Resumos
OBJETIVO: investigar a opinião do ortodontista brasileiro sobre a problemática paciente x profissional em relação: 1) à importância da relação comercial estabelecida pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor); 2) à natureza obrigacional dos seus serviços ortodônticos; 3) às explicações, ao paciente, dos riscos inerentes ao tratamento ortodôntico. METODOLOGIA: para tal, foi realizado um censo estatístico através de questionário enviado a todos os ortodontistas do Brasil, devidamente inscritos no Conselho Federal de Odontologia. RESULTADOS E CONCLUSÕES: participaram da pesquisa 1.469 ortodontistas (27,43% do universo pesquisado). Dessa forma, verificou-se que 86,93% dos ortodontistas brasileiros reconhecem a importância da relação comercial com seu paciente, de acordo com o CDC; 35,33% dos profissionais consideram a Ortodontia como uma atividade de meio, isto é, execução do tratamento ortodôntico sem promessa profissional de um resultado final; e 63,31% orientam, de forma oral e escrita, os seus pacientes sobre os riscos do tratamento ortodôntico. Concluiu-se que o ortodontista brasileiro está consciente da importância do CDC na relação comercial estabelecida com o seu paciente, o consumidor final. No entanto, apenas uma minoria dos ortodontistas do Brasil (20,97%), além de considerar importante essa relação comercial, entende a atividade ortodôntica como obrigação de meio e mantém o paciente informado, de forma oral e com os devidos registros, dos riscos de um tratamento ortodôntico.
Código de defesa do consumidor; Natureza da obrigação; Ortodontista brasileiro; Responsabilidade civil
AIM: the objective of this study was to investigate the opinion of the Brazilian orthodontist about the patient x professional problematic in relation to: 1) the importance of the commercial relation established by the CDC (Consumer's Defense Code); 2) the obligatory nature of its orthodontic services; 3) the explanations to the patient of the inherent risks to the orthodontic treatment. METHODS: for such, a statistical census through a questionnaire was carried through the orthodontists of Brazil duly enrolled in the Federal Council of Dentistry. RESULTS AND CONCLUSIONS: 1.469 orthodontists participated of the research (27.43% in relation to the searched universe). It was verified that 86.93% of the Brazilian orthodontists recognize the importance of the commercial relation with the patient, in accordance with the CDC; 35.33% of the professionals consider the Orthodontics as an way activity, this is, the orthodontic treatment procedure without professional promisse about the final results and 63.31% guides the patients on the risks of the orthodontic treatment, in verbal and writing form. It was concluded that the Brazilian orthodontist is conscientious of the importance of the CDC in the established commercial relation with the patient, the final consumer. However, only one minority of the orthodontists of Brazil (20.97%), besides considering important this commercial relation, understands the orthodontic activity as a way obligation and keeps the patient informed, in verbal form and with the proper registers, of the risks of a orthodontic treatment.
Consumer's Defense Code; The obligatory nature; Brazilian orthodontist; Civil responsibility
ARTIGO INÉDITO
Relação comercial do ortodontista brasileiro com o seu paciente, natureza obrigacional dos serviços prestados e riscos do tratamento ortodôntico
Commercial relation of the Brazilian orthodontist with his patient, obligatory nature of the service performed and risks of the orthodontic treatment
Elionai Dias SoaresI; Adriana Silva de CarvalhoII; Jurandir Antônio BarbosaIII
IMestre e Especialista em Ortodontia - Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic - Campinas / SP. Professor da Equipe Prime Ensino e Pesquisa
IIProfessora Doutora do Programa de Pós-Graduação do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic - Campinas / SP
IIIProfessor e Coordenador do Curso de Ortodontia do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic - Campinas / SP
Endereço de correspondência Endereço de correspondência: Elionai Dias Soares Av. Raul Veiga, 86/501-502 CEP: 28.540-000 - Cordeiro/RJ E-mail: elionai@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO: investigar a opinião do ortodontista brasileiro sobre a problemática paciente x profissional em relação: 1) à importância da relação comercial estabelecida pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor); 2) à natureza obrigacional dos seus serviços ortodônticos; 3) às explicações, ao paciente, dos riscos inerentes ao tratamento ortodôntico.
