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Os centros de saúde em Portugal e o cuidado ao idoso no contexto domiciliário: estudo de um centro de saúde

Health centers in Portugal and elderly care at home: a health care center study

Los centros de salud en Portugal y el cuidado domiciliario a los ancianos: estudio de un centro de la salud

Resumos

Estudo exploratório-descritivo, realizado num centro de saúde em Portugal, com o objectivo de analisar as práticas de cuidados de enfermagem a idosos não institucionalizados, elegendo a visitação domiciliária. Fizemos entrevistas abertas a três enfermeiras e observação participante dos cuidados prestados, identificando a interacção entre os vários actores deste processo: enfermeiros e idosos no domicílio, numa abordagem de análise de conteúdo. O enfermeiro deve desenvolver uma postura de ajuda e acompanhamento das pessoas, promovendo atitudes terapêuticas para potenciar os níveis saúde, prevenindo complicações para a saúde, maximizando o seu bem-estar, suplementando/complementando as actividades de vida relativamente às quais é dependente, desenvolvendo conjuntamente com o cliente processos de adaptação aos problemas de saúde contribuindo na maximização da eficácia na organização dos cuidados de enfermagem. Analisando este contexto identificamos algumas limitações na procura da excelência do exercício profissional.

Centros de saúde; Idosos; Visita domiciliária


This exploratory, descriptive study was developed in a Portuguese health care center with the purpose of analyzing nursing care practices for non-institutionalized elderly, choosing house calls as the practice of choice. Data was collected in interviews conducted with three nurses, as well as participatory observation. We identified the interaction between several participants of this process: the nurses and the elderly in their homes in a content analysis approach. In their performance the nurses should develop a people helping and accompanying posture, promoting therapeutic attitudes in order to allow them to achieve maximum health potential, preventing health disorders, maximizing their well-being, supplementing/complementing the life activities to which they are dependent, developing health problem adaptation processes together with the client and contributing to maximum efficiency in organizing nursing care. Analyzing these practices context, we identify some limitations in the search for excellence of professional exercise.

Health centers; Aged; Home visit


Estudio exploratorio-descriptivo desarrollado en un Centro de Salud portugués, con el objetivo de analizar las prácticas de enfermería en el cuidado de ancianos en la visita domiciliaria. Fueron realizadas entrevistas a tres enfermeras y observación participante de los cuidados, identificando la interacción entre los enfermeros y los ancianos en el domicilio, en una perspectiva de análisis del contenido. El enfermero debe desarrollar una postura de ayuda y atención a las personas, promoviendo actitudes terapéuticas para que éstas alcancen el máximo potencial de salud, maximizando su bienestar, suplementando/complementando las actividades de vida de las cuales relativamente depende, desarrollando conjuntamente con el paciente procesos de adaptación a los problemas de salud y contribuyendo para lograr una mejor eficacia en la organización de los cuidados de enfermería. Identificamos algunas limitaciones para la búsqueda de la excelencia del ejercicio profesional.

Centros de salud; Anciano; Visita domiciliaria


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

Os centros de saúde em Portugal e o cuidado ao idoso no contexto domiciliário: estudo de um centro de saúde

Health centers in Portugal and elderly care at home: a health care center study

Los centros de salud en Portugal y el cuidado domiciliario a los ancianos: estudio de un centro de la salud

Esperança do Gago Alves PereiraI; Maria Arminda Mendes CostaII

IMestre em Ciências de Enfermagem. Doutoranda em Ciências de Enfermagem. Directora do Departamento de Enfermagem do Instituto Politécnico de Saúde do Norte da Escola Superior de Saúde do Vale do Ave, Portugal. Ave, Portugal

IIProfessora Doutora em Ciências da Educação da Escola Superior de Enfermagem do Porto. Porto, Portugal

Endereço Endereço: Esperança do Gago Alves Pereira R. Candido de Oliveira, 95 - 3º Drt. 4715-012 - Braga, Portugal. E-mail: epgago@gmail.com

