria possível se o capitalismo dependente não gerasse mão de obra abundante, o que permite, como terceiro fator, a presença de uma extensa superpopulação relativa que não apenas resolve a substituição imediata dos braços esgotados prematuramente, mas também se constitui em uma força que o capital emprega para pressionar as condições salariais e de trabalho dos trabalhadores ativos.

A capacidade de o capital criar braços excedentes na região é tal, que sequer os elevados movimentos migratórios, na segunda metade do século XX e no início do XXI, rumo às economias desenvolvidas e particularmente os Estados Unidos, afetam as necessidades do capital operante na região. Inclusive ultrapassam essas necessidades, gestando verdadeiros problemas para a acumulação, como ocorre com a concentração de paupers no entorno das grandes cidades, demandando serviços como água, luz, moradia, saneamento, escolas, unidades de serviços médicos, segurança, transporte, etc. E isso apesar das políticas públicas voltadas para a redução dos nascimentos e o retardamento da gravidez nos setores populares.

Falar do esgotamento prematuro da força de trabalho como resultado da superexploração não implica, necessariamente, morte prematura,20 20 Como se depreende do comentário de Katz, no sentido de que, uma vez que a expectativa de vida média dos trabalhadores aumentou, a superexploração se desqualificaria – ao ser associada à morte prematura (cf. Katz, 2017, p. 2). embora possa gerar esse resultado em uma parcela de trabalhadores. O esgotamento implica que um trabalhador (homem ou mulher) que se incorpore jovem à produção já não gera os mesmos rendimentos para o capital, uma vez alcançada a idade de 40 ou 50 anos. Daí em diante, pode se manter na produção, mas sua produtividade minguará devido ao desgaste prematuro, o que afetará o montante de seu salário. Alternativamente, podem se manter realizando trabalhos que não exijam a mesma energia física, mas com pior remuneração. E é muito possível que sua vida se aproxime da expectativa média da sociedade. Seguramente, contudo, o esgotamento prematuro da força de trabalho se verifica no caso de uma grande parcela dos trabalhadores, em condições de pobreza devido às baixas pensões e aposentadorias, sem a atenção médica e os medicamentos requeridos e com enfermidades derivadas do esgotamento sofrido precocemente em sua vida produtiva. “A economia dos meios de produção, que a produção mecanizada desenvolve sistematicamente pela primeira vez e que consiste, ao mesmo tempo, no desperdício mais inescrupuloso de força de trabalho e no roubo dos pressupostos normais da função do trabalho, revela agora tanto mais esse seu aspecto antagônico e homicida quanto menos estiverem desenvolvidas, num ramo industrial, a força produtiva social do trabalho e a base técnica dos processos combinados de trabalho” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 385-386] 2013, livro I, p. 534). O esgotamento prematuro, embora não esteja descartado, não se remete exclusivamente à redução da expectativa média de vida, mas sim às condições em que sobrevivem os trabalhadores nos anos restantes de vida.

Superexploração não é sinônimo de pobreza absoluta. Em seu livro O desenvolvimento do capitalismo na América Latina, Agustín Cueva utiliza noções e conceitos da teoria marxista da dependência, entre os quais o de superexploração. Afirma, nesse sentido, que “a exploração e a consequente pauperização das massas assumem o aspecto de uma ‘superexploração’” (Cueva, [1977CUEVA, A. El desarrollo del capitalismo en América Latina. México: Siglo XXI Editores, 1977., p. 99] 1983CUEVA, A. O desenvolvimento do capitalismo na América Latina. São Paulo: Global, 1983., p. 97,). A noção, contudo, é ali transformada em sinônimo de empobrecimento absoluto (Cueva, [1977CUEVA, A. El desarrollo del capitalismo en América Latina. México: Siglo XXI Editores, 1977., p. 228] 1983CUEVA, A. O desenvolvimento do capitalismo na América Latina. São Paulo: Global, 1983., p. 201).

Na determinação do valor da força de trabalho operam mecanismos contraditórios. A incorporação de novos bens à condição de bens-salários tende a aumentar o montante de valores de uso e elevar o valor da força de trabalho. Mas o aumento da produtividade tende a reduzir o preço desses produtos, o que atenua aquela tendência anterior. A existência de salários abaixo do valor da força de trabalho faz com que, pela necessidade de obter certos bens-salários – como ter uma geladeira, em tempos em que cresce o emprego de homens e mulheres, e a compra de certos alimentos, que não pode ser feita diariamente, ou de televisores ou celulares de segunda categoria, tendo em vista que são bens necessários para ocupar os momentos de ócio na sociabilidade imperante e os celulares formam parte das novas necessidades de trabalho –, a própria obtenção desses bens implica deixar de atender a outras necessidades vitais, como, por exemplo, comer menos carne, verduras e frutas, ou então reduzir o dinheiro disponível para gastos com médicos, dentistas ou remédios.

