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Prevalência da síndrome hepatopulmonar em candidatos a transplante hepático

Prevalence of hepatopulmonary syndrome in liver transplant candidates

Resumos

Racional - A síndrome hepatopulmonar caracteriza-se pela presença de hipoxemia arterial resultante de dilatações vasculares intra-pulmonares em portadores de doença hepática crônica e/ou hipertensão portal. A síndrome, que resulta em hipoxemia arterial por vezes grave, pode alcançar completa resolução após o transplante hepático. Objetivo - Determinar a prevalência da síndrome hepatopulmonar em portadores de cirrose hepática, candidatos a transplante de fígado no Serviço de Transplante Hepático do Hospital de Clinicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR. Pacientes e Métodos - Cinqüenta e quatro pacientes adultos (idade > ou = 18 anos) com cirrose hepática avançada foram submetidos a análise dos gases arteriais em ar ambiente na posição sentada. Os pacientes com hipoxemia arterial (PaO2 < 70 mm Hg) foram avaliados com ecocardiografia com microbolhas e estudo da função pulmonar. Resultados - Sete dos 54 pacientes (12,9%) apresentaram hipoxemia arterial em ar ambiente, embora apenas um deles referisse dispnéia aos esforços. Os sete pacientes apresentavam disfunção hepática variável de acordo com a classificação de Child (A = 1, B = 4, C = 2). Em todos os sete pacientes a ecocardiografia com microbolhas foi positiva, caracterizando a presença de síndrome hepatopulmonar. O estudo da função pulmonar não revelou anormalidades nos sete pacientes hipoxêmicos. Conclusão - A prevalência da síndrome hepatopulmonar em candidatos a transplante hepático é elevada. Essa síndrome nem sempre se acompanha de sintomas respiratórios, devendo ser rastreada rotineiramente no processo de seleção dos candidatos a transplante hepático.

Síndrome hepatopulmonar; Transplante de fígado; Cirrose hepática


Background - Hepatopulmonary syndrome is an important clinical problem associated with chronic liver disease. Liver transplantation can result in complete resolution of the arterial hypoxemia associated with this syndrome, even in its most severe presentation. Aim - To determine the prevalence of hepatopulmonary syndrome in adult liver transplant candidates. Patients and Methods - Fifty-four consecutives adult patients ( > or = 18 years) with severe liver disease waiting for liver transplant were screenned for arterial hypoxemia (PaO2 <70 mm Hg) while they were seated, at rest, and breathing room air. Patients with arterial hypoxemia underwent contrast-enhanced two-dimensional echocardiography and pulmonary function testing. Hypoxemia (PaO2 <70 mm Hg) was present in 7 of 54 patients (12,9%), although only 1 of them complained of dyspnea. The Child's classification of the patients were: A = 1, B = 4, and C = 1. All seven hypoxemic patients had positive contrast-enhanced two-dimensional echocardiography, consistent with hepatopulmonary syndrome. Conclusion - The prevalence of hepatopulmonary syndrome in adult liver transplant candidates is elevated. The screenning for hepatopulmonay syndrome should be part of the routine evaluation of liver transplant candidates even in the absence of pulmonary symptoms.

Hepatopulmonary syndrome; Liver transplantation; Liver cirrhosis


ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

PREVALÊNCIA DA SÍNDROME HEPATOPULMONAR EM CANDIDATOS A TRANSPLANTE HEPÁTICO

Mônica Beatriz PAROLIN1 1 Serviço de Transplante Hepático 2 Serviço de Radiologia e 3 Laboratório de Provas de Função Pulmonar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR. , Júlio Cézar Uili COELHO1 1 Serviço de Transplante Hepático 2 Serviço de Radiologia e 3 Laboratório de Provas de Função Pulmonar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR. , Vanessa PUCCINELLI1 1 Serviço de Transplante Hepático 2 Serviço de Radiologia e 3 Laboratório de Provas de Função Pulmonar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR. , Gustavo J. SCHULZ1 1 Serviço de Transplante Hepático 2 Serviço de Radiologia e 3 Laboratório de Provas de Função Pulmonar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR. , Admar Moraes de SOUZA2 1 Serviço de Transplante Hepático 2 Serviço de Radiologia e 3 Laboratório de Provas de Função Pulmonar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR. e João Adriano de BARROS3 1 Serviço de Transplante Hepático 2 Serviço de Radiologia e 3 Laboratório de Provas de Função Pulmonar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR.