RESUMO

Estudo exploratório-descritivo, realizado num centro de saúde em Portugal, com o objectivo de analisar as práticas de cuidados de enfermagem a idosos não institucionalizados, elegendo a visitação domiciliária. Fizemos entrevistas abertas a três enfermeiras e observação participante dos cuidados prestados, identificando a interacção entre os vários actores deste processo: enfermeiros e idosos no domicílio, numa abordagem de análise de conteúdo. O enfermeiro deve desenvolver uma postura de ajuda e acompanhamento das pessoas, promovendo atitudes terapêuticas para potenciar os níveis saúde, prevenindo complicações para a saúde, maximizando o seu bem-estar, suplementando/complementando as actividades de vida relativamente às quais é dependente, desenvolvendo conjuntamente com o cliente processos de adaptação aos problemas de saúde contribuindo na maximização da eficácia na organização dos cuidados de enfermagem. Analisando este contexto identificamos algumas limitações na procura da excelência do exercício profissional.

Palavras-chave: Centros de saúde. Idosos. Visita domiciliária.

ABSTRACT

This exploratory, descriptive study was developed in a Portuguese health care center with the purpose of analyzing nursing care practices for non-institutionalized elderly, choosing house calls as the practice of choice. Data was collected in interviews conducted with three nurses, as well as participatory observation. We identified the interaction between several participants of this process: the nurses and the elderly in their homes in a content analysis approach. In their performance the nurses should develop a people helping and accompanying posture, promoting therapeutic attitudes in order to allow them to achieve maximum health potential, preventing health disorders, maximizing their well-being, supplementing/complementing the life activities to which they are dependent, developing health problem adaptation processes together with the client and contributing to maximum efficiency in organizing nursing care. Analyzing these practices context, we identify some limitations in the search for excellence of professional exercise.

Keywords: Health centers. Aged. Home visit.

RESUMEN

Estudio exploratorio-descriptivo desarrollado en un Centro de Salud portugués, con el objetivo de analizar las prácticas de enfermería en el cuidado de ancianos en la visita domiciliaria. Fueron realizadas entrevistas a tres enfermeras y observación participante de los cuidados, identificando la interacción entre los enfermeros y los ancianos en el domicilio, en una perspectiva de análisis del contenido. El enfermero debe desarrollar una postura de ayuda y atención a las personas, promoviendo actitudes terapéuticas para que éstas alcancen el máximo potencial de salud, maximizando su bienestar, suplementando/complementando las actividades de vida de las cuales relativamente depende, desarrollando conjuntamente con el paciente procesos de adaptación a los problemas de salud y contribuyendo para lograr una mejor eficacia en la organización de los cuidados de enfermería. Identificamos algunas limitaciones para la búsqueda de la excelencia del ejercicio profesional.

Palabras clave: Centros de salud. Anciano. Visita domiciliaria.

INTRODUÇÃO

O progressivo envelhecimento da população, aliado a condições como a alteração na estrutura familiar, a migração, as fracas condições habitacionais, a desadaptação das casas às necessidades dos idosos, a grande probabilidade das alterações de saúde destes, e o facto dos serviços de proximidade alternativos continuarem a ser insuficientes, torna cada vez mais difícil a manutenção dos idosos no seu domicílio. Como alternativa surge o internamento da pessoa idosa em lares de terceira idade, mesmo que implique uma ruptura no seu quadro de vida. Nos lares mesmo com boas condições físicas, o ambiente humano é frio e impessoal, as relações interpessoais são controladas e reduzidas ao mínimo, e as regras são de tal forma rígidas e despersonalizadas, que o idoso não tem possibilidade de manter os seus hábitos, desenvolver as suas capacidades, ou seja ser ele mesmo.1-3

