Acessibilidade / Reportar erro

Estudo experimental da decorticação óssea na integração dos enxertos na coluna vertebral

Resumos

Foi realizado estudo experimental com a finalidade de avaliar a influência da decorticação óssea na incorporação de enxerto ósseo autólogo. Foram utilizados 15 cães mestiços adultos de ambos os sexos, fornecidos pelo Biotério Geral da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Ribeiro Preto. A primeira vértebra lombar foi selecionada para o estudo, tendo sido realizado a decorticação superficial da lâmina vertebral pelo lado direito. Enxerto ósseo oriundo dos processos espinhosos de L 1 e vértebras adjacentes foram aposicionados sobre a lâmina de L1 bilateralmente. Os animais foram divididos em grupos experimentais de acordo com o período de sacrifício (1 mês, 3 meses e 6 meses), sendo cada grupo formado por 5 animais.A avaliação histológica por meio da microscopia foi o método empregado no estudo, e demonstrou diferenças na incorporação do enxerto ósseo, entre as superfícies decorticadas e não decorticadas da lâmina vertebral. As diferenças foram observadas nos animais sacrificados com 1 mês e 3 meses após a cirurgia, tendo sido observado integração óssea mais intensa do enxerto no local em que a lâmina vertebral foi decorticada. Com 6 meses de pós- operatório não foi observado diferenças entre as faces da lâmina vertebral (decorticada e não decorticada), sendo que houve reparação óssea completa em ambas as superfícies.

Artrodese; Enxerto Ósseo; Coluna vertebral


An experimental study was conducted aiming to evaluate the influence of bone decortication for autologous bone graft integration. Fifteen undefined-race adult dogs of both genders, supplied by the General Animal Lab of the Medical School, University of São Paulo, in Ribeirão Preto, were used. The first lumbar vertebra was selected for study purposes, with surface decortication of the vertebral layer through the right side. Bone grafts removed from L1 and adjacent vertebrae's spinous processes were bilaterally apposed on the L1 layer. The animals were divided into experimental groups according to the period of sacrifice (1 month, 3 months, and 6 months), with each group comprising 5 animals. Histological evaluation by means of microscopy was the method employed in the study, and it has shown differences in bone graft incorporation between decorticated and non-decorticated surfaces of the vertebral layer. Those differences were seen on animals sacrificed within 1 month and 3 months postoperatively, with a stronger bone integration seen at the place where the vertebral layer was decorticated. Within 6 months postoperatively, no differences were seen among vertebral layers' surfaces (decorticated and non-decorticated), with full bone repair on both surfaces.

Athrodesis; Bone graft; Spine


ARTIGO ORIGINAL

Estudo experimental da decorticação óssea na integração dos enxertos na coluna vertebral

Osvaldo José de ContiI; Mônica Tempest PastorelloII; Helton Luiz Aparecido DefinoIII

IPós-Graduando do Departamento de Biomecânica, Reabilitação e Medicina do Aparelho Locomotor

IIMédica Assistente do Departamento de Patologia

IIIProfessor Associado do Departamento de Biomecânica, Reabilitação e Medicina do Aparelho Locomotor

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Helton Luiz Aparecido Defino Av. Bandeirantes, 3900 Campus Universitário Ribeirão Preto/SP hladefin@fmrp.usp.br

RESUMO

Foi realizado estudo experimental com a finalidade de avaliar a influência da decorticação óssea na incorporação de enxerto ósseo autólogo. Foram utilizados 15 cães mestiços adultos de ambos os sexos, fornecidos pelo Biotério Geral da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Ribeiro Preto. A primeira vértebra lombar foi selecionada para o estudo, tendo sido realizado a decorticação superficial da lâmina vertebral pelo lado direito. Enxerto ósseo oriundo dos processos espinhosos de L 1 e vértebras adjacentes foram aposicionados sobre a lâmina de L1 bilateralmente. Os animais foram divididos em grupos experimentais de acordo com o período de sacrifício (1 mês, 3 meses e 6 meses), sendo cada grupo formado por 5 animais.A avaliação histológica por meio da microscopia foi o método empregado no estudo, e demonstrou diferenças na incorporação do enxerto ósseo, entre as superfícies decorticadas e não decorticadas da lâmina vertebral. As diferenças foram observadas nos animais sacrificados com 1 mês e 3 meses após a cirurgia, tendo sido observado integração óssea mais intensa do enxerto no local em que a lâmina vertebral foi decorticada. Com 6 meses de pós- operatório não foi observado diferenças entre as faces da lâmina vertebral (decorticada e não decorticada), sendo que houve reparação óssea completa em ambas as superfícies.