RESUMO –Racional – A síndrome hepatopulmonar caracteriza-se pela presença de hipoxemia arterial resultante de dilatações vasculares intra-pulmonares em portadores de doença hepática crônica e/ou hipertensão portal. A síndrome, que resulta em hipoxemia arterial por vezes grave, pode alcançar completa resolução após o transplante hepático. Objetivo - Determinar a prevalência da síndrome hepatopulmonar em portadores de cirrose hepática, candidatos a transplante de fígado no Serviço de Transplante Hepático do Hospital de Clinicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR. Pacientes e Métodos - Cinqüenta e quatro pacientes adultos (idade ³ 18 anos) com cirrose hepática avançada foram submetidos a análise dos gases arteriais em ar ambiente na posição sentada. Os pacientes com hipoxemia arterial (PaO2 < 70 mm Hg) foram avaliados com ecocardiografia com microbolhas e estudo da função pulmonar. Resultados - Sete dos 54 pacientes (12,9%) apresentaram hipoxemia arterial em ar ambiente, embora apenas um deles referisse dispnéia aos esforços. Os sete pacientes apresentavam disfunção hepática variável de acordo com a classificação de Child (A = 1, B = 4, C = 2). Em todos os sete pacientes a ecocardiografia com microbolhas foi positiva, caracterizando a presença de síndrome hepatopulmonar. O estudo da função pulmonar não revelou anormalidades nos sete pacientes hipoxêmicos. Conclusão - A prevalência da síndrome hepatopulmonar em candidatos a transplante hepático é elevada. Essa síndrome nem sempre se acompanha de sintomas respiratórios, devendo ser rastreada rotineiramente no processo de seleção dos candidatos a transplante hepático.

DESCRITORES – Síndrome hepatopulmonar. Transplante de fígado. Cirrose hepática.

INTRODUÇÃO

Alterações hemodinâmicas importantes ocorrem na circulação pulmonar em pacientes com cirrose, hipertensão portal ou falência hepática aguda. Duas síndromes que afetam a vasculatura pulmonar são reconhecidas na presença da disfunção hepática: a síndrome hepatopulmonar e a hipertensão portopulmonar. A síndrome hepatopulmonar (SHP), com prevalência estimada de 13% a 18%, caracteriza-se pela presença de hipoxemia arterial (PaO2 <70 mm Hg) secundária a dilatações vasculares intra-pulmonares que podem ocorrer em portadores de doença hepática aguda e crônica(2, 9, 10, 11, 16). A SHP afeta mais comumente hepatopatas crônicos com cirrose, embora possa ser encontrada na presença de hipertensão portal não-cirrótica(2).

A conseqüência das dilatações vasculares intra-pulmonares observadas na SHP é a impossibilidade das moléculas de O2 presentes no ar inspirado, se difundirem até a porção central dos vasos dilatados, provendo oxigenação adequada. Como resultado, estabelece-se derivação intra-pulmonar da direita para a esquerda, de natureza funcional, que freqüentemente melhora com a suplementação de O2 a 100%. Presumivelmente, o grau de dilatação dos vasos pulmonares determina a gravidade das anormalidades nos gases arteriais. A presença de dilatações vasculares intra-pulmonares pode ser inferida pelo contraste tardio (após três ciclos cardíacos) das câmaras esquerdas observado na ecocardiografia com microbolhas ou pela captação extra-pulmonar anormal (>5%) de macroagregados de albumina marcada com tecnécio após cintilografia pulmonar(3, 14).No entanto, parece não existir um padrão ouro para a documentação dessas dilatações vasculares intra-pulmonares, pois mesmo a angiografia pulmonar pode não mostrar dilatações capilares microscópicas associadas à hipoxemia de relevância clínica(14).

A ecocardiografia com microbolhas tem sido empregada com freqüência na investigação de dilatações vasculares intra-pulmonares e baseia-se na observação que microbolhas podem passar pelos vasos pulmonares dilatados (>8 mm de diâmetro), sendo detectadas tardiamente nas câmaras cardíacas esquerdas, após três ciclos cardíacos(1, 7, 8, 10, 11) Embora resultados positivos da ecocardiografia com microbolhas não sejam incomuns em cirróticos candidatos a transplante hepático (13% a 47% ), apenas 5% a 17% desses pacientes apresentam anormalidades significativas nas trocas gasosas (PaO2 <70 mm Hg), preenchendo, portanto, os critérios diagnósticos para SHP(1, 14). A resolução da SHP após o transplante hepático fez com que esta evoluísse de uma contra-indicação absoluta para indicação de transplante hepático em casos selecionados(2, 4, 6, 9, 12, 16).