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece como meta a ser atingida até 2020, "envelhecer com boa saúde", ou seja, as pessoas com mais de 65 anos deveriam ter a possibilidade de utilizar todas as suas potencialidades de saúde e manter um papel activo na sociedade. Especifica a necessidade de aumentar pelo menos em 20% da esperança de vida sem qualquer invalidez em pessoas com 65 anos, bem como, no total de pessoas com 80 anos, aumentar em cerca de 50%, os níveis de saúde que lhes permita conservarem-se, num contexto domiciliário mantendo a sua autonomia, auto-estima e um lugar na sociedade.4

Os enfermeiros com os conhecimentos de saúde comunitária e das questões sociais, a exercer as suas funções nos cuidados de saúde primários (Centros de Saúde), têm uma posição privilegiada em promover cuidados de saúde e de readaptação apropriados, que reduzam o número de hospitalizações e o consumo medicamentoso, respeitando o ambiente do cuidado que é considerado "[ ] como o espaço social e físico das interacções e interdependências dos seres humanos [ ]".5:73

Estes profissionais de saúde podem também diagnosticar factores constrangedores de ordem socioeconómicos da família e orientar o idoso e sua família para as instituições competentes. Desta forma, contribuem para a promoção do auto-cuidado e da melhoria dos cuidados prestados ao idoso, pela família, vizinhos, voluntários ou ajudantes domiciliários, através da sensibilização e do ensino, em parceria com outros serviços e instituições.

Assim, propusemo-nos analisar as práticas de cuidados de enfermagem a idosos não institucionalizados, elegendo a visitação domiciliária de um Centro de Saúde, como contexto de práticas por excelência. O objectivo do nosso estudo exploratório foi a identificação das interacções entre os vários actores deste processo, nomeadamente os enfermeiros e os idosos no seu domicílio.

CENTROS DE SAÚDE – CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS

Em 1971 foram criados os primeiros Centros de Saúde, denominados por "Centros de Saúde de Primeira Geração", que tinham como objectivos a prevenção e o acompanhamento de alguns grupos de risco. Desenvolvendo fundamentalmente o que se entendia por saúde pública: a vacinação, vigilância de saúde da grávida e da criança, saúde escolar, actividades de autoridade sanitária, incluindo as relacionadas com o ambiente.

Os cuidados curativos extra-hospitalares eram prestados predominantemente nos postos clínicos dos serviços médico-sociais das caixas de previdência.

Em Portugal constatavam-se dois estilos de práticas que coexistiram separados, com finalidades e processos contraditórios, no entanto complementares: "uma prática de saúde comunitária com objectivos de promoção da saúde e actuação programada por valências ou programas verticais normalizados centralmente e com preocupações explícitas de qualidade nos processos; uma prática de cuidados imediatos, de resposta à procura expressa dos doentes, traduzida em elevado número de consultas, visitas domiciliárias e tratamentos de enfermagem, sem planeamento por objectivos de saúde e sem preocupações explícitas de natureza qualitativa".6:35

Verificamos também que os profissionais de saúde orientavam a sua prática de forma a darem resposta aos problemas de saúde que pensavam serem as necessidades da população, sem esta participar nesta tomada de decisão, assumindo a comunidade um papel predominantemente de receptora de cuidados.

Vinte e oito anos decorridos a OMS, sob a direcção de Halfdan Mahler, na Conferência Internacional sobre Cuidados de Saúde Primários em Alma-Ata, definiu-se cuidados de saúde primários na "Declaração de Alma-Ata" como sendo cuidados essenciais baseados em métodos de trabalho e tecnologias de natureza prática, cientificamente credíveis e socialmente aceitáveis, universalmente acessíveis na comunidade aos indivíduos e às famílias, com a sua total participação e a um custo comportável para as comunidades e para os países, à medida que se desenvolvem, num espírito de autonomia e autodeterminação, alertando explicitamente da necessidade de que a comunidade, os indivíduos e as famílias participem nos "cuidados essenciais".7

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) surgiu em Portugal um ano após "Declaração de Alma-Ata" e integrou os centros de saúde com os postos dos ex-serviços médico-sociais.7