Nessas condições, a força de trabalho se reproduz, mas em condições anormais, mas não por maior pobreza absoluta, já que o montante de bens incorporado ao consumo tende a se incrementar, só que, em muitos bens e serviços, se terá um consumo deficiente, de acordo com as necessidades histórico-sociais prevalecentes, em razão do que isso pode afetar os anos futuros de trabalho e de vida e a própria geração dos novos braços que irão se incorporar futuramente ao mercado de trabalho. Em meio ao esgotamento prematuro e salários diretos abaixo do valor da força de trabalho, uma fórmula para sobreviver passa pela crescente conformação de lares em que convivem duas ou três gerações de trabalhadores, o que permite resolver o cuidado dos menores de idade e dos trabalhadores idosos, aposentados ou simplesmente retirados do mercado de trabalho, além de conformar um salário familiar que potencializa a precariedade e a superexploração imperante nos rendimentos de cada trabalhador.21 21 Isso questiona a ideia de que “o capitalismo não precisa de mecanismos adicionais para se desenvolver” e que “a sub-remuneração dos assalariados transgride os princípios da acumulação”, já que “a violação desses critérios ameaçaria a própria sobrevivência dos trabalhadores” (Katz, 2017, p. 2, grifo do autor). Toda essa reflexão, referente a apontamentos de Cueva, associa superexploração com pauperismo absoluto. Katz realiza essa mesma associação quando indica: “A retração do consumo obedece à simples vigência de salários reduzidos. Não implica pagamentos abaixo do valor da força de trabalho. Se os salários fossem tão insignificantes, os frágeis circuitos de compra sequer poderiam emergir” (Katz, 2017, p. 9). Ao dissociar “salários reduzidos” de “pagamentos abaixo do valor da força de trabalho”, remete esse último ao pauperismo absoluto, o que se compadece com a conclusão: “os [...] circuitos de compra sequer poderiam emergir” (Katz, 2017, p. 9).

O fato de que em todo o sistema mundial capitalista se produza mais-valia absoluta ou mais-valia relativa não pode nos levar a afirmar que qualquer uma das formas de extração de mais-valia tem o mesmo peso nas diversas economias que formam esse sistema e que, portanto, provocariam os mesmos resultados.

O mesmo equívoco ocorre quando se afirma que a superexploração está presente em todo o sistema mundial capitalista, buscando desqualificar sua relevância no capitalismo dependente. É preciso ponderar e destacar as particularidades da forma como a superexploração ocorre em diferentes regiões, em diferentes economias e formas de capitalismo, e constatar que ela gera consequências diferenciadas na reprodução do capital e, portanto, no sistema mundial e na acumulação mundial. Isso exige, portanto, colocar a superexploração no contexto desses processos para compreender seu significado histórico e teórico,22 22 No próprio exercício feito por Katz, a superexploração aparece em todos os estratos. Mas é evidente que a superexploração não opera em todos os estratos da mesma forma, nem com os mesmos resultados (Katz, 2017, p. 12). e não analisá-la de maneira isolada.

No capitalismo desenvolvido, a intensidade do trabalho tem um peso maior e há muito menos pagamento direto de salários abaixo do valor. Isso torna possível que a maioria dos trabalhadores, nessas economias, tenha um peso relevante na conformação do mercado interno, tenha acesso a bens que, em outras economias, são bens suntuários, que o bem-estar material seja mais generalizado. E que a camada de trabalhadores que recebe diretamente salários abaixo do valor seja relativamente reduzida.

Isso é diferente no capitalismo dependente, onde predominam o pagamento direto de salários abaixo do valor e a prolongação da jornada de trabalho, processos que afetam a maioria da população trabalhadora, gerando estruturas produtivas voltadas fundamentalmente para os mercados externos e para o estreito mercado interno de alto poder de consumo, tudo isso impulsionado pelos setores mais dinâmicos do capital. São os capitais menos poderosos que direcionam sua produção para o mercado interno dos assalariados, mercado esse reduzido pelos efeitos da superexploração e pelo enorme número de trabalhadores confinados na superpopulação relativa. Isso não significa que não existam núcleos e franjas de assalariados que não são superexplorados. Mas, para a reprodução do capital no capitalismo dependente, a superexploração é fundamental.

Superexploração e taxa de lucro

A extensão da superexploração, no conjunto do sistema, se explica, por sua vez, pelo fato de que, como menciona Marx, o pagamento de salários abaixo do valor da força de trabalho é uma das causas que contra-arrestam a queda da taxa de lucro (Marx, [1973, t. III, p. 235] 2017, livro III, p. 274), tal como ocorre no período em que vivemos. Como as condições de existência dos trabalhadores, em cada economia, são diferentes, a generalização da superexploração tem consequências relativas diferenciadas em cada economia.

No início da exposição das causas contra-arrestantes da lei da queda da taxa de lucro, Marx assinala que “a dificuldade que se apresenta não é a mesma na qual os economistas tropeçam até hoje, isto é, a de explicar a queda da taxa de lucro, mas a dificuldade inversa, a saber: a de explicar por que essa queda da taxa de lucro não é maior nem mais rápida. É preciso que aí atuem influências contra-arrestantes, que interfiram na ação da lei geral e a anulem, dando a ela apenas o caráter de tendência, razão pela qual também caracterizamos a queda da taxa geral de lucro como tendencial” (Marx, [1973, t. III, p. 232] 2017, livro III, p. 271, grifo do autor).

