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Corpo estranho no cone orbitário: relato de caso

Foreign body in the orbital cone: case report

Resumos

Traumatismos orbitários podem estar associados à presença de corpos estranhos, cuja retenção leva a prejuízos, como perda da visão ou abscesso cerebral. Apresentamos o caso de um homem de 21 anos, que evoluiu com ptose palpebral, limitação dos movimentos oculares e reação inflamatória no olho direito, após colisão com um galho de árvore. A TC de órbitas evidenciou uma área de densidade aumentada no cone orbitário direito. Após a retirada neurocirúrgica do corpo estranho, um fragmento de madeira medindo 2,0x0,3 cm, o paciente evoluiu bem, sem déficit visual, com regressão da ptose e resolução do processo inflamatório. A TC de controle pós-operatório não identificou fragmentos do corpo estranho. O caso chama a atenção pelo fato de o fragmento de madeira ter sido visualizado no estudo tomográfico com densidade elevada (136 UH) 2 meses após o acidente e pela aplicação da craniotomia supra-orbitária para a sua retirada.

corpo estranho; trauma ocular; craniotomia supra-orbitária


Orbital injuries may be associated with the presence of foreign bodies in which long retention leads to damages such as loss of vision or cerebral abscess. We present the case of a 21-year-old male patient that developed ptosis, limitation of movements and an inflammatory reaction in the right eye after being hit by a tree branch. A CT scan of the orbits revealed an increased density in the right orbital cone. After the neurosurgical approach for the removal of the foreign body, a wooden fragment measuring 2.0x0.3 cm, the patient had a good outcome without visual deficits, ptosis regression and resolution of the inflammatory process. The postoperative CT scan didn't identify any remaining foreign body fragment. This case calls attention to the fact that the wooden splinter presented on CT scan with high density (136 HU) two months after the trauma and was removed by a supraorbital craniotomy.

foreign body; orbital injury; supraorbital craniotomy


Corpo estranho no cone orbitário: relato de caso

Foreign body in the orbital cone: case report

Manoel Baldoino Leal FilhoI; Bruno Ribeiro de AlmeidaII; Aline de Almeida Xavier AguiarII; Marcelo Adriano C. S. VieiraII; Ricardo Keyson P. de MoraisII; Karoline da Silva DantasII

INeurocirurgião do Hospital Getúlio Vargas, Teresina PI, Brasil

IIEstudante de Medicina da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Teresina PI, Brasil

RESUMO

Traumatismos orbitários podem estar associados à presença de corpos estranhos, cuja retenção leva a prejuízos, como perda da visão ou abscesso cerebral. Apresentamos o caso de um homem de 21 anos, que evoluiu com ptose palpebral, limitação dos movimentos oculares e reação inflamatória no olho direito, após colisão com um galho de árvore. A TC de órbitas evidenciou uma área de densidade aumentada no cone orbitário direito. Após a retirada neurocirúrgica do corpo estranho, um fragmento de madeira medindo 2,0x0,3 cm, o paciente evoluiu bem, sem déficit visual, com regressão da ptose e resolução do processo inflamatório. A TC de controle pós-operatório não identificou fragmentos do corpo estranho. O caso chama a atenção pelo fato de o fragmento de madeira ter sido visualizado no estudo tomográfico com densidade elevada (136 UH) 2 meses após o acidente e pela aplicação da craniotomia supra-orbitária para a sua retirada.

Palavras-chave: corpo estranho, trauma ocular, craniotomia supra-orbitária.

ABSTRACT

Orbital injuries may be associated with the presence of foreign bodies in which long retention leads to damages such as loss of vision or cerebral abscess. We present the case of a 21-year-old male patient that developed ptosis, limitation of movements and an inflammatory reaction in the right eye after being hit by a tree branch. A CT scan of the orbits revealed an increased density in the right orbital cone. After the neurosurgical approach for the removal of the foreign body, a wooden fragment measuring 2.0x0.3 cm, the patient had a good outcome without visual deficits, ptosis regression and resolution of the inflammatory process. The postoperative CT scan didn't identify any remaining foreign body fragment. This case calls attention to the fact that the wooden splinter presented on CT scan with high density (136 HU) two months after the trauma and was removed by a supraorbital craniotomy.

Keywords: foreign body, orbital injury, supraorbital craniotomy.

