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O tremor parkinsoniano e a via piramidal: Deolindo Couto

ANÁLISES DE LIVROS

O tremor parkinsoniano e a via piramidal. Deolindo Couto. Tese apresentada em concurso para catedrático de neurologia na Faculdade Nacional de Medicina (Rio de Janeiro), com 218 páginas, impressa pela Tipografia do Jornal do Comercio, Rio de Janeiro, 1945

Nesta muito bem cuidada monografia o autor revê de um modo panorâmico a evolução dos conceitos sôbre os sistemas extrapiramidais e analisa aspectos variados do tremor parkinsoniano e de sua terapêutica cirúrgica, defendendo a tese da influência do sistema piramidal no aparecimento do tremor estriário.

Os tremores devidos a lesões orgânicas do sistema nervoso central podem ser classificados em dois grandes grupos principais: o tremor estriário e o tremor cerebelar. Êste abrange o tremor do tipo intencional conseqüente à lesão do cerebelo ou de suas vias eferentes, enquanto que sob a rubrica genérica de tremor estriário são catalogados tôdos aquêles dependentes de lesão do sistema extrapiramidal sensu latu, particularmente do sistema estriado no sentido de Vogt, com excepção do cerebelo. Desde as observações clássicas de Parkinson de que o tremor parkinsoniano desaparecia com a instalação da hemiplegia piramidal, de Hors-ley, obtendo com a ablação cirúrgica de área cortical a cessação de movimentos atetóticos, de Wilson, referentes à hemiplegia sobrevinda em parkinsonianos, até as mais recentes de Buey e Buchanan e de Sadis sôbre a cirurgia cortical com finalidade de fazer cessar tais hipercinesias, vêm-se avolumando os fatos que levaram avante a doutrina de que os movimentos involuntários, como o tremor estriário, constituem fisiopatològicamente fenômenos de libertação de sistemas hierarquicamente subordinados. As verificações, relativamente recentes, da existência de áreas cerebrais inibidoras, que exercem essa função sôbre outras normalmente efetoras (Hines, Dusser du Barenne, McCulloch e Garol) e, principalmente, o conhecimento de que tais efeitos supressores se fazem por vias complexas que transitam pelos núcleos cinzentos da base e não por simples vias diretas córtico-subcorticais, assim como a afirmação do conceito do sistema parapiramidal constituído por fibras de projeção da corticalidade extrapiramidal, nascidas nas áreas 6 e 4, independentes das fibras piramidais (propriamente gigantopiramidais), muito vieram contribuir para a explicação teórica daqueles dados clínicos e neurocirúrgicos anteriormente não elucidados. Os modernos trabalhos de Bucy e Buchanan com seus esquemas altamente compreensivos objetivaram a explicação fisio-patológica dessas hipercinesias, assim como os de Aring e Fulton permitem compreender a fisiopatologia do tremor cerebelar. Êsses dois tipos de tremor dependem de lesões que comprometem o sistema controlador, cujas vias partindo das áreas inibidoras (4s e 8s) transitam pelos núcleos cinzentos subcorticais e atingem as áreas cotricaís efetoras (4 e 6), origem das fibras piramidais e parapiramidaís. As vias efetoras dêsses tremores seriam pois as fibras do feixe piramidal; tal conclusão concorda plenamente com as verificações clínicas de Parkinson e de Wilson. As mais recentes técnicas neurocirúrgicas propostas para abolir o tremor baseiam-se nesta hipótese e visam interromper a via piramidal na corticalidade, na região infrastriada, no bulbo ou na medula cervical. São estas as noções teóricas gerais que o A. explana - com admirável poder de síntese e espírito didático - nos capítulos básicos desta monografia. Acessoriamente faz um apanhado da anatomia patológica do parkinsonismo, mostrando que a topografia das lesões, no mais das vezes, se enquadra no circuito das vias inibidoras do tremor, evidenciando, assim, a razão freqüente do aparecimento dêste distúrbio.

Como contribuição pessoal, são apresentados documentos clínicos experimentais de notável valor. Entre os documentos clínicos são analisados os resultados obtidos com a secção do feixe piramidal em casos de tremor parkinsoniano, particularmente nos de tremor unilateral predominante. São apresentadas as observações de 8 doentes de parkinsonismo pós-encefalítico, nos quais foi feita a tractectomia cervical (Putman). Em 3 casos a operação foi realizada à esquerda e em 5 à direita. Nas observações 1, 2 e 3 a hemiparesia resultante da secção do feixe piramidal involuiu rapidamente, possibilitando aos doentes a utilização quase normal dos segmentos afetados; o tremor havia desaparecido por completo ainda depois de decorridos 12, 3 e 4 meses, respectivamente. Na observação 4, em que a secção do piramidal foi menos completa, houve hemiparesia muito frusta, logo desaparecida, tendo o tremor reaparecido, embora menos intenso, 4 meses após a intervenção. Na observação 5, devido ao precário estado do paciente e a inter-corrência superveniente, o êxito letal se deu 10 dias após o ato cirúrgico: o tremor desaparecera por completo. Na observação 6, o tremor cedeu inteiramente, não sendo fornecidos informes sôbre o tempo decorrido após a intervenção. Nas observações 7 e 8 houve hemiparesia leve, sendo que o tremor recidivou parcialmente após 1 semana na primeira e 45 dias na segunda. Resulta, pois, que só recidivou o tremor nos casos em que a operação foi incompleta, fato êste clinicamente comprovado pela hemiparesia frusta e fugaz.

A contribuição experimental consiste na produção do tremor em Macacus rhesus pela destruição parcial dos núcleos caudado ou lenticular, segundo técnica de M. Kennard, e a cessação destas hipercinesias após secção do feixe piramidal na medula cervical. Preliminarmente o autor teve o cuidado de reproduzir em 3 macacos as síndromes da extirpação da área 4 (hemiplegia flácida), da área 6 (hemiplegia acompanhada de espasticidade e de "grasping reflex") - segundo o que está classicamente estabelecido com os trabalhos de Fulton e colaboradores - e a hemiplegia por lesão piramidal na medula, com a finalidade de se familiarizar com os seus aspectos semiológicos. Depois produziu a lesão experimental do núcleo caudado (3 experiências) ou do núcleo lenticular (1 experiência), provocando o aparecimento de tremor, predominantemente do tipo intencional, nos membros do lado oposto. Nas 4 experiências, a ulterior secção do feixe piramidal, ao nível da medula cervical, determinou a cessação do tremor.

A documentação apresentada constitui, pois, indiscutível contribuição à doutrina de que a via piramidal é parte integrante dos sistemas que veiculam o tremor es-triário. Ficam, também, perfeitamente justificadas as intervenções cirúrgicas que interrompem a via piramidal com a finalidade de abolir o tremor parkinsoniano. ótima bibliografia completa êste trabalho, excelente sob todos os pontos de vista.

P. PINTO PUPO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1945
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