Descritores: Artrodese; Enxerto Ósseo; Coluna vertebral

INTRODUÇÃO

A história e o desenvolvimento da cirurgia da coluna vertebral estão intimamente relacionados com a artrodese desse segmento do aparelho locomotor, e desde as descrições iniciais da artrodese posterior da coluna vertebral, relatadas por Albee e Hibbs em 1911, para o tratamento das deformidades causadas pela tuberculose vertebral, esse procedimento tem sido largamento utilizado no âmbito da cirurgia da coluna vertebral(1). Hibbs em 1924 foi o pioneiro a descrever a técnica da decorticação das facetas articulares e das lâminas vertebrais para acelerar o processo de consolidação das artrodese, e essa decorticação da superfície da área da artrodese sobre a qual o enxerto ósseo é colocado, tem sido utilizada como etapa importante da técnica cirúrgica durante a realização das artrodeses vertebrais(2).

No entanto, apesar da larga aplicação da decorticação óssea durante a realização das artrodese, e sua freqüente menção nas descrições da técnica cirúrgica, a sua influência não está totalmente esclarecida, tendo sido esta a motivação para a realização do presente trabalho, cujo principal objetivo foi avaliar a influência da decorticação da superfície óssea na integração do enxerto ósseo aposicionado sobre ela.

MATERIAL E MÉTODO

Foram utilizados 18 cães adultos mestiços de ambos os sexos, fornecidos pelo Biotério Geral da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.

A primeira vértebra da coluna lombar do cão foi selecionada para o estudo, devido a maior facilidade do acesso cirúrgico e também devido às suas dimensões. O modelo experimental utilizado consistia na exposição bilateral da lâminas desta vértebra, tendo sido realizada a decorticação no lado direito com a utilização de osteótomo de lâmina fina e estreita, enquanto que a superfície da lâmina do lado esquerdo permanecia intacta.

O procedimento cirúrgico era realizado com os animais anestesiados por via endovenosa com Nembutal Sódico* * Nembutall-Abott na dose de 33 mg/Kg e posicionados em decúbito ventral na mesa cirúrgica.

Após a realização da assepsia, anti-sepsia e colocação de campos cirúrgicos, era realizada incisão de 8cm sobre L1, que era bilateralmente exposta e preparada da maneira acima descrita. Os processos espinhoso de L1 e L2 eram ressecados e preparados para serem utilizados como enxerto ósseo, que era colocado sobre a lâmina da vértebra decorticada do lado direito, e sobre a lâmina da vértebra que estava intacta do lado esquerdo.(Figura 1)


Após a colocação do enxerto ósseo e hemostasia, os músculos eram bilateralmente aproximados no sentido medial e suturados com Vicril 2.0** ** Vicryl-Ethicon . O tecido subcutâneo e a pele eram também suturados com Vicril 2.0** ** Vicryl-Ethicon . No período pós-operatório imediato era administrada 1.200.000 UI de penicilina benzatina pela via intramuscular e não havia restrição da deambulação dos animais.

Os animais foram divididos em grupos experimentais de acordo com o período de sacrifício, que foi realizado um, três e seis meses após a realização do procedimento.

O estudo histológico da interface entre o enxerto ósseo e a lâmina vertebral foi o método de avaliação utilizado, tendo sido o estudo histológico realizado por meio da microsocopia de luz com a realização de cortes de 5 a 6µ e coloração com HE (hematoxilina-eosina) e Tricrômico de Gomori.

RESULTADOS

Os resultados da avaliação histológica serão apresentados de acordo com o período de sacrifício dos animais (um, três e seis meses de pós-operatório), comparando-se os resultados da superfície decorticada da lâmina vertebral com o lado contra-lateral no qual a lâmina permaneceu intacta.