Traumatismos orbitários podem estar associados à presença de corpos estranhos, cujo quadro clínico é bastante variável e as possíveis sequelas vão desde mínimos defeitos na pele, abscesso intracraniano até a própria morte1-3. Quando a retenção ocorre profundamente na região do cone orbitário ou está associada a fístula liquórica, a abordagem neurocirúrgica pode ser necessária4,5. Corpos estranhos orbitários por vezes localizam-se em tecidos moles ou no globo ocular e são identificados através de observação direta1, durante um curativo, debridamento ou sutura, enquanto em outras ocasiões o diagnóstico é feito apenas após um exame oftalmológico, principalmente quando há lesão importante de pálpebra, glândula lacrimal ou globo ocular6. No entanto, há diversos relatos nos quais corpos estranhos não foram identificados no exame inicial e sua retenção resultou em complicações posteriores. Os objetos mais comumente retidos na órbita são fragmentos de madeira e metal2,3, embora a literatura apresente uma série de casos atípicos, como retenção de um fragmento de dente1, lápis1 e ponta de caneta7. Quando se trata de corpos estranhos de madeira, o diagnóstico torna-se mais difícil, pois este material geralmente não é bem visualizado pelos métodos de imagem rotineiramente utilizados2,8-14.

O objetivo deste estudo é apresentar um caso de retenção de um corpo estranho de madeira no cone orbitário, evidenciado pela TC 2 meses após o trauma, onde a abordagem neurocirúrgica foi decisiva para a sua resolução e boa recuperação do paciente.

CASO

Um homem de 21 anos foi admitido com história de trauma ocular à direita provocado por colisão com galho de árvore há cerca de 6 meses. O exame físico revelou um ferimento na região medial da pálpebra superior (Fig 1A), ptose palpebral, limitação dos movimentos oculares horizontais, processo inflamatório com drenagem de secreção purulenta e proptose moderada do globo ocular. A tomografia computadorizada (TC) de órbitas realizada 2 meses após o acidente evidenciou uma estrutura linear, hiperdensa (densidade em torno de 136.0 UH), no cone orbitário direito, circundada por formação organizada de tecidos moles (Fig 1C). O paciente havia sido previamente submetido a dois procedimentos cirúrgicos oftalmológicos, mas a abordagem transconjuntival não obteve sucesso na retirada do corpo estranho. Um fragmento de madeira medindo 2,0 por 0,3 cm, envolto por tecido de granulação, foi removido por meio de uma craniotomia supraorbitária (Fig 1B). A TC de controle pós-operatório não mais revelou o fragmento (Fig 1D). O paciente teve boa evolução, sem déficit visual e seis meses após a cirurgia a ptose desapareceu com a fisioterapia.



DISCUSSÃO

Retenção de corpo estranho na órbita é rara, mas esta possibilidade deve ser suspeitada em qualquer paciente com história de trauma ocular, mesmo que a lesão pareça ser superficial. Corpos estranhos de madeira podem apresentar dificuldade considerável de diagnóstico, devido a vários fatores: (1) podem resultar de trauma mínimo2,10; (2) a órbita é capaz de acomodar fragmentos relativamente grandes, pois o globo ocular ocupa apenas um quarto do seu volume15; (3) os tecidos moles da órbita tendem a aprisionar firmemente o objeto em casos de pequenos ferimentos penetrantes6; (4) a inspeção e palpação do globo ocular podem não revelar o corpo estranho, principalmente quando há edema periorbitário11; (5) raios-X simples, ultrassonografia e TC geralmente não são capazes de identificar madeira, a não ser quando se trata de grandes fragmentos ou quando associada a substâncias radiopacas como tinta metálica ou um granuloma2, 6,8-11,13,14. Dessa forma, esses pacientes frequentemente têm seus diagnósticos retardados até que complicações surjam semanas, meses ou até mesmo anos depois1,2,8. O diagnóstico é facilitado quando é possível colher do paciente o maior número de detalhes relativos ao trauma, como o tipo de objeto que o atingiu, se o mesmo permaneceu intacto ou faltava algum fragmento; em caso de quedas, a natureza da superfície de impacto (plana, com gravetos, pedregosa, etc) deve ser pesquisada1. Entretanto, muitas vezes não é fornecida uma história acurada, particularmente em casos envolvendo crianças ou pacientes intoxicados2,9. Se a história é imprecisa e há suspeita de retenção de corpo estranho ocular, recomenda-se uma avaliação radiológica completa1,4.

