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Mielite neuro-óptica: Estudo anátomo-clínico de um caso

Resumos

O AA. apresentam um caso anátomo-clínico de mielite neuro-ópti-ca aguda. A moléstia evoluiu em 35 dias, tendo o quadro medular se completado no 31° dia. Nos três dias que precederam a morte, estabeleceram-se rapidamente as síndromes óptica (amauróse progressiva) e encefálica, esta com fenômenos bulbares graves. O doente faleceu por broncopneumonia de aspiração. A autópsia evidenciou edema encéfalo-medular e fenômenos inflamatorios de tipo não supurado nas vias ópticas, bulbo e medula; nesta, predominavam no entumescimento cervical, onde ocasionaram verdadeira secção transversa. O quadro anátomo-patológico mostrou particular eletividade para a substância branca dos cordões lateral e posterior da medula. A reação inflamatória era constituída por células linfocitóides, predominantemente, em tôdos os pontos atingidos.


The authors present a clinicopathological case of acute neuro-optic myelitis. The course of the disease was of 35 days and the spinal symptomatology was established only at the end of 31 days. In the three days before the death, the optic (progressive amaurosis) ami encephalic syndromes have rapidly developed, showing severe medullary signs. The patient died of aspiration bronchopneumonia. The necroscopic examination evidenced cerebrospinal edema and inflamma tory phenomena of non-suppurating type in the optic pahtways, medulla and spinal cord; in the latter, they predominanted in the intumescencia cervicalis, where they actually caused a transverse section. The pathological picture exhibited particular electivity for the white substance of the lateral and posterior funiculi of the spinal cord. The inflammatory reaction was preponderantly constituted by lymphocytoid cells.


Mielite neuro-óptica. Estudo anátomo-clínico de um caso

J. Lamartine de AssisI; Walter Edgard MaffeiII

IAssistente da Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo (Prof. Adherbal Tolosa)

IIAssistente do Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo. (Prof. L. da Cunha Motta). Livre docente de Anatomia Patológica

RESUMO

O AA. apresentam um caso anátomo-clínico de mielite neuro-ópti-ca aguda. A moléstia evoluiu em 35 dias, tendo o quadro medular se completado no 31° dia. Nos três dias que precederam a morte, estabeleceram-se rapidamente as síndromes óptica (amauróse progressiva) e encefálica, esta com fenômenos bulbares graves. O doente faleceu por broncopneumonia de aspiração. A autópsia evidenciou edema encéfalo-medular e fenômenos inflamatorios de tipo não supurado nas vias ópticas, bulbo e medula; nesta, predominavam no entumescimento cervical, onde ocasionaram verdadeira secção transversa. O quadro anátomo-patológico mostrou particular eletividade para a substância branca dos cordões lateral e posterior da medula. A reação inflamatória era constituída por células linfocitóides, predominantemente, em tôdos os pontos atingidos.

SUMMARY

The authors present a clinicopathological case of acute neuro-optic myelitis. The course of the disease was of 35 days and the spinal symptomatology was established only at the end of 31 days. In the three days before the death, the optic (progressive amaurosis) ami encephalic syndromes have rapidly developed, showing severe medullary signs. The patient died of aspiration bronchopneumonia. The necroscopic examination evidenced cerebrospinal edema and inflamma tory phenomena of non-suppurating type in the optic pahtways, medulla and spinal cord; in the latter, they predominanted in the intumescencia cervicalis, where they actually caused a transverse section. The pathological picture exhibited particular electivity for the white substance of the lateral and posterior funiculi of the spinal cord. The inflammatory reaction was preponderantly constituted by lymphocytoid cells.

