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EDITORIAL

O número 61 da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros cumpre a nova periodicidade quadrimestral da publicação. Ao mesmo tempo que isso permite um aumento do escoamento da produção científica na área de humanidades, o desafio da manutenção da qualidade se torna maior; afinal, estamos imersos numa cultura acadêmica que tende temerariamente a valorizar mais o plano quantitativo de sua produção. De nossa parte, estamos atentos para que a qualidade não venha a sucumbir, mas, ao contrário, para que se mantenha como a referência fundamental.

Neste número, a Revista do Instituto de Estudos Brasileiros volta a oferecer aos leitores um leque de artigos cujos autores possuem diversas formações e primam por transitar entre várias disciplinas. No primeiro artigo, Jacques Lévy (École Polytechnique Fédérale de Lausanne) pergunta-se sobre a pertinência do surgimento e do fortalecimento de uma geografia que se autodenomina cultural. A partir de sua argumentação teórica refinada e de seu forte interesse por todas as áreas, o autor examina a chamada virada cultural no âmbito das ciências humanas e alerta para os riscos de fazer equivaler (em termos hierárquicos) a noção de cultura à noção de sociedade. Na sequência, dois artigos que tratam das relações que se estabelecem entre a produção musical e a esfera sociocultural. Marcia Tosta Dias (Unifesp) analisa o disco Singin' Alone (1982), de Arnaldo Dias Baptista, destacando o encontro da MPB com o rock, que o artista promove, e a consolidação da indústria cultural no País. Por sua vez, Daniela Vieira dos Santos (Unicamp) examina duas canções de Caetano Veloso de fins da década de 1960, "Eles" (1968) e "A voz do morto" (1968). Nelas, a autora enxerga o luto de preceitos caros à esquerda e à política cultural vinculada ao nacional-popular, tal como Roberto Schwarz identificou no livro Verdade tropical.

Prosseguindo, Alessandra Ancona de Faria (Instituto Avisa Lá) e Ana Angélica Medeiros Albano (Unicamp) estabelecem, de modo original, um diálogo entre teatro e memória aplicado à situação pedagógica nas salas de aula. As autoras revelam a significação do figurino dos professores na relação pedagógica: como dizia Elias Canetti, "o professor é um ator de si mesmo". Também de modo original, a dança aparece no artigo seguinte. Larissa Costa da Mata (UFSC) aborda a série "Os gatos de Roma / Notas para a reconstrução de um mundo perdido" (1957/1958) de Flávio de Carvalho (1899-1973), trabalho de extração nietzschiana e do qual constam também considerações sobre o mimetismo.

Os dois artigos que se seguem estão radicados no campo da literatura brasileira. Patrícia Santos Hansen (ICS-Lisboa) estuda o processo de enquadramento político da memória de Olavo Bilac e discute como o pensamento do poeta foi apropriado em momentos-chave da história política brasileira no século XX. Trabalhando com modernismo e vanguarda, Leandro Pasini (Unifesp) destaca a figura de Maria de Lourdes Castro Pontes — a Daisy ou Miss Cýclone, do diário coletivo O perfeito cozinheiro das almas deste mundo — e apresenta a hipótese de que a imagem incompleta e fragmentária sobre Daisy aponta para uma incompletude da própria noção que temos do modernismo brasileiro.

A seguir, María Amalia García (UBA-Buenos Aires) analisa criticamente a intervenção do grupo de artistas argentinos "Asociación Arte Concreto-Invención" na revistaJoaquim(1946-1948), de Curitiba. A autora destaca o postulado internacionalista que envolveu os projetos dos abstracionistas argentinos e a recepção de suas propostas no contexto brasileiro.

Dois trabalhos de cunho historiográfico fecham a seção. Thaís Chang Waldman (USP) observa Paulo Prado através da lupa de Capistrano de Abreu (1853-1927): Prado descreve Capistrano como o grande responsável por seu interesse pelas coisas brasileiras na diversidade de suas expressões. Pedro Rocha de Oliveira (Unirio) analisa os Regimentos das Missões de 1548 e 1686, sublinhando e discutindo o conteúdo histórico-social moderno do esforço colonial no Brasil.

Em Documentação, dois textos são publicados. Fernanda da Silva Rodrigues Rossi apresenta excertos do Ensayo. Sobre la necesidad de una federación general entre los Estados Hispano-americanos y plan de su organización, de Bernardo Monteagudo, de 1924, texto que testemunha o distanciamento do Brasil em relação à América hispânica na virada do século XIX-XX. Flávia Camargo Toni assinala a "ação combinada entre pesquisadores de universidades do Brasil e dos Estados Unidos" no processo de recuperação de um documento fonográfico de enorme raridade: registros fonográficos de Mário de Andrade, de Rachel de Queiroz e de Mary Pedrosa interpretando seis canções brasileiras para o pesquisador americano Lorenzo Dow Turner em 1940.

Na seção Resenha, a segunda edição do livro Todos entoam, de autoria de Luiz Tatit, é comentada por Cláudia Neiva. Em Notícia, o 1º Encontro de Pós-Graduandos do IEB, realizado em dezembro de 2014, é reportado por Ana Paula Cavalcanti Simioni — no relato, fica claro o caminho consistente que está sendo seguido pelo programa de Pós-Graduação do IEB no âmbito das pesquisas interdisciplinares.

O número 61 também é o último editado pela Comissão que assina este editorial. Em nossa gestão, a Revista do Instituto de Estudos Brasileiros teve a sua estrutura e os seus procedimentos de trabalho aperfeiçoados, o que incluiu um novo projeto gráfico. Tudo isso resultou na manutenção da periodicidade e da devida proporcionalidade entre os artigos estabelecidos como endógenos e os exógenos. Tal condição ocorreu sempre com números editados com volume adequado de textos, cuja qualidade foi constatada por vasto corpo de pareceristas rigorosos. Por seu caráter interdisciplinar, a Comissão Editorial, na medida de suas atribuições, procurou reforçar as áreas com avaliação mais baixa sem descuidar-se da conservação da qualidade das áreas com avaliação superior. Esse conjunto de ações e melhorias, somado à indexação da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros em valorosas plataformas e a uma exposição mais produtiva na comunidade acadêmica, resultou num crescimento exponencial do acesso à publicação, crescimento esse que certamente continuará ocorrendo na gestão da nova Comissão Editorial.

Jaime Tadeu Oliva, Paulo Teixeira Iumatti e Walter Garcia
Editores1

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2015
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