O objetivo do presente estudo é determinar a prevalência da SHP em pacientes com doença hepática avançada, candidatos a transplante hepático no Serviço de Transplante Hepático do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (STH-HC-UFPR), Curitiba, PR.

MATERIAL E MÉTODOS

No período de maio a agosto de 2000, 54 pacientes adultos (idade >18 anos), portadores de doença hepática avançada, encaminhados para transplante hepático no STH-HC-UFPR, foram investigados consecutivamente para a presença de SHP. Como parte do protocolo do Serviço para avaliação dos potenciais candidatos a transplante, os 54 pacientes foram submetidos a coleta de 5 mL de sangue arterial (artéria radial) em ar ambiente, em repouso, na posição sentada para estudo dos gases arteriais. Os portadores de hipoxemia (PaO2 <70 mm Hg) foram submetidos a radiografia de tórax, análise da função pulmonar e ecocardiografia com microbolhas. A SHP foi definida pelo achado de hipoxemia arterial em ar ambiente (PaO2 <70 mm Hg) e dilatação vascular intra-pulmonar, detectada por ecocardiografia com contraste tardio das câmaras cardíacas esquerdas (após três ciclos cardíacos).

Os prontuários médicos foram revisados para a determinação da etiologia da doença hepática e o grau de disfunção hepática, segundo a classificação de Child-Pugh modificada(15).A análise da função pulmonar foi realizada no Laboratório de Função Pulmonar do HC-UFPR e incluiu prova ventilatória completa (espirometria com teste broncodilatador e determinação dos volumes pulmonares). A avaliação da derivação intra-pulmonar foi feita mediante estudo com ecocardiografia transtorácica com Dopplercolorido, nos cortes convencionais e usando o corte apical das quatro câmaras. O estudo ecocardiográfico foi complementado com a administração "in bolus" de D-galactose e ácido palmítico (Levovist®, Schering do Brasil, Química e Farmacêutica Ltda.).

A detecção tardia de microbolhas (>3 ciclos cardíacos) nas câmaras cardíacas esquerdas foi considerada positiva para a presença de derivação intra-pulmonar.

Os resultados obtidos foram expressos em média e desvio padrão (variáveis contínuas) ou percentagens.

RESULTADOS

Cinquenta e quatro portadores de doença hepática crônica, candidatos a transplante de fígado, foram investigados para a presença de SHP. O grupo consistiu de 36 homens e 18 mulheres, com idade média de 46,19 anos, variando de 19 a 66 anos. As principais características do grupo estudado estão descritas na Tabela 1. A principal indicação para transplante hepático foi a cirrose pelo vírus da hepatite C (n = 18), havendo associação com hepatocarcinoma em três casos e com alcoolismo crônico em dois. Sob o ponto de vista de disfunção hepática, 51 pacientes (94,44%) apresentavam comprometimento moderado a severo da função hepática (Child B ou C). Os candidatos a transplante classificados como Child A foram três: uma mulher de 48 anos acometida de cirrose biliar primária com prurido crônico e muita fadiga, um homem de 48 anos com cirrose pelo vírus da hepatite C (VHC), complicada com hepatocarcinoma e um homem de 66 anos com cirrose hepática pelo vírus da hepatite B e com antecedentes de peritonite bacteriana espontânea.

Sete dos 54 pacientes avaliados (12,96%) apresentaram níveis de PaO2 inferior a 70 mm Hg, sendo confirmada em todos os casos a opacificação tardia das câmaras cardíacas esquerdas pelas microbolhas na ecocardiografia. Na Tabela 2 estão descritas as características clínicas e de exames complementares dos sete casos de SHP. A média do PaO2 em ar ambiente nos portadores de SHP foi de 59,42 mm Hg, variando de 48 a 68 mm Hg. Dois dos sete pacientes apresentavam antecedentes de tabagismo no passado; a radiografia dos campos pleuropulmonares e as provas de função pulmonar apresentaram-se dentro dos padrões de normalidade em todos os casos. Clinicamente, apenas um dos pacientes com SHP (caso 2) referia dispnéia aos esforços, que vinha progressivamente se intensificando e prejudicando atividades corriqueiras, como o banho diário.