As mielites agudas constituem assunto de patologia nervosa ainda não bem esclarecido em relação aos aspectos anátomo-clínicos com que se apresentam. Se, de um lado, há uma forma bem definida como o é a poliomielite anterior aguda, por outro lado existem formas cujos quadros anatômicos e clínicos variam dum caso a outro, de modo a tornar-se difícil a interpretação nosológica, isto é, saber se se trata de entidades diferentes ou simples variações da mesma moléstia. Assim, em certos casos, o processo se limita à região lombar da medula e a uma metade sòmente, traduzindo-se sob forma de síndrome de Brown-Sécquard; em outros, toma todo o plano transverso da medula, num determinado segmento, dando lugar à síndrome de secção anatômica da medula; em outros, são focos disseminados ao longo do órgão, simulando a esclerose em placas, e, em outros ainda, iniciando-se o processo na região lombar, vai galgando os segmentos superiores da medula, dando lugar à conhecida síndrome de Landry.

Seriam todos êsses aspectos uma mesma entidade, cuja variação estaria na dependência de fenômenos alérgicos? Ou, então, seriam entidades diferentes, cada uma das quais seria determinada por vírus também diferentes? Eis um problema de nteuropatologia ainda a resolver.

Infelismente, o elemento etiológico que seria decisivo nesses casos ainda é desconhecido, de modo que a questão permanece aberta. Além disso, não sendo muito freqüentes, não é possível fazer-se um estudo de conjunto, comparativo das diversas formas, que permita delimitar os quadros anátomo-clínicos. Por isso, justifica-se a publicação de um caso como êste que passamos a descrever, cujos caracteres anátomo-clínicos são bem. diversos daqueles, salientando-se o comprometimento simultâneo ou sucessivo da medula e do nervo óptico. Trata-se duma síndrome já de há muito conhecida sob o nome de neu-romielite óptica ou mielite neuro-óptica, denominações adotadas desde a publicação de tese de Gault 1 1 . Gault, F. - Citado por Kohut, Heins e Richter, R. B. - Neuro-optic myelitis: A clinicopathological study of two related cases. J. Nerv. a. Ment. Dis. 101(2) :99-114 (fevereiro) 1945. , sob a organização de Devic, pelo que costuma-se também denominá-la síndrome de Devic. Vários casos já constam na literatura médica, publicados em diversos países, e aqui consignamos mais um com o respectivo estudo anátomo-patológico.

Trata-se de Durvalino B. O., de 29 anos de idade, côr branca, lavrador, brasileiro, procedente de Paraguassu, que procurou a Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo, onde foi internado, em 30 março 1944, na 2.a Medicina de Homens (Prof. Rubião Meira) tendo ficado sob os cuidados de um de nós (Lamartine de Assis)* * Agradecemos ao Dr. Dante Nese o fato de nos ter permitido e auxiliado a estudar detalhadamente a presente observação. .

Anamnese: queixa-se de dormência nas pernas e mãos há 30 dias. Uma semana depois foi obrigado a abondonar o trabalho, em virtude de fraqueza nas pernas. A seguir, teve uma fase de melhora transitória. Após 20 dias, a fraqueza e dormência nos membros pioraram, pelo que resolveu vir a S. Paulo, onde chegou completamente impossibilitado de andar. Os antecedentes pessoais e fa-miliais nada apresentam de interêsse.

Exame clínico geral e especial: indivíduo longilíneo, hiponutrido e ligeiramente anemiado. Consegue permanecer de pé algum tempo, porém não anda sem apôio. Os diferentes órgãos e aparelhos nada de anormal exibem.

Exame neurológico (10 abril 1944) : paresia nos membros inferiores com apreciável diminuição da fôrça muscular. A posição de pé é possível, e bem assim a marcha com apôio. Babinski esboçado à direita. Reflexos cremastéricos e cutâneo-abdominais inferiores e médios abolidos, estando diminuídos os abdominais superiores. Reflexos patelares vivos, estando diminuídos os abdominais superiores. Reflexos patelares vivos com clono do pé direito fàcilmente esgotável. Manobras de Barré e Mingazzini positivas. Diminuição acentuada da sensibilidade óssea até as espinhas ilíacas anterior e superior, com hipoestesia termodolorosa nas pernas; demais sensibilidades normais. Parestesias nos pés e mãos. Retenção total de urina e feze. Para o lado dos membros superiores, apenas parestesias das mãos. Não existe qualquer sinal ou sintoma de comprometimento do encéfalo.