Frente às causas que alimentam a queda da taxa de lucro e que a tornam lei – “se consideramos o enorme desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social apenas nos últimos trinta anos e comparamos esse período com todos os anteriores, e se levamos em conta sobretudo a enorme massa de capital fixo que, além da maquinaria em sentido estrito, entra no processo social de produção em seu conjunto” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. III, p. 232] 2017, livro III, p. 271) –, aparecem causas poderosas que contra-arrestam essa lei e a fazem operar apenas como tendência, na medida em que “é contida, refreada e enfraquecida por circunstâncias contra-arrestantes” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. III, p. 234] 2017, livro III, p. 273). Comentemos algumas dessas circunstâncias.

A primeira causa apontada é o aumento do grau de exploração do trabalho. Aqui, Marx aponta que “o grau de exploração do trabalho, a apropriação do mais-trabalho e da mais-valia aumentam especialmente por meio do prolongamento da jornada de trabalho e da intensificação do trabalho”. E agrega: “é especialmente o prolongamento da jornada de trabalho, essa invenção da indústria moderna, que incrementa a massa do mais-trabalho apropriado sem alterar essencialmente a relação entre a força de trabalho empregada e o capital constante que ela põe em movimento e que, de fato, faz diminuir relativamente este último” (Marx, 1973, t. III, p. 232-233).

Mas o prolongamento da jornada de trabalho e a intensidade do trabalho com avanços tecnológicos atuam em sentidos inversos na elevação do grau de exploração e na massa de mais-valia, com consequências diferentes para a queda da taxa de lucro, porque “as causas que elevam a taxa da mais-valia relativa são as mesmas que reduzem a massa da força de trabalho empregada”, de modo que “a tendência de diminuição da taxa de lucro é especialmente enfraquecida pela elevação da taxa de mais-valia absoluta, gerada graças ao prolongamento da jornada de trabalho” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. III, p. 233-234] 2017, livro III, p. 273).

Nem todo prolongamento da jornada ou todo aumento da intensidade implicam superexploração. Mas o limite é muito tênue, como Marx já notou no livro I de O capital, quando trata da mais-valia absoluta e da mais-valia relativa, de modo que aquela primeira causa que contra-arresta a queda da taxa de lucro tem vínculos estreitos com a superexploração. Por isso, entre a perspectiva do capitalista – que considera que a compra do valor diário da força de trabalho significa que ela lhe pertence por uma jornada, tratada como menor do que um dia natural (mas, quão menor?) – e a perspectiva do trabalhador – que deve acordar no dia seguinte em condições “de trabalhar amanhã com o mesmo nível normal de força, saúde e disposição que hoje”, de modo que colocará em movimento sua energia “apenas na medida compatível com sua duração normal e seu desenvolvimento saudável” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 178-179] 2013, livro I, p. 308) –, Marx conclui: “entre direitos iguais, quem decide é a força” (Marx, [1973, t. I, p. 180] 2013, livro I, p. 309). Daí a fragilidade dos limites da jornada de uma extensão normal e a tensão que permite que, “em seu impulso cego e desmedido, sua voracidade de lobisomem por mais-trabalho, o capital transgride não apenas os limites morais da jornada de trabalho, mas também seus limites puramente físicos” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 207] 2013, livro I, p. 337).

A tendência à superexploração é expressa por Marx também quando assinala que, “se um trabalhador é forçado a efetuar o trabalho que racionalmente só poderia ser executado por dois trabalhadores, e se isso ocorre em circunstâncias nas quais ele poderia substituir outros três, esse trabalhador produzirá tanto mais-trabalho quanto antes o forneciam dois trabalhadores e, em tal medida, terá aumentado a taxa de mais-valia. Mas ele não produzirá tanto quanto antes produziam três, e, desse modo, a massa de mais-valia23 23 N.T.: Neste ponto, o autor destaca que, na edição de O capital da FCE (Marx, 1973, t. III, p. 234), se utiliza, nessa passagem, “taxa de mais-valia” (cuota de plusvalía), em vez de massa de mais-valia (masa de plusvalor), o que torna ininteligível o raciocínio. terá diminuído. Sua queda estará compensada ou limitada pelo aumento da taxa de mais-valia” (Marx, 2017MARX, K. O capital, livro III, São Paulo: Boitempo, 2017., livro III, p. 273-274). Esse maior desgaste da força de trabalho é um indicador de superexploração, ainda mais quando um trabalhador é forçado a fazer o que corresponderia a dois trabalhadores.

No bojo da atual crise, e embora tenha havido aumentos nas horas de trabalho no conjunto das economias, tanto desenvolvidas quando dependentes, é nessas últimas, em geral, que se concentram as economias com maiores horas de trabalho. De acordo com dados da OCDE de 2016OCDE. Hours worked: average annual hours actually worked. 2016. Disponível em: <https://data.oecd.org/emp/hours-worked.htlm#indicator-chart>. Acesso em: 27. 12. 2017.
https://data.oecd.org/emp/hours-worked.h...
, o México é o país com mais horas trabalhadas por ano por trabalhador dentre 35 economias em que se realizou a medição, com 2.237 horas anuais. Na sequência, estão: Costa Rica, com 2.200 horas; Coréia do Sul, com 2.163; Grécia, com 2.037; e Rússia e Chile, com pouco menos de 2.000 horas trabalhadas por ano. Mais abaixo estão Polônia, Israel, Lituânia e Islândia. Estados Unidos, com 1.788 horas trabalhadas por ano, aparece no 15º lugar e o Japão no 21º, com 1.715 horas. Fecham a lista, com menos de 1.400 horas, Holanda, Noruega, Dinamarca e Alemanha, essa última com 1.360 horas trabalhadas por ano por trabalhador (OCDE, 2016OCDE. Hours worked: average annual hours actually worked. 2016. Disponível em: <https://data.oecd.org/emp/hours-worked.htlm#indicator-chart>. Acesso em: 27. 12. 2017.
https://data.oecd.org/emp/hours-worked.h...
).