Esta decisão política implica que em 1983 sejam criados os chamados centros de saúde integrados, denominados de "Centros de Saúde de Segunda Geração". Este processo não foi completamente pacífico, pois agregou um conjunto de estruturas, nomeadamente o património físico e humano e duas culturas organizacionais distintas. Embora a nível central se criasse a Direcção Geral dos Cuidados de Saúde Primários, uma grande variação de atitudes e práticas organizacionais nos diversos centros, sendo estas, definidas por um dos grupos agregados, dependendo da capacidade de imposição ou de fragilidade que se estabelecesse entre si. Este processo de fusão promoveu uma maior racionalidade formal na prestação de cuidados de saúde e na optimização de recursos. No entanto, os aspectos relacionados com consultas, visitas domiciliárias, procedimentos preventivos e de vigilância da saúde não melhoraram de forma consistente.6

Grande insatisfação e desmotivação se instalaram nos enfermeiros dos centros de saúde, ouvindo-se ainda hoje nos discursos dos enfermeiros que desenvolveram a sua actividade profissional nos centros de saúde da primeira geração, um grande saudosismo aquando da abertura dos primeiros centros de saúde e da grande motivação sentida nomeadamente, na área materno-infantil, área na qual se sentiu grandes progressos em Portugal.

Indicadores importantes vêm reforçar uma perspectiva bem distinta do preconizado pela OMS e pelo discurso político nacional que menciona os cuidados de saúde primários como a base do sistema de saúde, ou seja, até 1985 segundo dados estatísticos da Direcção Geral da Saúde, a proporção da despesa do SNS com cuidados de saúde primários era superior a 50% do total do orçamento, estabelecido para hospitais e centros de saúde.6

Em relação aos recursos humanos os efectivos do Ministério da Saúde, nos hospitais correspondiam a 73% e a 27% nos cuidados de saúde primários. Especificamente nos enfermeiros encontra-se uma grande assimetria, dos 35.861 membros da Ordem dos Enfermeiros (OE) em 2000, 72% declaram desempenhar funções profissionais no hospital, "é muito relevante o facto de apenas 17% dos membros referirem os centros de saúde como principal contexto do exercício profissional".8:53

Várias reflexões, críticas e sugestões de mudança vieram dar corpo a algumas alterações: regime remuneratório experimental em clínica geral debate sobre a descentralização da gestão das sub-regiões de saúde para os Centros de Saúde e a sua reorganização interna. Na nossa perspectiva também teve uma importância crucial nesta mudança, a política Europeia da OMS, aprovada no Departamento Regional da OMS para a Europa, em parceria com os seus 51 Estados Membros, "saúde para todos no século XXI". Com esta, pretendia-se obter um potencial de "saúde para todos" através da promoção, protecção da saúde dos indivíduos ao longo da vida e da redução da incidência dos danos relativos às principais doenças e lesões. Estas finalidades assentam numa estratégia fundamental que consiste no reforço dos cuidados de saúde primários através do desenvolvimento de serviços de saúde orientados para a comunidade e para a família. Decorrente destas recomendações, Portugal assumiu um compromisso público na concretização de um conjunto de metas de saúde, formuladas num documento intitulado "Saúde em Portugal: uma estratégia para o virar do século 1998-2002".9 A reorganização estrutural está prevista no Decreto-Lei Nº 157/99, surgindo uma nova denominação de "Centros de Saúde de Terceira Geração", com autonomia de gestão administrativa e financeira, assumindo-se como parte integrante do sistema local de saúde.10

Das orientações emanadas pelo Ministério da Saúde através da Direcção Geral da Saúde observamos que o centro de saúde é referido como uma unidade integrada, polivalente e dinâmica, prestadora de cuidados de saúde, que visa a promoção e vigilância da saúde, a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da doença, dirigindo globalmente a sua acção ao indivíduo, à família e à comunidade. A população a servir será a confinada a uma determinada área geográfica em que a população não deverá ser superior a 120000 habitantes.