Novo exame feito no dia seguinte veio revelar acentuada piora do estado geral e do quadro neurológico: impossibilidade do paciente ficar de pé em virtude de grande paresia e abolição da fôrça e energia muscular nos membros inferiores, embora não existisse abolição completa da motricidade. Manobra do pé de cadáver positiva dos 2 lados (pés em completa rotação externa). As manobras de Barré e Mingazzini estão prejudicadas por perda da fôrça e energia musculares. Prova de Raimiste nos membros superiores positiva de ambos os lados. Grande diminuição da fôrça muscular em ambos os membros superiores estando relativamente conservada a motricidade. Abolidos tôdos os reflexos cutâneos, até a altura de T6, enquanto os profundos se apresentam muito diminuídos. Não há Babinski ou qualquer sinal da síndrome piramidal de libertação. Hipotonia muscular nos membros, mais acentuada nos inferiores. As parestesias se intensificaram nas pernas, e já existia hipoestesia termo-táctil-dolorosa até a altura de 16, e em todo o membro superior direito. Abolição da sensibilidade óssea até o nível das espinhas ilíacas anteriores superiores. Persistiam os distúrbios esfincterianos. Manifestou-se um novo fato: acentuada baixa da acuidade visual, dizendo o doente que só distinguia vultos (sic), não podendo contar dedos à distância de metro e meio. Sudorese profusa no rosto e midríase bilateral. Reflexos pupilares normais. Como sintomas encefálicos, havia apenas ligeiro torpor.

No dia imediato, o estado havia-se agravado mais e as lesões neurológicas tornaram-se mais extensas: o doente mostrava-se completamente largado no leito e em estado de confusão mental com predominância do torpor. Respondia monossilà-bicamente às perguntas que lhe eram feitas. Paralisia flácida total dos membros inferiores e grande paresia com diminuição da fôrça e tono muscular nos superiores. Abolição de tôdos os reflexos profundos e cutâneos, inclusive o palmo-mentoniano de ambos os lados. Ausência de Babinski ou equivalente, e bem assim dos sinais do leque, Rossolimo e Mendel-Bechterew. O exame da sensibilidade ficou prejudicado em vista do precário estado físico e mental do doente. Persistia a retenção de urina e fezes. A pele da região sacra estava arroxeada e esfolada, prenunciando o aparecimento de escaras. Amaurose completa. Sinais de comprometimento bulbar: dificuldade na deglutição de alimentos sólidos; hipotonia dos masséteres. No dia 13 de abril foi feito o exame do liqüido cefalorra-quidiano: punção lombar em decúbito lateral direito; pressão inicial 10 (Claude) - provas manométricas de Stookey normais; líquor límpido e incolor; citologia - 131, 2 células por mm8 (linfomononucleose) ; albumina - ,030 grs. por litro; r. Pandy positiva; r. benjoim 00000.12221.00000.0; r. Takata-Ara positiva, tipo meningítico; r. Wassermann negativa com 1 cc Nesse dia o quadro neurológico se manteve mais ou menos igual ao da véspera; apenas os reflexos patelares esboçavam ligeira resposta.

A moléstia, continuando sua evolução rapidíssima, levou o paciente à morte na madrugada do dia 14, isto é, 35 dias após o início, sem que pudéssemos observar os últimos sintomas. Durante o tempo em que o enfermo esteve internado, a temperatura oscilou ao redor de 37°,5. O exame neurooular feito no segundo dia da amaurose, além da perda da visão, nada mais revelou de anormal. O tratamento feito consistiu na administração de soros glicosados iso e hipertónicos com vitaminas B1e C, salicilato de sódio na veia, Cibazol, radioterapia vertebral, e cuidados de enfermagem, principalmente com o fim de evitar escaras de decúbito, o que foi improfícuo, porquanto apareceu logo uma escara sacra.

