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Escala Palliative Care Screening Tool como instrumento para indicação de cuidados paliativos em idosos

Resumo

O objetivo do estudo foi avaliar a utilização da escala Palliative Care Screening Tool (PCST) na indicação de cuidados paliativos em idosos internados em Unidade de Terapia Intensiva, bem como, a prevalência das doenças de base, religião e concordância entre os resultados na aplicação das escalas PCST e Palliative Performance Scale (PPS). Estudo transversal, descritivo, analítico, retrospectivo, documental com abordagem quantitativa. A análise de 594 prontuários revelou que as doenças cardiovasculares corresponderam a 26,8%, das internações, seguida de neoplasias 20,2% e insuficiência renal 16,8% entre os idosos e que os aspectos relacionados a religiosidade e espiritualidade dos idosos não foram considerados. Houve concordância de 1,0 na aplicação do teste de kappa, considerada perfeita, entre as escalas PCST e PPS e, desta forma, a escala PCST pode ser um excelente instrumento na avaliação de cuidados paliativos em idosos. Conclui-se que frente ao significativo nível de concordância entre as escalas, novos estudos com amostras maiores devem ser realizados utilizando essa escala PCST, visando ampliar a utilização da mesma e analisar se há necessidade de ajustes voltados à maior adequação na população brasileira.

Palavras-chave:
Geriatria; Cuidados Paliativos; Unidade de Terapia Intensiva

Abstract

The objective of the present study was to evaluate the use of the Palliative Care Screening Tool (PCST) for the recommendation of palliative care among older patients admitted to an Intensive Care Unit, as well as to evaluate the prevalence of basic diseases, religion and agreement between the results of the PCST and the Palliative Performance Scale (PPS). A cross-sectional, descriptive, analytical, retrospective, documental study with a quantitative approach was performed. Analysis of 594 medical records revealed that cardiovascular diseases accounted for 26.8% of hospitalizations among older adults, followed by neoplasia 20.2% and renal failure 16.8%, and that aspects related to the religiosity and spirituality of the older adults were not considered. There was agreement of 1.0 between the PCST and PPS scales, as measured by the Kappa test, a score considered to be perfect. The PCST can therefore be considered an excellent tool for the evaluation of palliative care among older adults. It can be concluded that, in view of the significant level of agreement between the scales, new studies using the PCST with larger samples should be performed, with the aim of extending the use of the tool, and to assess if there is a need for adjustments aimed at adapting it more closely to the Brazilian population.

Keywords:
Geriatrics; Palliative Care; Intensive Care Units

INTRODUÇÃO

A prática dos cuidados paliativos, apesar de ser relativamente recente, tem seu pilar em tratar o doente de modo integral, considerando a finitude da vida, respeitando as vontades do paciente, promovendo terapêutica que vise promover nos dias restantes do paciente com qualidade e dignidade.

O início da mudança da forma de tratamento do paciente, com o foco no doente e não na doença ocorreu na década de 1960 com o advento dos cuidados paliativos no Reino Unido11 Gomes Z, Othero B. Cuidados paliativos. Estud Av [Internet]. 2016 [acesso em 22 maio 2018];30(88):155-66. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142016000300155&lng=en&nrm=iso
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. Em 2002 a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu cuidados paliativos, dando ênfase na utilização e práticas de medidas visando aumentar a qualidade de vida de pacientes e seus familiares22 Wold Health Organization. Palliative Care. Cancer control: knowledge into action: WHO guide for effective programmes [Internet]. Geneva: WHO; 2007 [acesso em 25 maio 2018]. Disponível em: http://www.who.int/cancer/publications/cancer_control_palliative/en/
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. No Brasil, conforme estudo realizado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), em 2018, constatou-se um número reduzido de serviços de paliatividade nas instituições de saúde e distribuídos de forma desigual no território brasileiro33 Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Análise situacional e recomendações para estruturação de programas de cuidados paliativos no Brasil [Internet]. São Paulo: ANCP; 2018 [acesso em 11 mar. 2019]. Disponível em: https://paliativo.org.br/wp-content/uploads/2018/12/ANALISE-SITUACIONAL_ANCP-18122018.pdf
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.