METODOLOGIA: para tal, foi realizado um censo estatístico através de questionário enviado a todos os ortodontistas do Brasil, devidamente inscritos no Conselho Federal de Odontologia.
RESULTADOS E CONCLUSÕES: participaram da pesquisa 1.469 ortodontistas (27,43% do universo pesquisado). Dessa forma, verificou-se que 86,93% dos ortodontistas brasileiros reconhecem a importância da relação comercial com seu paciente, de acordo com o CDC; 35,33% dos profissionais consideram a Ortodontia como uma atividade de meio, isto é, execução do tratamento ortodôntico sem promessa profissional de um resultado final; e 63,31% orientam, de forma oral e escrita, os seus pacientes sobre os riscos do tratamento ortodôntico. Concluiu-se que o ortodontista brasileiro está consciente da importância do CDC na relação comercial estabelecida com o seu paciente, o consumidor final. No entanto, apenas uma minoria dos ortodontistas do Brasil (20,97%), além de considerar importante essa relação comercial, entende a atividade ortodôntica como obrigação de meio e mantém o paciente informado, de forma oral e com os devidos registros, dos riscos de um tratamento ortodôntico.
Palavras-chave: Código de defesa do consumidor. Natureza da obrigação. Ortodontista brasileiro. Responsabilidade civil.
ABSTRACT
AIM: the objective of this study was to investigate the opinion of the Brazilian orthodontist about the patient x professional problematic in relation to: 1) the importance of the commercial relation established by the CDC (Consumer's Defense Code); 2) the obligatory nature of its orthodontic services; 3) the explanations to the patient of the inherent risks to the orthodontic treatment.
METHODS: for such, a statistical census through a questionnaire was carried through the orthodontists of Brazil duly enrolled in the Federal Council of Dentistry.
RESULTS AND CONCLUSIONS: 1.469 orthodontists participated of the research (27.43% in relation to the searched universe). It was verified that 86.93% of the Brazilian orthodontists recognize the importance of the commercial relation with the patient, in accordance with the CDC; 35.33% of the professionals consider the Orthodontics as an way activity, this is, the orthodontic treatment procedure without professional promisse about the final results and 63.31% guides the patients on the risks of the orthodontic treatment, in verbal and writing form. It was concluded that the Brazilian orthodontist is conscientious of the importance of the CDC in the established commercial relation with the patient, the final consumer. However, only one minority of the orthodontists of Brazil (20.97%), besides considering important this commercial relation, understands the orthodontic activity as a way obligation and keeps the patient informed, in verbal form and with the proper registers, of the risks of a orthodontic treatment.
Key words: Consumer's Defense Code. The obligatory nature. Brazilian orthodontist. Civil responsibility.
INTRODUÇÃO
O ortodontista passou a ser alvo de questionamentos, muitas vezes no âmbito judicial, em virtude da expectativa frustrada do seu paciente. O desenvolvimento da terapêutica ortodôntica e, sobretudo, da finalização do tratamento realizado, poderá estar em desacordo com a expectativa real do paciente em seus resultados. De Jong et al.7 afirmaram que um questionário respondido pelo paciente torna-se um método confiável, eficiente e com qualidade de diálogo, quando combinado com uma verificação pelo profissional. O registro da queixa principal no prontuário ortodôntico, antes do início do tratamento e juntamente com o esclarecimento dos riscos e limitações da terapêutica empregada, passou a ser uma etapa imprescindível na prevenção de conflitos litigiosos na relação paciente x profissional.
Segundo Martins et al.10, o tratamento ortodôntico corrige más oclusões com o objetivo de oferecer, aos pacientes, melhores condições de função e estética. No entanto, nem sempre são reportadas ao profissional, de maneira adequada, todas as expectativas do paciente, dificultando, desta forma, a elaboração de um plano de tratamento com base nestas expectativas e nas possibilidades reais de tratamento. Para Silva13, o CD (Cirurgião-dentista), sendo um profissional da área da saúde, precisa estar permanentemente atento às imposições técnicas, morais e legais inerentes à atividade que exerce.