Em resumo tratava-se dum paciente com 29 anos de idade, cuja moléstia começara havia um mês, com parestesias nos pés e mãos, seguidas de fraqueza progressiva nas pernas até impossibilidade de andar. No primeiro exame encontramos uma síndrome deficitária piramidal e um quadro sensitivo representado por hipoestesia termo-táctil-dolorosa e abolição da sensibilidade vibratória nos membros inferiores. Havia, ainda, retenção total de urina e de fezes. Nos dias subseqüentes houve piora rapidíssima da moléstia, pois em 48 horas já havia tetraplegia flácida com abolição de tôdos os reflexos cutâneos e profundos, amaurose completa, distúrbios na deglutição e escara na região sacra. O psiquismo ficou embotado, entrando o doente em estado de torpor cada vez mais profundo sem, contudo, ter chegado ao coma. A evolução da síndrome sensitiva não pôde ser seguida em virtude da piora rápida do estado geral e do psiquismo. O exame neurocular não revelou qualquer alteração objetiva, enquanto a punção lombar evidenciou quadro meningítico com predominância linfomononuclear e perfeita permeabilidade do canal raquidiano. A temperatura oscilou ao redor de 37°,5. Apesar de todo tratamento feito, ao fim da primeira semana do início das manifestações nervosas mais graves, o doente veio a falecer. A duração total da doença, desde o aparecimento das primeiras manifestações parestésicas, foi de 35 dias ou menos.

A necropsia (SS-19677), realizada no Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, pelo assistente Dr. Paulo Tibiriçá, mostrou que a morte foi determinada por broncopneumonia de aspiração. Nos demais órgãos nada havia digno de registo.

O exame do sistema nervoso foi feito por um de nós (W. E. Maffei), tendo-se verificado, macroscòpicamente, edema e congestão do cérebro. A medula, em tôda a altura da região cervical se apresentava consideràvelmente aumentada de espessura, mole, de côr rósea brilhante e salpicada de pontos hemorrágicos, onde não mais se conseguiu evidenciar a estrutura. Nas regiões torácica e lombar a estrutura anatômica do órgão estava conservada, sobressaindo apenas a côr rósea acentuada da substância cinzenta, dada pela congestão; a consistência ainda era mole, denotando certo grau de edema.

O exame microscópico foi mais demonstrativo, tendo sido realizado com inclusão do material em celoidina, parafina e cortes por congelação, e executados os métodos de coloração para a bainha mielínica, células nervosas, impregnação para a neuróglia e coloração dos elementos mesodérmicos. Os cortes de diversas regiões do cérebro, assim tratados, mostravam as células da 3.a e S.a camadas com a tumefação aguda e os espaços linfáticos perivasculares dilatados e vasios, atestando edema. A substância branca nada mostrava de particular. No corpo estriado e tálamo nada foi visto digno de registo. O nervo óptico apresentava-se com suas fibras dissociadas por edema, parcialmente desintegradas e os vasos dilatados, congestos e circundados por infiltrado inflamatório. Êsse aspecto podia ser visto até o tracto óptico, onde o método de Weil para a mielina mostrava nitidamente uma área descorada (fig. 1). O pedúnculo cerebral, protuberância e cerebelo nada apresentavam digno de nota. No bulbo viam-se focos inflamatórios junto aos núcleos dos nervos, na substância cinzenta subependimária, mas as células dêsses núcleos estavam conservadas, sem alterações e ausência de neuronio-fagia. O método de Weil para a bainha mielínica mostrava um foco de desmie-liinzação numa das pirâmides e num dos pedúnculos cerebelares inferiores do mesmo lado (fig. 2 - B1) que podia ser seguida até na parte inferior (fig. 2 -B2). Nessas áreas, o método de Nissl mostrava os vasos dilatados e congestos e infiltrados inflamatórios perivasculares; além disso, havia grande aumento dos núcleos da neuróglia. As bainhas mielínicas estavam intumescidas e em parte desintegradas. Na medula, as lesões eram mais intensas e mais difusas, assumindo o máximo no intumescimento cervical, onde a estrutura normal estava totalmente desaparecida, como se pode ver na fig. 2 (C2 e C3) e na fig. 3, que representam essa região corada pelo método de Weil para a mielina. Ao microscópio, observava-se intensa congestão dos vasos em torno dos quais havia espesso infiltrado inflamatório; grande aumento dos núcleos da neuróglia, tumefação e desintegração das bainhas mielínicas e, as células nervosas, algumas com a tu-mefação aguda e outras mais ou menos conservadas; não existiam figuras de neuroniofagia. O canal central estava bem conservado. Fato notável era a intensidade do processo na substância branca, principalmente no cordão lateral, enquanto que a substância cinzenta estava praticamente poupada, com suas células mais ou menos bem conservadas (fig. 4). A leptomeninge também mostrava seus vasos dilatados, congestos e circundados por manguitos de células inflamatórias. Nas outras regiões da medula verificavam-se os mesmos fenômenos, mas sempre predominando na substância branca do cordão posterior e lateral, como pode ser visto na fig. 2, sendo neste último sempre mais intenso. Além disso, notava-se acentuada multiplicação da neuróglia. A região sacra também se apresentava totalmente desintegrada (fig. 3 - S). As raízes raqueanas anteriores e posteriores nada mostravam de particular.