Raios-X simples raramente detecta fragmentos de madeira, devido a sua natureza radiotransparente11. TC baseia-se na diferença de densidade entre as estruturas para identificá-las. Como a densidade da madeira é muito variável, ela pode ser confundida com tecidos moles ou ar no estudo tomográfico9,10, dificultando a distinção. Ressonância magnética (RM), por outro lado, diferencia os tecidos através da sua densidade de prótons e do tempo de relaxamento destes. Estas propriedades da madeira são distintas o suficiente daquelas dos tecidos moles para permitir a diferenciação10. Assim, RM é um método superior na demonstração de corpos estranhos de madeira2. Apesar da excelência, a RM tem suas limitações: é um exame caro e não disponível largamente. Além disso, está contra-indicada quando há suspeita de retenção de objeto metálico, devido à possibilidade de movimentação do corpo estranho durante o exame, podendo resultar em danos adicionais às estruturas orbitárias14. Estudos recentes consideram a TC como o método de imagem de escolha para avaliação de traumatismos orbitários e a RM deve ser realizada após uma TC negativa2,9. De acordo com Boncoeur-Martel et al., corpos estranhos de madeira mudam seu aspecto na TC de acordo com o tempo decorrido após o trauma: densidade muito baixa na fase aguda, densidade moderada no estágio subagudo e na fase crônica (meses depois), a densidade torna-se maior do que a dos músculos orbitários (cerca de 100 UH na série estudada pelos autores)9. No caso em questão, o fragmento de madeira foi visualizado na TC cerca de dois meses após o acidente, com densidade muito elevada – 136 UH.

As complicações devido à retenção prolongada de corpos estranhos orbitários dependem do seu tipo e localização1. Fulcher et al., identificaram, em uma série de 40 casos, massas orbitárias, dor aos movimentos oculares e abscessos orbitários como as apresentações clínicas mais frequentes de pacientes na situação em questão2. Penetração da cavidade craniana deve sempre ser considerada quando há alterações neurológicas7. A formação de fistulas liquóricas, abscessos intracranianos ou hematomas requerem atenção neurocirúrgica1,4,5,8. A reação inflamatória causada por materiais orgânicos como a madeira pode se resolver após eliminação espontânea do objeto ou se tornar um processo crônico11,13, resultando mais cedo ou mais tarde em comprometimento das estruturas orbitárias, como nervos ou músculos, o que explica a ptose e limitação de movimentos apresentada por nosso paciente. Nesta última situação, o processo só se resolve após a retirada do corpo estranho.

Mesmo com o risco das complicações apresentadas acima, é perigoso empreender uma exploração cirúrgica "às cegas" (sem localização pré-operatória do corpo estranho)12,13, porque há relatos em que este procedimento trouxe prejuízos, como fragmentação e retirada incompleta do material, sem resolução do processo8,13. Recomenda-se coletar o maior número de informações relativas à localização do objeto, para executar uma abordagem cirúrgica planejada, oportuna e eficiente7-9,11, minimizando assim o trauma operatório às estruturas nobres da órbita11, bem como o tempo de recuperação do paciente. Há várias técnicas disponíveis para a retirada de corpos estranhos orbitários e a escolha deve ser feita de acordo com cada situação particular2. Cabezas et al., descrevem um método endoscópico para a extração, mas trata-se de uma técnica experimental16. A abordagem transconjuntival é recomendada apenas para corpos estranhos anteriores7, o que explica as falhas prévias na remoção do fragmento localizado posteriormente no cone muscular. Liu et al., afirmam que quando uma técnica cirúrgica falha repetidamente na obtenção dos resultados esperados, o cirurgião deve utilizar outras alternativas viáveis ou encaminhar o paciente em tempo hábil8, atitude corretamente tomada neste caso. O acesso à lesão foi feito pelo teto da órbita. A craniotomia supra-orbitária fornece amplo acesso cirúrgico à órbita com retração cerebral mínima17,18. Ela facilita o acesso a lesões situadas na porção súpero-posterior da órbita, que não são facilmente alcançadas. Jane et al., consideram-na a abordagem de escolha para todas as lesões orbitárias, excluindo aquelas localizadas na sua porção inferior18.

Conclui-se que em caso de trauma de órbita a TC deve ser feita, sobretudo se houver suspeita de trauma por objeto penetrante; que a abordagem cirúrgica deve ser bem planejada para oferecer o melhor resultado cirúrgico ao paciente.

Recebido 8 Agosto 2002, recebido na forma final 16 Janeiro 2003

Aceito 23 Janeiro 2003

Dr. Manoel Baldoino Leal Filho - Rua Thomaz Tajra 1222/300 - 64048-380 Teresina PI - Brasil. E-mail: manoelbaldoino@uol.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2003
  • Data do Fascículo
    Jun 2003

Histórico

  • Aceito
    23 Jan 2003
  • Revisado
    16 Jan 2003
  • Recebido
    08 Ago 2002
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