O centro de saúde na sua estrutura formal poderá incluir as seguintes sub-estruturas: Unidades de Saúde Familiar (USF) integradas no Serviço Nacional de Saúde ou convencionadas; Núcleo de Saúde Pública (NSP); Núcleo de Enfermagem Comunitária (NEC); Unidade de Consultorias Técnicas (UCT); Unidade de Internamento (UI); Unidade Básica de Emergência (UBE); Unidade de Farmácia; Repartição Administrativa com secções de gestão financeira e patrimonial e de gestão de recursos humanos.

A USF surge como tendo como missão a prestação de cuidados de saúde personalizados, garantindo a acessibilidade, a continuidade e a globalidade dos mesmos. A nível de recursos humanos deverão ser constituídas por um mínimo de três médicos, um enfermeiro e dois funcionários administrativos. No nosso estudo exploratório no Centro de Saúde (CS) onde iremos centralizar a nossa investigação, respeitamos os procedimentos constantes na Declaração de Helsinki e a autorização formal do director do CS.

Os participantes como elementos activos neste estudo foram três enfermeiras que estavam destacadas nesse trimestre para efectuarem as visitas domiciliárias. Assumimos o compromisso de observar e entrevistar estas colegas porque tinham experiência no fenómeno a que nos propusemos estudar, ou seja a interacção desenvolvida entre os enfermeiros e os idosos no seu domicílio a quem foram prestados cuidados de enfermagem no período referido. Assim, utilizamos como estratégias para a obtenção dos dados, a observação participante, entrevista aberta, e análise de dados estatísticos fornecidos pelo CS. A análise de dados na nossa investigação iniciou com a colheita de dados, conforme tínhamos dados observados e dados obtidos pelas entrevistas, íamos registando e revendo estes mesmo registos para descobrir outras questões que nos completassem o que ouvíamos, víamos e sentíamos, para descobrir o seu significado. Numa fase final de imersão na análise dos dados, definimos as unidades estruturais de significado destes.

A estrutura formal que encontramos no CS em estudo é a que passamos a desenvolver.

CARACTERIZAÇÃO DO CENTRO DE SAÚDE EM ESTUDO

Este CS desenvolve a sua missão em vinte e nove freguesias que se distribuem por uma área de cerca de 130 Km2 estando inscritas 26705 pessoas. Situa-se numa zona de interior de Portugal, contando com uma densidade populacional de 173 habitantes por quilómetro quadrado. É um concelho de predominância rural: 15,9% da população activa trabalha no sector primário, 51,1% no sector secundário e 33% no terciário.

O edifício deste CS é recente, foi inaugurado em 2002. É constituído por dois pisos comunicando entre si por escadas e elevador, quer para utentes quer para os profissionais.

Constituído pelo NSP; Serviço de Atendimento Permanente (SAP); uma sala que se destina à planificação das visitas domiciliárias, organização dos sacos com os materiais necessários para os domicílios; esterilização; armazém de materiais diversos; secretaria-geral, tesouraria, informática "SINUS" (base de dados utilizada a nível Nacional), contabilidade, reprografia, gabinete do utente, serviço social; quatro unidades de família; unidade polivalente que é constituída por cinco gabinetes: consulta jovem, consulta de nutrição, consulta de psiquiatria, planeamento familiar para jovens.

As unidades familiares têm todas a mesma estrutura: uma sala de espera com televisão e quadros com informações gerais e predominantemente cartazes de promoção de saúde, uma secretaria da unidade com um balcão aberto, quatro gabinetes médicos, seis salas denominadas como: sala de diabetes, sala de enfermagem, sala de tratamento, sala de saúde materna, sala de vacinas e saúde infantil.