Em todos os pontos atingidos, a reação inflamatória era constituída por células linfocitóides, às quais se ajuntavam alguns neutrófilos e monócitos.

COMENTÁRIOS

Trata-se de uma inflamação aguda não purulenta do eixo cerebrospinhal, cuja seqüência dos sintomas indica que o processo se iniciou na medula lombar e seguiu marcha ascendente, complicando-se com cegueira rápida e bilateral e fenômenos cerebrais traduzidos pela confusão mental. Êstes últimos fenômenos são apenas a repercussão do processo medular; de fato, anáitomo-patològicamente encontrou se apenas edema cerebral e as cédulas corticais com a tumefação aguda.

Dêsse modo, temos a discutir o processo medular e do nervo óptico. O primeiro apresentou-se como uma mielite aguda de marcha ascendente, realizando assim a síndrome de Landry e que constituiu a parte fundamental do quadro clínico, cuja sintomatologia só se tornou completa no prazo de 30 dias. A princípio havia apenas síndrome deficitária piramidal e sensitiva representada por hipoestesia térmica, táctil e dolorosa e abolição da sensibilidade vibratória nos membros inferiores. Êstes fenômenos se explicam pelo comprometimento do cordão lateral da medula que, como demostrou o exame histopatológico, era sobremaneira acentuado. O mesmo comprometimento do cordão lateral da medula explica a retenção total de urina e fezes, pois os esfincteres uretral e anal se abrem sob o impulso da vontade, que segue pela via piramidal; estando esta lesada, dá-se a predominância do simpático que mantém o fechamento dos mesmos. Logo depois o quadro se agravou pela instalação de tetraplegia flácida, que encontra o seu substrato no total comprometimento do plano transverso da medula cervical, realizando assim o quadro da mielite transversa, agravada ainda pelo comprometimento bulhar traduzido pelas pertubações da deglutição, mastigação e sudorese profusa no rosto; além disso, a lesão dêsse segmento, determinando a paralisia dos músculos respiratórios, acarretou a broncopneumonia de aspiração que levou o indivíduo à morte. O comprometimento do nervo óptico pelo- processo inflamatório ao da medula, deu lugar à amarouse que complicou sobremaneira o quadro clínico. Dêsse modo a moléstia assumiu o aspecto da mielite neuro-óptica.