A redução do salário abaixo do valor da força de trabalho aparece como a segunda causa que contra-arresta a queda da taxa de lucro.24 24 Não deve passar inadvertidamente que Marx não se conforma com a cômoda indicação de “salários baixos” ou “remunerações baixas”, solução tão generalizada como inútil frente aos problemas que se busca explicar, como faz Katz ao se perguntar: “Como se poderia reformular a intuição de Marini sem os problemas da superexploração?”. E responde: “A solução mais simples é postular que, nessas regiões (economias dependentes), predomina um baixo valor da força de trabalho” (Katz, 2017, p. 3). Marx não se conforma com essas “soluções simples” e trata de “salários abaixo do valor da força de trabalho”. Com “soluções simples” os capitais podem assinalar que não existe exploração e corrigir Marx, da mesma forma que faz Katz com Marini. “Isso só é mencionado aqui empiricamente, já que, de fato, tal como muitas outras coisas que caberiam ser referidas, esse aspecto não guarda nenhuma relação com a análise geral do capital, mas diz respeito à exposição da concorrência, que não é tratada nessa obra. No entanto, é uma das causas mais importantes de contenção da tendência à queda da taxa de lucro” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. III, p. 235] 2017, livro III, p. 274, grifo do autor).

O discurso de um anônimo capitalista inglês serve a Marx para dar conta da justificativa capitalista para os salários abaixo do valor: “‘Mas se nossos pobres’ (termo técnico para trabalhadores) ‘querem viver de modo luxuoso [...], é evidente que seu trabalho tem de ser caro [...]. Basta considerar a horripilante massa de superfluidades (heap of super fluities) que nossos trabalhadores manufatureiros consomem, como aguardente, gim, chá, açúcar, frutas importadas, cerveja forte, lenços estampados, rapé e tabaco etc.’”. Não são poucas as análises que atualmente destacam “as coisas supérfluas que consomem os trabalhadores nesta parte do mundo”, chamando a atenção, por exemplo, para as múltiplas antenas de TV nos tetos em que se aglomeram “os pobres”.25 25 Em estudo sobre uma favela na Cidade do México, publicado em 1973, Larissa Lomnitz aponta que “as características econômicas gerais da favela são de uma pobreza extrema”; contudo, 59,5% das moradias têm televisores (Lomnitz, 1973, p. 62-63). E segue Marx: “Ele cita o escrito de um fabricante de Northamptonshire, que, mirando o céu, lamenta: ‘Na França, o trabalho é 1/3 mais barato que na Inglaterra, pois os franceses pobres trabalham duramente e economizam na alimentação e no vestuário; sua dieta é composta principalmente de pão, frutas, verduras, raízes e peixe salgado, pois comem carne muito raramente e, estando caro o trigo, muito pouco pão.’” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 506] 2013, livro I, p. 676). E páginas mais adiante, ressalta: “O chamado trabalho domiciliar, por exemplo, demonstrou qual é o papel que hoje desempenha, na formação da mais-valia e, portanto, do fundo de acumulação do capital, o roubo direto perpetrado contra o fundo de consumo necessário do trabalhador” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 508] 2013, livro I, p. 678, grifo do autor).

Tratemos do barateamento dos elementos que formam o capital constante. A persistência de padrões exportadores de matérias primas e alimentos na história econômica da América Latina e a manutenção dessas exportações, mesmo sob o padrão industrial, expressam a relevância da região não apenas para favorecer as necessidades de produção do capital no mundo desenvolvido, mas também para conter as pressões de queda da taxa de lucro.

Essa causa se associa com o comércio exterior, mencionado também como causa contra-arrestante. Em relação a isso, Marx sustenta que, “na medida em que o comércio exterior barateia em parte, os elementos do capital constante, em parte os meios de subsistência nos quais se transforma o capital variável, ele atua no incremento da taxa de lucro, elevando a taxa de mais-valia [mediante a redução do valor da força de trabalho - JO] e reduzindo o valor do capital constante” (Marx, [1973, t. III, p. 236] 2017, livro III, p. 276).

Analisando esses processos a partir do capitalismo dependente, Marini assinala que “a contrapartida do processo mediante o qual a América Latina contribuiu para incrementar a taxa de mais-valia e a taxa de lucro nos países industriais implicou para ela efeitos rigorosamente opostos. E o que aparecia como um mecanismo de compensação no nível de mercado é, de fato, um mecanismo que opera no nível da produção interna” (Marini, [1973MARINI, R. M. Dialéctica de la dependencia. México: Serie Popular Era, 1973., p. 37] 2005MARINI, R. M. Dialética da dependência. In: TRASPADINI, R.; STÉDILE, J. P. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005., p. 154).