As consequências desse diagnóstico situacional da paliatividade no Brasil são: pacientes com indicação de internação em unidades de terapia intensiva (UTI) sendo tratados em enfermarias, devido à falta de leitos disponíveis, contribuindo assim, para aumento da morbimortalidade44 Urizzi F, Tanita MT, Festti J, Cardoso LTQ, Matsuo T, Grion CMC. Caring for critically ill patients outside intensive care units due to full units: a cohort study. Clinics [Internet]. 2017 [acesso em 09 Jul. 2018];72(9):568-74. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-59322017000900568&lng=en&nrm=iso
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, utilização de tecnologias em pacientes que possuem comorbidades crônicas graves que não mudariam o desfecho e aumento do sofrimento físico e psicológico do paciente e familiares repercutindo na piora da qualidade de morte do indivíduo. Sobre isso, a revista The Economist é enfática quando avaliou, em 2015, a qualidade de morte em 80 países. O Brasil ficou no 42º lugar, depois do Chile (27º), Costa Rica (29º), Panamá (31º), Argentina (32º), Uruguai (39º), África do Sul (34º), Uganda (35º), Mongólia (28º) e Malásia (38º)55 Economist Inteligence Unit. The 2015 quality of death index: Ranking palliative care around the world [Internet]. London: EIU; 2015 [acesso em 01 fev. 2019]. Disponível em: https://eiuperspectives.economist.com/sites/default/files/2015%20EIU%20Quality%20of%20Death%20Index%20Oct%2029%20FINAL.pdf
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A população idosa é responsável pela maior parte das internações em UTI e maior beneficiária com a prática da paliatividade no mundo66 Wold Health Organization. Global atlas of Palliative Care at the end of life [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [acesso em 01 fev. 2019]. Disponível em: https://www.who.int/nmh/Global_Atlas_of_Palliative_Care.pdf
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. Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Características dos Moradores e Domicílios, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa aumentou 4,8 milhões no período entre 2012 e 2017, evidenciando assim a continuidade da tendência de envelhecimento da população brasileira77 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2018 [acesso em 04 abr. 2019].Disponível em: www.ibge.gov.br.

O Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde, publicado pela OMS em 2015, evidencia a necessidade de transformação dos sistemas de saúde baseada em formas curativas focadas na doença, para implantação de cuidados integrais centrados no idoso88 Pupim T. Cuidados paliativos em geriatria: concepção da equipe multiprofissional. Vitória [dissertação na Internet]: Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória; 2017 [acesso em 20 mar. 2019]. Disponível em: http://www.emescam.br/arquivos/pos/stricto/dissertacoes/131_CAROLINE_TESSINARI_PUPIM.pdf
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. Neste sentido, é evidente a necessidade de identificar idosos que se beneficiariam com cuidados paliativos. O Center to Advance Palliative Care (CAPC) desenvolveu a escala Palliative Care Screening Tool (PCST) para indicação de cuidados paliativos por meio dos seguintes critérios: doença de base, doenças associadas, condição funcional do paciente e condições pessoais do paciente, que ao final tem como resultado a necessidade ou não de cuidados paliativos99 Center to Advance Palliative Care. Crosswalk of JCAHO Standards and Palliative Care - Policies, procedures and assessment tools [Internet]. New York: JCAHO; 2007 [acesso em 22 maio 2018]. Disponível em: https://www.palliativedrugs.com/download/JCAHO-crosswalk.pdf
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,1010 Lucchetti G, Badan M, Ramos C, Faria C, Alessandra G, Sueli P, et al. Uso de uma escala de triagem para cuidados paliativos nos idosos de uma instituição de longa permanência. Geriatr Gerontol Aging [Internet]. 2018 [acesso em 23 maio 2018]. Disponível em: http://ggaging.com/details/299/pt-BR
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A escala Palliative Performance Scale (PPS) é muito utilizada na indicação de cuidados paliativos, permite estabelecer prognóstico e funcionalidade do doente1111 Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de cuidados paliativos [Internet]. Rio de Janeiro: ANCP; 2009 [acesso em 23 maio 2018]. Disponível em: http://www.santacasasp.org.br/upSrv01/up_publicacoes/8011/10577_Manual%20de%20Cuidados%20Paliativos.pdf>. Acesso em: 25 mai 2018. ISBN 978-85-89718-27-1
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,1212 Victoria Hospice Society. Palliative Performance Scale (PPSv2) [Internet]. Columbia: VHS; 2004 [acesso em 30 jul. 2018]. Disponível em: http://www.npcrc.org/files/news/palliative_performance_scale_PPSv2.pdf
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. Neste estudo, optou-se pela utilização da escala PCST por acreditar que ela seja mais abrangente e, portanto, pode avaliar com precisão os critérios de paliatividade, visando evitar que paciente com indicação de cuidados paliativos sofram com obstinação terapêutica, ocupe leitos de UTI desnecessariamente e tenha possibilidade de receber paliatividade, quando indicado.