O paciente, o ortodontista e o CDC (Código de Defesa do Consumidor)
Conforme Carvalho et al.4, com o advento e divulgação do CDC (lei nº 8.078/90) houve um maior despertamento dos pacientes para uma relação comercial com o seu CD. Nesta relação o profissional surge como prestador de serviços (fornecedor) enquanto o paciente assume o papel do consumidor. Simonetti14 relatou que os pacientes, freqüentemente incentivados pela mídia, buscam na máquina judiciária algum tipo de ressarcimento monetário, seja em casos de resultados adversos e imprevisíveis, seja em um malfadado erro e ato culposo do CD.
De acordo com o artigo 333 do Código de Processo Civil3, cabe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, isto é, quem alega deve provar a existência dos fatos. Porém, segundo Nunes12, o consumidor, com base no inciso VIII do art. 6º do CDC, goza dos benefícios da inversão do ônus da prova. Assim sendo, conforme De Paula8, o juiz transferirá ao réu o profissional a carga de provar que seu ato seguiu todos os princípios da arte odontológica.
Por outro lado, Nichele11 considerou que a determinação da inversão do ônus da prova atinge diretamente o nexo causal, ou seja, a relação de causa e efeito face ao evento danoso. Por causa disso, a prova dos danos e o efetivo prejuízo não podem ser objeto de inversão do ônus da prova. A decisão, por parte do juiz, poderia gerar um enriquecimento sem causa do consumidor frente à presunção acolhida, além de ferir a garantia que o CDC fez questão de excepcionar no que se refere à manutenção do sistema da teoria subjetiva para os profissionais liberais, isto é, aquela em que se faz necessária a presença de apuração da culpa. Pelo exposto, a carga de provar deverá incidir sobre aquele que alega o fato. Se o CDC houve por bem manter esta sistemática, não pode o juiz subvertê-la.
Prestação de serviços ortodônticos: uma obrigação de meio ou resultado?
Antunes et al.2 afirmaram não existir unanimidade entre os juristas e legisladores quanto à natureza da obrigação do CD ser de meio ou resultado. Os autores relataram que, na obrigação de resultado, o CD assume a responsabilidade de atingir e conseguir um determinado fim. Frases do tipo "Este tratamento irá deixar seu sorriso maravilhoso" ou "Você irá tornar-se mais jovem com este tratamento" caracterizam uma prestação de serviço de resultado. Por outro lado, a obrigação de meio para um profissional liberal é mais confortável e cômoda, pois haverá um comprometimento, por parte do profissional, em utilizar-se de todos os meios necessários no tratamento, sem, contudo, comprometer-se com o resultado final.
Segundo Nunes12, uma forma de caracterizar a profissão dita liberal tem sido a de estabelecer que sua atividade não será de fim (obrigação de resultado), mas de meio, isto é, o profissional não assegura o resultado da sua própria atividade. Não porque não deseje, mas porque não pode. Quando muito poderá estimar com percentual de probabilidade. Seria temerário e indevido afirmar categoricamente um resultado. Porém, ainda ressaltou o autor, os serviços do profissional liberal poderão ser considerados de resultados quando a atividade não depender de nenhuma outra circunstância a não ser da própria habilitação profissional do prestador do serviço. De igual modo, Casceano5 considerou a obrigação do profissional da saúde como de resultado quando a previsibilidade de sucesso for tida como certa e comprovada por estudos científicos aceitos pela comunidade científica. Por outro lado, Silva13 afirmou que, na relação CD x paciente, o profissional nunca deverá garantir seus serviços, lembrando, sempre, que seu campo de trabalho é na área biológica.
Conforme Simonetti14, nas obrigações de resultado, o paciente não precisará provar a culpa do CD, porém, o profissional deverá provar que teve conduta da mais perfeita técnica do momento e agiu de forma diligente, contudo sobreveio o evento maléfico ao paciente. No entanto, na obrigação de meio, ao paciente caberá o ônus da prova, isto é, a carga de provar mediante a alegação de que o CD não agiu de forma zelosa e de acordo com as técnicas mais acuradas. De igual modo, Tanaka15 relatou que, no campo jurídico, parte da jurisprudência e da doutrina trata a Odontologia diferentemente da Medicina, o que, por vezes, acaba prejudicando o CD. Freqüentemente, a Odontologia é vista como obrigação de resultado, ao contrário da Medicina, que é vista como obrigação de meio. Porém, ambas as ciências trabalham sobre um mesmo organismo, sujeito às mesmas respostas fisiológicas e às mesmas incertezas de cura. O autor ainda considerou que, na obrigação de resultado, a conseqüência prática seria a inversão do ônus da prova, pois ao cirurgiãodentista, na qualidade de réu, caberia provar o seu não-inadiplemento contratual.