Os recursos humanos no nosso entender poderão ser divididos em dois grupos, um grupo de profissionais especialistas que complementam a oferta de serviços à comunidade de forma periódica e previamente estabelecida através de protocolos e projectos. O outro grupo de profissionais, que poderemos considerar como o núcleo base do funcionamento do CS, é constituído pelos administrativos, auxiliares de acção médica, motoristas, médicos e enfermeiros, que desenvolvem a sua actividade profissional sistematicamente nesta unidade de saúde.

A comunicação e interacção entre estes dois grupos, não é feita de uma forma sistematizada, a continuidade de cuidados e o intercâmbio de comunicação profissional faz-se oralmente entre os profissionais e os utentes.

O CS conta com 17 enfermeiros dos quais 18% detêm a categoria de enfermeiros e de tempo de serviço entre 1 e 5 anos; 58% são enfermeiros graduados em que sete têm de 6 a 10 anos de serviço, uma de 11 a 15 e duas mais de 16 anos de serviço; 24% são enfermeiras especialistas em que duas têm de 6 a 10 anos de serviço, uma de 11 a 15 anos e uma com mais de 16 anos, conforme Figura 1 e Figura 2.



É intenção da enfermeira responsável que o serviço de enfermagem seja rotativo pelas diversas unidades — SAP, ambulatório e visitas domiciliárias — numa periodicidade de três meses. No entanto verifica-se que a rotatividade não se efectua como preestabelecido de forma constante, antes ocorre de acordo com as características profissionais e pessoais de cada enfermeiro, negociando com a enfermeira responsável esta rotatividade. Relativamente à prática de enfermagem parecem emergir dois grupos, mais ou menos definidos entre o serviço de atendimento permanente e o ambulatório. Os cuidados ao domicílio são distribuídos trimestralmente a dois enfermeiros do ambulatório.

O total de utentes inscritos no CS, como já referimos, é de 26.705 pessoas. Destes cerca de 4.000 (14,98%) têm idade igual ou superior a 60 anos, com a seguinte distribuição: 41% têm idades entre 60 e 69 anos, 39% de 70 a 79 anos e 20% com mais de 80 anos (Figura 3), segundo dados fornecidos em Março de 2003 pelo serviço de estatística deste centro de saúde.


ACESSIBILIDADE AO CENTRO DE SAÚDE E OFERTA DE CUIDADOS

O acesso dos utentes ao CS é feito na maioria dos casos a pé, no entanto os utentes também utilizam ambulâncias, táxis, transporte próprio (carro, bicicleta ou motocicleta). Não há extensões de saúde, tendo os utentes que recorrer ao CS dispondo de autocarros do interior das freguesias um dia por semana, que corresponde ao dia da feira semanal (mercado). Nos outros dias têm que ir do interior da sua freguesia para a estrada nacional, normalmente a pé, e aí utilizar os transportes públicos.

Os motivos que levam os idosos a recorrerem ao CS, são na sua maioria, coincidentes com outros estudos. Da nossa observação identificamos três vertentes.

Vertente preventiva:

- solicitação de receitas para manter a medicação devido a situações de cronicidade (anti-diabéticos, hipotensores, diuréticos, anti-inflamatórios, etc.);

- questão de vigilância, como mostrar exames complementares de diagnóstico, avaliação da tensão arterial, avaliação de situações relacionadas com diabetes;

- consultas marcadas de rotina, estando aqui incluídas as consultas de hipertensos e de diabéticos. Estas são programadas para dias específicos da semana e com periodicidade de três meses os utentes previamente fazem consulta de enfermagem e depois a consulta médica.

Vertente curativa:

- consulta por motivos de doença aguda;

- execução de pensos;

- administração de injectáveis (anti-inflamatórios, antibióticos, etc.);

- situações de urgência (quedas, queimaduras, etc.).