O presente estudo tem como objetivo avaliar a utilização da escala PCST e sua concordância com a escala PPS, além de descrever as causas de internação em idosos, em cuidados paliativos, internados na Unidade de Terapia Intensiva

MÉTODOS

Estudo transversal, descritivo, analítico, retrospectivo, documental com abordagem quantitativa1313 Fontelles MJ, Simões MG, Farias SH, Fontelles RGS. Metodologia da pesquisa científica: diretrizes para a elaboração de um protocolo de pesquisa. Rev Para Med [Internet]. 2009 [acesso em 12 out. 2019];23(3):1-8. Disponível em: http://cienciasecognicao.org/redeneuro/wp-content/uploads/2019/06/DIRETRIZES-PARA-A-ELABORA%C3%87%C3%83O-DE-UM-PROTOCOLO-DE-PESQUISA.pdf
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. Os dados utilizados se caracterizam como primários e foram originários da inclusão de 100% dos prontuários de pacientes avaliados, que tinham idade acima de 60 anos, internados nas UTI de um Hospital Estadual no Espírito Santo, Brasil, no ano de 2017. Não foram aplicados critérios de exclusão. Trata-se de um hospital geral com 286 leitos ativos, sendo 40 leitos de terapia intensiva.

Em setembro de 2015 foi instituída, nesse hospital, uma Comissão Multidisciplinar para Cuidados Paliativos composta por duas médicas, uma psicóloga e uma assistente social, que são exclusivas para o serviço e, quando necessário, essa equipe conta também como apoio de capelão, dentista, fonoaudiólogo, nutricionista, dentre outros.

O protocolo para inclusão de pacientes, internados nas UTIs, para cuidados paliativos segue o seguinte fluxo: o médico plantonista da UTI, solicita parecer à comissão de cuidados paliativos baseado em critérios clínicos, e esta, utilizando a escala PPS1111 Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de cuidados paliativos [Internet]. Rio de Janeiro: ANCP; 2009 [acesso em 23 maio 2018]. Disponível em: http://www.santacasasp.org.br/upSrv01/up_publicacoes/8011/10577_Manual%20de%20Cuidados%20Paliativos.pdf>. Acesso em: 25 mai 2018. ISBN 978-85-89718-27-1
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, confirma ou não a indicação de cuidados paliativos. Quando o paciente tem indicação de paliatividade ele é transferido para enfermarias do hospital ou permanece na UTI em cuidados paliativos, quando o hospital não dispõe de vagas.