DISCUSSÃO

Anormalidades na oxigenação arterial são comuns em pacientes com doença hepática crônica, sendo encontradas em 45% a 69% dos candidatos a transplante de fígado. Hipoxemia intensa, entretanto, é incomum e associa-se, geralmente, à presença de SHP(10). No presente estudo detectou-se a SHP em 13% dos candidatos a transplante hepático acompanhados no STH-HC-UFPR, em concordância com dados publicados por outros pesquisadores que descreveram prevalência de 13% a 18%(2, 16). A SHP caracteriza-se por dilatações vasculares pulmonares, predominantemente nos campos médios e inferiores, que se instalam em pacientes com doença hepática associada à hipertensão portal (cirrótica e não-cirrótica)(14). Tal localização justifica a exacerbação da hipoxemia quando os pacientes assumem a posição ortostática. As dilatações vasculares são essencialmente de dois tipos: a) dilatações pré-capilares e capilares distribuídas difusamente (tipo I) e b) comunicações arteriovenosas diretas (tipo II)(11). Estudos angiográficos demonstram que as anormalidades difusas representam o padrão dominante, enquanto as grandes comunicações arteriovenosas são incomuns. As alterações vasculares tipo I e tipo II podem coexistir no mesmo paciente, como demonstrado no clássico estudo de Rydell e Hoffbauer, referido por SCOTT et al.(17).

No presente estudo empregou-se a ecocardiografia bidimensional transtorácica com microbolhas para se demonstrar a presença de dilatações vasculares intra-pulmonares, método não-invasivo que vem sendo utilizado para essa finalidade desde a década de 80(2, 10). A ecocardiografia com microbolhas também permite a diferenciação entre derivações intracardíaco e intrapulmonar, além de fornecer informações a respeito da função ventricular e valvular(2). A prevalência de testes positivos em cirróticos candidatos a transplante hepático varia de 5% a 47%(2, 6), embora nem sempre a presença de teste positivo seja acompanhada de hipoxemia. Presumivelmente, a ecocardiografia contrastada positiva mas com gases arteriais normais reflete grau ainda insuficiente de vasodilatação pulmonar para alterar as trocas gasosas. Embora a ecocardiografia com microbolhas positiva seja bom indicador da presença de dilatações vasculares intra-pulmonares, não é específica para a presença de SHP, visto que a definição atual da síndrome inclui a presença de hipoxemia. Como o objetivo primário deste trabalho foi identificar pacientes com SHP, apenas os cirróticos com hipoxemia arterial (PaO2 <70 mm Hg) foram submetidos a avaliação com ecocardiografia contrastada com microbolhas. Pelos dados encontrados na literatura médica, pressume-se que a real prevalência de dilatações vasculares intra-pulmonares na população estudada foi subestimada.

Recentemente, ABRAMS et al.(1) compararam a utilidade da ecocardiografia com microbolhas e da cintilografia pulmonar na identificação de dilatações vasculares intrapulmonares e no diagnóstico da SHP em 40 adultos com cirrose hepática. Quinze dos 40 cirróticos (38%) apresentaram resultados positivos na ecocardiografia com microbolhas, embora apenas 7 desses 15 pacientes (17,5%) apresentassem anormalidades nos gases arteriais (6 hipoxêmicos e 1 normoxêmico, mas com gradiente alvéolo-arterial elevado). A cintilogradia de perfusão pulmonar apresentou resultados positivos em apenas três dos sete pacientes hipoxêmicos e com ecocardiografia com microbolhas positiva. Os nove pacientes com dilatação vascular intra-pulmonar identificada pela ecografia com microbolhas e gases arteriais normal, não apresentaram alteração nos resultados da cintilografia pulmonar. Os autores consideram a ecocardiografia com microbolhas como o teste não-invasivo mais apropriado para o rastreamento de dilatações vasculares intra-pulmonares pois é capaz de identificar um sub-grupo de pacientes com alterações vasculares que escapa à detecção pela cintilografia de perfusão pulmonar. É possível que o maior diâmetro dos macroagregados de albumina marcado com tecnécio (>20 mm), impeça a identificação de pacientes com graus menores de dilatação vascular intra-pulmonar, nos quais é possível a passagem das microbolhas (diâmetro >10 mm).