Vertente administrativa:

- obter o selo de isenção de taxas;

- mudança de residência;

- inscrição no médico de família;

- marcação de consultas médicas.11-12

Outra oferta de cuidados que o CS disponibiliza é a visitação domiciliária, que tanto poderá ser feita pelos médicos como pelos enfermeiros. No entanto, de forma institucionalizada e organizada, existe a visitação domiciliária da responsabilidade dos enfermeiros. As informações da necessidade de visita aos domicílios provêm de uma ficha sumária enviada pelos médicos das várias unidades de família ao gabinete de cuidados domiciliários. A informação desta ficha é mínima, constando só a identificação do utente e a prescrição em termos de procedimentos técnicos, como por exemplo: algaliação, entubação, penso, etc.

Após a análise das várias orientações nacionais e internacionais sobre os cuidados de saúde e a estrutura de funcionamento do centro de saúde descrito, verificamos que este processo de cuidados de saúde é complexo e que exige aos enfermeiros estratégias de adaptação às mudanças políticas, funcionais e organizativas onde se inserem.

Constatamos a existência de posturas distintas dos enfermeiros face à pouca partilha de informação/comunicação, pouco trabalho em equipa e no que diz respeito ao processo clínico este é de exclusiva pertença do médico. Se alguns enfermeiros referiam este aspecto como pouco motivador e inadequado, outros valendo-se da boa relação social que tinham com algum(a) médico(a), não lhes parecia que fosse uma situação inquietante.

OS ENFERMEIROS E A VISITA DOMICILIARIA: DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO

Como já referimos elegemos a visitação domiciliária como contexto de práticas por excelência onde concentrar o nosso estudo, embora nunca descurando as políticas institucionais, estruturais e organizacionais onde estas práticas estão inseridas. As pessoas cuidadas no domicílio são na sua maioria idosas sendo o número um pouco variável, no entanto neste período de observação por nós efectuado, havia 39 pessoas indicadas no baixo concelho. Todas eram idosas e estavam referenciadas da seguinte forma: 16 pensos; 9 entubações; 14 algaliações.

Para o alto concelho estavam referenciadas 40 em que 33 eram idosas, as 7 restantes eram crianças deficientes e adultos com patologia oncológica. Mais uma vez estavam referenciados pela necessidade de execuções técnicas, tal como os anteriores.

Deste modo, acompanhamos a visita domiciliária a estes utentes, apresentando de seguida as nossas observações das práticas de enfermagem que sintetizamos nos Quadros 1 e 2.



Relativamente ao pensar/sentir das três enfermeiras que acompanhamos nas visitas domiciliárias, questionamos porque é que os idosos que cuidam nos domicílios estavam acamados, o que os levou a ficarem acamados e em média há quanto tempo se encontravam nessa situação. As respostas obtidas foram semelhantes, justificaram a permanência do idoso no leito devido a alterações da mobilidade e dependência total quase em todas as necessidades humanas básicas. Também não houve acompanhamento de fisioterapia, nem preparação da família para diminuírem as consequências da imobilidade. Pensam que na maioria dos casos, esta situação foi provocada por acidentes vasculares cerebrais. Mas também demências associadas à idade. Embora não tenham dados para saberem responder exactamente a esta pergunta. Em relação ao tempo de evolução as respostas também foram pouco precisas, referindo que tinham idosos acamados há dois, três, quatro meses, um, dois anos, tendo situações de cinco e mais anos.

Também perguntamos a estas três enfermeiras como funciona de facto esta valência de "visitação domiciliária" as quais nos responderam que cada enfermeiro organiza-se. De salientar que as enfermeiras que estão destacadas para a visitação domiciliária têm autonomia para programarem as visitas e decidirem a metodologia de trabalho que devem utilizar.