Foram utilizadas duas escalas como instrumentos de pesquisa. Uma é a escala PCST, Quadro 1 criada pelo Center Advance Palliative Care (2004/2007) por meio do documento de políticas de acordo com Joint Commission on Accreditation of Healthcare Instituitions (JCAHO)99 Center to Advance Palliative Care. Crosswalk of JCAHO Standards and Palliative Care - Policies, procedures and assessment tools [Internet]. New York: JCAHO; 2007 [acesso em 22 maio 2018]. Disponível em: https://www.palliativedrugs.com/download/JCAHO-crosswalk.pdf
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. A escala avalia quatro critérios: doença de base, doenças associadas, condição funcional do paciente e condições pessoais do paciente. Quando o score (somatório dos quatro critérios) é maior ou igual a quatro pontos, considera-se ter condições para cuidados paliativos.

Quadro 1
Escala Palliative Care Screening Tool (PCST)99 Center to Advance Palliative Care. Crosswalk of JCAHO Standards and Palliative Care - Policies, procedures and assessment tools [Internet]. New York: JCAHO; 2007 [acesso em 22 maio 2018]. Disponível em: https://www.palliativedrugs.com/download/JCAHO-crosswalk.pdf
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,1010 Lucchetti G, Badan M, Ramos C, Faria C, Alessandra G, Sueli P, et al. Uso de uma escala de triagem para cuidados paliativos nos idosos de uma instituição de longa permanência. Geriatr Gerontol Aging [Internet]. 2018 [acesso em 23 maio 2018]. Disponível em: http://ggaging.com/details/299/pt-BR
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. NY, USA, 2007.

A indicação ou não para cuidados paliativos segundo a escala PCST ocorre em função do somatório dos itens e se caracteriza da seguinte forma: até dois pontos sem indicação de cuidados paliativos; até três pontos o paciente deve ser mantido em observação clínica; igual ou maior do que quatro pontos considerarem indicação de cuidados paliativos.

O outro instrumento utilizado, a escala PPS (Quadro 2), permite estabelecer um prognóstico e avaliar a funcionalidade do doente. Essa escala analisa cinco parâmetros: mobilidade, atividade e evidências de doenças, autocuidado, ingestão e estado de consciência e atribui valores de 0% a 100%, sendo que 0% significa a morte, 100% que o doente não possui alteração funcional. A escala PPS avalia cuidados paliativos se o paciente apresenta escore menor do que 40%1111 Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de cuidados paliativos [Internet]. Rio de Janeiro: ANCP; 2009 [acesso em 23 maio 2018]. Disponível em: http://www.santacasasp.org.br/upSrv01/up_publicacoes/8011/10577_Manual%20de%20Cuidados%20Paliativos.pdf>. Acesso em: 25 mai 2018. ISBN 978-85-89718-27-1
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,1212 Victoria Hospice Society. Palliative Performance Scale (PPSv2) [Internet]. Columbia: VHS; 2004 [acesso em 30 jul. 2018]. Disponível em: http://www.npcrc.org/files/news/palliative_performance_scale_PPSv2.pdf
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Quadro 2
Escala Palliative Performance Scale (PPS)1111 Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de cuidados paliativos [Internet]. Rio de Janeiro: ANCP; 2009 [acesso em 23 maio 2018]. Disponível em: http://www.santacasasp.org.br/upSrv01/up_publicacoes/8011/10577_Manual%20de%20Cuidados%20Paliativos.pdf>. Acesso em: 25 mai 2018. ISBN 978-85-89718-27-1
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,1212 Victoria Hospice Society. Palliative Performance Scale (PPSv2) [Internet]. Columbia: VHS; 2004 [acesso em 30 jul. 2018]. Disponível em: http://www.npcrc.org/files/news/palliative_performance_scale_PPSv2.pdf
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. British Columbia, Canada, 2004.

As variáveis estudadas foram: 1) todos dos tópicos contidos na escala PCST, 2) somatório PCST durante a internação, 3) Solicitação de parecer para comissão de cuidados paliativos, 4) se o paciente foi colocado em cuidados paliativos, 5) religião, 6) Concordância entre as escalas PCST e PPS. As variáveis categóricas nominais foram organizadas por meio de frequência e percentuais e as numéricas, como média.