Os riscos de um tratamento ortodôntico
Segundo França et al.9, o ortodontista, após o estudo do caso e com sólido diagnóstico, deverá informar ao paciente sobre os riscos do tratamento ortodôntico, sejam tais riscos previsíveis ou imprevisíveis, sejam simples ou severos. Ressalta, ainda, sobre a importância do registro dessas orientações e considera o exercício contínuo da informação ao paciente como fator relevante no bom relacionamento paciente x profissional.
Antunes et al.2 consideraram não ser possível, para o profissional da saúde, descartar, ignorar ou eliminar os riscos inerentes à prática da profissão, restando, tão somente, preveni-los ou minimizá-los, com atitudes éticas, comportamentos morais e atualizações científicas, sempre amparado com um eficiente e organizado sistema de documentação. Afirmam ainda que, além das sanções ditadas pelo Código de Ética Odontológica, o profissional também poderá sofrer punições, agora mais severas, regulamentadas pelo Código Civil, Penal ou pelo Código de Defesa do Consumidor.
De acordo com o CFO6, no Código de Ética Odontológico - Cap. V, seção I, art. 6º inciso II - o CD que deixa de esclarecer, adequadamente, os propósitos, riscos, custos e alternativas do tratamento comete infração ética. Para Martins et al.10, caso alguma expectativa do paciente não possa ser solucionada com o tratamento proposto, o mesmo deverá ser informado antes do início da correção ortodôntica, desta forma o profissional estará minimizando possíveis frustrações ao final do tratamento.
Portanto, o propósito do presente trabalho foi averiguar a opinião do ortodontista brasileiro sobre a importância da relação comercial estabelecida com o seu paciente, conforme o CDC, e quantificar os profissionais que consideram a atividade ortodôntica como atividade de meio, mantendo o paciente informado dos riscos de um tratamento ortodôntico, de forma verbal e escrita.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizado um censo estatístico com os 5.532 ortodontistas do Brasil, utilizando um questionário composto por 35 perguntas impressas em duas folhas tamanho A4 (frente e verso). A livre iniciativa do ortodontista em participar da pesquisa ficou subentendida pelo ato de responder ao questionário e retorná-lo por meio de postagem nos correios. Vale salientar a isenção de despesas financeiras aos participantes da pesquisa, por meio do serviço de Carta Resposta, previamente contratado na ECT (Empresa de Correios e Telégrafos). A população pesquisada foi orientada a não se identificar, pois o interesse foi apenas nos resultados estatísticos.
A pesquisa contou com o apoio científico do Conselho Federal de Odontologia (banco de dados dos ortodontistas brasileiros) e da Associação Brasileira de Odontologia Regional Nova Friburgo/RJ (trâmites de contratação dos serviços da Empresa de Correios e Telégrafos, como entidade jurídica). A postagem foi realizada no dia 23 de agosto de 2004, de uma só vez, e encerrada em 31 de dezembro do mesmo ano.
A ECT informou, por meio do serviço de Devolução Garantida, o motivo das correspondências eventualmente retornadas. Desta forma, foi mantido um relatório detalhado e quantitativo das correspondências enviadas (Impresso Especial), das correspondências devolvidas (Devolução Garantida com informe do motivo) e dos questionários respondidos (Carta Resposta), definindo a amostragem da população investigada. Participaram da pesquisa 1.469 ortodontistas (27,43% do universo pesquisado). Para o presente trabalho foram consideradas apenas três questões de opinião da pesquisa realizada, pertinentes à problemática paciente x profissional em relação: 1) à importância da relação comercial, de acordo com Código de Defesa do Consumidor; 2) ao tipo de natureza obrigacional do tratamento ortodôntico e 3) às explicações ao paciente dos riscos inerentes ao tratamento ortodôntico.