Os mecanismos fisiopatológicos implicados nas alterações vasculares pulmonares observados na SHP permanecem especulativos(14). O leito vascular pulmonar é banhado pelo sangue venoso proveniente do fígado e sistema porta. Os efeitos dos constituintes desse fluxo venoso sobre o sistema pulmonar arterial e capilar parecem ser sutis em condições fisiológicas. Entretanto, doenças hepáticas causando hipertensão portal (cirrótica ou não-cirrótica) podem resultar em estado circulatório hiperdinâmico de alto fluxo e no desequilíbrio entre vasoconstritotores, vasodilatadores e outros mediadores metabolizados ou sintetizados pelo fígado. A especulação que efluentes das veias hepáticas (mais do que simplesmente a existência de hipertensão portal) são a chave para identificar mediadores vasculares, tem despertado interesse crescente pela grande semelhança e reversibilidade das alterações pulmonares que ocorrem em até 25% das crianças submetidas a correção de atresia tricúspide. Os achados angiográficos característicos da SHP são indistinguíveis das imagens obtidas meses após a criação de comunicação cirúrgica cavopulmonar para melhorar o fluxo sangüíneo pulmonar(5, 18). Curiosamente, a inclusão cirúrgica do fluxo das veias hepáticas no circuito vascular, permitindo que efluentes hepáticos banhem o leito arterial pulmonar, resultou em resolução completa da hipoxemia e anormalidades à angiografia pulmonar(5, 18). A importância dos efluentes hepáticos para a manutenção da homeostasia do leito vascular pulmonar explicaria porque pacientes com hipertensão portal e derivações portossistêmicas, ainda que associada à cirrose, podem desenvolver SHP(2). De fato, a SHP tem sido documentada em pacientes com hiperplasia nodular regenerativa, síndrome de Budd-Chiari, trombose de veia porta e fibrose hepática congênita, bem como na presença de derivação portossistêmica cirúrgica (derivação porto-cava e esplenorrenal)(10). Nesse aspecto, vale mencionar que não existe na literatura indexada, estudos a respeito da prevalência de SHP em portadores de hipertensão portal de origem esquistossomótica. Pesquisas nessa área são necessárias pois a esquistossomose ainda é importante causa de doença hepática em nosso meio. Além disso, seria interessante verificar a contribuição da SHP nas formas cianóticas da esquistossomose bem como se a coexistência de SHP afeta a história natural da doença, particularmente na presença de complicações pulmonares associadas à esquistossomose.

O sintoma mais comum referido pelos portadores de SHP é a dispnéia, que pode se agravar aos esforços ou quando o paciente assume a posição ortostática (platipnéia). Apenas um dos sete portadores de SHP identificados no presente estudo referia dispnéia, que vinha se intensificando nas últimas semanas e limitando a realização de atividades cotidianas. Além da cianose de extremidades e baqueatamento digital, outro sinal característico na SHP é a presença de numerosas aranhas vasculares(2, 10). Em um dos pacientes desta série com SHP, a distribuição maciça de aranhas vasculares em face, tronco e membros superiores foi o que motivou a investigação médica que culminou com o diagnóstico da hepatopatia crônica.

A população avaliada no presente estudo compreendia indivíduos em sua maioria portadores de doença hepática avançada, pois 51 dos 54 pacientes (94,44%) eram Child B ou C, o que justifica o predomínio de pacientes com considerável disfunção hepática com SHP. Entretanto, um dos pacientes com SHP era indivíduo com cirrose pelo VHC, complicada com hepatocarcinoma e que apresentava boa reserva funcional hepática. Tal observação é condizente com estudos prévios que demonstraram não haver correlação entre a gravidade da disfunção hepática e a presença de SHP, que pode afetar portadores de hipertensão portal não-cirrótica, que cursam com função hepática preservada(2, 10).

No processo de avaliação de candidatos a transplante hepático que apresentam PaO2 <70 mm Hg, o estudo radiológico dos campos pleuropulmonares e a realização de provas de função pulmonar são etapas importantes para a identificação de causas potencialmente reversíveis de hipoxemia. Aproximadamente 50% dos pacientes cirróticos têm anormalidades restritivas leves, comumente devido à ascite ou derrame pleural(2). No grupo estudado não foram encontradas anormalidades que justificassem a presença de hipoxemia além da SHP. Quando coexistem SHP e doença pulmonar restritiva ou obstrutiva, o uso de cintilografia pulmonar com macroagregados de albumina marcada com tecnécio é particularmente útil, pois a quantificação da fração que é captada fora do pulmão (captação cerebral) pode estimar o grau de contribuição da SHP para a hipoxemia apresentada pelo paciente(3).