Foi utilizado o teste Kappa para verificar a concordância entre as escalas PCST e PPS, cujos valores de referência são: <0 Não existe Concordância, 0-0,20 Concordância Mínima, 0,21-0,40 Concordância Razoável, 0,41-0,60 Concordância Moderada, 0,61-0,80 Concordância Substancial e 0,81-1,0 Concordância Perfeita1414 Landis J, Koch G. The Measurement of Observer Agreement for Categorical Data. Biometrics [Internet]. 1977 [acesso em 10 jan. 2019];33:159-74. Disponível em: https://www.dentalage.co.uk/wpcontent/uploads/2014/09/landis_jr__koch_gg_1977_kappa_and_observer_agreement.pdf
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A análise foi realizada considerando um nível de significância de 5%, ou seja, valores de p menores do que 0,05 serão considerados significativos.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória pelo protocolo, CAAE: 92777518.2.0000.5065 e aprovada pelo Parecer No 7.793.152, seguindo impreterivelmente o disposto na Resolução do CNS 466/12 referentes ao pedido de dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Foram identificados 974 prontuários, que corresponde ao total de internações no ano de 2017, sendo 11 excluídos por ausência de dados e 369 por serem de pacientes com idade inferior a 60 anos. Desta forma, a amostra final foi de 594 (61,6%) prontuários. Destes, 44,5% eram de pacientes do sexo masculino e 55,5% do sexo feminino, com média idade de 75,2 anos.

Para evidenciar a prevalências das doenças de base nos idosos internados na UTI do Hospital, cenário do estudo, foi construída a Tabela 1. Dos 594 prontuários de pacientes, identificou-se que 268 (45,1%) foram internados em decorrência de descompensação das doenças de base, conforme critério número 1 da escala PCST e 326 (55,9%) foram internados por razões não associadas às doenças de base.

Tabela 1
Doenças de base das internações nas unidades de terapia intensiva do Hospital Estadual do Espírito Santo, Brasil, no ano de 2017 (N= 268).

Observa-se que as doenças cardiovasculares corresponderam a 26,8% (sequela de acidente vascular encefálico e insuficiência cardíaca congestiva), das internações, seguida de neoplasias 20,1% e insuficiência renal 16,8%.

No ano de 2017, 74 pacientes foram colocados em cuidados paliativos avaliados pela comissão do hospital em estudo, utilizando e escala PPS. Para evidenciar a abrangência da escala PCST, esta foi aplicada nos 594 prontuários de pacientes internados nas UTIs, além de realizar o cálculo do coeficiente de concordância kappa, entre as escalas PCST e PPS (Tabela 2). Com isto, foram identificados 218 prontuários de pacientes com score maior ou igual a quatro, como se observa na Tabela 3.

Tabela 2
Coeficiente de concordância Kappa entre as escalas PCST e PPS, aos idosos avaliados pela comissão de cuidados paliativos (N=75), internados nas unidades de terapia intensiva do Hospital Estadual do Espírito Santo, Brasil, 2017.

Ao se analisar a religião dos idosos avaliados neste estudo, que foram efetivamente colocados em cuidados paliativos, observou-se predominância da religião católica (32,4%), seguidos de evangélicos (11,9%), ateus (2,7%), sem informação (50%).