Dessa forma, a mudança do eixo da acumulação no mundo desenvolvido da mais-valia absoluta para a mais-valia relativa e a redução das tendências à queda da taxa de lucro ganham sentido apenas na perspectiva da unidade diferenciada, gerada pelo sistema mundial, e se expressam no capitalismo dependente com o estabelecimento de uma modalidade de exploração redobrada,26 26 “Recordar-se-á que a taxa de mais-valia depende, em primeira instância, do grau de exploração da força de trabalho. A economia política confere tanta dignidade a esse papel que chega ocasionalmente a identificar a aceleração da acumulação que resulta do aumento da força produtiva do trabalho com sua aceleração, derivada do aumento da exploração do trabalhador.” (Marx, [1973, t. I, p. 505] 2013, livro I, p. 675). Ver o uso desse termo explotación redoblada del obrero, referente à superexploração, também nas páginas 511 e 540 do tomo I. [N.T.: Aqui o autor se refere ao termo explotación redoblada, empregado, conforme por ele indicado, na edição da Fondo de Cultura Económica (FCE). Tanto na edição em castelhano da Siglo XXI, quanto nas edições em português da Boitempo – aqui utilizada para as citações – e da Abril Cultural – com a qual sempre cotejamos – a forma utilizada na passagem citada é, respectivamente, “aumento” e “elevação” da exploração do trabalhador. Contudo, na edição da Siglo XXI, nas passagens indicadas em seguida por Jaime Osorio (p. 511, 540 do tomo I da edição do FCE), se utiliza a expressão explotación redoblada (1975, t. I, v. 2, p. 749, 1975, t. I, v. 3, p. 794). Já na edição da Abril Cultural (p. 238, 268), se utiliza nas outras duas passagens “exploração mais elevada” e na edição da Boitempo se utiliza numa passagem “exploração aumentada” (p. 829) e em outra “exploração redobrada” (p. 865). que terá consequências na determinação das particularidades do conjunto do processo de reprodução do capital nessa forma de capitalismo e na sustentação da acumulação mundial de capital.

Todas as causas que operam para contra-arrestar a queda da taxa de lucro alcançam novos significados a partir da análise do mercado mundial e do sistema mundial capitalista. Em O capital, Marx aborda essas causas sem lhes outorgar pesos diferenciados entre as economias que conformam esse mercado mundial e o sistema mundial capitalista, porque se limita, como já assinalamos, à análise geral do capital, e porque os problemas pelos quais abordaria aquelas dimensões da expansão do capital estavam pensados para serem tratados em outros livros, com maior concretude, que não chegaram a ser escritos.27 27 Em carta a Weydenmeyer datada de 1º de fevereiro de 1859, Marx anuncia a produção de seis livros: “Capital; propriedade territorial; trabalho assalariado; Estado; comércio exterior; mercado mundial” (Marx, 1973, t. I, p. 666).

Ao olhar os processos enunciados por Marx, que atuam “contendo, refreando e enfraquecendo” a queda da taxa de lucro à luz das diferentes formas de capitalismo que conformam o sistema mundial capitalista, revela-se a enorme relevância do capitalismo dependente para favorecer a acumulação do capital mundial e para explicar por que a queda da taxa de lucro “não é maior nem mais rápida” no conjunto do sistema mundial.

Aos elementos assinalados por Marx caberia agregar a volumosa saída de mais-valia do capitalismo dependente em direção ao capitalismo desenvolvido, como parte dos lucros dos investimentos de capitais desse último no primeiro, e das transferências de valor na mesma direção, como resultado da troca desigual.

Superexploração e “homogeneidade” do capital

Para Katz, a superexploração do trabalho impede compreender “processos que atualmente modificam as remunerações dos trabalhadores”, “a dispersão salarial” ou o fato de que as firmas multinacionais, em sua avaliação das taxas de lucro, levam a cabo “a simples estimativa de valores altos, médios ou baixos da força de trabalho [...] para definir o local dos investimentos”, pelo que esse seria o caminho “mais pertinente para compreender a dinâmica da mundialização neoliberal”, o que se perde pela “homogeneização, que implica sustentar que há superexploração (Katz, 2018, p. 4-7).

Mas o caminho que propõe Katz heterogeneiza pela superfície para homogeneizar o substancial. Assim homogeneíza estruturalmente a economia mundial, para apresentar diferenças entre economías, porque o valor da força de trabalho é mais alto em umas, médio ou mais baixo em outras. Mas, no substancial, falamos de uma única e mesma forma de capitalismo, somente com estratos diferenciados pelo montante de valor da força de trabalho. Mas, em sua perspectiva, a análise se empobrece se temos economias em que sua reprodução do capital repousa em violar o valor da força de trabalho.28 28 Sua ideia de que falar de superexploração “homogeneíza” é tão grosseira como dizer o mesmo quando tratamos de exploração. Existem diversas formas de superexplorar e nem todas têm as mesmas consequências sobre como o capital se reproduz, como os trabalhadores participam do mercado interno, como o ferrão produtivista se alimenta ou não, etc., como assinalamos em pontos anteriores. E na base desses processos se definem diversas formas de capitalismo, com os quais as relações no sistema capitalista mundial se complexificam. Ou se constatamos que as empresas multinacionais se assentam em economias determinadas, porque ali se superexplora, algo não difícil de entender se – como Katz o faz – falamos de Bangladesh ou Filipinas. E tudo isso tem consequências na reprodução e acumulação mundial do capital

“É nesse sentido que a economia dependente – e, por consequência, a superexploração do trabalho – aparece como uma condição necessária do capitalismo mundial, contradizendo àqueles que [...] a entendem como um fenômeno acidental no desenvolvimento deste” (Marini, [1973MARINI, R. M. Dialéctica de la dependencia. México: Serie Popular Era, 1973., p. 91] 2005MARINI, R. M. Dialética da dependência. In: TRASPADINI, R.; STÉDILE, J. P. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005., p. 188).