O transplante hepático pode levar à resolução completa da SHP em 62% a 82% dos casos(2, 4, 6, 9, 12, 16). Baseados nesses dados, muitos centros já consideram a hipoxemia progressiva razão para se indicar transplante hepático em crianças e adultos. Dados recentes documentam que a resolução da SHP pode ocorrer, mesmo nas suas formas mais graves, desde que o paciente receba suplementação de oxigênio durante período variável do pós-operatório. Acredita-se que o intervalo decorrido até a normalização dos gases arteriais no pós-operatório possa refletir o tempo necessário para remodelagem da vasculatura pulmonar.

Recentemente, KROWKA et al.(12), avaliando 81 portadores de SHP submetidos a transplante hepático, constataram que os pacientes com hipoxemia severa (PaO2 <50 mm Hg) apresentaram o maior risco para mortalidade pós-operatória (30% nos primeiros 90 dias pós-transplante). Dados preliminares de EGAWA et al.(6) sugerem papel prognóstico da quantificação da gravidade da anormalidade na oxigenação devido a SHP através da determinação da captação extra-pulmonar (cerebral) de macroagregados de albumina marcada com tecnécio após cintilografia pulmonar. Esses autores observaram mortalidade de 50% em 1 ano após transplante hepático em portadores de SHP com captação extra-pulmonar de macroagregados de albumina marcada com tecnécio >40%(4). A recurrência da SHP após transplante hepático é rara(13).

Concluindo, a prevalência de SHP nos candidatos a transplante hepático no STH-HC-UFPR foi de 13%. A SHP nem sempre se acompanha de sintomas respiratórios, devendo ser rastreada rotineiramente no processo de seleção dos candidatos a transplante hepático.

AGRADECIMENTOS

Ao médico Dr. Dirceu Rodrigues, Professor Sênior do Departamento de Clínica Médica do Hospital de Clínicas – UFPR e às médicas Dra. Marilu S. Kanegusukie Dra. Maria Cristina Zaina do Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas – UFPR pelo apoio na fase de elaboração e execução do projeto. Aos estudantes do 6º ano do Curso de Graduação em Medicina da UFPR Alexander Buarque Costa Cardosoe Juliano Brasilpelo auxílio da coleta de parte dos dados utilizados na presente pesquisa.

Parolin MB, Coelho JCU, Puccinelli V, Schulz GJ, Souza AM, Barros JA. Prevalence of hepatopulmonary syndrome in liver transplant candidates. Arq Gastroenterol 2002;39(1):11-16.

ABSTRACT–Background– Hepatopulmonary syndrome is an important clinical problem associated with chronic liver disease. Liver transplantation can result in complete resolution of the arterial hypoxemia associated with this syndrome, even in its most severe presentation. Aim - To determine the prevalence of hepatopulmonary syndrome in adult liver transplant candidates. Patients and Methods - Fifty-four consecutives adult patients (³18 years) with severe liver disease waiting for liver transplant were screenned for arterial hypoxemia (PaO2 <70 mm Hg) while they were seated, at rest, and breathing room air. Patients with arterial hypoxemia underwent contrast-enhanced two-dimensional echocardiography and pulmonary function testing. Hypoxemia (PaO2 <70 mm Hg) was present in 7 of 54 patients (12,9%), although only 1 of them complained of dyspnea. The Child's classification of the patients were: A = 1, B = 4, and C = 1. All seven hypoxemic patients had positive contrast-enhanced two-dimensional echocardiography, consistent with hepatopulmonary syndrome. Conclusion - The prevalence of hepatopulmonary syndrome in adult liver transplant candidates is elevated. The screenning for hepatopulmonay syndrome should be part of the routine evaluation of liver transplant candidates even in the absence of pulmonary symptoms.

HEADINGS – Hepatopulmonary syndrome. Liver transplantation. Liver cirrhosis.

Recebido em 6/10/2000.

Aprovado em 23/4/2001.

Endereço para correspondência: Dra. Mônica Beatriz Parolin - Rua Lamenha Lins 2280 - 80220-080 - Curitiba, PR. e-mail: mbparolin@hotmail.com

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  • 1
    Serviço de Transplante Hepático
    2
    Serviço de Radiologia e
    3
    Laboratório de Provas de Função Pulmonar do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Fev 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2002

    Histórico

    • Aceito
      23 Abr 2001
    • Recebido
      06 Out 2000
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