Referiram que a maior dificuldade era a obtenção de informações. Os recursos a que podiam recorrer são os dados constantes no SINUS (base de dados informático), no entanto, só têm dados em relação às vacinas, data de nascimento e residência. Para obter outros dados têm que pedir autorização ao médico para poder ir ao ficheiro onde está o processo clínico do utente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando este contexto de práticas identificamos algumas limitações para a procura da excelência do exercício profissional, perseguindo as orientações da Ordem dos Enfermeiros, visando os mais elevados níveis de satisfação dos clientes. No seu desempenho o enfermeiro deve desenvolver uma postura de ajuda e acompanhamento das pessoas, promovendo atitudes terapêuticas para que estas alcancem o máximo potencial de saúde, prevenindo complicações para a saúde, maximizando o seu bem-estar, suplementando/complementando as actividades de vida relativamente às quais é dependente, desenvolvendo conjuntamente com o cliente processos de adaptação aos problemas de saúde e contribuindo para a máxima eficácia na organização dos cuidados de enfermagem. No nosso entender poderemos, então, apontar cinco limitações.

1ª Limitação — rotatividade dos enfermeiros — considerando que a tomada de decisão do enfermeiro que orienta o exercício profissional autónomo, implica uma abordagem sistémica, sistemática e sistematizada, estas enfermeiras estão limitadas em definirem as suas intervenções autónomas, pela descontinuidade temporal.

2ª Limitação — metodologia de trabalho, centrada na tarefa — é defendido que as intervenções de enfermagem devem tomar por foco de atenção a promoção dos projectos de saúde que cada pessoa vive e persegue, sendo as intervenções de enfermagem optimizadas se toda a unidade familiar for tomada por alvo do processo de cuidados, situação que não se verifica no contexto observado.

3ª Limitação — a deficiente comunicação e trabalho de equipa – o exercício profissional dos enfermeiros insere-se num contexto de actuação multiprofissionais, distinguindo-se intervenções interdependentes e intervenções autónomas, contudo o trabalho em equipa está comprometido, existindo várias barreiras.

4ª Limitação — ausência de guias orientadores da prática de cuidados – no processo de tomada de decisão em enfermagem e na fase de implementação das intervenções, os enfermeiros incorporam os resultados da investigação na sua prática. Assim como a procura de uma base consensual sobre conceitos como enfermagem, saúde, pessoa e ambiente.

Também é reconhecido que a produção de guias orientadores da prática de cuidados de enfermagem baseados na evidência empírica constituem uma base estrutural importante para a melhoria contínua da qualidade do exercício dos enfermeiros. Registo e linhas orientadoras sistematizadas não nos foram dadas a conhecer.

5ª Limitação – a ausência de um processo clínico único — só através de registos escritos e da sua partilha é possível concretizar todas as etapas estabelecidas que permitem a sistematização, análise, avaliação e reflexão da prática.

6ª Limitação – não há uma definição de filosofia de qualidade – assim não há supervisão dos cuidados prestados, nem avaliação desses mesmos cuidados. Estas duas actividades fornecem dados para uma melhor gestão de recursos tendo como base ganhos em saúde, assim como repercussões a nível dos custos.

É de salientar que o cuidar é um compromisso dos enfermeiros de natureza moral.13 Deste modo, os enfermeiros devem questionar o sistema de saúde e reivindicar recursos que respondam às necessidades dos utentes, tendo estes direito ao cuidado: é dever dos enfermeiros prestarem esses cuidados. Estas orientações teóricas que se desenvolvem nos discursos dos enfermeiros deveriam ser cada vez mais enfatizadas durante o processamento das suas práticas. No entanto, encontramos de alguma forma eco deste pensar, pois os enfermeiros com quem estabelecemos relação neste centro de saúde referem que muito gostariam de alterar a sua prática de funcionamento, explicitando que gostariam de alterar a sua metodologia de trabalho, seguindo as orientações de "A cada família o seu enfermeiro" da Ordem dos Enfermeiros – segundo a Conferência Interministerial de Munique, organizada pela Região Europeia da Organização Mundial de Saúde em 2000.

Recebido em: 12 de fevereiro de 2007

Aprovação final em: 26 de julho de 2007

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  • Endereço:

    Esperança do Gago Alves Pereira
    R. Candido de Oliveira, 95 - 3º Drt.
    4715-012 - Braga, Portugal.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Recebido
      12 Fev 2007
    • Aceito
      26 Jul 2007
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