A partir dessa perspectiva, é possível compreender a magnitude do desarmamento teórico derivado dos convites para “corrigir” a categoria de superexploração, o que levaria a eliminar ou desvanecer, por sua vez, a categoria de capitalismo dependente, tudo isso para uma reformulação (sic) da teoria marxista da dependência (Katz, 2017KATZ, C. Aciertos y problemas de la superexplotación. 2017. Disponível em: katz.lahaine.org/b2-img/ACIERTOSYPROBLEMASDELASUPERXPLOTACION.pdf. Acesso em: 01.07.2018.
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, p. 15), que não é outra coisa senão sua negação.

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  • VALENZUELA, F. J. “Sobreexplotación y dependencia”. Investigación Económica, México, n. 221, julio-septiembre 1997.
  • 1
    Traduzido do original em castelhano por Maíra Machado Bichir, Marina Machado Gouvea e Fernando Correa Prado.
  • 2
    N.T.: Para as citações de O capital transcrevemos os trechos a partir da edição em português da Boitempo, sempre as cotejando com a edição da Abril Cultural. No texto original, o autor utiliza predominantemente a edição de O capital da Fondo de Cultura Económica, remetendo-se, em algumas passagens, contudo, à edição da Siglo XXI. Todas as referências originais utilizadas pelo autor estão indicadas ao longo da tradução entre colchetes. No caso das demais obras citadas, que possuem edições em português, utilizamos igualmente as respectivas traduções já publicadas no Brasil, sempre indicando a referência do texto da edição brasileira e, entre colchetes, a referência utilizada pelo autor; e, no caso de textos ainda não traduzidos para o português, a tradução é nossa.
  • 3
    “A possibilidade de uma incongruência quantitativa entre preço e grandeza de valor, ou o desvio do preço em relação à grandeza de valor, reside, portanto, na própria forma-preço. Isso não é nenhum defeito dessa forma, mas, ao contrário, aquilo que faz dela a forma adequada a um modo de produção em que a regra só se pode impor como a lei média do desregramento que se aplica cegamente” (Marx, [1975MARX, K. El capital. México: Siglo XXI Editores, 1975. t. I, v. 1., t. I, v. 1, p. 125] 2013MARX, K. O capital, livro I. São Paulo: Boitempo, 2013., livro I, p. 177, grifo do autor). [N.T.: No artigo original em castelhano, o autor destaca aqui que, diferentemente da edição da Siglo XXI, utilizada por ele na citação acima, na edição da Fondo de Cultura Económica “modo de produção” é traduzido como “regime de produção” (Marx, 1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 63). Segundo o autor, a mesma diferença está presente no tomo III de ambas as edições: “La tendência progresiva de la tasa general de ganancia a la baja sólo es […] una expresión, peculiar al modo de producción capitalista […]” (Marx, 1976MARX, K. El capital. México: Siglo XXI Editores, 1976. t. III. v. 6., t. III, v. 6, p. 271). Nas edições em português da Boitempo e da Abril Cultural emprega-se “modo de produção”].
  • 4
    Desde o modo de produção à conjuntura, passando pelo sistema mundial e pelas formações econômico-sociais.
  • 5
    Sejam economias desenvolvidas, ou mesmo economias dependentes.
  • 6
    E, em caso de se alterar, isso foi próprio do capitalismo novecentista, porém não do de nossos dias.
  • 7
    O escrito mais recente nessa linha é “Aciertos y problemas de la superexplotación”, de Claudio Katz (2017)KATZ, C. Aciertos y problemas de la superexplotación. 2017. Disponível em: katz.lahaine.org/b2-img/ACIERTOSYPROBLEMASDELASUPERXPLOTACION.pdf. Acesso em: 01.07.2018.
    katz.lahaine.org/b2-img/ACIERTOSYPROBLEM...
    .
  • 8
    N.T.: No artigo original em castelhano, o autor salienta que, na edição da Siglo XXI, tal parágrafo apresenta mudanças, as quais, entretanto, não alteram substancialmente o sentido do texto anterior. A mudança mais significativa estaria no uso de “procedimento” (Marx, 1975MARX, K. El capital. México: Siglo XXI Editores, 1975. t. I, v. 2., t. I, v. 2, p. 381), em vez de “método”.
  • 9
    Ver Marx ([1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I] 2013, livro I), capítulos VIII, XII e XIII, em particular.
  • 10
    No século XVIII, assim como no século XXI, um animal de carga pode se reproduzir consumindo os mesmos tipos de pastagem, em quantidade e qualidade. Para um trabalhador satisfazer suas necessidades naturais, o volume e o modo de satisfazê-las são elementos que variam na história.
  • 11
    Erroneamente, e depois das brutais quedas salariais propiciadas pelas ditaduras do Cone Sul nos anos setenta e oitenta do século XX, Valenzuela Feijóo indica: “O que acontece quando v. g. [por exemplo] o salário real de tendência cai? […] Devemos falar então de superexploração? Em nossa opinião não. Em vez disso, deve-se falar de uma queda no valor da força de trabalho, de uma redefinição para baixo e pela via da redução salarial desse valor (Valenzuela, 1997VALENZUELA, F. J. “Sobreexplotación y dependencia”. Investigación Económica, México, n. 221, julio-septiembre 1997., p. 113).