Nos animais sacrificados com um mês após a realização da cirurgia foi observado neoformação óssea de ambos os lados. Ambas as superfícies ósseas ( decorticada e não decorticada) mostravam neoformação óssea e formação de fibrose. (Figuras 2 e 3). A superfície decorticada apresentava tecido fibroso que invadia o osso hospedeiro e aderia o enxerto ao leito receptor, não tendo sido essa fibrose observada na superfície não decorticada. A falta de aderência do enxerto ósseo ao leito receptor foi a diferença observada entre a superficie não decorticada em relação ao lado contralateral.A coloração com o Tricrômico de Gomori cora o tecido colágeno em azul e destacou a presença da fibroso na superfície decorticada da lâmina vertebral (Figura 4).




Nos animais sacrificados com três meses foi observado neoformação óssea na interface entre o enxerto e o leito receptor em ambos os lados da lâmina vertebral, e o tecido ósseo neoformado apresentava trabéculas mais espessas e mais entrelaçadas (Figura 5A ). A superfície decorticada da lâmina vertebral apresentava neoformação óssea com trabéculas mais afiladas e entrelaçadas, acompanhada mais intensamente de fibrose e aderência ao osso hospedeiro com relação ao lado não decorticado (Figura 5B). Nos animais sacrificados com três meses ainda era possível a diferenciação entre o lado decorticado e o não decorticado da lâmina vertebral, e o tecido ósseo neoformado na superfície decorticada penetrava de modo mais intenso no osso hospedeiro (Figuras 6 e 7 ).




Nos animais sacrificados com seis meses a diferenciação entre a superfície decorticada e não decorticada da lâmina vertebral não era mais possível, e o tecido fibroso havia sido reabsorvido indicando a incorporação do enxerto ósseo pelo leito receptor, tanto na face decorticada com na não decorticada. O enxerto ósseo estava completamente incorporado ao leito receptor e a interface entre o enxerto ósseo e o leito receptor não estava mais presente. (Figuras 8 e 9 )



A avaliação histológica permitiu observar que diferenças foram observadas no grupo de animais sacrificados com 1 e 3 meses após a enxertia óssea, sugerindo que a decorticação da superfície receptora do enxerto influenciou no processo de integração. No grupo de animais sacrificados com seis meses o enxerto ósseo e o leito receptor formavam um bloco ósseo único e os efeitos da decorticação ou manutenção do osso cortical da lâmina vertebral não puderam ser observados.

DISCUSSÃO

O tecido ósseo apresenta a capacidade de regeneração após a sua lesão, de modo que a reparação das lesões não apresentam tecido cicatricial na sua fase final , como ocorre com outros tecidos do organismo. Essa reparação do tecido ósseo ocorre por meio da neoformação óssea e esse reparo pode ser ampliado por meio da utilização de enxerto ósseo. Essas propriedades do tecido ósseo são bem conhecidas há muitos anos e tem sido a base da fundamentação de inúmeros tratamentos cirúrgicos no âmbito do aparelho locomotor(3).

Os eventos iniciais da integração dos enxertos ósseos não vascularizados sejam eles de osso cortical ou esponjoso, são idênticos e caracterizados histologicamente pela hemorragia inicial, seguida por processo inflamatório não específico. O enxerto ósseo é invadido por tecido fibrovascular oriundo de tecido hospedeiro, que conduz células osteogênicas e vasos sanguíneos para o interior do enxerto ósseo. No momento da implantação do enxerto ósseo existem células viáveis no interior da medula, e essas células sofrem rapidamente processo de necrose. No entanto, as poucas células do enxerto ósseo que sobrevivem, podem contribuir de modo importante para a integração do enxerto ósseo(4,5).

A exposição do tecido esponjoso por meio da decorticação da lâmina óssea poderia facilitar essa fase de incorporação do enxerto ósseo, pois de acordo com os estudos de Heiple et al(6). os enxertos de osso esponjoso apresentam integração mais rápida comparado com os enxertos de osso cortical. Deve ser considerado, no entanto, que a variável estudada nesse trabalho foi o leito receptor e não o enxerto utilizado.