Para a coleta dos dados foi elaborado um sistema de programação específico com base no Microsoft Access 2000®. Foi considerada a seguinte metodologia para a obtenção dos resultados estatísticos: a) percentagem simples de cada resposta em cada questão, quantificando, inclusive, os brancos e nulos e b) cruzamento das informações, quantificando: os que consideram importante a relação comercial entre o ortodontista e o paciente, de acordo com o CDC; os que consideram o tratamento ortodôntico como obrigação de meio e os que orientam os seus pacientes, de forma oral e escrita, sobre os riscos do tratamento ortodôntico.
RESULTADOS
Das 5.532 correspondências enviadas, 181 foram devolvidas pela ECT, 4 foram repassadas, e 1.469 foram respondidas, correspondendo a 27,43% de participação, com representação de todos os estados do Brasil.
Na questão 1 - Considera importante a relação comercial entre o ortodontista (fornecedor) e o paciente (consumidor) de acordo com o Código de Defesa do Consumidor? - observou-se que 1.277 (86,93%) ortodontistas responderam "sim"; 140 (9,53%) responderam "não" e 52 (3,54%) anularam ou deixaram em branco a questão.
Na questão 2 - Na sua opinião, o tratamento ortodôntico consiste em: - observou-se que 521 (35,47%) profissionais responderam "obrigação de resultado"; 519 (35,33%) "obrigação de meio"; 293 (19,95%) afirmaram "desconheço essas considerações" e 136 (9,26%) anularam ou deixaram em branco a questão.
Na questão 3 - Sobre os riscos do tratamento ortodôntico - observou-se que 930 (63,31%) marcaram a resposta "orienta de forma oral e escrita"; 63 (4,29%) "orienta de forma escrita"; 18 (1,23%) "não desperta essa questão no paciente" e 37 (2,52%) anularam ou deixaram em branco essa questão.
Foi realizado o cruzamento dos dados das questões 1, 2 e 3 e verificou-se que 308 (20,97%) ortodontistas do Brasil, além de reconhecerem a importância da relação comercial estabelecida com o seu paciente com base no CDC, consideram a atividade ortodôntica como obrigação de meio e orientam os seus pacientes sobre os riscos do tratamento ortodôntico de forma oral e escrita.
DISCUSSÃO
Na opinião dos 1.469 ortodontistas que responderam o questionário, uma grande maioria, representada por 86,93%, considera importante a relação comercial entre ortodontista (fornecedor) e paciente (consumidor), de acordo com o CDC (Código de Defesa do Consumidor) enquanto 9,53% admitem não ser importante essa relação com o CDC (Gráf. 1). A partir de 1990, com a divulgação do CDC, os pacientes foram despertados para uma relação de consumo com o profissional da Odontologia. Com muita freqüência, os pacientes buscam na justiça algum tipo de indenização financeira, seja em casos de resultados adversos e imprevisíveis, seja em um lamentável erro e ato culposo do CD4,14.
Quanto à natureza obrigacional dos serviços prestados ao paciente, 35,47% afirmam ser o tratamento ortodôntico uma atividade de resultado, enquanto 35,33% entendem a atividade ortodôntica como obrigação de meio e 19,95% desconhecem essas considerações (Gráf. 2). Na literatura estudada os autores relatam não haver consenso entre os juristas sobre a natureza da obrigação (de meio ou de resultado) para os serviços prestados pelo cirurgião-dentista2,15.
De forma semelhante observou-se uma divisão de opinião entre os ortodontistas brasileiros no entendimento da natureza obrigacional dos seus serviços prestados aos pacientes. No entanto, parece existir forte tendência dos autores considerarem os serviços prestados aos pacientes como atividades de meio, uma vez que a atuação se dá no campo biológico, não sendo possível estabelecer precisamente um resultado na conclusão de um tratamento. Considera-se, ainda, a imprevisibilidade e intercorrências que poderão advir no transcorrer de um tratamento ortodôntico, limitando a terapêutica empregada na consecução dos resultados desejados12,13.
Os ortodontistas foram questionados sobre a conduta adotada com os pacientes perante os riscos do tratamento ortodôntico. Dos 1.469 ortodontistas pesquisados, 63,31% afirmaram orientar os seus pacientes de forma oral e escrita; 28,66% apenas de forma oral; 4,29% apenas de forma escrita e 1,23% preferem não despertar os pacientes para esta questão (Gráf. 3).