  • 12
    Na primeira metade do século XX, não se podia considerar o uso da televisão, por exemplo, que se massifica nas últimas décadas desse século, o que vale também para o caso da América Latina.
  • 13
    Com apontamentos como este, cabe questionar que versão de O capital é lida por aqueles que repetem e repetem, como um mantra, que Marx sustenta que “a força de trabalho é remunerada por seu valor”. Não deveriam dizer algo a respeito quando Marx indica o contrário? Ou ao menos problematizar o tema, em vez de se conformarem com a fórmula simples: se há salários insuficientes, jornadas de trabalho extensas e intensificação elevada, deve ser porque o valor da força de trabalho é baixo. E assim o mantra segue vigente, em toda parte e a toda hora. Parece ser mais importante salvá-lo, mesmo que isso nos afaste da realidade.
  • 14
    Nas páginas seguintes, quando nos referirmos ao salário abaixo do valor da força de trabalho devido ao prolongamento da jornada ou à intensificação do trabalho, diremos “salários abaixo do valor” – isto é, quando tratarmos da forma como a força de trabalho é desgastada na produção. Ao tratar diretamente da compra ou venda da força de trabalho no mercado abaixo de seu valor, empregaremos a expressão “salários diretos abaixo do valor”.
  • 15
    Não nos esqueçamos de que Marx afirmou que a questão do pagamento de salários abaixo do valor da força de trabalho é importante, mas é um tema que concerne à concorrência, de modo que, pelo momento, deve deixá-lo de lado.
  • 16
    Ver Marx ([1971MARX, K. Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador) 1857-1858. México: Siglo XXI Editores, 1971. t. I., t. I, p. 29-30] 2011MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858. São Paulo: Boitempo, 2011., p. 61).
  • 17
    Osorio (2016OSORIO, J. “Sistema mundial y formas de capitalismo. La teoría marxista de la dependencia revisitada”. In: OSORIO, J. Teoría marxista de la dependencia. México: Editorial Ítaca/UAM, 2016., p. 403-442).
  • 18
    Katz assinala que “el punto de partida de la polémica (sobre la superexplotación) es la revisión encarada por Marini”, onde “en su mirada de la globalización señaló que la retribución de la fuerza de trabajo por debajo de su valor tendía a extenderse a las economías centrales”, e que “esa ampliación suscita las controversias”, para de imediato assinalar a sua posição: “En nuestra opinión, la superexplotación afecta las franjas más vulnerables (sic) de los asalariados de todas las economías. “No define – prossegue – distinciones entre regiones avanzadas, emergentes o subdesarrolladas”, para chegar ao central: “Esas diferencias se concentran en la preeminencia de niveles altos, bajos y medios del valor de la fuerza de trabajo”, para agregar que “cada país se sitúan unos de esos tres rangos…”, (Katz, 2018KATZ, C. Controversias sobre la superexplotación. 2018. Disponível em: katz.lahaine.org/b2-img/CONTROVERSIASSOBRELASUPEREXPLOTACION.pdf. Acesso em: 30.07.2018.
    katz.lahaine.org/b2-img/CONTROVERSIASSOB...
    , p. 1), (grifos do autor). Não é difícil ver que Katz e Marini estão falando de coisas muito distintas. Um de remunerações da força de trabalho “abaixo de seu valor”, e o outro de “níveis altos, médios, ou baixos do valor da força de trabalho”. Essa diferença, para Katz, não é a que suscita a controvérsia, mas apenas o tema de sua ampliação. Mas ampliação do que? Do que assinala Marini ou do que assinala Katz?
  • 19
    (Cf. Osorio, 2015OSORIO, J. “América Latina frente al espejo del desarrollo de Corea del Sur y China”. Problemas del desarrollo, México, n. 182, 2015., 2016OSORIO, J. “Sistema mundial y formas de capitalismo. La teoría marxista de la dependencia revisitada”. In: OSORIO, J. Teoría marxista de la dependencia. México: Editorial Ítaca/UAM, 2016.).
  • 20
    Como se depreende do comentário de Katz, no sentido de que, uma vez que a expectativa de vida média dos trabalhadores aumentou, a superexploração se desqualificaria – ao ser associada à morte prematura (cf. Katz, 2017, p. 2).
  • 21
    Isso questiona a ideia de que “o capitalismo não precisa de mecanismos adicionais para se desenvolver” e que “a sub-remuneração dos assalariados transgride os princípios da acumulação”, já que “a violação desses critérios ameaçaria a própria sobrevivência dos trabalhadores” (Katz, 2017KATZ, C. Aciertos y problemas de la superexplotación. 2017. Disponível em: katz.lahaine.org/b2-img/ACIERTOSYPROBLEMASDELASUPERXPLOTACION.pdf. Acesso em: 01.07.2018.
    katz.lahaine.org/b2-img/ACIERTOSYPROBLEM...