Por conseguinte, o quadro clínico é o de uma mielite aguda que se distingue das outras formas pelo comprometimento sucessivo do nervo óptico. Êstes fenômeno não parece constituir uma complicação nem uma propagação da infecção, mas afeta o caráter dum sintoma próprio a esta moléstia. Com efeito, o quadro anátomo-patológico mostra particular eletividade do processo para a sustância branca, principalmente do cordão lateral da medula, e o nervo óptico constitui antes uma via nervosa do que um nervo pròpriamente. Alguns autores, como Cestan, Riser e Planques2 2 . Cestan, Riser e Planques - De la neuro-myélite optique. Rev. Neurol. 2.741, 1934. , Alajouanine, Hornet, Thurel e Rossano3 3 . Alajouanine, Th., Hornet, T., Thurel, R. et Rossano, R. - Un cas anatomo-clinique de sclérose en plaques aiguë avec symptomatologie de neuropticomyélite. Rev. Neurol. 64:98, 1935. descrevem lesões de esclarose em placas em casos clínicos de mieliteneuro-óptica, de modo a identifirarem as duas moléstias. No entanto, em nosso caso, a semelhança das lesões com a esclerose em placas só aparece nos cortes corados pelos métodos que coram a bainha mielínica, como se vê na fig. 3, mas o exame microscópico com outros métodos mostra alterações muito diversas da esclerose em placas; são lesões de qualquer mielite não purulenta.

Por isso achamos que a moléstia em aprêço deve ser considerada como uma entidade, caraterizada pelo comprometimento eletivo da substância branca da medula e do nervo óptico, uma vez que a substância cinzenta se mostrava apenas com lesões de repercussão do processo inflamatório mas não atingida pelo mesmo. A reação inflamatória, porém, não difere em nada das outras mielites agudas purulentas.

O caso presente oferece também a particularidade da rápida evolução, enquanto que a maioria dos casos citados na bibliografia demonstraram decurso subagudo ou mesmo crônico. Assim, um dos casos de Kohut e Richter4 4 . Kohut, H. e Richter, R. B. - Neuro-optic myelitis: a clinicopathological studv of two related cases. J. Nerv. a. Ment. Dis. 101:99-114 (fevereiro) 1945. durou um ano. Em qualquer hipótese, a mielite se instala sempre antes do processo do nervo óptico.

A causa ainda é desconhecida, parecendo determinada por um vírus filtrável.

Recebido para publicação em 29 maio 1945

Apresentado à Associação Paulista de Medicina (Secção de Neuro-Psiquiatria) em 19 junho 1945.

Rua Albuquerque Lins, 904 - S. Paulo.

  • 1. Gault, F. - Citado por Kohut, Heins e Richter, R. B. - Neuro-optic myelitis: A clinicopathological study of two related cases. J. Nerv. a. Ment. Dis. 101(2) :99-114 (fevereiro) 1945.
  • 2. Cestan, Riser e Planques - De la neuro-myélite optique. Rev. Neurol. 2.741, 1934.
  • 3. Alajouanine, Th., Hornet, T., Thurel, R. et Rossano, R. - Un cas anatomo-clinique de sclérose en plaques aiguë avec symptomatologie de neuropticomyélite. Rev. Neurol. 64:98, 1935.
  • 4. Kohut, H. e Richter, R. B. - Neuro-optic myelitis: a clinicopathological studv of two related cases. J. Nerv. a. Ment. Dis. 101:99-114 (fevereiro) 1945.
  • *
    Agradecemos ao Dr. Dante Nese o fato de nos ter permitido e auxiliado a estudar detalhadamente a presente observação.
  • 1
    . Gault, F. - Citado por Kohut, Heins e Richter, R. B. - Neuro-optic myelitis: A clinicopathological study of two related cases. J. Nerv. a. Ment. Dis. 101(2) :99-114 (fevereiro) 1945.
  • 2
    . Cestan, Riser e Planques - De la neuro-myélite optique. Rev. Neurol. 2.741, 1934.
  • 3
    . Alajouanine, Th., Hornet, T., Thurel, R. et Rossano, R. - Un cas anatomo-clinique de sclérose en plaques aiguë avec symptomatologie de neuropticomyélite. Rev. Neurol. 64:98, 1935.
  • 4
    . Kohut, H. e Richter, R. B. - Neuro-optic myelitis: a clinicopathological studv of two related cases. J. Nerv. a. Ment. Dis. 101:99-114 (fevereiro) 1945.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1945
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