Conforme o CFO6 publicou no Código de Ética Odontológico - cap. V, seção I, art. 7º inciso IV - o CD, a fim de não incorrer em infração ética, deverá esclarecer aos pacientes sobre os propósitos, riscos, custos e alternativas do tratamento realizado. No Código de Defesa do Consumidor, art. 31, Angher1 relatou que a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e à segurança dos consumidores.
Existe um consenso entre os autores pesquisados quanto à necessidade de repassar, aos pacientes, as informações sobre os riscos inerentes ao tratamento ortodôntico. Tais informações deverão ser registradas em um sistema organizado de documentação, com o objetivo de dirimir dúvidas a posteriori, contribuindo, desta maneira, para uma saudável relação paciente x profissional. Caso alguma expectativa do paciente esteja em desacordo com as possibilidades de tratamento, este deverá ser informado antes do início da terapêutica ortodôntica, evitando, desta maneira, conflitos litigiosos com o decorrer do tratamento proposto. Um questionário respondido pelo paciente, combinado com uma verificação pelo profissional, tem a qualidade de diálogo e torna-se um método confiável. Afirmam ainda que, além das sanções ditadas pelo Código de Ética Odontológica, o profissional também poderá sofrer punições, agora mais severas, regulamentadas pelo Código Civil, Código Penal ou pelo CDC2,7,9,10.
Após o cruzamento dos dados referentes às questões 1, 2 e 3 verificou-se que apenas 20,97% dos ortodontistas, além de reconhecerem a relação comercial estabelecida com o seu paciente com base no CDC, consideram a atividade ortodôntica como obrigação de meio e orientam de forma oral e escrita os seus pacientes sobre os riscos do tratamento ortodôntico, (Gráf. 4).
Cabe ainda salientar o aspecto importante da problemática da "inversão do ônus da prova", que poderá instituir-se por conta de uma relação consumerista existente entre o paciente e o profissional, pautada pelo CDC, e por um entendimento, sobretudo da parte do paciente, de ser a prestação dos serviços ortodônticos uma obrigação de resultado. A inversão do ônus da prova se dará, por outra forma e de maneira muito natural, quando da constatação de prejuízos à saúde do paciente provenientes de intercorrências e/ou riscos de um tratamento ortodôntico caracterizado por um resultado ruim e em discordância com o esperado. Neste caso, vale considerar que, não houve, por parte do profissional, as devidas informações e esclarecimentos dessas possibilidades adversas, portanto, antes do início da terapêutica ortodôntica empregada. Desta forma, por conta das imprevisibilidades e/ou intercorrências ocorridas e não informadas, a finalização do tratamento proposto estaria comprometida e em desacordo com as expectativas iniciais do paciente8,10,12.
Portanto, considerada a atividade ortodôntica como de resultado, o paciente não precisará provar em juízo a culpa do ortodontista. Toda a carga probatória incidirá sobre o profissional, que deverá produzir as provas, a fim de persuadir ao julgador que executou todos os procedimentos na mais absoluta lisura, com procedimentos técnicos comprovados pela ciência, restando, isto sim, numa eventualidade, ao custo de limitações biológicas, os danos sofridos ao paciente. Por outro lado, na obrigação de meio, sobre o paciente incidirá todo o ônus de provar, isto é, deverá produzir todas as provas mediante a alegação de que o CD não agiu de forma zelosa e de acordo com as técnicas mais acuradas. Esta última, segundo os autores, é uma situação bem mais cômoda e confortável ao ortodontista14.
Finalmente, urge a necessidade de publicações de novos trabalhos a fim de conscientizar, primeiramente, a comunidade ortodôntica brasileira e, em seguida, os pacientes, legisladores e juristas, sobre os riscos inerentes à prática profissional da Ortodontia. A atuação do ortodontista em campo biológico, com respostas fisiológicas distintas e incertas de cura, faz da Ortodontia contemporânea uma ciência com imprevisibilidades de resultados assemelhando-se à Medicina, portanto, constituindo uma atividade com natureza obrigacional de meio.