DISCUSSÃO

A Resolução nº. 41/2018 instituída pelo Ministério da Saúde foi um marco para a prática dos cuidados paliativos em âmbito nacional uma vez que regulamentou essa prática enquanto política de saúde. Tal resolução estabelece que toda pessoa afetada por uma doença que ameace a vida, seja aguda ou crônica, será ofertado cuidados paliativos a partir do diagnóstico dessa condição1515 Brasil. Resolução nº 41, de 31 de outubro de 2018. Dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 23 nov. 2018. Seção 1:276. Disponível em: http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/51520746/do1-2018-11-23-resolucao-n-41-de-31-de-outubro-de-2018-51520710
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Entretanto o diagnóstico precoce e correto tem sido um grande desafio nas instituições de saúde, devido a uma série de barreiras institucionais, como ausência de leitos suficientes para pacientes paliativos, número inadequado de comissões de cuidados paliativos, não uniformidade de capacitação de profissionais de saúde sobre a paliatividade e poucos programas de cuidados paliativos nas instituições de saúde1616 Sarradon-Eck A, Besle S, Troian J, Capodano G, Mancini J. Understanding the barriers to introducing early palliative care for patients with advanced cancer: a qualitative study. J Palliat Med [Internet]. 2018 [acesso em 04 fev. 2019]. Disponível em: https://www.liebertpub.com/doi/abs/10.1089/jpm.2018.0338?rfr_dat=cr_pub%3Dpubmed&url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori%3Arid%3Acrossref.org&journalCode=jpm
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A análise situacional e recomendações para estruturação de programas de cuidados paliativos no Brasil pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) em 2018 constatou 177 serviços de Cuidado Paliativo no país, destes, 50% estão concentrados na região sudeste e apenas 13 equipes em toda a região norte-nordeste33 Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Análise situacional e recomendações para estruturação de programas de cuidados paliativos no Brasil [Internet]. São Paulo: ANCP; 2018 [acesso em 11 mar. 2019]. Disponível em: https://paliativo.org.br/wp-content/uploads/2018/12/ANALISE-SITUACIONAL_ANCP-18122018.pdf
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, demonstrando a grande desigualdade de disponibilidade de oferta de cuidados paliativos no sistema de saúde brasileiro.

No Brasil, os idosos são responsáveis por 52% das internações em UTI, dos serviços públicos, e gastam 60% das diárias e recursos financeiros disponíveis para esse setor1717 Bonfada D, Santos M, Lima K, Garcia-Altés A. Análise de sobrevida de idosos internados em Unidades de Terapia Intensiva. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2017 [acesso em 12 fev. 2019];20(2):198-206. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v20n2/pt_1809-9823-rbgg-20-02-00197.pdf
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. Nesta pesquisa foi encontrado um valor superior, que corrobora a importância dessa população no que diz respeito a ocupação de leitos de UTI e necessidade de se avaliar se todos os internados, realmente se beneficiariam da utilização de todo arsenal tecnológico e estrutural desses ambientes ou se possuem doenças crônicas graves que do ponto de vista paliativista, poderia ter melhora da qualidade de vida e, em sua maioria fora do ambiente de unidade de terapia intensiva.

Conforme dados do atlas global de cuidados paliativos, em todo o mundo, estima-se que mais de 20 milhões de pessoas, a cada ano, necessitam de cuidados paliativos no final da vida77 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2018 [acesso em 04 abr. 2019].Disponível em: www.ibge.gov.br. A maioria (69%) é composta por idoso e com discreta predominância do sexo masculino 52%66 Wold Health Organization. Global atlas of Palliative Care at the end of life [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [acesso em 01 fev. 2019]. Disponível em: https://www.who.int/nmh/Global_Atlas_of_Palliative_Care.pdf
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, nos dados encontrados nesta pesquisa houve predominância do sexo feminino, diferentemente ao encontrado no atlas global.