Apesar das diferenças histológicas da integração dos enxertos corticais e esponjosos estarem bem esclarecidas, o papel do leito receptor do enxerto ósseo não tem sido apresentado de modo evidente na literatura, e mesmo assim a decorticação do leito receptor dos enxertos continua sendo um procedimento correntemente utilizado, apesar de aumentar a perda sanguínea e o tempo de realização do procedimento cirúrgico(2).

A realização da decorticação não é um pré-requisito absoluto para que ocorra a integração do enxerto ósseo, e foi observado experimentalmente que a sua realização não alterava a taxa de consolidação da artrodese na presença de fixação rígida do segmento vertebral artrodesado(7). No entanto, foi observado a sua influência nas artrodeses vertebrais de segmentos instáveis e sem fixação rígida(7). A liberação de fatores de crescimento locais, que seria ocasionado pela decorticação do leito receptor, tem sido também proposta como um dos fatores de explicaria a aceleração do processo da integração do enxerto ósseo(8).

Em nosso estudo foi possível observar que a decorticação do leito receptor do enxerto ósseo influenciou nas fases iniciais do processo de integração do enxerto ósseo, permitindo maior integração do enxerto ao tecido hospedeiro. No entanto, não foram observadas diferenças nos períodos de seguimento mais longos, tendo sido observado completa integração do enxerto ao hospedeiro, independente da realização da decorticação. Essas observações sugerem que a influência da decorticação ocorre somente nas fases iniciais da integração do enxerto ósseo, de modo que as vantagens relacionadas com a sua utilização, apesar de comum na prática clínica, ainda permanecem sem comprovação científica.

CONCLUSÕES

A decorticação do leito receptor influenciou a integração do enxerto ósseo nas suas fases iniciais, tendo sido observado aceleração do seu processo de integração. No entanto, após o terceiro mês não foram observadas diferenças e nos animais sacrificados com 6 meses não era possível distinguir o leito receptor decorticado, tendo sido observado a integração completa do enxerto ósseo ao leito receptor no lado decorticado e não decorticado.

AGRADECIMENTO:

Trabalho realizado com auxílio do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Trabalho recebido em: 23/06/05 aprovado em 31/08/05

Trabalho realizado no Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP

  • 1. Peek RD, Wiltse LL. History of spinal fusion in spinal fusion - Science and Tecnique.Springer Verlag, New York; 1990.
  • 2. Sandhu HS, Kanim LE, Toth JM, Kabo JM, Lin D, Delamarter RB et al. Experimental spine fusion with recombinant human morphogenetic protein - 2 without decortication of osseous elements. Spine 1996; 22: 278-87.
  • 3. Kaufman HH, Jones E. The principles of bony spine fusion. Neurosurgery 1989; 24:264-70.
  • 4. Goldberg VM, Stenson S. Natural history of autografts and allografts. Clin Orthop. 1987; 225:7-16.
  • 5. Boden SD. Biology of lumbar spine fusion and use of bone graft substitutes: present, future, and next generation. Tissue Eng. 2000; 6: 383-99.
  • 6. Heiple HG, Chaze SW, Herdoen CH. A comparative study of the healing process following different types of bone transplantation. J Bone Joint Surg Am. 1963; 45 1593-616.
  • 7. Ishikawa S, Shin HD, Bowen J, Cummings RJ. Is it necessary to decorticate segmentally instrumented spines to achive fusion? Spine. 1994; 19: 1686-90.
  • 8. Cook SD, Rueger DC. Osteogenic protein - 1 biology and aplications. Clin Orthop. 1996; 324:29-38.
  • Endereço para correspondência:

    Helton Luiz Aparecido Defino
    Av. Bandeirantes, 3900
    Campus Universitário
    Ribeirão Preto/SP
  • *
    Nembutall-Abott
  • **
    Vicryl-Ethicon
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Recebido
      23 Jun 2005
    • Aceito
      31 Ago 2005
    ATHA EDITORA Rua: Machado Bittencourt, 190, 4º andar - Vila Mariana - São Paulo Capital - CEP 04044-000, Telefone: 55-11-5087-9502 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actaortopedicabrasileira@uol.com.br