    , p. 2, grifo do autor). Toda essa reflexão, referente a apontamentos de Cueva, associa superexploração com pauperismo absoluto. Katz realiza essa mesma associação quando indica: “A retração do consumo obedece à simples vigência de salários reduzidos. Não implica pagamentos abaixo do valor da força de trabalho. Se os salários fossem tão insignificantes, os frágeis circuitos de compra sequer poderiam emergir” (Katz, 2017, p. 9). Ao dissociar “salários reduzidos” de “pagamentos abaixo do valor da força de trabalho”, remete esse último ao pauperismo absoluto, o que se compadece com a conclusão: “os [...] circuitos de compra sequer poderiam emergir” (Katz, 2017KATZ, C. Aciertos y problemas de la superexplotación. 2017. Disponível em: katz.lahaine.org/b2-img/ACIERTOSYPROBLEMASDELASUPERXPLOTACION.pdf. Acesso em: 01.07.2018.
    katz.lahaine.org/b2-img/ACIERTOSYPROBLEM...
    , p. 9).
  • 22
    No próprio exercício feito por Katz, a superexploração aparece em todos os estratos. Mas é evidente que a superexploração não opera em todos os estratos da mesma forma, nem com os mesmos resultados (Katz, 2017, p. 12).
  • 23
    N.T.: Neste ponto, o autor destaca que, na edição de O capital da FCE (Marx, 1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t.III., t. III, p. 234), se utiliza, nessa passagem, “taxa de mais-valia” (cuota de plusvalía), em vez de massa de mais-valia (masa de plusvalor), o que torna ininteligível o raciocínio.
  • 24
    Não deve passar inadvertidamente que Marx não se conforma com a cômoda indicação de “salários baixos” ou “remunerações baixas”, solução tão generalizada como inútil frente aos problemas que se busca explicar, como faz Katz ao se perguntar: “Como se poderia reformular a intuição de Marini sem os problemas da superexploração?”. E responde: “A solução mais simples é postular que, nessas regiões (economias dependentes), predomina um baixo valor da força de trabalho” (Katz, 2017, p. 3). Marx não se conforma com essas “soluções simples” e trata de “salários abaixo do valor da força de trabalho”. Com “soluções simples” os capitais podem assinalar que não existe exploração e corrigir Marx, da mesma forma que faz Katz com Marini.
  • 25
    Em estudo sobre uma favela na Cidade do México, publicado em 1973, Larissa Lomnitz aponta que “as características econômicas gerais da favela são de uma pobreza extrema”; contudo, 59,5% das moradias têm televisores (Lomnitz, 1973LOMNITZ, L. “Supervivencia en una barriada en la Ciudad de México”. Demografía y Economía, México, v. 7, n. 1, 1973., p. 62-63).
  • 26
    “Recordar-se-á que a taxa de mais-valia depende, em primeira instância, do grau de exploração da força de trabalho. A economia política confere tanta dignidade a esse papel que chega ocasionalmente a identificar a aceleração da acumulação que resulta do aumento da força produtiva do trabalho com sua aceleração, derivada do aumento da exploração do trabalhador.” (Marx, [1973MARX, K. El capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. t. I., t. I, p. 505] 2013, livro I, p. 675). Ver o uso desse termo explotación redoblada del obrero, referente à superexploração, também nas páginas 511 e 540 do tomo I. [N.T.: Aqui o autor se refere ao termo explotación redoblada, empregado, conforme por ele indicado, na edição da Fondo de Cultura Económica (FCE). Tanto na edição em castelhano da Siglo XXI, quanto nas edições em português da Boitempo – aqui utilizada para as citações – e da Abril Cultural – com a qual sempre cotejamos – a forma utilizada na passagem citada é, respectivamente, “aumento” e “elevação” da exploração do trabalhador. Contudo, na edição da Siglo XXI, nas passagens indicadas em seguida por Jaime Osorio (p. 511, 540 do tomo I da edição do FCE), se utiliza a expressão explotación redoblada (1975, t. I, v. 2, p. 749, 1975, t. I, v. 3, p. 794). Já na edição da Abril Cultural (p. 238, 268), se utiliza nas outras duas passagens “exploração mais elevada” e na edição da Boitempo se utiliza numa passagem “exploração aumentada” (p. 829) e em outra “exploração redobrada” (p. 865).
  • 27
    Em carta a Weydenmeyer datada de 1º de fevereiro de 1859, Marx anuncia a produção de seis livros: “Capital; propriedade territorial; trabalho assalariado; Estado; comércio exterior; mercado mundial” (Marx, 1973, t. I, p. 666).
  • 28
    Sua ideia de que falar de superexploração “homogeneíza” é tão grosseira como dizer o mesmo quando tratamos de exploração. Existem diversas formas de superexplorar e nem todas têm as mesmas consequências sobre como o capital se reproduz, como os trabalhadores participam do mercado interno, como o ferrão produtivista se alimenta ou não, etc., como assinalamos em pontos anteriores. E na base desses processos se definem diversas formas de capitalismo, com os quais as relações no sistema capitalista mundial se complexificam.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2018
  • Aceito
    07 Maio 2018
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