A comorbidade que levou ao maior número de internação de idosos nas UTIs estudadas foi doenças cardiovasculares 26,8%, seguida de neoplasias 20,2%, esses dados são semelhantes aos encontrados no pela Organização Mundial de Saúde no do atlas global de cuidados paliativos de 201466 Wold Health Organization. Global atlas of Palliative Care at the end of life [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [acesso em 01 fev. 2019]. Disponível em: https://www.who.int/nmh/Global_Atlas_of_Palliative_Care.pdf
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Conforme a tabela 3 dos 218 prontuários de pacientes com score maior ou igual 4, segundo escala PCST, verificou-se que foram feitas somente 102 solicitações. Isso implica dizer que foram efetivamente solicitados 47% dos pareceres que poderiam se beneficiar com a prática da paliatividade. Assim deduz-se que 115 pacientes que tinham indicação de serem avaliados pela equipe de paliatividade, não tiveram essa oportunidade. Vale ressaltar que tal fato também evidencia a alta sensibilidade da escala e reforça o entendimento sobre a possibilidade de utilizá-la como avaliação de cuidados paliativos1010 Lucchetti G, Badan M, Ramos C, Faria C, Alessandra G, Sueli P, et al. Uso de uma escala de triagem para cuidados paliativos nos idosos de uma instituição de longa permanência. Geriatr Gerontol Aging [Internet]. 2018 [acesso em 23 maio 2018]. Disponível em: http://ggaging.com/details/299/pt-BR
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, apesar disso, não se pode descartar que a alta sensibilidade observada possa superestimar o número de pacientes indicados para cuidados paliativos.

Tabela 3
Aplicação da escala PCST e solicitação/respostas dos pareceres solicitados pela equipe médica, aos idosos internados nas unidades de terapia intensiva do Hospital Estadual do Espírito Santo, Brasil, no ano de 2017 (N=218).

Ainda referente a tabela 2, foi realizado o cálculo do coeficiente de concordância de Kappa nos pacientes que foram aplicados, as escalas PCST e PPS (75 prontuários) como se observa o valor encontrado, entre as escalas foi de 1,00, considerado concordância perfeita1414 Landis J, Koch G. The Measurement of Observer Agreement for Categorical Data. Biometrics [Internet]. 1977 [acesso em 10 jan. 2019];33:159-74. Disponível em: https://www.dentalage.co.uk/wpcontent/uploads/2014/09/landis_jr__koch_gg_1977_kappa_and_observer_agreement.pdf
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, reforçando a sua utilização como instrumento de avaliação de identificação de cuidados paliativos, pois a PPS permite estabelecer prognóstico e avaliar a funcionalidade do doente e a PCST avalia quatro critérios: doença de base, doenças associadas, condição funcional do paciente e condições pessoais do paciente, assim se analisa de forma mais abrangente os indivíduos, com maior possibilidade de identificar pacientes que se beneficiarão com cuidados paliativos99 Center to Advance Palliative Care. Crosswalk of JCAHO Standards and Palliative Care - Policies, procedures and assessment tools [Internet]. New York: JCAHO; 2007 [acesso em 22 maio 2018]. Disponível em: https://www.palliativedrugs.com/download/JCAHO-crosswalk.pdf
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10 Lucchetti G, Badan M, Ramos C, Faria C, Alessandra G, Sueli P, et al. Uso de uma escala de triagem para cuidados paliativos nos idosos de uma instituição de longa permanência. Geriatr Gerontol Aging [Internet]. 2018 [acesso em 23 maio 2018]. Disponível em: http://ggaging.com/details/299/pt-BR
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11 Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de cuidados paliativos [Internet]. Rio de Janeiro: ANCP; 2009 [acesso em 23 maio 2018]. Disponível em: http://www.santacasasp.org.br/upSrv01/up_publicacoes/8011/10577_Manual%20de%20Cuidados%20Paliativos.pdf>. Acesso em: 25 mai 2018. ISBN 978-85-89718-27-1
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-1212 Victoria Hospice Society. Palliative Performance Scale (PPSv2) [Internet]. Columbia: VHS; 2004 [acesso em 30 jul. 2018]. Disponível em: http://www.npcrc.org/files/news/palliative_performance_scale_PPSv2.pdf
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Esses resultados também demonstram provável falha na identificação dos possíveis pacientes paliativos, propiciando a ocupação de leitos importantes de UTI que poderiam ter sido desocupados caso a equipe de paliatividade identificasse a indicação de tratar pacientes em enfermarias ou em domicílio. Outra questão importante de ser pensada refere-se ao aumento dos gastos com procedimentos e tecnologias desnecessárias provocando aumento do sofrimento físico e psicológico do doente e família por meio de terapêutica que aumenta o número de dias sem modificar o desfecho do quadro1818 Coelho CBT, Yankaskas JR. Novos conceitos em cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Intensiva [Internet]. 2017 [acesso em 12 fev. 2019];29(2):222-30. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103507X2017000200222&lng=en
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Mesmo não sendo objeto do presente estudo, mas pensando na integralidade da assistência que deve também valorizar aspectos subjetivos, foi verificado que os aspectos relacionados a religiosidade e espiritualidade dos pacientes não foram considerados. A percepção do médico sobre religiosidade/espiritualidade, bem como capacitação da equipe em cuidados espirituais multidisciplinares pode contribuir para a qualidade dos cuidados de final de vida em idosos1919 Gijsberts MHE, Van der Steen JT, Hertogh CMPM, Deliens L. Spiritual care provided by nursing home physicians: a nationwide survey. BMJ Support Palliat Care [Internet]. 2019 [acesso em 04 fev. 2019]. Disponível em: https://spcare.bmj.com/content/early/2019/04/04/bmjspcare-2018-001756.long
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Além disso, a espiritualidade é um fator importante aos pacientes portadores de doenças graves com indicação de paliatividade, pois significa fonte de conforto, força, fé, além de fonte de enfrentamento e guia de conduta para a vida2020 Silva DIS, Silveira DT. Cuidados paliativos: desafio para a gestão e políticas em saúde. Rev Eletrônica Gest Saúde [Internet]. 2015 [acesso em 05 set. 2018];06(1):501-13. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/131418/000980055.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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O Brasil é um país com predominância da religião cristã e com o maior número de católicos no mundo, dados que coincidem com a pesquisa em questão. Segundo dados do censo 2010 do IBGE, no país, 64,6% da população praticam a religião católica seguidos de 22,2% evangélicos, 8% ateus e 2% da população são adeptos do espiritismo2121 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010. Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 [acesso em 12 fev. 2019]. Disponível em: www.ibge.gov.br. Chama a atenção o fato de que em 50% dos prontuários não foram constatados registros sobre a religião dos pacientes. Esse dado demonstra a necessidade de se atentar e registrar em função da valorização dos aspectos espirituais sobre a saúde dos indivíduos.