CONCLUSÕES
Com base na pesquisa realizada e na revisão da literatura concluiu-se que:
1) O ortodontista brasileiro, na qualidade de prestador de serviços na área de saúde, está consciente da importância da relação comercial estabelecida com o seu paciente, o consumidor final, conforme o Código de Defesa do Consumidor.
2) No entanto, apenas uma minoria dos ortodontistas brasileiros (20,97%), além de considerar importante essa relação comercial, a partir do CDC, considera a atividade ortodôntica como obrigação de meio e mantém o paciente informado, de forma oral e com os devidos registros, dos riscos de um tratamento ortodôntico.
Enviado em: fevereiro de 2005
Revisado e aceito: abril de 2005
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1ANGHER, A. J. (Org.). Vade Mecum - Acadêmico de Direito. In: Brasil. Código de Defesa do Consumidor 2. ed. São Paulo: Rideel, 2005. p. 921.
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2ANTUNES, F. C. M.; DARUGE, E.; DARUGE JR., E. O cirurgião-dentista frente à responsabilidade civil. JAO: Jornal de Assessoria e Prestação de Serviços ao Odontologista, [s.l.], v. 24, ano 4, p. 45-51, 2001.
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3CAHALI, Y. S. (Org.). Código de Processo Civil 6. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2004.
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4CARVALHO, G. P. et al. Prontuário clínico digital em Odontologia. Anais Forense, [s.l.], v. 3, n. 3, p. 22-26, 2000.
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5CASCEANO, J. L. Natureza da obrigação assumida pelo cirurgião-dentista frente ao seu paciente: obrigação de meio ou resultado? 2003. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização)-CPO, São Leopoldo Mandic, Campinas, SP, 2003.
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6CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA. Código de Ética Odontológico 1991. cap. 5, seção 1, art. 6, inciso 2. Disponível em: <http://www.sogaor.org.br/codigoetica/index.asp>. Acesso em: 12 out. 2006.
-
7DE JONG, K. L. M. et al. Clinical relevance of a medical history in dental practice: comparison between a questionnaire and a dialogue. Community Dent Oral Epidemiol, Copenhagen, v. 19, no. 5, p. 310-311, May 1991.
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8DE PAULA, F. J.; SILVA M. Implantodontia: importância da documentação odontológica na defesa do cirurgiãodentista frente a processos judiciais. RBP: Rev Bras Implantodont Protese Implant, Curitiba, v. 11, n. 41, p. 79-83, 2004.
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9FRANÇA, B. H. S.; RIBAS, M. O.; LIMA, A. A. S. Orientações legais aos ortodontistas. R Clin Ortodon Dental Press, Maringá, v. 2, n. 2, p. 25-31, abr./maio 2002.
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10MARTINS. L. F. et al. Comparação entre o diagnóstico ortodôntico e a expectativa do paciente em relação ao tratamento: proposta de um questionário que facilite a comunicação entre pacientes e profissionais. J Brás Ortodon Ortop Facial, Curitiba, v. 8, n. 43, p. 18-28, jan./fev. 2003.
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11NICHELE, R. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor: restrições quanto à sua aplicação. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 1, n. 18, p. 209-225, 1997.
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12NUNES, L. A. R. Curso de direito do consumidor São Paulo: R. dos Tribunais, 2004. cap. 17: responsabilidade dos profissionais liberais.
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13SILVA, M. A ética e a legislação odontológica aplicadas ao especialista em Ortodontia. In: INTERLANDI, S. (Coord.). Ortodontia: bases para iniciação. São Paulo: Artes Médicas, 1977.
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14SIMONETTI, F. A. A. Responsabilidade civil do cirurgião-dentista. Rev Assoc Paul Cir Dent, São Paulo, v. 53, n. 6, p. 449-451 nov./dez. 1999.
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15TANAKA, E. Responsabilidade civil do cirurgião-dentista: obrigação de meio ou de resultado? In: HIRONAKA, G. M. F. N. (Coord.). Direito e responsabilidade Belo Horizonte: Del Rey, 2002. cap. 10, p. 237-286.
Endereço de correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Mar 2007 -
Data do Fascículo
Fev 2007
Histórico
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Aceito
Abr 2005 -
Recebido
Fev 2005