Esta pesquisa contribui para ampliação de conhecimento científico entre os profissionais de saúde, bem como para a melhoria do processo de gestão tanto dos leitos de UTI, bem como para o serviço de cuidados paliativos. Uma das limitações do estudo se deu em função do número reduzido de prontuários, para a realização de um estudo comparativo entre as escalas por métodos estatísticos, utilizados em estudo de comparação. Desta forma, novos estudos com amostragem ampliada, devem ser realizados para confirmação ou não dos resultados identificados neste estudo.

CONCLUSÃO

O estudo indicou a existência de concordância perfeita entre as escalas PCST e PPS, portanto a utilização da PCST, por sua alta sensibilidade é um importante instrumento na identificação de pacientes para cuidados paliativos. Ressaltamos que 143 com comprovável indicação de cuidados paliativos nem se quer foram avaliados pela comissão de paliatividade indicando a necessidade de uma melhor adequação do serviço no hospital em estudo. O câncer, sequelas de acidente vascular encefálico, insuficiência renal, demência, doença pulmonar obstrutiva crônica, cirrose e insuficiência cardíaca congestiva, foram as causas mais frequentes de paliatividade. Apesar do reconhecido papel da espiritualidade nos cuidados paliativos, em metade dos casos não houve registro da religião do avaliado.

REFERENCES

  • Não houve financiamento na execução deste trabalho.

Editado por

Editado por:

Tamires Carneiro Oliveira Mendes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2019
  • Aceito
    28 Nov 2019
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